Direito à morte: autonomia para morrer com dignidade

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO - FDRP
MELINA CHAGAS BARROSO
Direito à morte: autonomia para morrer com
dignidade
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Nojiri
Ribeirão Preto
2014
MELINA CHAGAS BARROSO
Direito à morte: autonomia para morrer com dignidade
Monografia apresentada à Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto, como Trabalho de Conclusão de
Curso,para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Área de Concentração: Filosofia do Direito
Orientador: Prof. Dr.Sérgio Nojiri
Ribeirão Preto
2014
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Barroso, Melina chagas
Direito à morte: autonomia para morrer com dignidade. Ribeirão Preto,
2014.
72 p. ; 30 cm
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentada à Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto/USP.
Orientador: Nojiri,Sérgio.
1. Morte com Dignidade 1. 2. Suicídio-assistido 2.Auto-determinação 3. 3.
I. .Direito à morte: autonomia para morrer com dignidade.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu pai, por todo o apoio e pela presença durante toda a realização
deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Sérgio Nojiri, pelo a inspiração na área de filosofia, pela paciência a
me ajudar a desenvolver esse trabalho.
Aos amigos que sem eles não seria possível a realização desse trabalho, que
sempre ouviram e aconselharam nos momentos mais difíceis e importantes da minha vida.
À Dra. Débora Sakamoto Bidurin, que além de chefe demonstrou-se uma amiga,
entre cafés e conversas, aconselhou-me de forma decisiva na minha formação profissional e
pessoal.
À Maria Helen Rocha Antuniassi que sempre depositou confiança em mim, a
pessoa mais forte e inspiradora que eu tive o privilégio de conhecer.
RESUMO
O artigo 5° da Constituição Federal de 1988 versa sobre direitos fundamentais da pessoa,
sendo dois destes direitos, o direito à vida e à dignidade humana. A dignidade humana é de
difícil definição, pois ela faz parte da construção social. Assim, vem à tona a temática do
direito a morrer com dignidade, direito que não se encontra em nenhum local na Constituição
Federal. O estudo desenvolvido tem como objetivo questionar qual é a motivação da morte
não ser um direito fundamental e como é a liberdade e a autonomia para a escolha do
individuo nesta temática. Especialmente quando se trata de cidadãos com doenças terminais
ou degenerativas. Pois se é definido como direito intrínseco a vida e a dignidade humana, por
que não a morte com dignidade?
ABSTRACT
The 5th article of Federal Constitution deals with fundamental human rights, two of them,
right to life and human dignity. The human dignity is hard to define, because inextricably
takes part of the social construction. Here the matter emerges, the right to die with dignity,
that is not found in any place of Federal Constitution. This study develops the question
aboutthe reason of death not being a fundamental right and how is set liberty and autonomy of
individual for choose under this subject. Especially when the individual means someone with
terminal or degenerative diseases. Because, if is set as a a basic right to life and human
dignity, why not death with dignity?
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................6
1. DIGNIDADE HUMANA E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE ............................8
1.1 Direito e o conceito de dignidade.................................................................................10
1.2 Personalidade jurídica e os direitos da personalidade ..............................................12
1.3 Clausula Geral de proteção de personalidade: o direto à vida (digna) como
pressuposto do direito da personalidade ..........................................................................15
2. VIDA, SOBREVIDA E MORTE ......................................................................................16
2.1 Vida e sobrevida............................................................................................................16
2.2 Construção do conceito de direito à vida digna .........................................................16
2.3 Características da vida digna.......................................................................................18
2.4 Paciente Terminal. A relação de médico e paciente ..................................................20
2.5 Direitos e deveres relacionados à autonomia privada ...............................................22
2.6 Requisitos de validade da autonomia privada ...........................................................23
3. A MORTE E AS RELIGIÕES..........................................................................................25
3.1. Introdução ....................................................................................................................25
3.2. Aspectos Históricos e culturais ...................................................................................25
3.2.1 Judaísmo...................................................................................................................25
3.2.2 Budismo....................................................................................................................27
3.2.3 Islamismo .................................................................................................................30
3.2.3.1 Sobre a ética médica islâmica............................................................................31
3.2.4 Cristianismo .............................................................................................................32
3.2.4.1 Catolicismo Romano .........................................................................................32
4. AUTODETERMINAÇÃO, SUICÍDIO ASSISTIDO E ANÁLISE COMPARATIVA37
4.1 Divinização da vida e a religião ...................................................................................38
4.2 Estado laico e religião ...................................................................................................38
4.3 Estado e vida..................................................................................................................38
4.3.1 Preservação da vida.................................................................................................39
4.3.2 A prevenção do suicídio ...........................................................................................40
4.3.3 A proteção de terceiros ............................................................................................41
4.3.4 A proteção de Ética Médica .....................................................................................42
4.4 Interesses do paciente ...................................................................................................43
4.5 Outras preocupações relevantes......................................................................................44
4.6 Regularização do direito à morte no direito comparado ..........................................45
4.6.1 PAÍSES BAIXOS.......................................................................................................45
4.6.2 BÉLGICA .................................................................................................................46
4.6.3 LUXEMBURGO .......................................................................................................46
4.6.4 SUÍÇA.......................................................................................................................47
6.6.5 Alguns Estados Americanos .....................................................................................48
6.6.6 Análise simplificada das leis sobre o suicídio assistido nos Estados norteamericanos ........................................................................................................................51
5. NORMAS VIGENTES E AVANÇOS LEGISLATIVOS NO BRASIL NO QUE SE
REFERE À MORTE DIGNA................................................................................................52
5.1 Surgimento da regulamentação sobre ortotanásia ....................................................52
5.2 Da Resolução n° 1805/06 ..............................................................................................52
5.3 Resolução CFM nº 1.931/2009 - Novo Código de Ética Médica ...............................57
5.4 Projetos de Lei...............................................................................................................59
5.5 Projeto de Lei 3.002/2008 .............................................................................................60
5.6 Estado Vegetativo Persistente e o PL 6.544/2009.......................................................63
CONCLUSÃO.........................................................................................................................65
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................68
6
INTRODUÇÃO
A vida nos remete à autonomia, aos melhores interesses da pessoa, à aptidão para
manifestação da vontade. Logo, a dignidade humana pode ser traduzida pela garantia de todos
que se reconheçam livres e iguais em direitos. Assim, para que ocorra a efetivação desta
dignidade mostra-se necessário uma maior conscientização de que cada um tem seus próprios
interesses críticos, cada pessoa é dotada de um padrão moral que lhe é próprio. Pela lógica
desta ideia, é inquestionável que tal direito está intrinsecamente ligado ao conceito de
liberdade, que embora cultuado mundialmente, acaba por ser muitas vezes em seus termos
mais básicos ignorado.
O estudo de tal temática tem como foco os pacientes de doenças degenerativas
e/ou terminais que não tem mais desejo à mera sobrevivência, pois esta lhe causa dor e
sofrimento, não apenas para si, mas também para as pessoas que estão a sua volta. Para esse
desejo ser efetivado, fica evidente a utilidade da morte assistida ou eutanásia para resolução
desta problemática.
Para a realização deste trabalho foi proposto, inicialmente um estudo sobre a
dignidade humana e os direitos da personalidade. Este foi desenvolvido com base filosofia
Kantiana que ligou o conceito dignidade humana ao de autodeterminação do ser.
Além disso, apresenta-se uma explanação do conceito de dignidade de acordo
com o Estado democrático de direito e suas abordagens jurídicas. Observa-se que embora
aperfeiçoado pela Constituição de 1988, a dignidade ainda apresenta seu conceito jurídico
indeterminado.
Posteriormente, deu-se um estudo sobre os conceitos de vida, sobrevida e morte.
Como esses conceitos foram construídos culturalmente e o surgimento do conceito de morte
digna. Com isso foi necessária à pesquisa das características que compunham esta vida digna.
Com isso, foi possível analisar hodiernamente o conceito de integração do homem
e seu meio social e qual a aplicabilidade das normas jurídicas na temática. Nesse, tornou-se
evidente a importância da relação do médico e paciente, para que fosse clara a aplicação da
autonomia privada do paciente e os direitos e deveres do médico.
7
O conceito de vida e morte está intrinsecamente ligado à crença dos indivíduos,
posto isso foi clara a necessidade de uma pesquisa de como as principais religiões atuais
enfrentam a morte. Logo, foi estruturado um capítulo com o intuito de explanar o que cada
uma das principais religiões – Judaísmo, Budismo, Islamismo, Cristianismo - entende da
morte, do suicídio assistido e da eutanásia.
Posteriormente, foi feita uma analise da divinização da vida e da religião, como a
religião influencia o Estado, supostamente laico, e sua legislação. Em seguida observou-se
qual do deveria ser o poder do Estado no que concerne à vida privada dos indivíduos.
No que se refere ao Estado foram levantados quatro pontos nos quais ele
teoricamente deveria responsabilizar-se, quais sejam, a preservação da vida; a prevenção do
suicídio; a proteção de terceiros; e por fim, a proteção da ética médica.
Em contrapartida, foi desenvolvido um tópico sobre os interesses do paciente e
outras preocupações relevantes concernentes à autodeterminação e à terminalidade da vida.
Por fim, realizou-se um estudo comparado entre os países que regularizaram o
suicídio assistido e a eutanásia. Com isso deu-se a análise legislativa brasileira e sua evolução
e o posicionamento do Conselho Federal de Medicina.
8
1. DIGNIDADE HUMANA E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Um dos pilares que sustenta a dignidade humana, atualmente, é a liberdade em
sua forma mais ampla, pois esta permite o homem exercer seus direitos individuais e
existenciais.
O outro pilar sobre qual a dignidade da pessoa humana está apoiado é a
igualdade entre os seres humanos.
A declaração dos Direito Humanos, em seu artigo 1º, destaca os dois pilares da
dignidade humana: “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotados de razão e consciência e devem agir em relação umas as outras com espírito de
fraternidade” 1.
Immanuel Kant, em seu livro “Fundamentos da Metafísica dos costumes”, foi
um dos primeiros filósofos a tratar do conceito de dignidade humana e sua ligação intrínseca
com a vontade autodeterminação do ser, ao afirmar “o homem – e, de uma maneira geral, todo
o ser racional – existe em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou
daquela vontade” 2.
Kant extraiu o princípio fundamental de sua ética: “age de tal maneira que tu
possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente, como fim e nunca simplesmente como meio3”.
O reconhecimento do outro significa o reconhecimento de sua própria
humanidade, pois o homem não é uma coisa, logo não é um objeto passível de ser utilizado
como simples meio, mas como deve ser considerado sempre e em todas as ações como fim em
si mesmo.
1
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA
(UNESCO). Declaração Universal dos Direitos Humanos, 10 de dezembro de 1948. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em: 14 ago2014.
2
KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martin Claret, 2008.
p. 58.
3
Ibidem, p. 59.
9
Kant considera a dignidade um valor incondicional e incomparável, com a
ideia de que esta tem plena relação com a palavra respeito, expressão esta conveniente, pois
ilustra o caráter único e insubstituível da dignidade.
Ainda afirma em contraposição a valoração: “Quando uma coisa tem preço, pode
ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço,
e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade” 4.
A complexidade inerente ao conceito de dignidade demonstra que existe grande
dificuldade em defini-lo. Assim é necessário analisar tal conceito à luz do ordenamento
jurídico e dos influxos históricos e culturais de cada sociedade.
O dado
cultural
está intrinsecamente ligado
à noção
de dignidade;
Comportamentos considerados degradantes ou inaceitáveis em uma sociedade podem ser
considerados normais em ambientes diversos. Tais diferenças tendem a ser mais proeminentes
quando analisadas de forma comparada, como por exemplo, as de países ocidentais e países
orientais. Contudo, mesmo em sociedades próximas tais distinções são latentes.
Não obstante, há de se considerar também o fator econômico. Frequentemente,
quando uma sociedade apresenta-se economicamente mais desenvolvida, o conceito de
dignidade aparece de forma mais alargada do que o conceito em alguns países mais pobres.
Trata-se de uma tendência, é um fenômeno observável que certos atos considerados ofensivos
à dignidade de uma pessoa em uma sociedade economicamente desenvolvida são aceitáveis
ou indiferentes em sociedade economicamente menos desenvolvida.
Tais diferenças, porém não eliminam o caráter universal da ideia de respeito a
dignidade humana ou da existência de um direito inato da pessoa a ser tratada dignamente.
Ingo Sarlet enfatiza que: a dignidade é algo real, já que não se verifica maior
dificuldade em identificar as situações em que é espezinhada e agredida.5Existem, com efeito,
a dignidade parece revelar-se com clareza em algumas situações concretas de violação.
Todavia, a complexidade das relações sociais desafia constantemente o juízo, apresentando
situações diante das quais o intérprete hesita.
4
5
KANT, p. 65.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2008.p. 18.
10
1.1 Direito e o conceito de dignidade
O direito não é apenas um sistema de regras, mas também de princípios, que
atuam como fontes primárias, sobrepondo-se inclusive aos textos legais.
Impõe-se, admitir, porém, que a introdução do princípio da dignidade
humana no texto constitucional é importante para a sua efetiva proteção e o seu amplo
desenvolvimento pelos órgãos públicos em geral e, em especial, pelos órgãos de aplicação do
direito. Como observa Ingo Sarlet: “a dignidade evidentemente não existe apenas onde é
reconhecida pelo Direito e na medida em que este a reconhece, já que constitui dado prévio,
não esquecendo, todavia, que o Direito poderá exercer papel crucial na sua proteção e
promoção” 6.
Poder-se-á ter como ideia a dignidade da pessoa humana como um valor em
si, revelado pela moral, que é próprio do gênero humano não coexistindo com preconceitos,
sendo ainda, independente de crédulo ou confissão. Deve ser tal o fundamento do Estado
Democrático.
Vale ressaltar a lição do Professor Fernando Capez:
Qualquer construção típica, cujo conteúdo contrariar e afrontar a dignidade
humana será materialmente inconstitucional, posto que atentória ao próprio
fundamento da existência de nosso Estado7.
Fica fácil notar que o conceito da dignidade da pessoa humana permeia toda a
Carta, tendo no Art. 1º inciso III, a costura perfeita entre o texto principal e o preâmbulo, pois,
quando este fala de direitos individuais, de liberdade, de igualdade, de justiça e tudo sem
preconceitos, aquele, trás como fundamento ou alicerce da Constituição a dignidade da pessoa
humana, mais adiante, ainda, existe o Art. 4º, inciso II, trazendo os direitos humanos como
regente da Republica e o Art. 5º, que fala da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
segurança e à igualdade.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
6
7
op. cit. p 41-42.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 13. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 07.
11
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelos seguintes princípios: [...]
II - prevalência dos direitos humanos;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade. 8
Cada direito humano pressupõe o dever moral de respeitar o outro enquanto fim
em si mesmo, isto é, enquanto humanidade, os direitos humanos, pois, implicam em
universalidade da dignidade \da pessoa humana e desprezar os outros significa negar-lhes o
respeito devido aos direitos humanos.
No ordenamento jurídico brasileiro, destacou-se a Constituição Federal de 1988,
que estabeleceu parâmetros e princípios que devem ser observados por todos, principalmente
pelo legislativo. Houve uma valorização do conceito da dignidade da pessoa humana, como
um valor absoluto para as liberdades individuais, sendo ainda, essencial para o sistema
jurídico.
Como este conceito é histórico, temos por certo que, nos dias atuais sua amplitude
esta nos limites do respeito ao próximo, não havendo espaço para qualquer tipo de
preconceito, devendo sempre labutar para que ninguém seja menosprezado.
A ideia de dignidade encaixa-se no conceito jurídico de indeterminado, este por
sua vez, é entendido como um dispositivo vago e que também possibilita interpretação ampla,
não depende de edição posterior de outra norma. É instituto de grande amplitude, ou de
fluidez, como caracteriza o jurista Bandeira de Mello9.
Tal expressão é compreendida por Frederico do Valle Abreu10 como:
8
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 14 ago. 2014.
9
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. São Paulo: Malheiros,
2007. p. 29.
10
ABREU, Frederico do Valle. Conceito jurídico indeterminado, interpretação da lei, processo e suposto poder
discricionário do magistrado. JusNavigand, maio 2005. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/6674/conceito-juridico-indeterminado-interpretacao-da-lei-processo-e-supostopoder-discricionario-do-magistrado>. Acesso em: 10 mar. 2014.
12
a vaguidade semântica existente em certa norma com a finalidade de que ela,
a norma, permaneça, ao ser aplicada, sempre atual e correspondente aos
anseios da sociedade nos vários momentos históricos em que a lei é
interpretada e aplicada.
Em livro, ao analisar as cláusulas gerais, Judith Martins-Costa11 e outro
dispõem que “conceitos jurídicos indeterminados” seriam aqueles “cujos termos têm
significados intencionalmente vagos e abertos”.
Os juristas aduzem ainda que estes conceitos são estruturados de maneira “vaga”,
permitindo o surgimento de novas normas advindas da relação destes conceitos
indeterminados com “princípios, diretrizes e máximas de conduta”. São institutos, segundo os
doutrinadores, de grande abertura semântica.
