MATRIZES DO PENSAMENTO SOCIAL ANTÔNIO GRAMSCI (23/1/1891-27/4/1937) VIDA Filósofo e político italiano. Teórico marxista fundador do Partido Comunista Italiano (PCI). Nasce em Ales, na Sardenha, e freqüenta a faculdade de letras da Universidade de Turim, onde entra em contato com a ideologia marxista e ingressa no Partido Socialista. Em 1919 abandona o curso para fazer política e funda o jornal de esquerda L''Ordine Nuovo. Ele prega a participação do proletariado na política e faz propaganda a favor da organização de conselhos de trabalhadores fabris. Em 1921, com outros militantes e intelectuais de esquerda, funda o Partido Comunista Italiano. No ano seguinte, representa o PCI na reunião da 3ª Internacional, em Moscou. Retorna à Itália depois de ficar dois anos em Moscou e é eleito para uma vaga na Câmara dos Deputados, tornando-se em seguida líder da bancada comunista. Quando Benito Mussolini dissolve o partido, Gramsci é detido (Preso em 08.11.1926 , devido suas atividades políticas de oposição ao regime fascista) e condenado a mais de 20 anos de prisão. Durante o tempo em que cumpre a pena, escreve seus 32 cadernos de reflexão, publicados postumamente com o título de Lettere del Carcere (Cartas do Cárcere, 1947). O conjunto da obra é considerado um dos mais importantes documentos políticos deste século. Gramsci passa os dois últimos anos de vida hospitalizado em Roma, com tuberculose. Morre em 1937, no hospital, quatro dias depois de obter a liberdade. PRINCIPAL OBRA E PERFIL IDEOLÓGICO "Cadernos do Cárcere" e "Cartas do Cárcere", contêm seu traço do nacionalismo italiano e algumas idéias da teoria crítica e educacional. Para despistar a censura fascista, Gramsci adotou uma linguagem cifrada, em torno de conceitos originais ou de expressões novas. Seus escritos têm forma fragmentária, com muitos trechos que apenas indicam reflexões a serem desenvolvidas. Suas noções de pedagogia crítica e instrução popular foram teorizadas e praticadas décadas mais tarde por Paulo Freire no Brasil. Gramsci desacreditava de uma tomada do poder que não fosse precedida por mudanças de mentalidade. Para ele, os agentes principais dessas mudanças seriam os intelectuais e um dos seus instrumentos mais importantes, para a conquista da cidadania, seria a escola. Gramsci promoveu o casamento das idéias de Marx com as de Maquiavel, considerando o Partido Comunista o novo "Príncipe", a quem o pensador florentino renascentista dava conselhos para tomar e permanecer no poder. Para Gramsci, mais ainda do que para Maquiavel, os fins justificam os meios e qualquer ato só pode ser julgado a partir de sua utilidade para a revolução comunista. Nesse sentido, certamente, Gramsci é um dos maiores teóricos do totalitarismo de todos os tempos. CATEGORIAS GRAMSCIANAS BLOCO HISTÓRICO se refere à questão teórica central do marxismo: a relação entre estrutura e superestrutura, entre teoria e prática, entre forças materiais e ideologia. Gramsci rejeita toda visão determinista e mecanicista desta relação. Não existe uma estrutura que mova de modo unilateral o mundo superestrutural das idéias, não há uma simples conexão de causa e efeito, mas um conjunto de relações e reações recíprocas, que devem ser estudadas em seu concreto desenvolvimento histórico. FILOSOFIA DA PRÁXIS concepção que ele assimila como unidade entre teoria e prática. Discutindo sobre a undécima tese de Marx, que propõe mudar o mundo e não mais interpretá-lo, Gramsci escreve nos Cadernos que essa tese “não pode ser interpretada como um gesto de repúdio a qualquer espécie de filosofia”, mas como “enérgica afirmação de uma unidade entre teoria e prática. [...] Deduz-se daí, também, que o caráter da filosofia da práxis é sobretudo o de ser uma concepção de massa”. E, em outro local, repete: “Para a filosofia da práxis, o ser não pode ser separado do pensamento, o homem da natureza, a atividade da matéria, o sujeito do objeto; se essa separação for feita, cai-se numa das muitas formas de religião ou na abstração sem sentido”. O conceito de “práxis”, como agir individual e social, está no centro de toda a filosofia inaugurada por Karl Marx e pelo seu modo de abordar os problemas da produção e da ciência. Nos chamados Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, que