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EDUCAÇÃO BILÍNGUE DE SURDOS: ANÁLISE DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS1
Camila Ramos Franco de Souza2
A educação de surdos vem passando por diversas mudanças nos últimos anos. Ao
longo de sua história, sempre esteve em pauta qual seria a melhor forma de ensinar e de
comunicar-se com alunos surdos, levando a diversas propostas pedagógicas que diferem
quanto à forma de ensino e comunicação com essas pessoas, como as propostas do oralismo,
da comunicação total e do bilinguismo.
As propostas educacionais e terapêuticas voltadas para pessoa com surdez provocam
intensos debates, pela complexidade das questões levantadas pelas áreas da linguística, da
educação, bem como pela comunidade surda (LACERDA; MANTELATTO, 2000).
As principais abordagens educacionais destinadas à educação de surdos sofrem
influências das concepções históricas acerca do que é a surdez, de como deve ser a educação
dos surdos e de qual é a melhor forma de comunicação a ser utilizada com as pessoas surdas.
Esse debate traz à tona, principalmente, o conflito entre a defesa da utilização de fala e das
línguas de sinais.
A abordagem oralista preconiza a utilização da fala e o desenvolvimento da oralidade
e da leitura orofacial para a comunicação e aprendizagem da pessoa com surdez, negando a
língua de sinais. Santana (2007) explicita que a intenção do oralismo é garantir a aquisição da
linguagem oral e facilitar a integração do surdo na sociedade e relembra que, em geral, a fala
é o objetivo de pais ouvintes em relação aos filhos surdos. Nesta abordagem, a estimulação e
o treinamento do resíduo auditivo são fortes aliados para que conquistem seu objetivo; sendo
assim, a terapia com bebês e crianças com deficiência auditiva tem o foco no
desenvolvimento da linguagem pela utilização máxima da audição residual, obtida pelo
Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) ou Implante Coclear (IC) (CHELUCCI;
NOVAES, 2005).
A comunicação total busca formas diversas para que o surdo se comunique e aprenda,
contendo em sua proposta relativa liberdade na escolha de recursos e técnicas que visem à
comunicação dos surdos, entre elas, a utilização da oralidade e de sinais; no entanto, a
comunicação oral também é o objetivo final.
1
Eixo Temático: Educação bilíngue de surdos. Categoria: comunicação oral.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC-SP; Psicologia da Educação. Instituição financiadora: SPCAPES.
2
Capovilla e Capovilla (2004) afirmam que a comunicação total propõe o uso de um ou
mais sistemas associados à língua falada com o objetivo de abrir canais de comunicação
adicionais.
Já o bilinguismo marca a importância da língua de sinais para o desenvolvimento da
pessoa com surdez e luta pelo direito do surdo de ser reconhecido como usuário da língua de
sinais como primeira língua. Não desconsidera a língua do país de origem da pessoa surda,
mas entende que deve ser adquirida como segunda língua.
Para Quadros (2004), o bilinguismo retoma a questão da “educação” na educação de
surdos, por se tratar da quebra do paradigma clínico-terapêutico dando lugar ao enfoque
social, cultural e político da surdez.
O pressuposto do bilinguismo é que o surdo deve adquirir a língua de sinais como
língua materna, ou seja, como língua natural, e a língua oficial do país como segunda língua
(GOLDFELD, 2001).
Diante dessa diversidade, pensar a educação de surdos não é tarefa fácil; na verdade, é
um tema bastante polêmico pelas suas dificuldades e limitações que geram diferentes
desdobramentos e consequências (LACERDA, 1998).
Em novembro de 2011, o município de São Paulo reestruturou a educação de surdos
na cidade, transformando as Escolas Municipais de Educação Especial (EMEE) em Escolas
Municipais de Educação Bilíngue para Surdos (EMEBS).
O presente estudo pretendeu analisar se as práticas pedagógicas existentes nas escolas
que atendem os alunos surdos da cidade de São Paulo são condizentes com a abordagem
bilíngue de educação para surdos ou se são influenciadas por outras abordagens educacionais.
Apesar de essa pesquisa não desconsiderar o fato de o ensino envolver diferentes etapas
(planejamento, conhecimento, organização do ambiente, recursos pedagógicos, entre outros),
seu foco é a atuação dos professores bilíngues em sala de aula.
Foram realizadas filmagens de aulas ministradas por três professores bilíngues em
uma das seis escolas municipais destinadas ao atendimento de alunos surdos. Cada escola
possui suas características peculiares, portanto, não se pretendeu chegar a generalizações
válidas para a população de escolas e professores; no entanto, é notável que parte considerável
dos fatores determinantes da atuação desses professores seja comum.