Em seu estudo assevera que as cláusulas gerais12 são procedidas mediante os
referidos conceitos, vale dizer, os conceitos jurídicos indeterminados viabilizam o ingresso de
cláusulas gerais no nosso sistema normativo.
Em sede de estudo jurídico destaca-se a atenção que deve ser conferida a tais
institutos vagos e de grande amplitude, que possibilitam as mais diversas interpretações da
“finalidade” ou do “intuito” da norma. Tais disposições não se encontram no ordenamento
apenas para servir à discricionariedade do julgador, de maneira que se deve questionar qual a
razão de sua existência.
1.2 Personalidade jurídica e os direitos da personalidade
É imperioso observar que concomitantemente ao conceito de dignidade da pessoa
humana, os fundamentos da personalidade jurídica, fundamentam-se as múltiplas e variadas
atividades desenvolvidas modernamente pelo ser humano.
A Constituição de 1988 reafirmou o valor jurídico da dignidade da pessoa
humana, pois este conceito é centro de todo nosso sistema jurídico, sendo que as normas são
feitas para a pessoa e para a sua realização existencial.
Enfim, o postulado fundamental da ordem jurídica brasileira é a dignidade
humana, enfeixando todos os valores e direitos que podem ser reconhecidos à pessoa humana,
11
MARTINS-COSTA, Judith. BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil
Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 117/119.
12
Referidos como verdadeiros standards em no nosso ordenamento jurídico como diretriz do Código Civil de
2002, conforme os autores.
13
englobando a afirmação de sua integridade física, psíquica e intelectual, além de garantir o
livre desenvolvimento da personalidade.
Relevante esclarecer que a dignidade humana não é criação da ordem
constitucional, muito embora seja por ela tutelada. Maria Celina Bodin de Moraes afirma que
esta é “o valor supremo de alicerce de ordem jurídica democrático13”. Logo, esse valor
permeia todas as relações jurídicas estabelecidas em nosso sistema.
A dignidade humana propulsiona a intangibilidade humana, tendo como
consectários naturais o respeito à integridade física, e psíquica das pessoas, a admissão da
existência de pressupostos materiais, mínimos para a sobrevivência da pessoa e o respeito
pelas condições fundamentais de igualdade e liberdade.
Uma das esferas do direito que se apresenta de forma latente é no Direito Civil
brasileiro, assim na modernidade da aplicabilidade do direito civilista deve assegurar a
dignidade da vida humana de forma integral e prioritária.
Como exemplo, o Tribunal Constitucional da Espanha consignou: “A dignidade é
um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que leva a pretensão ao respeito
por parte/ aos demais” 14.
Nessa vertente, surge o conceito de personalidade jurídica, que parte do mínimo
ético e de um mínimo existencial, que não podem violar o Poder Público, nem os demais
membros da sociedade privada. Ou seja, diz respeito ao reconhecimento à pessoa para que
possa viver dignamente.
Essa compreensão está diretamente ligada à dimensão individual, quanto à
dimensão social do ser humano. Assim, a personalidade jurídica titulariza uma tutela jurídica
especial consistente em reclamar direitos fundamentais, imprescindíveis ao exercício de vida
digna.
Gustavo Tepedino ensina que a titularidade exercida pela personalidade da pessoa
deve ser considerada como “valor máximo do ordenamento, moderador da autonomia privada,
capaz de submeter toda a atividade econômica a novos critérios de validade15”.
De forma consoante Maria Helena Diniz, juntamente à Gofredo da Silva Teles, “a
personalidade consiste no conjunto de caracteres da própria pessoa. A personalidade não é um
direito. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de
13
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil, Teoria Geral. 6. ed. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2007. p. 98
14
SARLET, op. cit., p. 42.
15
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 47.
14
direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que possa
ser o que é16”.
Logo, a personalidade é parte integrante da pessoa. É uma forma intrínseca,
permitindo que o titular venha a adquirir, exercitar, modificar, substituir, extinguir ou
defender interesses.
Amaral afirma, “a personalidade, mais do que qualificação formal, é um valor
jurídico que se conhece nos indivíduos em por extensão, em grupos legalmente constituídos,
materializando-se na capacidade jurídica ou de direito17”.
Enfim, além de servir como fonte de afirmação da aptidão genérica para titularizar
relações jurídicas, a personalidade descreve o maior valor do ordenamento jurídico, tendo
função alicerçar todo o ordenamento jurídico. É um valor ético, oriundo da Carta Magna,
especialmente da dignidade da pessoa humana.
Nessa ordem de ideias, é possível asseverar os direitos da personalidade aqueles
direitos subjetivos reconhecidos à pessoa, tomada em si mesma e em suas necessárias
projeções sociais. Ou seja, são direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana, em
que se convertem as projeções física, psíquicas e intelectuais de seu titular, individualizando-o
de modo a lhe emprestar segura e avançada tutela jurídica.
Orlando Gomes ensina que nos direitos de personalidade estão compreendidos os
direitos essenciais à pessoa humana, a fim de resguardar a sua própria dignidade18.
Em síntese oportuna de Gustavo Tepedino descreveu: “os direitos atinentes à
tutela da pessoa humana são considerados essenciais à sua dignidade e integridade” 19.
Retomando a ideia à luz do que foi a apresentado, é válida a linha de pensamento
de que a garantia de uma proteção mínima à personalidade é fruto da preocupação afirmada
pelo avanço da cultura do ser humano. Seguindo a célebre estudiosa Hannah Arendt, “os
direitos não são um dado, mas um construído20”.
Os direitos da personalidade são absolutos, indisponíveis, relativamente,
imprescritíveis e extrapatrimoniais.
16
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 20. ed., rev. e aum. de acordo com o novo código.
São Paulo: Saraiva, 2003. v.1. p. 81.
17
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 220.
18
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996 p. 153.
19
TEPEDINO, op. cit., p. 40.
20
ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Editora, 1979.
15
1.3 Clausula Geral de proteção de personalidade: o direto à vida (digna) como
pressuposto do direito da personalidade.
Senise Lisboa afirma que “todos os direitos da personalidade decorrem da
existência, ainda que pretérita, da vida21”, permitindo antever a existência de um pressuposto
lógico aos direitos da personalidade.
Tepedino analisa a Constituição e esclarece que as regras as quais esta se pauta
“condicionam o intérprete e o legislador ordinário, modelando todo o tecido normativo
infraconstitucional com os preceitos axiológicos eleitos pelo constituinte22”, ou seja, uma
verdadeira cláusula geral da personalidade (a dignidade humana).
A defesa da vida com dignidade é objetivo constitucionalmente assegurado pelo
Poder Público. Logo, funciona como uma clausula geral que impulsiona o que esta expressa
na ordem constitucional e infraconstitucional.
Assim, considerando a multiplicidade de situações que expõe a pessoa humana na
pós modernidade em que vivemos, apenas com um claro reconhecimento de uma clausula
geral de proteção (art. 1º, III, CF), de conteúdo principiológico, a ser preenchido em caso
concreto pela jurisprudência, auxiliada pela doutrina, é que se pode garantir, eficazmente, a
tutela da pessoa humana, impedindo violações das mais variadas naturezas ao ser humano.
Com um pensamento lógico, que com o conceito de dignidade da pessoa humana
sendo um valor preenchido concretamente, chega-se à ilação da existência à morte digna.
Afora isso, vale esclarecer que a pessoa humana pertence direitos que implicam
no reconhecimento da titularidade sobre o seu corpo. Por isso, não se pode vedar a sua
participação em tratamentos terapêuticos e científicos. O profissional de Medicina tem que
atuar em conjunto com o paciente, orientando amplamente sem coagir e sem menosprezar a
vontade. É o chamado consentimento informado. Este, por sua vez, será explicado
posteriormente.
21
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: teoria geral do direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. v.1. p. 95.
22
TEPEDINO, op. cit., p. 47.
16
2. VIDA, SOBREVIDA E MORTE
2.1 Vida e sobrevida
A vida é um valor construído pela humanidade. Tal construção pode ser associada
ao caráter associativo das pessoas, por diversas necessidades, tais quais como os aspectos
matérias, espirituais, afetivos e intelectivos, montaram a valoração da vida como se observa
hodiernamente.
A valoração da vida foi concebida a partir da construção cultural e social da
humanidade. Logo, cada sociedade dotada de seus credos e costumes passa a respeitá-la de
formas diferenciadas.
Inicialmente, através dos séculos o que existia era a origem humana e social deste
direito, ou seja, não existia qualquer formalização da garantia do direito à vida, a sua proteção
era feita de forma reflexa, no sentido de quem desrespeitasse a vida era punido.
Posteriormente, a vida passou a ser um bem jurídico. No Brasil, iniciou-se com a
atribuição à pena ao homicida em seu Código Penal em 1830. Apenas com a Carta Magna de
1988, o direito a vida passou a ser inserido no caput do artigo 5°.
A evolução da medicina criou diversas discussões acaloradas sobre a vida e sua
manutenção. Contudo a discussão que permeia tal ponto está na ideia de qualidade de vida,
como construção diária. Dai questiona-se se os pacientes têm direito à autonomia a morrer
com dignidade ou devem sobreviver, mesmo que vegetativamente, até uma parada respiratória
ou uma morte encefálica.
Existem pacientes com lesões de doenças degenerativa, às quais a medicina ainda
não descobriu cura, observam sua vida esvair-se, entre uma perda de consciência e outra.
Logo, passam a depender da boa vontade alheia para realizar tarefas mais que básicas.
Existem determinadas situações que nem a assistência de outros pode garantir seus direitos.
2.2 Construção do conceito de direito à vida digna
17
É necessária uma breve análise histórica para que se possa vislumbrar o
paradigma da dignidade da vida. Essa análise histórica pauta-se na ideia do individuo e seu
próprio corpo. Inicia-se com a Lei da XII tábuas, que tem importância marcante na historia do
direito, pois este foi pilar da formação do Direito Civil e das ações da lei, das quais se
encontra disposições sobre o tratamento dispensado ao ser humano.
Por volta de 462 a.C., o valor do individuo iniciou-se com base em seu patrimônio
e seu poder na sociedade em que vivia. Era permitida a morte e o acorrentamento de seres
humanos, nas situações em que devedores não cumprissem o compromisso de saldar suas
dívidas.
Outro exemplo de desrespeito à vida aparece na Tábua Quarta, que versa sobre o
pátrio poder e afirma: a) é permitido ao pai matar o filho que nasce disforme, mediante
julgamento de 5 vizinhos; b)O pai terá sobre os filhos nascidos de casamento legitimo o
direito de vida e morte e o poder de vende-los.
Também sobre delitos a Sétima Tábua estabelecia: “16) Se alguém profere falso
testemunho, que seja precipitado na rocha Tarpéia; 17)Se alguém matou um homem e
empregou feitiçaria e veneno, que seja sacrificado com o ultimo suplicio; 18)Se alguém
matou o pai ou a mãe, que se lhe envolva a cabeça, e seja colocado em um saco costurado e
lançado no rio”
A Lei das XII Tábuas também punia com morte os delitos lesa-patria: “3. Se o
juiz ou arbitro indicado pelo magistrado recebeu dinheiro para julgar em favor de uma das
partes em prejuízo de outrem, seja morto; 6. Se alguém promove em Roma assembleias
noturnas, que seja morto; 7. Se alguém insuflou o inimigo contra a sua Pátria ou entregou um
concidadão ao inimigo, que seja morto.”.
Situações relacionadas a crédito eram comuns, pois a valoração da vida era
equiparada ao um valor patrimonial, de dívidas pecuniárias.
Na evolução do Processo Civil romano, paulatinamente, foram criadas
dificuldades em relação à força física como sanção ao devedor. Mas o divisor de águas entre a
responsabilidade pessoal e a responsabilidade patrimonial foi verificada com o surgimento da
Lex Poetelia Papiria, que proibiu cadeia e grilhões, a morte ou venda de do devedor como
escravo, passando a admitir a substituição da execução pessoal pela execução patrimonial.
18
Logo, com o advento da Lex Poetelia, ocorreu uma maior valoração da vida, que
se demonstram com a proibição da morte e acorrentamento do devedor; institucionalização do
que era antes simples alternativa oferecida ao credor, ou seja, a satisfação do crédito mediante
a prestação de trabalhos forçados; a possibilidade do devedor a responder suas obrigações
com o patrimônio que tivesse e não mais com o próprio corpo.
A conclusão que se pode obter disso é a grande valorização do “bem comum”,
“função social”, “felicidade de muitos”, sobre os direitos individuais.
Outro exemplo, da supervalorização da coletividade perante a individualidade
ocorria na Índia antiga, onde quando alguém tinha uma doença incurável contagiosa, eram
conduzidos por seus parentes ás margens do Ganges, asfixiados com barro na boca e no nariz
por barro e arrojados ao rio sagrado.
Ocorria uma desumanização do humano em Razão do Estado, a valorização da
individualidade do ser quando não inexistente, era precária.
A prevalência do individuo perante o Estado se deu com a Revolução Francesa,
com o interregno socialista, de submissão ao interesse comum e agora se volta a origem
individualista, valorizando a solidariedade.
2.3 Características da vida digna
Essa nova valoração da individualização e, consequentemente, da vida digna
suscitou várias premissas, tais quais: Até que ponto a vida humana deverá ser preservada?
Como a qualidade de vida deverá ser ponderada? Há de serem utilizados processos
terapêuticos cujos efeitos mais nocivos do que os efeitos do mal a curar? Seria válido sedar a
dor se de tal ato cuja consequência será o encurtamento da vida? Como lidar com portadores
de doenças congênitas do sistema nervoso central, cujas vidas, se mantidas significarão
sofrimento permanente ou estado vegetativo de vida?
Não se pode privilegiar apenas a dimensão biológica da vida humana,
desconsiderando a qualidade de vida do individuo. O Estado democrático de direito não pode
apoiar a ideia de prolongar a o máximo possível o funcionamento do organismo de pacientes
terminais, ainda mais se utilizando de meios artificiais. Pois isso traria grande sofrimento ao
19
paciente e sua família. O ser humano é composto de diversas dimensões, não apenas a
biológica. Tais dimensões compõem a qualidade de vida da pessoa. O prolongamento da vida
humana apenas deve ser justificado caso possa oferecer algum benefício às pessoas. Contudo,
esse benefício não poderá ferir a dignidade do viver e do morrer.
Alfonso Garcia Rubio descreve a pessoa e suas dimensões fundamentais: “O
específico da pessoa aparece bem destacado quando se articulam adequadamente os dois
aspectos básicos constitutivos do ser pessoal: a interiorização ou imanência e a abertura e a
transcendência. A dimensão de interiorização ou imanência: a pessoa deve estar centrada em
si própria, orientada para a própria interioridade. Esta dimensão pode ser desdobrada da
seguinte maneira: Auto possessão: a pessoa se auto pertence, possui autonomia própria no
nível ôntico. Como conseqüência a pessoa não é propriedade de outro. Qualquer tipo de
escravidão é atentado contra a dignidade da pessoa. Liberdade e responsabilidade: a pessoa é
capaz de escolher determinados valores em si mesma. Consequência: repugna dignidade da
pessoa todo tipo de manipulação. O respeito real à liberdade e responsabilidade concretas de
cada pessoa é indispensável para o crescimento da humanização do homem. Perseidade: a
pessoa tem a si mesma sua própria finalidade. No seu agir, a pessoa, acima de tudo se auto
realiza como ser pessoal. Consequência: a pessoa não é um objeto ou um mero instrumento
para ser usado e depois deixado de lado. Tratar uma pessoa como mero instrumento para
finalidade exterior à sua própria pessoa é outro grave atentado contra a sua dignidade23.”
A morte pode ser considerada apenas mais uma etapa da vida. Um caminho que
todos cumpriremos, integra a condição humana. A dignidade e a liberdade são valores
intrínsecos à vida humana. A Constituição Federal de 1988 erigiu esses valores como
princípios fundamentais. Maria Helena Diniz ensinou:
O ser humano é aquele que possui a liberdade, que tem a possibilidade de, ao
menos teoricamente, determinar seu 'dever-ser'. É essa possibilidade que
deve ser levada em conta, respeitada, considerada. A essência da dignidade
do ser humano é o respeito mútuo a essa possibilidade de escolha. A
especificidade do ser humano é sua liberdade. A dignidade a ele inerente
consistirá no respeito a essa possibilidade de escolha24.
Assim valora-se a autodeterminação do ser, que se enquadra perfeitamente no
conceito de dignidade. O ser autônomo se autoconstrói, percebendo a si e ao outro, integrando
um meio social.
23
24
RUBIO, Alfonso García. Unidade na pluralidade. 2.ed. São Paulo: Paulinas, 1989. p. 249- 250.
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001.