Gramsci não teve a possibilidade de conhecer, Marx escrevia: “Assim como a sociedade produz o homem enquanto homem, ela é produzida por ele”. Essa idéia de que a “produção” ou “práxis humana” engloba não apenas o trabalho, mas também todas as atividades que se objetivam em relações sociais, instituições, carecimentos, ciência, arte, etc., atravessa todo o pensamento de Marx e constitui o seu princípio fundamental. HEGEMONIA O conceito gramsciano de hegemonia se contrapõe, nos Cadernos do cárcere, à idéia de “dominação”. Somente numa fase tosca e primitiva é que se pode pensar numa nova formação econômica e social como dominação de uma parte da sociedade sobre outra. Na realidade, o que uma hegemonia estabelece é um complexo sistema de relações e de mediações, ou seja, uma completa capacidade de direção. ASSIM... Segundo Gramsci, a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos: como domínio (coação) e como “direção intelectual e moral” (consenso). O Estado, pois, nunca é pura força nem a transformação pode ser pura violência. Logo, um grupo dominante não é, só por isso, dirigente e um grupo dominado não está fadado à subalternidade. INTELECTUAL Para Gramsci, intelectual é todo homem, mas só alguns assumem a função intelectual. O intelectual, no sentido gramsciano, é todo aquele que cumpre uma função organizadora na sociedade e é elaborado por uma classe em seu desenvolvimento histórico (desde um tecnólogo ou um administrador de empresas até um dirigente sindical ou partidário), sem esquecer os intelectuais tradicionais, como os membros do clero e da academia (instituições que precedem o modo capitalista de produção). Por intelectuais se deve entender não só as camadas comumente entendidas com esta denominação, mas em geral toda a massa social que exerce funções organizativas em sentido lato, seja no campo da produção, seja no campo da cultura, seja no campo administrativo-político (QC, p. 37). A questão dos intelectuais se relaciona assim estreitamente, na sua teoria política, com a da hegemonia e do consenso. Várias vezes, nas Cartas e nos Cadernos, Gramsci sublinha, com efeito, a distinção entre uma sociedade política (ou um partido, uma classe) que exerça o domínio somente através do aparelho coercivo do Estado, e uma sociedade política que, agregando os intelectuais e as organizações da sociedade civil, seja capaz de exercer o poder através do consenso. Só se demonstrar capacidade de conquistar a adesão não só dos seus “intelectuais orgânicos” (ou seja, aqueles que são a expressão direta de uma determinada classe e dos seus interesses), mas de camadas muito mais amplas de trabalhadores intelectuais, é que uma classe de governo demonstra ser não só “dominante” mas “dirigente”; isto é, desempenha um papel “realmente progressista, que faz avançar realmente toda a sociedade”. SOCIEDADE CIVIL O termo não é usado por Gramsci na mesma acepção de Marx (para o qual a sociedade civil é a sociedade privatista burguesa considerada negativamente: na sua atomização e despolitização), mas sim numa acepção mais ampla que inclui as articulações não imediatamente políticas da organização social moderna. É assim possível um emprego positivo do termo: por exemplo, quando Gramsci fala da “reabsorção” da sociedade política na sociedade civil, a sociedade civil já está próxima, pelas suas características econômicas mas também culturais, da “sociedade regulada”. TEORIA E PRÁTICA Gramsci assim resume este conceito: “nos novos desenvolvimentos do materialismo histórico, o aprofundamento do conceito de unidade da teoria e da prática ainda está numa fase inicial: ainda existem resíduos de mecanicismo. Fala-se ainda de teoria como ‘complemento’ da prática, quase como acessório, etc.” (QC, p. 1.042). Para sair desta fase de menoridade, só resta desenvolver “o aspecto teórico do nexo teoria-prática” (QC, p. 1.386). E o desenvolvimento da teoria em relação à prática significa desenvolvimento de hipóteses novas para as quais a prática servirá como controle. TOTALIDADE A todos aqueles que têm enfatizado, na tradição marxista, uma filosofia da totalidade, deve-se observar, com Gramsci, que “a filosofia da parte precede sempre a filosofia do todo” (CC, v. 1, p. 107).