As aulas de cada participante da pesquisa foram filmadas duas vezes por
aproximadamente 30 minutos, priorizando-se o desenvolvimento das atividades escolares, e
não a organização da rotina diária de cada sala.
Posteriormente, o conteúdo do vídeo foi analisado segundo um protocolo de
observação criado pela pesquisadora: foram registradas, a cada minuto de gravação, as
ocorrências de comportamentos relacionados às categorias: Oralidade, Libras, Língua
Portuguesa e Recursos e Estratégias.
A categoria Oralidade foi registrada quando houve ocorrência dos seguintes
comportamentos: a) Utiliza a oralidade sem a utilização da Libras no contexto da aula; b)
Utiliza a oralidade simultaneamente à utilização da Libras; c) Hiperarticula a fala para se
comunicar com aluno; d) Chama atenção dos alunos para a sua boca; e) Aumenta o tom de
voz enquanto oraliza; f) Faz uso de pistas táteis e visuais enquanto oraliza.
A categoria Libras foi registrada toda vez que houve ocorrência dos comportamentos
seguintes: a) Utiliza Libras no contexto da sala de aula; b) Chama atenção dos alunos para
suas mãos; c) Incentiva o olhar do aluno para seu interlocutor; d) Utiliza o alfabeto
datilológico; e) Utiliza registros em Libras (desenho dos sinais, fotos); f) Faz leitura de textos
em (interpretar); g) Repete o enunciado em Libras quando o aluno não compreende.
Na categoria Língua Portuguesa, o registro foi feito de acordo com os seguintes
comportamentos: a) Utiliza textos em Língua Portuguesa com os alunos; b) Faz registros em
Língua Portuguesa obedecendo à sua estrutura sintática; c) Associa sinais à escrita de Língua
Portuguesa; d) Propõe atividade em que o aluno escreva em Língua Portuguesa; e) Propõe
atividades em que o aluno leia em Língua Portuguesa; f) Diferencia para os alunos a
utilização da Libras e da Língua Portuguesa.
Por fim, na categoria Recursos e Estratégias, foi observado se a professora: a) Utiliza
imagens, desenhos ou fotos para favorecer a compreensão dos alunos; b) Utiliza materiais
concretos durante a atividade (objeto, miniaturas); c) Faz uso de outros recursos
comunicativos quando o aluno não entende (dramatizar, escrever, desenhar); d) Aceita a
interferência dos alunos durante a explicação; e) Estimula os alunos a se expressarem.
Como resultado da tabulação dos dados dos protocolos, obtiveram-se os resultados
dispostos nas Tabelas.
Professora A
1ª filmagem
Oralidade
Nº de
Ocorrência
36
%
40,45
LIBRAS
Nº de
Ocorrência
14
%
15,73
Escrita da LP
Nº de
Ocorrência
24
%
26,97
Recursos e
Estratégias
Nº de
Ocorrência
15
%
16,85
Total
Nº de
Ocorrência
89
%
100,00
2ª filmagem
Oralidade
Nº de
Ocorrência
54
LIBRAS
Nº de
Escrita da LP
Nº de
%
Ocorrência
37,50
15
%
Ocorrência
10,42
52
Recursos e
Estratégias
Nº de
%
Ocorrência
36,11
23
Total
Nº de
%
Ocorrência
15,97
144
%
100,00
Professora B
1ª filmagem
Oralidade
Nº de
Ocorrência
54
LIBRAS
Nº de
Ocorrência
%
37,50
Escrita da LP
%
10,42
15
Nº de
Ocorrência
52
%
36,11
Recursos e
Estratégias
Nº de
Ocorrência
23
Total
%
15,97
Nº de
Ocorrência
%
100,00
144
2ª filmagem
Oralidade
Nº de
Ocorrência
2
LIBRAS
%
Nº de
Ocorrência
0,74
104
Escrita da LP
%
Nº de
Ocorrência
38,38
89
Recursos e
Estratégias
%
Nº de
Ocorrência
32,84
76
Total
%
Nº de
Ocorrência
%
28,04
271
100,00
Professora C
1ª filmagem
Oralidade
Nº de
Ocorrência
15
LIBRAS
%
Nº de
Ocorrência
12,71
45
Recursos e
Estratégias
Escrita da LP
%
Nº de
Ocorrência
38,14
13
%
Nº de
Ocorrência
11,02
45
Total
%
Nº de
Ocorrência
%
38,14
118
100,00
2ª filmagem
Oralidade
Nº de
Ocorrência
19
LIBRAS
%
Nº de
Ocorrência
10,44
72
Escrita da LP
%
Nº de
Ocorrência
39,56
22
Estratégias e
Recursos
%
Nº de
Ocorrência
12,09
69
Total
%
Nº de
Ocorrência
%
37,91
182
100,00
De posse das anotações feitas após a análise das filmagens, foram realizadas
entrevistas com as professoras a fim de evidenciar a abordagem educacional que direcionava
seu trabalho e esclarecer possíveis dúvidas em relação ao que foi observado. Nessas
entrevistas ficaram evidentes as dificuldades, dúvidas e contradições presentes na prática
pedagógica das professoras participantes da pesquisa.