20
De acordo com Eduardo Bittar, em seu livro “Curso de filosofia do direito”:
Seja qual for o nosso conceito de integração do homem no meio social (...)
sempre, em face das mais variadas circunstâncias, o homem se dá e se
reserva, é parte e é todo, confunde-se e se afirma, alia-se e se isola,
invariavelmente duplo.25
Ainda Lucília de Almeida Neves afirma:
"O certo é que o direito se refere à pessoa, enquanto é esta que se engaja na
sociedade (...). O Direito terá, assim, como motivo determinante, assegurar,
numa sociedade de todos, o respeito a essa totalidade, e o seu fim há de ser o
de criar condições dentro das quais a pessoa se possa afirmar como um todo
e possa realizar suas aspirações de todo independente e livre. O Direito será
uma técnica de superação do individual no homem, que, por natureza, é
animal político."26
2.4 Paciente Terminal. A relação de médico e paciente
Muito mais que negócio jurídico, a relação médico-paciente apresenta-se como
base da ciência médica, e tem como objetivo o comprometimento para com a saúde, o bemestar e a dignidade. Assim, a relação médico-paciente, mais do que patrimonial, é uma relação
que objetiva um valor existencial e encontra-se submetida e informada pelo princípio da
dignidade.
No campo biológico, o poder de autodeterminação do paciente pode ser
sintetizado na expressão consentimento informado. Contudo no Direito, tal denominação tem
outra serventia, qual seja a da autonomia privada ou autonomia da vontade.
Segundo o renomado professor, Francisco Amaral autonomia privada é “o
princípio pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato jurídico, determinando-lhe
o conteúdo, a forma e os efeitos27”.
A autonomia privada encontra-se englobada por dois agentes públicos que
conferem a mesma respaldo, são a ordem pública e os bons costumes. Esses permitem ao
25
BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas,
2001. p. 454.
26
NEVES, Lucília de Almeida; DULCI, Otávio Soares; MENDES, Virgínia dos Santos (orgs.). Edgar de Godói
da Mata-Machado: fé, cultura e liberdade. Belo Horizonte: UFMG, 1993 apud AFONSO, Elza Maria Miranda.
O direito fundado na dignidade do homem. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 2,
n. 3-4, 1-2 sem. 1999. p. 46.
27
AMARAL, op. cit., p. 337.
21
sujeito determinar o conteúdo, a forma e os efeitos do seu ato jurídico. Sobre essa temática
Francisco Amaral ensina:
A autonomia privada constitui-se, portanto, em uma esfera de atuação do
sujeito no âmbito do direito privado, mais propriamente um espaço que lhe é
concedido para exercer a sua atividade jurídica. Os particulares tornam-se,
desse modo, e nessas condições, legisladores sobre seus próprios
interesses28.
Sobre os interesses do paciente, em 1970 em Lasing, num Workshop Sobre “O
doente Terminal e a Pessoa que o ajuda” foi criado a seguinte Declaração:
Declaração de Direitos da Pessoa Moribunda
Eu tenho o direito de ser tratado como um ser humano até a minha morte.
Eu tenho o direito de conservar o sentimento de esperança seja qual for a
variação em sua focalização.
Eu tenho o direito de ser cuidado por aqueles que podem manter um
sentimento de esperança, seja qual for a mudança que possa ocorrer.
Eu tenho o direito de exprimir os meus sentimentos e emoções a respeito de
minha morte próxima, à minha maneira.
Eu tenho o direito de não ser enganado.
Eu tenho o direito de ser ajudado, assim como a minha família, a aceitar a
morte.
Eu tenho o direito de morrer em paz e com dignidade.
Eu tenho o direito de manter a minha personalidade e não ser julgado por
minhas decisões que podem ser contrárias às crenças dos outros.
Eu tenho o direito de participar das decisões sobre a minha assistência.
Eu tenho o direito de exigir a continuada assistência médica e de
enfermagem, mesmo embora as metas de ‘cura’ possam ser mudadas pelas
metas de ‘conforto’.
Eu tenho o direito de não morrer sozinho.
Eu tenho o direito de ser libertado da dor.
Eu tenho o direito de ter as minhas perguntas respondidas honestamente.
Eu tenho o direito de discutir e aumentar as minhas experiências religiosas
e/ou espirituais, independente do que possam significar para os outros.
Eu tenho o direito de exigir que a inviolabilidade do meu corpo seja
respeitada após a morte.
28
AMARAL, op. cit., p. 338.
22
Eu tenho o direito de ser assistido por pessoas carinhosas, sensíveis e com
capacidade de sentir prazer em me ajudar em face da morte.
Essa declaração expressa bem os deveres médicos não só de assistência, mas de
transparência, com ampla informação ao paciente e à sua família. Tal declaração surgiu
devido ao desenvolvimento tecnológico que distanciou muito o médico de seu paciente.
Os médicos são especialistas, ou seja, apenas tratam determinados males de
alguns, algumas doenças especificas. Muitas vezes não chegam a conhecer seus pacientes.
A relação médico-paciente estabelece entre ambos um vinculo contratual. Mas
conforme já afirmado, não se trata de um simples negócio jurídico, o médico tem como
dever/comprometimento o para com a saúde, o bem-estar e a dignidade do individuo.
2.5 Direitos e deveres relacionados à autonomia privada
Aqui vale uma análise do texto normativo aprovado pelo Congresso dos Estados
Unidos, em 1991, que trata das relações médico-paciente - The Patient Self-Determination
Act ou Ato – Determinação do Paciente.
Os atos que antecederam esse marco jurídico foram descritos por Joaquim Clotet:
O Estado da Califórnia reconheceu, em 1976, o direito do paciente de
recusar o tratamento que o mantinha com vida, Natural Death Act. Em 1983,
a Comissão Presidencial para o Estudo de Problemas Éticos na Medicina
publicou o informe Deciding to Foregn Life Sustaining Treatment, que
expõe as opiniões claras e razoáveis da Bioética na forma de recomendações.
Em 1985, a Sociedade Médica de Massachusetts aprovou a seguinte
resolução, motivada pelo caso Paul Brophy: ‘A Sociedade Médica de
Massachusetts reconhece o direito de autonomia dos pacientes terminais e
dos indivíduos em estado vegetativo que tenham manifestado previamente
sua vontade de recusar o tratamento, incluído o uso da hidratação parenteral
e alimentação enteral por sondas entéricas. O cumprimento desta resolução
por um médico não constitui uma prática contrária à ética, sempre que o
médico e a família estejam de comum acordo quanto ao tratamento a ser
prestado’. Em 1986, o Conselho de Assuntos Éticos e Judiciais da
Associação Médica Americana publicou, entre outras, as seguintes
orientações: ‘Ainda no caso em que a morte não seja iminente, mas no qual o
estado de coma do paciente é, sem dúvida alguma, irreversível, existindo
garantias para confirmar a precisão do diagnóstico, e contato e assessoria
23
daqueles que têm a responsabilidade do cuidado do paciente, não é contrário
à ética sustar o tratamento médico que prolonga a vida29”.
Pode-se afirmar que a partir desse marco a autonomia privada do paciente foi
sendo gradativamente reconhecida, culminando no PSDA.
A PSDA pode ser reconhecida também no direito do paciente em recusar o
tratamento médico designado. Nos centros médicos, em que a admissão do paciente, ocorre o
registro da possibilidade de escolha perante incapacidade superveniente de exercício de
própria autonomia. Estas são conhecidas como as advance directives, previstas nessa lei.
As advance directives tem como objetivo possibilitar que o paciente antecipe as
decisões perante as diretivas adotadas em caso de internação, caso não possa mais manifestar
sua vontade. Essas foram dividas em 3 formas: a) living will; b)durable power of attorney for
helth care; c)advanced core medical directive.
O primeiro, “testamento em vida”, tem como objetivo estabelecer os tratamentos
médicos indesejados, caso o paciente entre em estado de inconsciência ou esteja em estado
terminal. Podem ser exemplos, a ressuscitação ou sobre a recusa da entubação.
O durable power of attorney for helth care caracteriza-se
por estipular um
representante para decidir e tomar providências cabíveis pelo paciente.
E o advanced core mecidal directive refere-se ao estado terminal do paciente, por
esse instrumento o paciente descreve os procedimentos aos quais não quer ser submetido e
estabelece seu representante.
2.6 Requisitos de validade da autonomia privada
Para que o paciente possa manifestar sua vontade com plena convicção, foram
estabelecidos alguns requisitos para que a autonomia privada tenha validade e efeitos
jurídicos, quais sejam: informação, discernimento e ausência de condicionadores externos.
Assim com o objetivo de que a escolha seja livre em relação às diretivas
antecipadas ou não, deverá ter o seu diagnostico esclarecido, saber qual é o tratamento mais
adequado para enfrentar o mal que lhe acomete, seus efeitos positivos e negativos e seus
riscos e benefícios.
29
CLOTET, Joaquim. Reconhecimento e institucionalização da autonomia do paciente: um estudo da “the
patient self-determination act”. Revista Bioética, v. 1, n. 2, 1993. Disponível em:
<http://www.cfm.org.br/revista/bio2v1/reconheci.html>. Acesso em: 12 mar. 14.
24
A informação passada pelo médico deverá ser clara e abrangente para que o
paciente tenha discernimento para tomar a decisão ideal para si. No direito, tal discernimento
pode ser traduzido como capacidade de fato. Todavia, o nível de consciência do paciente
deverá ser atestado pelo médico, com o intuito de esclarecer se ele é capaz de tomar decisões.
A autonomia privada não poderá conter vícios, ou seja, a manifestação de vontade
do paciente deverá ser totalmente livre, não poderá ser carregada de condicionadores sejam
eles sociais ou de consentimento.
25
3. A MORTE E AS RELIGIÕES
3.1. Introdução
A morte é parte integrante em nossas vidas, natural, previsível e inevitável. Muito
se questiona o que vira depois da morte, contudo nenhuma resposta conseguiu ter sua
comprovação até agora. Como consequência, surgiram diversos credos e culturas tentando
explicar a posterioridade da vida. Assim, este capítulo foi dedicado a proceder a uma
abordagem sobre a eutanásia e alguns aspectos do morrer nas quatro maiores religiões do
mundo: judaísmo, budismo, islamismo e catolicismo.
Marie de Hennezel em seu livro “A arte de morrer” afirma:
A palavra “religião” tem duas etimologias possíveis: e, primeiro lugar a de
religare que significa ligar-se, entrar em relação com o que se considera
como absoluto ou um essencial. Essa etimologia é o sentido habitual da
palavra religião que, posteriormente, encarnar-se-á num certo número de
ritos, práticas, em que essa toma forma. Existe, igualmente, outra etimologia:
religere significa reler. Reler um acontecimento com o objetivo de extrair,
descobrir significação. Nessa ordem de ideias, uma religião representa um
esforço empreendido por homens e mulheres para conferirem sentido ao seu
sofrimento, à sua morte e à sua existência30.
Fato que a religião tem muita influencia na humanidade, isso se deve pela sua
comum mensagem de salvação, o bálsamo em momentos de sofrimento e penúria, indica
caminhos para uma vida reta e responsável, afirmando que seguindo os ensinamentos de deus
as pessoas conseguiram uma felicidade eterna e duradoura. Por isso a morte interpretada pelas
religiões deve ser abordada.
Diferentes comunidades têm visões diferentes sobre a morte, logo também as tem
em relação à dignidade do individuo. Assim, a Bioética tem como finalidade buscar o
equilíbrio entre a qualidade e a sacralidade da vida.
3.2. Aspectos Históricos e culturais
3.2.1 Judaísmo
30
HENNEZEL, Marie de; LELOUP, Jean-Yves. A arte de morrer. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 23.
26
A religião judaica é a mais antiga tradição da fé monoteísta. Ela estabelece regras
de conduta para seus seguidores. Tais regras se fundamentam nas interpretações da Escritura e
em outros fundamentos morais.
A Torá é a principal Escritura, contudo muitos dos ensinamentos são orais.
Segundo a tradição judaica, Moises recebeu de deus não apenas a lei escrita, como também a
lei falada. A lei falada não podia se transformar em lei escrita, pois cada lugar deveria atribuir
a sua interpretação de acordo com nas condições reais de vida em diferentes lugares e épocas.
Todavia, com dispersão do povo judeu e por medo de que essas leis se perdessem, foi feito,
nos séculos em que Jerusalém foi destruída o registro das leis faladas, todas inseridas no
Talmud. Esse é um texto utilizado pelos rabinos em suas lições para orientação dos fies em
situações concretas.
A tradição judaica tem como premissa o enfrentamento da morte. O último
período da doença é chamado por eles de “schevic mera”, e o morrer, “goses”, como o tempo
em que o paciente deve ser encorajado, assistido e consolado.
O sistema legal judeu, chamado, “Hallacha” cria uma estrutura para informar o
paciente que se aproxima da morte a gravidade da situação, levando em conta a esperança do
enfermo.
O II Livro afirma:
“Por aquela ocasião Ezequiel adoeceu a ponto de quase morrer. Isaías, o
profeta filho de Amós, veio a ele e disse: “Assim fala o Senhor: Ponha sua
casa em ordem, pois morrerá e não viverá”.
Ou seja, o doente deverá por em ordem sua vida.
A confissão é considerada importante e tem como essência o arrependimento
(teshuvah) que é considerada como meio de reconciliação com deus.
A morte para o judaísmo tem como critério a parada respiratória e não a morte
encefálica, como considerada pela Medicina moderna.
A tradição hebraica (halakhah) é contrária à eutanásia. Todavia, a tradição judaísta
diferencia o prolongamento da vida, que é obrigatório do prolongamento da agonia que não o
é. Além disso, a eutanásia é definitivamente proibida, pois é considerada franco assassinato.
Elisabeth Kuber-Ross, em sua obra “Morte: estágio final da evolução” distingue
duas fases da morte no pensamento judeu:
27
Durante a primeira fase, todos os esforços – não importa o quão
extraordinários sejam – devem ser feitos para sustentar a vida e prolongá-la.
A situação varia na segunda e final fase31.
O Rabino Immanuel Jakobovits afirma:
A lei judaica autoriza, talvez até exija, o afastamento de qualquer fator estranho ao próprio paciente ou não - que possa artificialmente retardar sua
partida na fase final. Pode-se argumentar que tal modificação implica a
legalidade de apressar a morte de um doente incurável em agonia aguda
tirando-lhe os medicamentos que lhe mantêm a continuidade da vida por
meios artificiais – caso também considerado na filosofia moral católica.
Nossas fontes apenas se referem a casos aos quais é esperada a morte
iminente; portanto, não está completamente claro se tolerariam moderada
forma de eutanásia - embora isso possa não ser excluído.32
A referida autora ainda conclui:
Cada caso deve ser julgado independentemente, levando em julgamentos de
objetivos médicos e considerações subjetivas sobre as condições do paciente
(...). A ciência e a tecnologia que produziu já não são “valor livre”,
desobrigado de enfrentar dilemas morais e decisões que devem orientar sua
aplicação prática a situação humana. Tais julgamentos devem ser feitos
dentro da estrutura de um sistema de filosofia moral que veja não só a ética
situacionista imediata como também longa fila de ramificações. A tradição
judaica tem examinado longamente os princípios subjacentes em tais
questões.33
3.2.2 Budismo
Esta mensagem de Buda para a toda humanidade sofredora: tudo
inevitavelmente chega à extinção, ainda que dure um milênio. Tudo
deve ser separado do que deseja no fim. Reconhecer que todas as
coisas vivas (mineral, vegetal, animal, humana e divina) estão
sujeitas a morte. Reconhecer, portanto, a verdadeira natureza do
mundo vivo e não ficar ansioso a respeito de sua vida ou morte.
“Quando a luz do verdadeiro conhecimento tiver despertado as
trevas da ignorância, quando toda a existência for considerada como
31
KUBLER-ROSS, Elisabeth. Marte: estágio final da evolução. Trad. Ana Maria Coelho. Rio de Janeiro:
Record, 1975. p. 73.
32
Ibidem, p. 74.
33
Ibidem, p. 75.
28
sem substancia, a paz se seguirá quando a vida estiver acabando – o
que parece curar, por fim, uma longa moléstia. Tudo fixo ou móvel,
tende a perecer. Portanto, sê cuidadoso e vigilante34”.
(Buddhacãrita XXVI, ff.88)
Siddharta Goutama (480 – 400 a.C.) fundou o budismo na Índia, após ser
iluminado, aos 35 anos, passou a ser chamado de “budda”, como título honorífico.
Buddha vem da raiz Buddh, que significa despertar, conhecer ir às profundezas.
Muitos documentos indianos referem-se ao Buda como “grande médico” que cuida das
doenças de espíritos.
O budismo visa o alcance do nirvana, que pode ser traduzida como um estado de
espírito e perfeição moral. Para isso, o ser humano deverá viver segundo os ensinamentos de
Buda.
Buda foi um ser humano, logo para essa religião, não tem um deus, ou seja, segue
a via não-teísta. Muitas vezes, seus ensinamentos também são relacionados a uma filosofia de
vida propriamente dita.
O budismo não prevê a morte como fim de vida, e sim como uma transição.
Acreditam no Karma e no renascimento. Logo, o suicídio não é encarado como meio de
escape pelos budistas.
Léo Pessini, em seu artigo “A eutanásia na visão das grandes religiões mundiais”,
publicado na Revista do Conselho Federal de Medicina afirma:
O budismo reconheceu há tempos o direito de as pessoa determinarem
quando deveriam passar desta existência para a seguinte. O importante,
aqui, não é se o corpo vive ou morre, mas se a mente pode permanecer em
paz e harmonia consigo mesma. A tradição do Jodo (terra pura tende a dar
ênfase a continuidade da vida enquanto a tradição zen tende a sublinhar a
importância do momento e a maneira de morrer. Os budistas
demonstraram uma preocupação com a morte, inclusive maior que a de
seus vizinhos. Os japoneses valorizam mais a paz da mente e a honra da
vida do que uma vida longa35.
Anrankushi significa, em japonês, eutanásia. O budismo apresenta um significado
próximo: “Na terminologia budista, anrakukoku é outro nome para Terra Pura, o mundo do
Bothisattva Amida, ao qual esperam os japoneses depois da morte36”.
34
KUBLER-ROSS, op. cit., p. 102.
PESSINI, Léo. A eutanásia na visão das grandes religiões mundiais. Revista do Conselho Federal de
Medicina, n. 1, v. 7, 1999. p. 86.
36
Ibidem, p. 86.
35
29
Portanto, o budismo não pune o suicídio, todavia o mesmo não ocorre com o
quem auxilia ou incentiva um suicida. Mas a situação do auxílio a morte digna é aceitável, é
nomeado de songenshi, quando a morte for iminente e, também quando o motivo for
compaixão.
Caso importante ocorreu no Japão relacionado à eutanásia. O caso é usualmente
citado como sendo “A decisão da Corte Suprema de Nagoya de 1962”37. Diz respeito a um
jovem, atendendo ao pedido de seu pai, para poupá-lo de dor e sofrimento lhe preparou leite
envenenado para beber e incentivou a sua mãe, que não sabia do veneno a dá-lo para o pai
beber. Léo Pessini identificou seis condições que a corte considerou para a eutanásia ter o
permissivo jurídico.
1. a enfermidade é considerada terminal e incurável pela medicina atual e a
morte é iminente;
2. o paciente deve estar sofrendo de uma dor intolerável, que não pode ser
aliviada;
3. o ato de matar deve ser executado somente se o próprio paciente fez um
pedido explicativo;
4. o ato deve ser executado somente se o próprio paciente fez um pedido
explicito;
5. cabe ao médico realizar a eutanásia; caso isto não seja possível, em
situações especiais será permitido receber assistência de outra pessoa;
6. a eutanásia deve ser realizada utilizando-se método eticamente
aceitáveis3839
Apesar de no Código Penal japonês as penas serem bastante severas quanto ao
homicídio de ascendentes, nesse caso a corte levou em conta os quatro primeiros critérios
referidos para a diminuição da pena, contudo não observou os dois últimos . Assim, o jovem
foi condenado pelo período de quatro anos pela morte de seu pai.
Outra questão a ser abordada é a relação entre as drogas que suprimem a dor e o
prolongamento da vida com a aceleração da morte. Os budistas concordam com a ideia de que
é desejável o alívio da dor, mas a questão, se a morte foi acelerada ou não, não vem à baila.
Para os que seguem os ensinamentos de Buda, a lucidez de consciência no
momento da morte é muito importante.
Relevante é conceder ou não a pessoa a
responsabilidade por sua vida e destino. Toda tradição budista valoriza sobremaneira a
decisão pessoal quanto ao tempo e a forma de morrer.
37
Ibidem, p. 87-88.
PESSINI, 1999, p. 88.
39
JAPÃO. Nagoya Court. Collected Criminal Cases At High Court, v. 15, n. 9, 22dez. 1952. p. 674.
38
30
Logo, no budismo, apesar da vida ser preciosa, não é considerada divina, pois não
existe a crença em um ser criador.
A crença no Karma e renascimento têm profunda
influencia na atitude budista em relação à natureza vivente.
Grande ênfase é dada ao estado de consciência e paz no momento da morte. Não
existe uma posição ferrenha à eutanásia ativa e passiva, que podem ser aplicadas em
determinadas circunstancias.
3.2.3 Islamismo
Islamismo significa “submissão à vontade de Deus e surgiu posteriormente ao
cristianismo (Maomé
40
– 570-632 dC). Existe uma crença que o judaísmo e o cristianismo
foram seus predecessores e meros preliminares de sua mensagem universal. Isso rendeu a essa
religião um grande sentimento de superioridade.
Em 19 de setembro de 1982, na sede da UNESCO, pelo Secretário-Geral do
Conselho Islâmico, a Declaração dos Direito Humanos que tem como base o Corão e a Suna,
e foi elaborada por juristas e eminentes eruditos do pensamento islâmico. É um dos
documentos fundamentais, publicado pelo Conselho Islâmico. No que toca ao direito à vida é
afirmado:
1- que a vida é sagrada e inviolável e devem ser enviados todos os esforços para
protegê-la. Nenhuma pessoa deve ser exposta a lesões ou a morte, a não ser sob autoridade da
lei.
2- o caráter sagrado do corpo, durante a vida e após a morte, deve ser inviolável41.
Segundo a legislação islâmica, os direitos humanos provêm de Deus. Esses
direitos são revelados no Corão em versos claros e decisões. Além disso, confirmam-se com
as garantias religiosas e morais, independentemente da punição legal.
A Shari’a da tradição jurídica muçulmana que é o Código Penal Islâmico, que tem
como fontes o Corão e a Suna, tem aproximadamente mil anos. Afirma que a pessoa é o ser
40
Maomé era filho de Meca. Sua família era uma das principais da cidade. Como ficou órfão ainda criança, um
tio levou Maomé para trabalhar como condutor de camelos para Khadidja, rica viúva de um mercador. Apesar
de 15 anos mais velho, tornou-se esposa de Maomé. Khadidja foi a primeira seguidora de Maomé quando ele
lhe falava das revelações que tinha (HELLNER, Vivtos; NOTAKES, Henri; GAARDER, Jostein et al. O livro
das religiões. Trad. Isa Mara Lando. São Paulo: Cia das Letras, 2000. p. 118 et seq).
41
PESSINI, Leo. Eutanásia: Por que abreviar a vida? São Paulo: Editora do Centro Universitário São Camilo,
2004. p. 240.
31
mais nobre e digno de honra e a vida lhe foi presenteada por uma por graça divina, esta por
sua vez, podem ser descritas como a razão e a capacidade de pensar.
No islamismo, a dignidade está inserida em um sistema harmonioso.
Acredita-se que a pessoa humana é representante de deus na Terra. O respeito à
pessoa é tão importante que a vida de uma única pessoa é quase tão valiosa como a vida de
todo o gênero humano e de sua posterioridade. Logo, o islamismo proíbe o suicídio.
Em relação ao cadáver, não se deve degradar ou tratar com desprezo o corpo da
pessoa morta. Deve-se lavar o defunto, envolve-lo em pano próprio e, após oração especial,
enterra-lo.
O pensamento islâmico tem como base uma forte consciência da dimensão
vertical de sua teologia, acentuando, assim a confiança em Deus, e a obediência ao mesmo.
Todavia, reduziu a visão horizontal da antropologia, a auto realização da pessoa humana. O
poder é atribuído a Deus, limitando, assim a autonomia da ação humana.
3.2.3.1 Sobre a ética médica islâmica
O Código Islâmico de Ética Médica foi elaborado pela Organização Islâmica de
Ciências Médicas e aprovado no 1ª Conferência Internacional de Medicina Islâmica, realizada
no Kuwait em 1981.
O médico deve jurar “proteger a vida humana em todos os estágios e em
quaisquer circunstâncias fazendo o máximo para libertá-la da morte, doença, dor e
ansiedade42”. Além disso, o médico deve ter ciência de que:
a vida é de Deus (...) dada somente por Ele (...) e que a morte é a conclusão
de uma vida e começo de outra. A morte é uma verdade sólida (...) e é o fim
de tudo, exceto de Deus. Na sua profissão o médico é somente um soldado
da vida (...) defendendo-a e preservando-a da melhor forma que pode ser
feita e com o máximo de habilidade. O papel do médico é o de ser um
catalisador através do qual, Deus, o curador, preserva a vida e a saúde. O
médico é simplesmente um instrumento de Deus para aliviar as doenças do
povo43.
Ainda no Código Islâmico de ética Médica, sobre a vida humana e a ética médica:
42
43
PESSINI, 2004, p. 245.
Ibidem, p. 245.
32
A vida humana é sagrada não deve ser tirada voluntariamente, exceto nas
indicações especificas de jurisprudência islâmica, as quais estão fora do
domínio da profissão médica. O médico não tirara a vida, mesmo quando
movido por compaixão. O médico, na defesa da vida, é aconselhado a
perceber os limites, e não transgredi-los. Se é cientificamente certo que a
vida não pode ser restaurada, então é uma futilidade manter o paciente em
estado vegetativo, mantendo o paciente em estado vegetativo utilizando-se
de medidas heroicas de animação ou para preservá-lo por congelamento ou
outros métodos artificiais. O médico tem como objetivo manter o processo
da vida e não o processo do morrer. Em qualquer caso, ele não tomara
medidas para abreviar a vida do paciente. Declarar uma pessoa morta é uma
responsabilidade grave que em ultima instancia é do médico. Ele apreciará a
gravidade do seu diagnostico e o transmitirá com toda a honestidade, e
somente quando estiver certo disto. Ele pode dirimir qualquer dúvida
buscando conselho e utilizando-se dos modernos instrumentos científicos.
Em relação ao paciente incurável, o médico fará o melhor para cuidar da
vida, prestará bons cuidados, apoio moral e procurará livrar o paciente da
dor e aflição44.
Logo, o islamismo em relação à eutanásia, apresenta uma concepção da vida
como sagrada, aliada a “limitação drástica da autonomia da ação humana”, existe a proibição
da eutanásia, como também do suicídio. Os médicos não devem tomar medidas positivas para
abreviar a vida do paciente.
3.2.4 Cristianismo
Cabe agora uma análise objetiva da posição da Igreja católica e, resumidamente, a
visão de outras tradições cristãs mais expressivas.
3.2.4.1 Catolicismo Romano
O documento mais completo em relação à eutanásia foi publicado em 1980, e
chama-se a Declaração sobre a Eutanásia45, da Sagrada Congregação para Doutrina da Fé.
Deste há alguns pontos interessantes a se observar.
Este documento entende por eutanásia:
Por eutanásia entendemos uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas
intenções, provoca morte a fim de eliminar toda a dor. A eutanásia situa-se,
44
45
PESSINI, 2004, p. 242.
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Declaração sobre a eutanásia. Disponível
em: <http://www.doctrinafidei.va/documents/euthanasia_po.html>. Acesso em: 10 set. 2014.
33
portanto, no nível das intenções e no nível dos métodos empregados”. O
documento infere que a eutanásia é uma “violação da Lei Divina, de uma
ofensa à dignidade humana, de um crime contra a vida e de um atentado
contra a humanidade”. Em relação ao valor da vida, afirma-se que está sendo
“o fundamento de todos os bens, a fonte e a condição necessária de toda a
atividade humana e de toda a convivência social, (...) os crentes veem nela,
também, um dom do amor de Deus, que eles têm a responsabilidade de
conservar e fazer frutificar.
Outro documento muito importante foi publicado por João Paulo II, em 1995, é a
Encíclica Evangelium Vitae. Ela basicamente retoma a argumentação já feita na declaração de
1980, mas a problemática abordada é:
um dos sintomas mais alarmantes da “cultura da morte” que avança,
sobretudo, na sociedade do bem-estar, caracterizadas por uma mentalidade
enficientista que faz parecer demasiadamente gravoso e insuportável o
número crescente de pessoas idosas e debilitadas. Com muita frequência,
estas acabam por ser isoladas da família e da sociedade, organizada quase
que exclusivamente para critérios de eficiência produtiva, segundo os quais
uma vida irremediavelmente incapaz não tem mais valor46.
Esta encíclica tem uma posição contraria a distanásia:
Distinta da eutanásia, é a decisão de renunciar ao chamado “excesso
terapêutico”, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas a
situação real do doente porque são proporcionadas aos resultados que se
poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para sua
família47.
A teóloga norte-americana Lisa Sowle Cahill, cuja tese de doutorado é uma
dissertação sobre a eutanásia e as perspectivas protestante e católica, afirma que um ponto a
ser observado na doutrina cristã é a que a vida não é um valor absoluto, isto é, a ser
conservado a qualquer custo. É um bem físico, e a ela subordinada os bens espirituais.
A morte é considerada uma conveniência, para a doutrina católica, quando
analisada sobre o cuidado dos doentes e sobre o sofrimento, mesmo quando afirma a bondade
da vida: reconhece que embora o sofrimento tenha sido incorporado na ideia da morte e
ressurreição de Cristo, pode ser fútil e nocivo. Assim, os esforços por manter a vida biológica
faz com que se deteriore, em vez de promover, a integração espiritual e moral da pessoa.
O Papa Pio XII reflete sobre a flexibilidade da doutrina católica em relação ao
cuidado médico quanto aos gravemente enfermos ou moribundos, afirmando que:
46
CARTA encíclica. Evangelium vitae do sumo pontífice João Paulo II... Disponível em:
<http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangeliumvitae_po.html>. Acesso em: 10 set. 2014.
47
Ibidem.
34
a razão natural e a moral cristã fundamentam, ambas, o direito e o dever de,
em caso de doença grave, procurar o tratamento para conservar a saúde e a
vida”. Além disso, “normalmente alguém está obrigado a empregar apenas
os métodos ordinários – conforme as circunstâncias da pessoa, tempo e
cultura - ou seja, meios que não impliquem ônus extraordinário para si ou
para outrem. Obrigação mais severa seria por demais onerosa para a maioria
das pessoas e tornaria muito difícil a consecução do bem superior, mais
importante. Vida, saúde, todas as atividades temporais estão na realidade
subordinadas aos fins espirituais48 (Acta Apostolicae Sedis 49, 1957).
Atualmente, a eutanásia é apresentada como uma preocupação pelo doente, e não
pelo desejo de desfazer-se do mesmo. A declaração sobre a Eutanásia afirma que as pessoas:
experimentam grande angustia acerca do sentido da velhice extrema e da
morte e que começam a perguntar-se se não tem o direito de procurar para si
ou para seus companheiros uma “morte suave”, que lhes abrevie os
sofrimentos e que seu ver esteja mais de acordo com a dignidade humana.
Além disso, os pedidos dos doentes que desejam a própria morte devem ser
atendidos como um caso de “angustiado pedido de ajuda e amor”49.
O foco da discussão mudou-se da condenação de atos imorais para exortações a
compreender e engajar-se de forma sincera na tarefa de proporcionar ajuda para que os
pedidos para morrer se tornem desnecessários. Não obstante, passou-se a observar o aspecto
concreto e a globalidade dos elementos que constroem o bem-estar, e a busca para a
possibilidade do “direito de morrer em paz com a dignidade cristã”.
Os tratamentos médicos e métodos inúteis para prolongar a vida não mais são
obrigatórios, não mais é considerado suicídio assistido ou eutanásia a recusa destes. Permitir o
paciente morrer, não é mata-lo. Afora isso, o paciente pode obter analgésicos necessários para
diminuir seu sofrimento, ainda que, de forma não intencional isso pode lhes abreviar a vida.
O cerne da discussão sobre a eutanásia na perspectiva da tradição moral católica
está na diferença entre matar e deixar morrer o paciente. Matar o paciente significa praticar
uma ação ou omissão que visa causar a morte; deixar morrer é a não aplicação ou
descontinuação de um tratamento desproporcional num paciente terminal, quando esse
deveria ser feito continuamente, contudo a deterioração da vida do mesmo era inevitável.
Para que o estudo fique mais claro será reproduzida uma perspectiva montada por
Léo Pessini sobre as posições de outras denominações cristãs mais significativas sobre a
eutanásia:
1. Adventistas do Sétimo Dia:
48
49
PESSINI, 2004, p. 249.
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, op cit..
35
Em relação à interrupção do tratamento, esta Igreja é a favor de um consenso
informal favorável à eutanásia passiva (deixar morrer). Em relação à
eutanásia ativa, não tem uma posição oficial.
2. Igrejas batistas:
Defendem o direito de o individuo tomar suas próprias decisões em relação
às medidas ou tratamentos que prolongam a vida; isso deve ser fortalecido
através da elaboração de instruções que deixem claro como o paciente quer
ser tratado no final da vida. Condenam a eutanásia ativa como uma violação
a santidade da vida.
3. Mormons (Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias)
Na visão deste seguimento religioso, quando a morte é inevitável ela deve
ser vista como uma benção intencionalmente parte da existência eterna. Não
existe a obrigação de estender a vida mortal por meios não razoáveis. A
pessoa que participa de uma pratica eutanástica, deliberadamente causando a
morte de outra que esteja sofrendo de uma condição ou uma doença
terminal, viola os mandamentos de Deus.