Os resultados possibilitaram concluir que duas professoras apresentaram práticas
condizentes com a Proposta de Educação Bilíngue para Surdos, seguindo a legislação e as
orientações propostas para esse tipo de ensino, ao passo que a terceira professora participante,
apesar de afirmar trabalhar na abordagem bilíngue, pareceu desviar sua prática dessa
abordagem e se aproximar da abordagem da Comunicação Total.
Estes resultados são importantes porque sustentam a viabilidade da implementação da
proposta bilíngue nas condições existentes (pelo menos na escola estudada) e com os recursos
disponíveis na Rede Municipal de Ensino de São Paulo; no entanto, mesmo em condições
semelhantes de atuação, que parecem favorecer a prática da proposta educacional bilíngue
para surdos, isso não foi observado para todas as professoras da amostra, sugerindo que
colocar em prática a política bilíngue de educação para surdos também depende da
compreensão que o professor faz dessa proposta, de seu interesse em segui-la ou mesmo do
fato de acreditar que ela é efetiva.
Outras considerações relevantes que foram evidenciadas durante a pesquisa e que vão
ao encontro de problematizações na educação de surdos são: 1- a presença de alunos com
deficiências múltiplas associadas à surdez, remetendo à necessidade de formação contínua e
parcerias com instituições especializadas nessas deficiências para auxiliar no atendimento
desse alunado; 2- a presença do instrutor de Libras, adulto surdo usuário fluente da Libras,
como modelo linguístico e cultural para alunos, familiares e professores da escola; 3- a
importância dos grupos de trabalhos e assessoria voltada para a formação dos professores,
referidos em diversos momentos da pesquisa como um auxílio positivo para os professores; 4a ausência de parcerias com a saúde, as quais poderiam beneficiar alunos que também
utilizam a oralidade.
A proposta de coleta de dados dessa pesquisa aponta para uma possibilidade real nas
escolas de surdos, uma vez que a observação, a filmagem e a análise com protocolos
pareceram ser uma forma possível de refletir sobre a prática pedagógica. A coordenação
pedagógica pode ser um par avançado nesse processo, uma vez que pode não apenas auxiliar
o professor com as gravações, como também contribuir para o esclarecimento de dúvidas,
problematizar a prática e apontar para a equipe gestoras as reais necessidades para que o
professor trabalhe na proposta bilíngue.
A escola parece ser o melhor espaço para discutir e refletir o bilinguismo, a fim de
melhorar as práticas pedagógicas dos professores e, consequentemente, a qualidade de
educação para os alunos surdos.
Palavras-chave: Educação especial. Educação de surdos. Bilinguismo. Surdez. Prática
pedagógica.
Referências
CAPOVILLA, F. C.; CAPOVILLA, A. G. S. (2004). Educação da criança surda: evolução
das abordagens. Em F. C. Capovilla (Org.), Neuropsicologia e aprendizagem: Uma
abordagem multidisciplinar. 2 ed. São Paulo, SP: Memnon. Capes e Sociedade Brasileira de
Neuropsicologia, 2004. p. 221-248.
CHELUCCI, L. S. O.; NOVAES, B. C. (2005) Contar histórias com livros infantis:
caracterização da interação das díades mãe ouvinte/criança com deficiência auditiva e
mãe/criança ouvintes. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, n. 17. PP.55-67.
GOLDFELD, M. (2001). A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sóciointeracionista. São Paulo: Plexus Editora.
LACERDA, C.B.F. (1998). Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos
surdos.Caderno CEDES. Vol.19, n.46, pp. 68-80.
LACERDA, C.B.F.; MANTELATTO, S.A.C.(2000). As diferentes concepções de linguagem
na prática fonoaudiológica. In Fonoaudiologia, surdez e abordagem bilíngue. Lacerda, C.L.B;
Nakamura, H.; Lima, M.C. (org). São Paulo: Plexus.
SANTANA, A. P. (2007). Surdez e linguagem: aspectos e implicações neurolinguísticas. São
Paulo: Plexus.
QUADROS, R. M. (2004). Educação de surdos: efeitos de modalidade e práticas pedagógicas.
Em Mendes, E. G.; Almeida, M. A. & Williams, L. C. A. (Orgs.). Temas em educação
especial: Avanços recentes (p. 55-61). São Carlos: UFSCar.
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