4. Igrejas Ortodoxas Orientais
Os meios mecânicos extraordinários podem deixar de ser utilizados ou
removidos, quando os sistemas orgânicos principais falharam e não existe
razoável expectativa de recuperação. O bem-estar espiritual do paciente, em
algumas instancias, é garantido pela remoção dos mecanismos de suporte da
vida. Estimula-se os cuidados paliativos e as instruções do paciente quanto
ao final da vida humana e, como tal, é condenada como assassinato.
5. Igreja Episcopal
Não existe obrigação moral de prolongar o morrer por meios extraordinários,
a todo custo, se a pessoa está morrendo não existe esperança, de
recuperação. Tais decisões cabem, em ultima instancia, ao paciente e seu
procurador, e podem ser expressas antecipadamente pelo paciente. É
moralmente errado tirar intencionalmente a vida humana para aliviar o
sofrimento causado por uma doença incurável, incluindo uma dose letal de
medicamentos ou veneno, uso de armas letais, atos homicidas e outras
formas de eutanásia ativa.
6. Testemunhas de Jeová
Quando a morte é iminente e inevitável, as Escrituras não exigem que os
meios extraordinários (e onerosos) sejam utilizados para prolongar o
processo de morrer. A eutanásia ativa é considerada um assassinato que
viola a santidade da vida.
7. Igrejas Luteranas
Aprovam a descontinuação de medidas extraordinárias ou heroicas de
prolongamento da vida. Administrar medicação contra a dor, mesmo com o
risco de apressar a morte, é permitido. A expressão antecipada dos desejos
do paciente é estimulada. O tratamento pode ser interrompido, não aplicado
ou recusado se o paciente está irreversivelmente morrendo ou se vai impor
sacrifícios desproporcionais. A eutanásia é sinônimo de morte piedosa, que
envolve suicídio e/ou assassinato, e é contrária à Lei de Deus (Sínodo
Missouri). A eutanásia ativa destrói deliberadamente a vida criada à imagem
de Deus e é contrária á consciência cristã e administração da vida. O uso
deliberado de drogas e outros meios para abreviar a vida é ato de homicídio
intencional (Igreja Luterana Evangélica).
8. Pentecostal
Esta denominação religiosa reconhece informalmente que medidas de
suporte de vida podem ser apropriadamente interrompidas em pacientes com
doenças incuráveis, terminais ou em estado de coma vegetativo persistente.
Demonstra uma forte oposição em relação ao suicídio assistido e a eutanásia
ativa.
36
9. Reformada (Presbiteriana)
Para esta Igreja Evangélica, não é necessário prolongar a vida ou o processo
de morrer de uma pessoa que está gravemente doente e que tem pouca ou
nenhuma esperança de cura. Permite a não utilização ou interrupção de
sistemas de suporte de vida para que o paciente tenha uma trajetória natural
em direção à morre. A vida não deve ser prolongada indevidamente por
meios artificiais ou medidas heroicas, mas também não deve se diretamente
abreviada.
10. Igreja Unida de Cristo
A recusa de um prolongamento artificial e penoso da doença terminal é ética
e teologicamente apropriada. Incentiva-se a utilização de expressão
antecipada dos desejos do paciente. Afirma a liberdade e a responsabilidade
individual. Não defende a eutanásia como uma opção cristã, mas o direito de
escolha é uma legítima decisão cristã. O governo não deve fechar as opções
que pertencem aos indivíduos e famílias.
11. Igreja Menonita
Esta denominação aprova informalmente a remoção dos obstáculos que
impedem a morte natural. A vida humana é um dom sagrado de Deus. A
participação na abreviação do processo de morrer é condenada.
12. Igreja Metodista Unida
Toda pessoa tem o direito de morrer com dignidade, ser cuidada com carinho
e sem esforços terapêuticos que apenas prolongam indevidamente doenças
terminais, simplesmente porque existe tecnologia disponível. É interessante
frisar que essa denominação, na Conferência do Pacífico, apoiou a Iniciativa
119 do Estado de Washington (EUA) para legalizar o suicídio assistido e a
eutanásia voluntária50.
Perante essa elucidação, torna-se perceptível que as denominações cristãs
santificam a vida, sendo considerada como um dom precioso de Deus. Todo e qualquer tipo
de suposta agressão à vida é condenável. Logo, proibida. As linhas mais extremas desta
acreditam e enfatizam que a vida pertence a Deus, portanto nega-se a intervenção humana. As
mais liberais enfatizam a administração responsável da vida que não concorre e muito menos
nega o dom transcendente.
50
PESSINI, 1999, p. 100.
37
4. AUTODETERMINAÇÃO, SUICÍDIO ASSISTIDO E ANÁLISE
COMPARATIVA
No que se refere ao direito a morrer com dignidade, a maioria dos Estados entende
como crime. Historicamente nunca existiu um entendimento unificado sobre o suicídio, desde
os pensamentos filosóficos iniciais, tanto gregos como romanos. Sócrates e Platão tendem a
condená-lo. Aristóteles escreve, de forma vaga que o suicídio é maléfico ao Estado. O bemestar individual ou os direitos humanos não são considerados. Os estoicos, por outro lado,
consideravam que se o indivíduo não pode mais viver uma vida próspera, o suicídio pode ser
justificado. Se a saúde física é negada a pessoa, por fim a sua vida não é imoral. Seneca, que
como Sócrates foi forçado a suicidar-se, escreve que uma pessoa sábia “vive enquanto deve e
não tanto como pode.” É a qualidade de vida, não tempo vivido que é importante.
Em seguida, vieram os cristãos que decidiram que sua doutrina pregaria que o
suicídio é imoral, embora a Escritura cristã não condená-lo. Agostinho justifica a proibição
apenas pelo Quinto Mandamento: Não matarás. A lógica de Tomás de Aquino dividia a ideia
do suicídio em três vertentes, os conflitos entre suicídio com o amor-próprio, como o suicídio
pode ferir a comunidade/Estado e como o suicídio viola o nosso dever com Deus. Em suma,
nossos corpos e nossa existência não nos pertencem, mas sim à igreja e ao Estado.
Reformadores protestantes seguiram a doutrina da igreja cristã quanto à temática.
Os pensadores renascentistas geralmente também seguiam a liderança das igrejas, perante o
tema. Sir Thomas More, no entanto, parece apoiar o suicídio para alguém que sofre uma
doença dolorosa ou incurável. Montaigne trata a questão não como uma preocupação
religiosa, mas como uma questão pessoal.
O primeiro pensador que se posicionou em defesa de suicídio foi John Donne (d.c.
1.607 ) . Ele usa o pensamento cristão para concluir que o suicídio não é imoral. Ele ressalta
que as Escrituras não claramente condenam o suicídio e que a doutrina cristã autoriza o
martírio, a pena capital e as guerras.
A atitude perdura para com o suicídio na Idade Média foi modificada no
Iluminismo e ao longo dos séculos XIX e XX, através do desenvolvimento das ciências e da
psicologia. O suspeito principal da causa de suicídio passou do desespero da misericórdia de
Deus, através da alienação da vida moderna, a depressão clínica. A pessoa que comete
suicídio é pensada mais como uma vítima do que um pecador. O suicídio passou de uma obra
diabólica a um desequilíbrio de substâncias químicas no cérebro.
38
Conforme já descrito no desenvolvimento do trabalho apresentado o direito à
morte digna surge do direito do individuo se auto-determinar. Contudo, esse direito necessita
de inúmeras considerações que devem ser levantados para uma discussão sadia.
4.1 Divinização da vida e a religião
A primeira consideração que pode ser levantada é sobre a divinização da vida pela
religião. No capítulo em que foi discutida essa questão, observa-se que as três maiores
religiões do mundo se pautam na ideia de que a vida é divina, que ela foi dada por Deus,
sendo Ele o único que pode retirá-la.
Logo, de acordo com os ensinamentos religiosos o individuo não tem autonomia
em relação a sua própria vida, pois não tem o direito de escolher se vive ou não. Deus é quem
tem o poder de tomar essa decisão, pois a vida é um presente divino.
4.2 Estado laico e religião
A religião demonstra-se presente de forma intensa na cultura geral, portanto a
presença desta na formação do Estado demonstrou-se de forma empírica. A título de exemplo,
as leis e o legislativo brasileiro têm grande cunho religioso, apesar de declarar-se laico. Um
dos exemplos disso é a presença de uma estátua de um cristo crucificado no Superior Tribunal
Federal, além disso, no preâmbulo da Constituição Federal, está é promulgada sob a proteção
de Deus.
Outrossim, também deve-se observar a força da bancada religiosa em nosso
Congresso Nacional. Tais exemplos podem ser utilizados em escala mundial, pois em um
espectro histórico a dissociação entre Estado e religião só se deu recentemente e de forma
parca.
4.3 Estado e vida
Quanto ao posicionamento do Estado, inicialmente cabe uma contraposição entre
os interesses do Estado com os interesses da pessoa que deseja uma morte digna. É fato que o
Estado tem o dever de zelar pela vida de sua população, pois essa é um direito fundamental e
clausula pétrea, todavia essa intervenção estatal deverá ser efetiva até mesmo quando a pessoa
deseja a morte de forma digna?
39
É possível enumerar quatro interesses estatais: preservação da vida, a prevenção
do suicídio, a proteção de terceiros inocentes e a proteção da ética médica.
O interesse do Estado em preservação da vida é maior quando ocorre um caso de
paciente não terminal, quando o paciente tem como finalidade uma vida prolongada. Contudo,
quando o paciente não considera se manter em estado de sofrimento aguardando a morte, o
valor ligado a vida pode demonstrar-se menos significativo do que permitir o paciente morrer.
A título de exemplificação pode-se utilizar o primeiro caso na Corte Americana
em que se contrapôs o interesse de autodeterminação com o interesse do Estado em preservar
a vida. O Estado observou que o direito individual à privacidade (autodeterminação) cresce a
medida da invasão física que decorre dos prognósticos médicos. A invasão corporal é
crescente com avanço da medicina.
Todavia, esta deve ser sopesada, existe a possibilidade de que a invasão física em
uma pessoa consciente pode ser pior do que em uma pessoa que está em estado comatoso.
Além disso, a distinção entre paciente terminal e não terminal é muito imprecisa para suportar
dois pesos diferentes nos interesses do Estado de acordo com diferentes prognósticos.
Afora isso, a tese americana da escolha de conduta do paciente baseia-se no
entendimento de que apesar do papel do Estado seja garantir a vida o valor da liberdade
individual de escolha e conduta é maior. Especificamente, o paciente deve estar livre para
decidir o seu próprio futuro.
4.3.1 Preservação da vida
Um dos elementos da “preservação da vida” pelo Estado é manter o valor da vida
humana. No entanto, vários tribunais questionam a validade do “valor da vida humana”
quando decisões de tratamento médico estão envolvidas. Em Saikewicz, por exemplo, o
tribunal concluiu que “o valor da vida, é menor não por uma decisão de recusar tratamento,
mas pela incapacidade de permitir um ser humano competente o direito de escolha51”.
O valor da vida humana tem, pelo menos, duas dimensões, a de prolongar a vida
e permitir ao paciente a escolha. De um modo geral, o poder de escolha para resistir ao
tratamento reflete a preocupação de autodeterminação individual na integridade física, assim
51
STEINBERG, Donald R. Limits to death with dignity. Howard Jornal of Law and Technology, v. 1, Spring
Issue, 1988.
40
como evitar o sofrimento, em vez de uma depreciação do valor da vida. O que reflete
claramente no Estado, tornando interesse em preservar a santidade da vida muito abstrato e
efêmero52.
A preservação da vida como interesse também é afirmado para evitar um paciente
de agir irracionalmente. O argumento, em essência, é que “dada qualquer chance de vida
significativa, ninguém quer morrer”, e quem disser o contrário está agindo irracionalmente.
No entanto, os médicos e os tribunais podem garantir que as decisões são
fundamentadas. Além disso, nem todos concordam sobre o que constitui uma vida
“significativa”. Para alguns, a vida é tão querida que vale a pena viver, mesmo por um curto
período de tempo e com quaisquer déficits na qualidade da experiência. Para outros, uma vida
sem cognição ou com dor e dependência é insuportável Portanto, os tribunais e os médicos
não devem utilizar os seus próprios pontos de vista sobre o que constitui uma vida
"significativa" para concluir que um paciente tomou uma decisão irracional. Vários tribunais
têm reconhecido a inaceitabilidade de supervisionar decisões de um paciente em relação a
tratamentos que salvam vidas. O direito protege o direito do paciente para tomar suas próprias
decisões de aceitar ou rejeitar o tratamento.
Considerando-se a imprecisão no prognóstico, se um paciente tem previsão para
morrer ou para sobreviver, parece difícil de conceber ou justificar políticas que restringem
critério das pessoas para tomar decisões apropriadas, permitindo algumas escolhas apenas
para os pacientes “terminais” ou negando-lhes a outros.
Portanto, o interesse do Estado na preservação de vida não é suficiente, para
mesurar o sofrimento do paciente impedindo o seu direito de autodeterminar-se perante sua
escolha e conduta, seja ela de morte ou de tratamento.
4.3.2 A prevenção do suicídio
O interesse do Estado na prevenção do suicídio não fornece nenhum argumento
diferente para negar um paciente o direito de escolher no que se refere ao qual já explanado
em relação ao interesse do Estado na preservação da vida.
A questão é se a decisão do paciente pode ser considerada suicídio e, em caso
afirmativo, se o interesse do Estado em prevenir o suicídio supera os direitos do paciente.
52
CANTOR, Norman. Quinlan, privacy and Handling of Incompetent Dying Patients. Rutgers Law Review, v.
342, 1977.
41
Pelo menos no que diz respeito à retirada da alimentação, alguns argumentam que
a intenção do paciente é para acabar com sua vida, ao invés de acabar tratamento invasivo ou
oneroso. O argumento pressupõe que, em tal caso, a morte é provocada pela fome, induzida
pela decisão do paciente ter retirada nutrição, uma vez que foi a doença subjacente que causou
a condição do paciente. No entanto, a alimentação artificial pode ser altamente invasiva,
especialmente a um paciente fisicamente impotente, mas mentalmente competente53.
Além disso, a "causa" da morte é uma questão em aberto. Sob o raciocínio
adotado pela maioria dos tribunais, considerando este assunto, a morte não seria causada pela
fome, mas por causas naturais. Na sequência a retirada de nutrição, a morte do paciente seria
de incapacidade de mastigar e engolir de forma espontânea e não o resultado de uma lesão
auto-infligida54.
A morte seria o resultado da doença que produziu a condição e, por conseguinte,
por causas naturais55. Embora o paciente morra como resultado da decisão de recusar o
tratamento, a “decisão de permitir que a natureza siga seu curso não é equivalente a uma
eleição para cometer suicídio56.”.
Mesmo que a decisão do paciente for considerada suicídio, o interesse do Estado
na prevenção de suicídio não é importante no caso de um paciente declínio que não tem
interesse em sobreviver. Ao invés de uma tentativa impulsiva de autodestruição, o paciente
faz uma decisão racional competente para recusar o tratamento quando a morte é inevitável e
o tratamento não oferece nenhuma esperança de cura ou de preservação de vida.
Não há conexão entre a conduta aqui em questão e qualquer preocupação do
Estado para prevenir o suicídio.57 Mesmo que o paciente possa sobreviver durante um período
prolongado com o tratamento, o paciente ainda pode tomar uma decisão fundamentada de que
uma morte "natural” seria preferível ao sofrimento.
4.3.3 A proteção de terceiros
53
STEINBERG, op. cit.
Ibidem.
55
Ibibem.
56
Ibidem.
57
Ibidem.
54
42
O interesse de terceiros é a proteção de terceiros inocentes. O grupo mais
significativo de partes inocentes consiste nos dependentes do paciente. No entanto, os
dependentes não são sempre desprivilegiados com a morte do paciente.
Em Osborne, a relação que existia entre crianças do paciente e a sua família era
extensa, bem como as disposições relevantes que o paciente havia realizado com o intuito de
fornecer o cuidado às crianças, assim convenceu o tribunal que o paciente satisfazia o
interesse do Estado na proteção de terceiros inocentes.
Em casos menos excepcionais, o interesse dos dependentes ainda pode ser
conciliado à permissão para o paciente morrer. Considerando-se a agonia de assistir a um
parente sofrer, a família razoavelmente pode preferir que o paciente tenha a possibilidade de
poder morrer.
Não prolongar a inevitável morte do paciente pode também diminuir a carga
financeira sobre os dependentes. Um paciente em sofrimento pode não ser capaz de ganhar
muito, se ganhar, os custos médicos são susceptíveis de ser parte substancial do que foi
recebido.
Portanto, requerendo que o paciente viva pode impor não só uma carga emocional
adicional, mas também um encargo financeiro para os sobreviventes. Como resultado, os
interesses dos dependentes com o objetivo de substituir a escolha do paciente devem
prevalecer sobre os interesses do paciente apenas em circunstâncias excepcionais.
A decisão do paciente de recusar tratamentos que salvam vidas também pode ter
um impacto sobre outros pacientes que estão situadas perto do paciente. O paciente que se
recusa tratamento pode prejudicar outros pacientes ou por distrair o pessoal ou forçando
outros pacientes para vê-lo morrer. Se a escolha do paciente foi negada, no entanto, os
pacientes nas proximidades podem ter que observar ainda mais sofrimento.
Além disso, os funcionários do hospital poderiam se concentrar mais em pacientes
que desejam tratamento e, assim, beneficiá-los. Os hospitais têm o dever de lidar com os
pacientes com total respeito a sua dignidade.
4.3.4 A proteção de Ética Médica
A última participação do Estado está em proteger a ética médica, está analise se
refere ao efeito que decorrerá pedir a um médico deixar de tratar um paciente terá sobre a
profissão médica.
43
No entanto, a ética médica não necessita de médicos em pensamento único para
preservar a vida de todos os pacientes, tem outro objetivo mais fundamental, qual seja o uso
da medicina para o alívio do sofrimento. O dever de prolongar a vida é recente para a
medicina. Originalmente, a medicina serviu três funções: eliminar o sofrimento dos doentes,
diminuir a violência das doenças, e recusar o tratamento dos doentes que foram suplantados
por suas doenças. Respeitar os desejos de pacientes que recusamos tratamentos que
supostamente salvam vidas é consistente com todos esses papéis.
Além disso, os médicos existem para o benefício de seus pacientes, e os melhores
interesses de cada paciente podem não coincidir com o prolongamento sua vida. A
Associação Médica Americana reconhece este conflito e permite que o alívio do sofrimento
deva ter precedência sobre o dever de prolongar a vida quando o paciente assim o desejar: o
compromisso social do médico é para prolongar a vida e aliviar sofrimento. Onde a
observância de um conflito com o outro, o médico, paciente e/ou família do paciente devem
ter critério para resolver o conflito, de acordo com os princípios do consentimento informado.
Além disso, o dever do médico é apenas dar ao paciente a escolha de qual
tratamento quer prosseguir. Naturalmente, o médico deve aconselhar o paciente dos riscos das
várias opções que o paciente está considerando. Mas o médico deve honrar a escolha do
paciente, mesmo quando existem conflitos de escolha com o conselho ou os valores da
medicina.58
Ao respeitar a escolha do paciente, um médico nunca será forçado a agir de forma
contrária aos seus padrões éticos. Se um hospital não está disposto a permitir que as medidas
necessárias sejam tomadas interromper o tratamento, o paciente deve ser capaz de mudar para
outro com facilidade.
Finalmente, qualquer que seja a ética que o médico possa parecer exigir, não pode
prevalecer sobre o direito do paciente de escolher seu próprio tratamento. O direito do
paciente deve ser primordial sendo que os médicos têm obrigação de fornecer cuidados. Caso
contrário, o direito do paciente à autodeterminação está sujeito ao veto dos médicos em uma
das decisões mais importantes que um indivíduo pode fazer.
4.4 Interesses do paciente
58
Berço , roy, 98 em NJ 352-53,486 A.2d em 1225 ; ver também Yetter , 62 Pa . D. & C.2d em 623" [o] direito
constitucional de privacidade inclui o direito de um adulto competente maduro para recusar para aceitar as
recomendações médicas que podem prolongar a vida. "; Cantor, um paciente de Decisão , em 250-51 .
44
Os indivíduos têm interesses dentre eles o mais forte talvez seja a liberdade, em
ser livre para tomar suas próprias decisões sobre o curso de seu tratamento médico e na
prevenção de interferências indesejadas com seus corpos. A Suprema Corte Judicial de
Massachusetts descreveu esse interesse como “proteger o estado do paciente como um ser
humano.” A não proteção da escolha do indivíduo, diminui o valor da vida.
Este interesse tem sido reconhecido pelos tribunais como decorrente do direito de
direito comum a autodeterminação tanto de direitos à privacidade.
Certa lei referente à autodeterminação foi reconhecida pela primeira vez pelo
Supremo Tribunal Federal americano há quase 100 anos: “Nenhum direito é mais sagrado que
o direito de cada indivíduo à posse e controle de sua própria pessoa, livre de toda restrição ou
interferência de outros, a não ser por uma autoridade clara e inquestionável de direito."
Isto significa que apenas o ser humano tem o direito de determinar o que deve ser
feito com o seu próprio corpo; e um cirurgião que realiza uma operação sem o consentimento
do paciente, comete um ato ilícito, para o qual é responsável em danos.
Este direito de autodeterminação e a necessidade de consentimento para
tratamento deve fornecer ao paciente o direito de recusar o tratamento ou o direito não fornece
nenhum benefício prático e não tem sentido. Um paciente pode recusar o tratamento porque,
vai reduzir a capacidade de aproveitar a sua vida, o "direito de ser recusar o tratamento não
requer que paciente tenha boa uma razão.”.
Na verdade, a exigibilidade de uma “boa” razão seria incompatível com o direito à
autodeterminação. Um paciente não seria autônomo na determinação do curso de seu
tratamento, se a sua determinação fossem consideradas ser uma razão "insuficiente" para
recusar o tratamento.
Esse direito está intrinsecamente ligado ao direito à privacidade. As decisões
quanto ao tratamento médico afetam fundamentalmente um indivíduo, fazendo com que a
decisão seja de escopo privado. Além disso, essas decisões são muito pessoais, envolvendo a
escolha do indivíduo de como levar a vida e, por conseguinte, são especialmente apropriadas
para a proteção do direito à privacidade.
4.5 Outras preocupações relevantes
Outra preocupação que pode influenciar no interesse de um paciente
em se autodeterminar é que a decisão de um paciente deve ser regida pelos princípios do
consentimento informado.
45
A doutrina do consentimento informado tem como base os princípios
da autodeterminação, exige que os médicos obtenham o consentimento do paciente antes de
fornecer o tratamento informando ao paciente dos riscos possíveis e as alternativas possíveis.
Este entendimento se estende a recusa de tratamento. Antes de o
paciente deve ser autorizado e capaz para recusar o tratamento ou fazer qualquer outra
decisão, ele deve saber e entender o seu estado de saúde atual, possíveis intervenções, as
prováveis consequências de cada intervenção ou de não-intervenção, uma opinião profissional
quanto à melhor alternativa. Há de se observar que informações imprecisas ou incompletas
limitam a capacidade de um paciente para entender o que está em jogo e para tomar uma
decisão que corresponde aos valores do paciente.
Uma potencial dificuldade está em determinar quando o paciente
entende perfeitamente as consequências de sua escolha, e fez uma decisão consciente. Por
isso, decisões precipitadas devem ser evitadas.59
4.6 Regularização do direito à morte no direito comparado
Alguns países responderam a questão da morte assistida de forma
interessante, tornando essa possível. Com essa a legalização o direito do individuo sobrepôsse ao dever do Estado.
O suicídio medicamente assistido é legal na Holanda, Bélgica, Suíça
e Luxemburgo. Exceto para a Suíça, as leis limitam o procedimento apenas para os residentes,
e sob condições estritas. A Suíça só permite a vinda de estrangeiros para a morte assistida,
desde que seja altruísta, não tenha fins lucrativos ou de dolo.
4.6.1 PAÍSES BAIXOS
O fim da vida em Solicitação e Suicídio Assistido entrou em vigor em
1 de Abril , 2002 legaliza eutanásia e o suicídio assistido em casos muito específicos, sob
determinadas circunstâncias.
A lei permite conselho de revisão médica para suspender julgamento
dos médicos que realizaram eutanásia, quando ocorrem as seguintes condições:
59
ORG.OPN.lists.right-to-die- World right-to-die news list (nonprofit). Disponível em:
<http://lists.opn.org/mailman/listinfo/right-to-die_lists. opn.org>. Acesso em: 15 out. 2014.
46
• O sofrimento do paciente deve ser insuportável, sem perspectiva de
melhora;
• O pedido do paciente para a eutanásia deve ser voluntário e
persistente ao longo do tempo; (o pedido não pode ser concedido
quando sob a influência de outros, doença psicológica ou drogas)
• O paciente deve estar plenamente consciente da sua condição,
perspectivas e opções;
• Deve haver consulta com pelo menos outro médico independente,
que precisa confirmar as condições acima mencionadas;
• A morte deve ser levada a cabo de uma forma clinicamente
apropriada pelo médico ou paciente, caso em que o médico tem de
estar presente;
• O paciente deve ter no mínimo 12 anos de idade (pacientes entre 12
e 16 anos de idade requerem o consentimento de seus pais).
O médico também deve informar a causa da morte ao legista
municipal de acordo com as disposições pertinentes do sepultamento e da Lei de cremação. A
revisão regional do comitê avalia se o caso de cessação da vida a pedido ou suicídio assistido
está em conformidade com os critérios de cuidados devidos.
4.6.2 BÉLGICA
A legislação na Bélgica é largamente modelada a partir dos Países
Baixos. Entrou em vigor em 23 de setembro de 2002, quando a legislação aprovada, a Bélgica
se tornou o segundo país, depois da Holanda legalizar a eutanásia e o suicídio assistido.
A legislação estabelece que o paciente deve pedir para morrer, o
sofrimento deve ser insuportável, e o curso clínico sem esperança. Um médico independente
deve ser consultado e um terceiro médico deve ser trazido para os casos não-terminais. O
paciente deve ser um residente da Bélgica, embora não necessariamente um cidadão.
4.6.3 LUXEMBURGO
47
Em 19 de fevereiro de 2008, o Parlamento do Grão-Ducado do
Luxemburgo aprovou descriminalização da eutanásia. Luxemburgo é o terceiro país da União
Européia que permitiu que os médicos ajudassem os pacientes a terminarem suas próprias
vidas.
O parlamento aprovou a lei com apenas uma pequena maioria de 30
dos 59 parlamentares que votaram a favor. De acordo com o projeto de lei, a eutanásia será
estritamente regulamentada e pode ser mencionada em um "testamento vital".
Os médicos terão que consultar com um colega para confirmar que a
pessoa está sofrendo de uma "condição grave e incurável.” Uma comissão composta
principalmente de médicos e funcionários verifica caso-a-caso todas as condições e os
procedimentos legais sejam respeitados.
4.6.4 SUÍÇA
O suicídio assistido é legal na Suíça desde 1941 e não necessita ser
realizado por um médico. Ela pode ser realizada por um não médico sem interesse na morte.
Todos os suicídios assistidos na Suíça são gravados em vídeo.
Existem duas organizações apenas na Suíça que ajudam seus próprios
membros a morrer dignamente, contudo a DIGNITAS ajuda os visitantes estrangeiros a
morrer em casos que se justifica, em razão do sofrimento terminal.
Dignitas é um grupo suíço que ajuda as pessoas com doenças
terminais e graves doenças físicas e mentais a morrer assistido por médico e enfermeiros
qualificados. Adicionalmente, eles fornecem o suicídio assistido para pessoas desde que este
seja submetido a um relatório médico detalhado elaborado por um psiquiatra que estabelece a
condição do paciente, cumprindo as especificações do Tribunal Federal da Suíça.
A lei suíça sobre o suicídio assistido afirma claramente que a pessoas
que assiste um suicídio assistido só pode ser processado se houve motivação relacionada a
interesse próprio, um importante ponto legal. Como resultado, o Dignitas garante agir de
forma inteiramente neutra, provando que, além das taxas não recorrentes, eles não têm
absolutamente nada a ganhar com a morte de seus membros.
Prova legalmente admissível que a pessoa deseja morrer, é a
assinatura de uma declaração, também assinada por testemunhas independentes. Nos casos em
que uma pessoa é fisicamente incapaz de assinar um documento, um pequeno vídeo da pessoa
48
é feito, neste o paciente deve confirmar a sua identidade, a sua intenção de morrer, e que a sua
decisão é feita de sua livre e espontânea vontade, sem qualquer forma de coerção.
No Dignitas é administrado o sedativo anti-emético em dose oral,
seguida por uma dosagem letal de pó de Nembutal . A morte é causada por parada
respiratória, que ocorre dentro de 30 minutos após a ingestão do Nembutal. Assim, a morte
ocorre de morte calma e digna.
Os tratamentos que o paciente não gostaria de ter são juridicamente
vinculados, e devem ser discutidos previamente com a pessoa (s) designada para ser seu
instrumento de mandato para assistência médica.
6.6.5 Alguns Estados Americanos
OREGON
A morte com Dignidade (SRO 127,800-127,89) foi aprovada em 27
de outubro de 1997, em eleições gerais com 51,3% a favor. Apesar aprovação da medida, a
implementação foi pacificada em tribunais há vários anos.
A lei sobre Morte Com Dignidade permite pessoas de Oregon que são
doentes terminais a acabar com suas vidas por meio de a auto-administração voluntária de
medicamentos letais, expressamente prescritos por um médico para o efeito.
Condições específicas do decreto são:
• Elegibilidade: Um adulto capaz, residente do Oregon, que teve
analise e determinação de médico assistente e consultoria estar comprovadamente sofrendo
de uma doença terminal (com seis meses ou menos para viver), e que expressou
voluntariamente o seu desejo de morrer, pode fazer um pedido por escrito para a medicação
com o objetivo de acabar com a sua vida de uma forma humana e digna.
Nenhuma medicação para acabar com a vida de um paciente deve
ser prescrita até que seja determinado que o paciente não esteja sofrendo de um distúrbio
psiquiátrico ou psicológico ou depressão causando julgamento prejudicado.
Duas testemunhas devem assinar todas as solicitações por escrito.
Uma testemunha não deve ser um parente e não terá direito a qualquer parcela do
49
patrimônio da pessoa após a morte, e não poderá operar ou ser empregado em uma unidade
de saúde onde a pessoa é um paciente ou residente.
• Residência: Apenas os pedidos feitos por residentes Oregon serão
concedidos. A prova de residência inclui, mas não está limitado a: (1) a posse de uma licença
de motorista de Oregon, (2) registro de voto em Oregon, (3) evidência de que a pessoa possui
ou aluga imóvel em Oregon, ou (4) apresentação de uma declaração de imposto de Oregon
para o ano fiscal mais recente.
• Imunidades dos profissionais de saúde: Nenhum provedor de
cuidados de saúde deve ser submetido à responsabilidade civil ou criminal ou ação
disciplinar profissional para participar de boa-fé cumprimento da portaria. Qualquer
profissional de saúde tem o direito de recusar-se a participar sem penalidade.
• Efeito sobre testamentos, contratos, seguros ou de anuidade
políticas: Nenhuma disposição em contrato, seja esta, seguro de política de anuidade, ou a
taxa cobrada, estará condicionada ou afetada pela realização de um pedido de medicação
para acabar com a própria vida.
Com essas disposições, a partir de 7 de janeiro de 2011, 96
prescrições de medicamentos letais tinham sido escritas, em comparação a 95 durante 2009.
Dos 96 pacientes para quem prescrições foram escritos ao longo de 2010, 59 morreram por
ingerir os medicamentos. Além disso, seis pacientes com prescrições escritas nos anos
anteriores ingeriram os medicamentos e faleceram em 2010, num total de 65 mortes (Dead
With Dignity Act).
Dos 65 pacientes que faleceram com o auxílio da lei em 2010, a
maioria (70,8%) tinha mais de idade 65 anos; a idade média foi de 72 anos. Como nos anos
anteriores, a maioria era branca (100%), educada (42,2 % tinham pelo menos um diploma de
bacharelado), e tinham câncer (78,5 %).
Desde que a lei foi aprovada em 1997, 525 pacientes morreram de
medicamentos que ingeridos pela prescrição aos cuidados do Ato da Morte com Dignidade.
WASHINGTON
O Estado de Washington em relação ao ato da morte com dignidade
foi aprovado pelo eleitor e teve seu início em 4 de Novembro de 2008 e entrou em vigor 5 de
março de 2009 e é modelado após Legislação do Oregon.
50
Entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2010 , a medicação
foi dispensado a 87 participantes. Dos 87 participantes, em 2010, 72 pessoas morreram; 51
dessas pessoas morreram após ingerir a medicação.
MONTANA
Em 2008, a juíza Judy McCarter escreveu que “os direitos
constitucionais individuais à privacidade e à dignidade humana” devem dar a uma pessoa
mentalmente competente, que tem uma doença terminal o direito de morrer com dignidade. A
decisão afirmou que os pacientes tinham o direito de obter a auto-administração
“(selfadministered)” dos medicamentos para acelerar a morte se eles julgassem o seu
sofrimento insuportável e que os médicos poderiam prescrever tais medicamentos sem medo
de repressão.
Em 31 de dezembro, a Suprema Corte decidiu o direito legal de
suicídio assistido, tornando Montana o terceiro estado que dá aos médicos a liberdade de
prescrever medicamentos para pacientes mentalmente competentes, em estado terminal, sem
medo de repressão.
Não há dados estatísticos disponíveis sobre o número de pacientes em
uso de medicamentos auto-administrados para acelerar a morte.
GEORGIA
Geórgia tornou-se o quarto estado a legalizar o suicídio assistido em
uma decisão da Suprema Corte do Estado, em novembro de 2011, Interpretação do estatuto,
seção 16-5-5, o Tribunal de Justiça diz que o estatuto foi cuidadosa e intencionalmente
elaborado para proteger a privacidade da decisão do paciente, quando em consulta com seu
médico, para acabar com a sua vida.
A Procuradoria Geral do Estado diz que a lei proíbe o suicídio
assistido apenas em um caso em que o suspeito anuncia publicamente que ele vai auxiliar a
um suicídio. Assim desde que um médico não faça qualquer declaração pública sobre a sua
disponibilidade para participar como médico do suicídio assistido, não viola a lei da Geórgia
por prescrever doses letais de medicamentos com a finalidade de permitir aos doentes decidir
a morrer no momento da sua própria escolha.
51
VERMONT
Em 17 de fevereiro de 2011, a Representante Donna Sweaney
introduziu o projeto para a morte com dignidade na legislação (House Bill 0274) de Vermont,
na Câmara dos Deputados para apreciação durante a sessão 2011. Demonstrando uma forte
base e amplo apoio ao novo projeto de lei, foi acompanhada por 42 co-patrocinadores.
Um projeto de lei semelhante (Senate Bill 0103) foi introduzido no
Senado. Ambos os projetos ainda estão em comissão.
6.6.6 Análise simplificada das leis sobre o suicídio assistido nos Estados norte-americanos
Dois estados aprovaram legislação que permite o suicídio assistido por
médico: Oregon e Washington;
Dois Supremos Tribunais estaduais têm dito que os cidadãos dos seus
Estados-Membros têm o direito ao suicídio assistido: Geórgia e Montana;
Um estado diz que o suicídio assistido é contra a política pública, mas
não um crime: Ohio;
Trinta e sete estados têm leis que criminalizam explicitamente o
suicídio assistido: Alaska, Arizona, Arkansas, Califórnia, Colorado, Connecticut, Delaware,
Flórida, Havaí, Idaho, Illinois, Indiana, Iowa, Kansas, Kentucky, Louisiana, Maine,
Maryland, Michigan, Minnesota, Mississippi, Missouri, Nebraska, New Hampshire, Nova
Jersey, Novo México, Nova York, Dakota do Norte, Oklahoma, Pensilvânia, Rhode Island,
Carolina do Sul, Dakota do Sul, Tennessee, Texas, Virgínia, Wisconsin;
Cinco estados criminalizam o suicídio assistido através no direito
comum: Alabama, Massachusetts, Carolina do Norte, Vermont, West Virginia;
Três estados aboliram a lei comum de crimes e não tem estatutos
criminalizando o suicídio assistido: Nevada, Utah, Wyoming.60
60
ASSISTED death, palliative care and human rights. Patiens Rights Council, 1 fev. 2011. Disponível em:
<www.patientsrightscouncil.org/site/assisted>. Acesso em: 20 out. 2014.
52
5. NORMAS VIGENTES E AVANÇOS LEGISLATIVOS NO BRASIL NO
QUE SE REFERE À MORTE DIGNA
5.1 Surgimento da regulamentação sobre ortotanásia
O início dos debates referentes à ortoeutanásia no Estado brasileiro se deu com a
Lei n°10.241/99. Esta lei foi redigida por Roberto Gouveia, médico e deputado.
Tal lei foi criada em âmbito estadual e descreve os direitos dos usuários dos
serviços de Saúde do Estado de São Paulo, sendo sua redação:
Artigo 2º - São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São
Paulo:
I - ter um atendimento digno, atencioso e respeitoso;
[...]
VII – Consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com
adequada informação, procedimentos diagnósticos e terapêuticos a serem
nele realizados.
[...]
XXIII – Recusar tratamentos dolorosos a vida.
XXIV – Optar pelo local da morte. (BRASIL,1999).
5.2 Da Resolução n° 1805/06
No Conselho Regional de Medicina de São Paulo iniciou-se apenas em 2004 a
discussão sobre ortotanásia. Todavia, devido à grande importância da temática esta foi levada
ao Conselho Federal de Medicina (CFM) que após muitas deliberações, ratificou a Resolução
n° 1805/06, que versa sobre uma normatização no que se refere ao procedimento.
Contudo, as resoluções apresentam caráter administrativo, com o intuito de
estabelecer as regras e normas para a organização de uma categoria profissional. Diante disto,
cabe uma análise sobre a natureza jurídica do Conselho Federal de Medicina.
53
Este órgão integra a Administração Pública indireta, logo, submete-se aos
princípios descritos no artigo 37, caput, da Constituição da República de 1988, assim pode
expedir atos normativos, válidos e vinculantes.
Ronaldo Pinheiro de Queiroz afirma que:
As atividades do CFM são típicas da Administração Pública. Os conselhos
são órgãos delegados do Estado para o exercício da regulamentação e
fiscalização das profissões liberais. A delegação é federal tendo em vista
que, segundo a Constituição da República, a teor do art. 21, XXIV, compete
à União Federal organizar, manter e executar a inspeção do trabalho,
atividade típica de Estado que foi objeto de descentralização administrativa,
colocando-a no âmbito da Administração Indireta, a ser executada por
autarquia, pessoa jurídica de direito público criada para esse fim61.
O Conselho Federal de Medicina foi criado pelo Decreto n° 4.045/58 e tem como
escopo supervisionar o exercício da profissão médica em todo o país, julgar faltas no decorrer
da atividade profissional e pelo seu bom conceito, atinentes à ética médica.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma:
Há consenso entre os autores ao apontarem as características das autarquias:
1. criação por lei; 2. Personalidade jurídica própria; 3. capacidade de
autoadministração; 4. especialização dos fins ou atividades; 5. Sujeição a
controle ou tutela62.
Logo, observa-se que o CFM é uma autarquia federal, sendo sua estrutura a de
autarquia corporativa, pois foi criado por lei, possui personalidade jurídica própria, com
autoadministração, com especialização para os fins de regulamentação e fiscalização das
atividades dos profissionais médicos, sujeito a controle e tutela, sendo submetido ao controle
do Tribunal de Contas.
Ronaldo Pinheiro de Queiroz reafirma essa linha de pensamento:
Os conselhos fiscais de profissões regulamentadas são criados por meio de
lei federal, em que geralmente se prevê autonomia administrativa e
financeira, e se destinam a zelar pela fiel observância dos princípios da ética
e da disciplina da classe dos que exercem atividades profissionais afetas a
sua existência.
61
QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. A natureza jurídica dos conselhos fiscais de profissões regulamentadas. Jus
Navigandi,
Teresina,
ano
10,
n.
1211,
25
out.
2006.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9082>. Acesso em: 20 set. 2014
62
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 429.
54
Não raro, na própria lei de constituição dos conselhos vem expresso que os
mesmos são dotados de personalidade jurídica de direito público, sendo que
outras leis preferem apontá-los, desde logo, como autarquias federais.
Todos os conselhos profissionais são criados por lei, dotando-os de
personalidade jurídica. Citem-se, a título de exemplo, os conselhos federais
de farmácia e de medicina, criados respectivamente pelas Leis 3.820/60 e
3.268/5763.
Ainda o autor afirma que em decorrência da natureza jurídica de direito público
do CFM, referente à sua arrecadação tributária que,
Além disso, os conselhos de fiscalização são detentores de autonomia
administrativa e financeira, característica essencial de uma autarquia, cujo
patrimônio, próprio deles, é constituído pela arrecadação de contribuições
sociais de interesse das categorias sociais, também chamadas de
contribuições parafiscais, tendo nítido caráter tributário. Nesse ensejo, cabe
enfatizar que, já que as contribuições possuem natureza tributária, segundo o
art. 119 do Código Tributário Nacional, "sujeito ativo titular da obrigação é a
pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu
cumprimento”.64
Consoante a este é também o entendimento do Supremo Tribunal Federal para o
qual o CFM é uma autarquia federal, pessoa jurídica de direito público, submetido à
fiscalização do Tribunal de Contas, conforme a jurisprudência abaixo:
“DEFINIDO POR LEI COMO AUTARQUIA FEDERAL, O CONSELHO
FEDERAL DE MEDICINA ESTA SUJEITO A PRESTAR CONTAS AO
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. (MS 10272, Relator(a): Min.
VICTOR NUNES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 08/05/1963, DJ 1107-1963 PP-00053 EMENT VOL-00544-01 PP-00052 RTJ VOL-00029-01
PP-00124)
EMENTA: Mandado de segurança. - Os Conselhos Regionais de Medicina,
como sucede com o Conselho Federal, são autarquias federais sujeitas à
prestação de contas ao Tribunal de Contas da União por força do disposto
no inciso II do artigo 71 da atual Constituição. - Improcedência das
alegações de ilegalidade quanto à imposição, pelo TCU, de multa e de
afastamento temporário do exercício da Presidência ao Presidente do
Conselho Regional de Medicina em causa. Mandado de segurança
indeferido”. (MS 22643, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal
Pleno, julgado em 06/08/1998, DJ 04-12-1998 PP-00013 EMENT VOL01934-01 PP-00106).
Logo, a resolução n. 1.805/2006 expedida pelo CFM é um ato administrativo,
assim caracterizam-se pela imperatividade, todos os administrados são vinculados ao órgão
63
64
QUEIROZ, op. cit.
Ibidem.
55
administrador, ou seja, ao Conselho Federal de Medicina. Os atos administrativos são
definidos por Hely Lopes Meirelles, nos seguintes termos,
“Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da
Administração Pública, que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato
adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direito, ou
impor obrigações aos administrados ou a si próprias65”.
A Resolução n. 1.805, como ato administrativo, está vinculado à lei, e para tanto,
é coerente à Constituição.
Além disso, a matéria regulamentada na Resolução n. 1.805 é atinente à ética
médica, respaldada no artigo 2º da Lei n. 3.268 de 30 de setembro de 1957.
“Art. 2º O conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os
órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e ao mesmo
tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e
trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético
da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam
legalmente”.66
Contudo, o Ministério Público Federal propôs Ação Civil Pública visando à
determinação de nulidade de norma da Resolução nº 1805/06 do Conselho Federal de
Medicina segundo a qual: "é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e
tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e
incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal". A norma foi
antecipadamente suspensa até sentença final.
A ação civil pública ajuizada pelo MPF pondera que o CFM não possui poder
regulamentar para dispor sobre o direito à vida.
Note-se que a Resolução n. 1.805 não dispõe sobre o direito à vida, a resolução
regulamenta a prática da ortotanásia, um ato médico, que trata da ética médica. O direito à
vida já está disciplinado na Constituição.
O Juiz Federal Roberto Luis Luchi Demo prolatou a sentença julgando
improcedente o pedido do Ministério Público Federal, conforme demonstrado:
65
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1991,p. 126.
66
BRASIL. Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3268.htm>. Acesso em: 18 set. 2014.
56
a propósito do tema veiculado nesta ação civil pública, chego à convicção
de que a Resolução CFM n. 1.805/2006, que regulamenta a possibilidade de
o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que
prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e
incuráveis, realmente não ofende o ordenamento jurídico posto. Alinho-me,
pois à tese defendida pelo Conselho Federal de Medicina em todo o
processo e pelo Ministério Público Federal nas suas alegações finais, haja
vista que traduz, na perspectiva da resolução questionada, a interpretação
mais adequada do Direito em face do atual estado de arte da medicina.67
Ainda pautou-se na manifestação da ilustre Procuradora da República Luciana
Loureiro Oliveira que afirmou:
“Nossa posição se resume, brevemente, em algumas premissas: 1) o CFM
tem competência para editar a Resolução nº 1805/2006, que não versa sobre
direito penal e, sim, sobre ética médica e consequências disciplinares; 2) a
ortotanásia não constitui crime de homicídio, interpretado o Código Penal à
luz da Constituição Federal; 3) a edição da Resolução nº 1805/2006 não
determinou modificação significativa no dia-a-dia dos médicos que lidam
com pacientes terminais, não gerando, portanto, os efeitos danosos
propugnados pela inicial; 4) a Resolução nº 1805/2006 deve, ao contrário,
incentivar os médicos a descrever exatamente os procedimentos que adotam
e os que deixam de adotar, em relação a pacientes terminais, permitindo
maior transparência e possibilitando maior controle da atividade médica.”68
Com base na opinião de Luís Roberto Barroso, reconhece a procuradora haver na
ortotanásia o exercício de um direito à autodeterminação, com respeito à vontade livre do
paciente, e a prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana, que compreende o
direito
a
uma
morte
digna.
Surgiu em abril de 2010, o novo Código de Ética Médica, cujo art. 41, parágrafo
único, se diz:
“nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os
cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou
terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a
vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu
representante
legal69”.
Determina-se, então, não serem adotadas medidas terapêuticas inúteis
que visem obstinadamente prolongar a vida e manda-se aplicar
cuidados paliativos para minorar a dor.
67
BRASIL. Poder Judiciário. Seção Judiciária do Distrito Federal. Sentença... Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/dl/sentenca-resolucao-cfm-180596.pdf>. Acesso em: 18 set. 2014.
68
Ibidem.
69
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (CREMERN).
Leia o novo código de ética médica na íntegra. Disponível em: <http://www.cremern.cfm.org.br/index.
php?option=com_content&view=article&id=21352:&catid=3>. Acesso em: 18 set. 2014.
57
No que tange o vazio legiferente sobre a matéria Iberê Anselmo Garcia, afirma
sobre a disposição legal da ortotanásia,
“[...] Para dirimir dúvidas, os projetos de lei que excluem a ilicitude da
ortotanásia de forma clara e inequívoca, disciplinando-a em texto legal
deveriam ter sua discussão retomada pelo Congresso Nacional, para que os
profissionais pudessem tratar os pacientes terminais de forma tranquila”.70
Assim, na falta da atividade legiferante pelo Poder Legislativo, no sentido de
positivar e disciplinar o direito à morte digna, pela prática da ortotanásia, a Resolução n.
1.805/2006 pode ser um marco importante para tentar trazer efetividade do texto
constitucional, ao assegurar principalmente a dignidade e a autonomia do paciente terminal.
Não se olvida de que a Resolução n. 1.805/2006 cumpre o objetivo do Estado
Democrático de Direito, permeado pela Constituição, pois busca não restringir os projetos
individuais de vida daqueles que querem morrer no tempo certo, evitando tratamentos fúteis,
que violem sua dignidade.
Coaduna com este entendimento também, Maria de Fátima Freire de Sá, que
afirma:
Levantar bandeiras de um Estado Democrático de Direito e desconsiderar a
participação daquele que busca a materialização de seu direito nada mais é
que bradar por algo oco em sentido, desprovido, exatamente, das
características que lhe conferem rótulo e sustentam seus contornos lexicais.
Não há como se falar em democracia, desconsiderando a pluralidade e esta
não existe se excluídos os rasgos da diferença71.
Neste sentido, urge-se pelo direito à morte digna, pois a Resolução n. 1805/2006
regulamenta a ortotanásia, que não está disciplinada em lei-infraconstitucional, mas implícita
pela Constituição, como co-extensão da dignidade da pessoa humana.
5.3 Resolução CFM nº 1.931/2009 - Novo Código de Ética Médica
70
GARCIA, Iberê Anselmo. Aspectos médicos e jurídicos da eutanásia. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, v. 15, n. 67, p. 253-275, jul./ago. 2007.
71
SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de morrer: eutanásia, suicídio assistido. 2. ed. Belo Horizonte: Del
Rey, 2008. p.149
58
Quando se deu a suspensão da Resolução 1805/2006 em 2007 proibindo a
ortotanásia no Brasil, o CFM procurou uma forma alternativa de autorizar os médicos a
praticarem os então chamados cuidados paliativos no País, até que o processo se resolvesse.
Em vigor desde o dia 13 de abril de 2010, após vinte anos de vigência da edição
anterior, o novo Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/200972), veio facultar aos
médicos, mediante autorização da família, a realização da ortotanásia.
A Resolução é destinada, nas palavras de Roberto Luiz D‟Ávila, Coordenador da
Comissão Nacional de Revisão do Código de Ética Médica e atual presidente do CFM:
Ao grupo de pacientes portadores de uma doença crônica degenerativa, (que
a Medicina já reconheceu com humildade que é incurável) e que estão na
fase terminal do processo de vida, ou seja, estão em processo de morte.
Qualquer prolongamento desta morte, submetendo o paciente a tratamentos
desnecessários ou fúteis, é prolongar o sofrimento73.
O capítulo I desta resolução rege os Princípios Fundamentais que o médico evitará
a realização de procedimentos desnecessários aos pacientes:
“Capítulo I
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
[...]
XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a
realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e
propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos
apropriados. (NOVO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA - RESOLUÇÃO CFM
Nº 1931/2009).”74
Também, em seu capítulo V que trata da relação com pacientes e familiares, que
nos casos de doentes terminais, o médico deve evitar procedimentos inúteis que prolonguem o
sofrimento do paciente:
Capítulo V
72
BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1931/2009. Disponível em:
<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2009/1931_2009.htm>. Acesso em: 18 set. 2014.
73
BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Pacientes poderão registrar em prontuário a quais
procedimentos querem ser submetidos no fim da vida. Disponível em:
<http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23197:pacientes-poderaoregistrar-em-prontuario-a-quais-procedimentos-querem-ser-submetidos-no-fim-da-vida&catid=3>. Acesso em:
18 set. 2014.
74
BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução... op. cit.
59
RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES
É vedado ao médico:
Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu
representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico
oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações
diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em
consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de
seu representante legal. (NOVO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA RESOLUÇÃO CFM Nº 1931/2009)75.
5.4 Projetos de Lei
Atualmente, quatro projetos de Lei têm como objetivo regulamentar a temática
sendo: PL 3.002/2008, de autoria do Deputado Hugo Leal (PSC-RJ), PL 5.008/2009, de
autoria do Deputado Dr. Talmir (PV-SP), PL 6.544/2009, de autoria dos Deputados Dr.
Talmir (PV-SP) e Miguel Martini (PHS-MG) e também o PL 6.717/2009, de autoria do
Senador Gerson Camata (PSDB-ES), que tem como objetivo modificar o Código Penal,
excluindo a ilicitude da prática da ortotanásia no ordenamento Brasileiro.
A proposta do Projeto de Lei 3.002/0876 versa sobre a realização da prática da
ortotanásia, sendo que esta se dará por autorização de uma junta médica especializada
formada por três médicos, sendo que destes seja um psiquiatra e um médico de especialidade
afim com o caso específico do paciente. A solicitação será formulada pelo paciente ou seu
representante legal e endossada pela junta médica especializada deverá ser submetida à
apreciação do Ministério Público, que avaliará a regularidade e legalidade do procedimento.
No caso de dúvida, o Ministério Público deverá levar o assunto ao Poder Judiciário.
Estes projetos atualmente têm regime de tramitação ordinária e serão analisados
pelas comissões de Seguridade Social e Família, de Constituição e Justiça e de Cidadania,
seguindo depois para o Plenário.
75
76
BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução... op. cit.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei n.º 3.002, de 2008. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=7A1E4E49008B8CF9FC2E1AD
6D20061DE.node1?codteor=548256&filename=Avulso+-PL+3002/2008>. Acesso em: 20 set. 2014.
60
A legalização da ortotanásia deverá mudar o atendimento em hospitais que tratam
de doentes com câncer, em estado terminal. Espera-se que o atendimento seja aprimorado
tanto nas instituições médicas, públicas ou privadas, quanto nas residências dos doentes,
proporcionando-lhes uma morte digna com a possibilidade de uma morte natural, ao lado da
família, em suas respectivas casas, com o mínimo de dor.
Amparados pelo art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que elegeu o princípio
da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil
e também pelo art. 5º, inciso III, que estabelece: “ninguém será submetido à tortura nem a
tratamento desumano ou degradante”, conforme já delineado, o Conselho Federal de
Medicina expediu em novembro de 2006 a Resolução 1.805.
5.5 Projeto de Lei 3.002/2008
Amparado pela lei e contrário à suspensão da Resolução nº 1.805/2006 do CFM
pelo Ministério Público Federal, o Deputado Hugo Leal (PSC-RJ) propôs o Projeto de Lei
3.002/2008 que objetiva a regulamentação da prática da ortotanásia no Brasil.
O deputado, no documento de proposição do Projeto de Lei, explana:
O problema da terminalidade da vida angustia os profissionais de saúde,
especialmente os médicos. O avanço científico e tecnológico no campo da
assistência à saúde, que possibilita a manutenção artificial da vida por meio
de equipamentos ou tratamentos extremos, gera situações éticas e filosóficas
novas, que demandam regulamentação própria e específica. Torna-se
imprescindível, portanto, estabelecer limites razoáveis para a intervenção
humana no processo do morrer. O prolongamento indefinido da vida, ainda
que possível, nem sempre será desejável. É factível manter as funções vitais
em funcionamento mesmo em casos de precariedade extrema; por vezes,
inclusive no estado vegetativo. Todavia, em muitos casos, esse sofrimento e
essa agonia são desumanos, indignos e atentam contra a própria natureza do
ciclo da vida e da morte77.
Além disso, na justificativa do projeto, deixa claro que, para a regulamentação da
prática da ortotanásia no Brasil, o Projeto de Lei seria a medida procedente, como já exposto
pelo Procurador da República Wellington Oliveira, na Ação Civil Pública que suspendeu a
Resolução do CFM nº 1805/2006.
77
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei n.º 3.002... op. cit.
61
Segundo o Deputado Hugo Leal:
O projeto apresentado pretende regulamentar a matéria, permitindo a
ortotanásia em situações bastante específicas e estabelecendo processo
criterioso para sua aprovação, a fim de assegurar que sua prática ocorra
dentro da legalidade. Esperamos, portanto, contar com o necessário endosso
de nossos pares para o aperfeiçoamento e a aprovação deste importante
projeto de lei78.
O projeto, que tramita em regime Ordinário, foi apreciado pela Comissão de
Seguridade Social e Família, onde foi determinado que fosse apensado ao Projeto de Lei PL
6715/09, de autoria do Deputado Gerson Camata (PSDB-ES), que discute a alteração do
Código Penal brasileiro.
O direito de um doente em fase terminal ou enfrentando moléstia irreversível
decidir sobre a suspensão dos procedimentos médicos que o mantêm vivo artificialmente é
objeto de projeto que o senador Gerson Camata (PMDB-ES) deseja aprovar desde 2009.
O Projeto de Lei 6715/09 enviado pelo Senado para revisão da Câmara dos
Deputados, visa alterar o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal),
para excluir de ilicitude a ortotanásia, permitindo ao doente terminal optar pela suspensão dos
procedimentos médicos que o mantêm vivo artificialmente.
Ortonanásia, como já foi visto anteriormente, é a decisão do paciente de renunciar
ao tratamento para morrer naturalmente. Ela difere da eutanásia, que é a prática de provocar a
morte de um doente, geralmente pela aplicação de uma dose letal de medicamentos ou pela
suspensão da alimentação em pacientes vegetativos.
O texto do Projeto de Lei estabelece que a exclusão de ilicitude será anulada em
caso de omissão de tratamento ao paciente.
Rogério Greco explica exclusão de ilicitude:
O Código Penal, em seu art. 23, previu expressamente quatro causas que
afastam a ilicitude da conduta praticada pelo agente, fazendo, assim, com
que o fato por ele cometido seja considerado lícito, a saber: o estado de
78
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei nº____, de 2008. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/544137.pdf>. Acesso em: 20 set. 2014.
62
necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o
exercício regular de direito. 79.
Assim, o médico que atender ao pedido de suspensão do tratamento não poderá
ser processado por homicídio doloso. É a chamada exclusão de ilicitude. Com a modificação
do Código Penal, haveria uma expansão do artigo 136, que prevê o crime de maus-tratos,
passando a vigorar acrescido do artigo 136-A, com a seguinte redação:
“Art. 136-A. Não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos
aplicados a paciente terminal, deixar de fazer uso de meios desproporcionais
extraordinários, em situação de morte iminente e inevitável, desde que haja
consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge
companheiro, ascendente, descendente ou irmão.
§ 1º A situação de morte iminente e inevitável deve ser previamente atestada
por 2 (dois) médicos.
§ 2º A exclusão de ilicitude prevista neste artigo não se aplica em caso de
omissão de uso dos meios terapêuticos ordinários e proporcionais devidos a
paciente terminal. (PROJETO DE LEI N. 6.715, 2009).”
Conforme a modificação proposta, a situação terminal do doente deverá ser
atestada por dois médicos e, no caso de impossibilidade do paciente, o pedido de suspensão
do tratamento poderá ser feito por seu cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou
irmão.
Com este projeto, espera-se que a ortotanásia seja legalizada no Brasil, uma vez
que, no mundo, ela já é praticada legalmente em países como Inglaterra, Japão e Canadá. Nos
Estados Unidos, existe desde 1991 o Ato de Autodeterminação do Paciente, já estudado neste
trabalho, o qual garante ao doente o direito de aceitar ou recusar tratamentos no momento de
sua admissão no hospital.
O projeto, que tramita em regime de prioridade, foi analisado pelas comissões de
Seguridade Social e Família, Constituição e Justiça e de Cidadania e está sujeito à apreciação
do plenário.
A proposição se encontra apensada, como os demais Projetos de Lei elencados
neste capítulo, ao PL 3002/2008, de autoria do Deputado Hugo Leal (PSC-RJ).
79
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. v. 1. p. 303.
63
Em relação a este Projeto de Lei do Senador Gerson Camata, foi promovida pela
Secretaria de Pesquisa e Opinião do Senado (Sepop) e Agência Senado uma enquete, entre os
dias 1º e 31 de março de 2010, no qual os internautas deveriam responder à pergunta: "Qual a
sua opinião sobre a proposta da ortotanásia, que permite ao doente terminal decidir sobre a
suspensão dos procedimentos médicos que o mantém vivo?
Entre os 6.076 participantes, 62,5% votaram na opção "A favor" e 37,5% votaram
na alternativa "Contra".
5.6 Estado Vegetativo Persistente e o PL 6.544/2009
O artigo 3º da Lei n.9.434, de 4 de fevereiro de 1997, a Lei de Doação Presumida
de Órgãos, ou mais conhecida como a Lei dos Transplantes, explicita “é considerada para fins
de término da vida humana a morte encefálica”.
De acordo com a Resolução n. 1480/97 do Conselho Federal de Medicina, o
estabelecimento de conceito de morte foi fixado por médicos, onde consta nesta resolução que
a morte encefálica, que é o critério adotado para que se possa fazer transplantes de órgãos, é
caracterizada pelo coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e
apnéia.
Maria de Fátima Freire de Sá explica que
o critério para o diagnóstico de morte cerebral é a cessação irreversível de
todas as funções do encéfalo, incluindo o tronco encefálico, onde se situam
estruturas responsáveis pela manutenção dos processos vitais autônomos,
como a pressão arterial e a função respiratória80.
Logo, sob o prisma jurídico, a morte somente ocorre após a cessação da atividade
cerebral. Antes deste momento o paciente ou doente terminal encontra-se no processo do
morrer, razão pela qual deve ser assegurada a dignidade até o fim da sua vida.
Segundo Ronald Dworkin,
80
SÁ, op. cit., p. 44.
64
A morte domina porque não é apenas o começo do nada, mas o fim de tudo,
e o modo como pensamos e falamos sobre a morte – a ênfase que colocamos
no “morrer com dignidade” – mostra como é importante que a vida
termine apropriadamente, que a morte seja um reflexo do modo como
desejamos ter vivido81.
Neste diapasão, Maria Helena Diniz assim dispõe,
Nas relações médico-paciente, a conduta médica deverá ajustar-se às
normas éticas e jurídicas e aos princípios norteadores daquelas
relações, que requerem uma tomada de decisão no que atina aos
procedimentos diagnósticos e terapêuticos a serem adotados. Tais
princípios são da beneficência e não maleficência, o do respeito à
autonomia e ao consentimento livre e esclarecido e o da justiça. Todos
eles deverão ser seguidos pelo bom profissional da saúde, para que
possa tratar seus pacientes com dignidade, respeitando seus valores,
crenças e desejos ao fazer juízos terapêuticos, diagnósticos e
prognósticos. Dentro dos princípios bioéticos, o médico deverá
desempenhar, na relação com seus pacientes, o papel de consultor,
conselheiro e amigo, aplicando os recursos que forem mais
adequados82.
Infere-se, portanto, que a resolução não viola dispositivo constitucional, pois visa
somente regulamentar um direito que é inerente à pessoa humana, o morrer com dignidade.
Trata-se de um documento que busca a transparência da prática da ortotanásia, que rompe a
relação de subordinação do paciente ao médico.
81
DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes,
2003. p. 208.
82
DINIZ, 2001, p. 648-649.
65
CONCLUSÃO
Na filosofia Kantiana, o homem não é determinado pela existência e conteúdo da
moralidade exterior a ele, mas tanto a possibilidade do conhecimento quanto a possibilidade
do estabelecimento do agir moral pressupõe a autodeterminação do próprio indivíduo83.
Conforme estudado, a "Fundamentação da metafísica dos costumes", Kant
resume autonomia, atrelando-a ao fundamento, à priori, de dever aplicável ao mundo
sensível, de forma que um sujeito verdadeiramente autônomo deve ser aquele que age a partir
de uma determinação interna, livre de inclinações, de forma que sua ação valeria para todo o
ser racional em geral84.
Em razão do exercício de iguais liberdades buscado pela filosofia transcendental
kantiana, “o dever não pertence ao chefe do reino dos fins, mas sim a cada membro e em igual
medida85”. É nesse viés que apoia-se o conceito de dignidade na filosofia kantiana, haja vista
que a natureza humana existe como fim em si mesma, a dignidade certamente deriva da
autonomia desse ser racional, capaz de estabelecer o espaço e limites da sua atuação, um ser
consciente de si e que se auto-constitui86.
A vida não poderia se transformar em dever de sofrimento. A antecipação da
morte não só atenderia aos interesses do paciente de morrer com dignidade, ou seja, a
eutanásia atuaria no sentido de dar efetividade ao princípio da autodeterminação da pessoa em
decidir sobre sua própria morte, a exercitar sua liberdade.
Para constituir a autodeterminação da pessoa humana deve-se levar em conta os
princípios de pessoalidade e personalidade jurídica, os quais são constituídos a partir do
momento em que a pessoa se torna capaz juridicamente. Compreender a relação entre
pessoalidade e personalidade como meio de realização integral da pessoa com os outros com
quem se relaciona na efetivação da sua intersubjetividade, seja na autoafirmação da
pessoalidade, seja na afirmação da personalidade jurídica. Ou seja, o primeiro enfoca a pessoa
83
KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. Martin Claret, 2008, p. 70 e 71.
IDEM.
85
Ibidem, p.64
86
Ibidem, p.65.
84
66
em seu aspecto subjetivo, permitindo que alguém seja sujeito de relações e situações jurídicas.
Já os direitos de personalidade concentram-se no aspecto objetivo, isto é, são objeto de
relações e situações jurídicas.
De acorde com o que já foi demonstrado,o filósofo Jürgen Habermas, em seu livro
“Direito e democracia: facticidade e validade” afirma que:
princípios ou normas mais elevadas possuem um sentido deontológico, ao
passo que valores têm um sentido teleológico. Normas válidas obrigam seus
destinatários, sem exceção e em igual medida, ao passo que valores devem
ser entendidos como preferências compartilhadas intersubjetivamente.
Normas surgem com uma pretensão de validade binária, podendo ser válidas
ou inválidas; em relação a proposições normativas nós só podemos tomar
posição dizendo sim ou não. Os valores, ao contrário, determinam relações
de preferência, as quais significam que determinados bens são mais atrativos
que outros. Posso orientar o meu agir concreto por normas ou valores, porém
a orientação da ação não é a mesma nos dois casos. A pergunta “o que devo
fazer em determinada situação? não se coloca nem o têm a mesma resposta.
No caso de normas corretas partimos de um sistema de normas validas, e a
ação é igualmente boa para todos; ao passo que, numa constelação de
valores, típica para uma cultura ou forma de vida, é correto o
comportamento que, em sua totalidade e a longo prazo, é bom para nós.87
Portanto, pode-se inferir a partir das afirmações de Habermas que os princípios
estão intrinsecamente ligados aos valores que a pessoa tem para si mesma, em seu sentido
teleológico.
Observa-se que o grande desafio do Direito está em entender a dignidade não
somente como uma qualidade do ser humano ou como “uma condição de espírito”, mas
entender que se funda no reconhecimento social, por meio da valoração positiva, na busca do
respeito social. A dignidade deve ser buscada em meio às relações sociais, compreendida,
portanto, como uma categoria do próximo. Nas palavras de Hasso Hofmann: “Pode-se
depreender que a dignidade humana não pode ser pensada desvinculada de uma comunidade
concreta de reconhecimento e significação”.88
Além disso, tem-se que não se pode privilegiar apenas a dimensão biológica da
vida humana, negligenciando a qualidade de vida do indivíduo. O prolongamento da vida
somente pode ser justificado se oferecer às pessoas algum benefício, ainda assim, se esse
benefício não ferir a dignidade do viver e do morrer.
87
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flavio Beno
Sieneneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997 p. 316-317.
88
HOFMANN, Hasso. La promessa dela dignitá umana. La dignita delluomo nella cultura giuridica tedesca.
Rivista Internazionaledi filosofia del Direito, Roma, 4, a. 76, p. 625, out/dez. 1999.
67
Assim, foi estudado a questão da “autonomia” e dos maiores e “melhores
interesses” das pessoas que sofrem com alguma doença em estágio crítico de degeneração e
que, embora possam sobreviver, tenham sua capacidade afetada de maneira significativa.
Logo, é necessário observar a eutanásia, como uma medida de justiça, pois ela
representaria os princípios de dignidade, pessoalidade, personalidade e autonomia da pessoa
humana.
Se a pessoalidade só pode ser assumida dentro de uma esfera de relações a partir
do momento em que a pessoa se autodetermina, a vida deixa de ser vista como dever jurídico
ou moral, passando a ser um direito, cuja realização não dispensa a participação da própria
pessoa.
Ou seja, a escolha pela morte é, na verdade, o próprio exercício de direito da vida.
Direito de morrer ou autonomia para morrer, na verdade, integram o exercício de direito à
vida.
68
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