paolo hewitt - Livraria Cultura

Propaganda
50 fatos
que mudaram
a história
do rock
Paolo Hewitt
Tradução: Leandro Woyakoski
1ª edição
Rio de Janeiro-RJ / Campinas-SP,
2013
Sumário
6 Introdução
8 ELVIS PRESLEY participa do Frank Sinatra Show
12 O nascimento dos BEATLES
18 O primeiro número um da Motown de BERRY GORDY
22Os BEATLES participam do programa de Ed Sullivan
28 A melhor manchete da história da música pop: ANDREW loog OLDHAM e os Rolling Stones
32 O trágico assassinato de SAM COOKE
38 PETE TOWNSHEND compõe “My Generation”
42 BOB DYLAN adota a guitarra elétrica
48Os BEATLES conhecem elvis presley
54 THE MONKEES: a primeira boy band
58 PHIL SPECTOR produz uma das melhores músicas de todos os tempos
e é forçado a se aposentar
64 KEITH RICHARDS e MICK JAGGER são presos
72 O lançamento de SERGEANT PEPPER
78 Como um cara ou coroa permitiu que JIMI HENDRIX conquistasse os EUA
84 OTIS REDDING grava “Dock of the Bay”
88 A oferta por trás de Astral Weeks, o álbum clássico de VAN MORRIsON
92Os BEACH BOYS quase contratam Charles Manson para seu selo fonográfico
100 JAMES BROWN impede sozinho um tumulto
104 O show que abriu as portas dos EUA para o LED ZEPPELIN
110 JIM MORRISON exibe a genitália no palco. Será?
114 A misteriosa morte de BRIAN JONES
120 FESTIVAL de WOODSTOCK, o momento-chave dos anos 1960
124O festival de ALTAMONT e o fim dos anos 1960
132 STEVIE WONDER e Marvin Gaye ganham liberdade artística na Motown
136 DAVID BOWIE mata Ziggy Stardust
142 SLY STONE se casa – durante seu próprio show
146 syd barrett e a história de “Wish You Were Here”, do Pink Floyd
152 SEX PISTOLS: a sujeira e a fúria
156 O concerto One Love Peace de BOB MARLEY
160 O assassinato de Nancy Spungen e a morte de SID VICIOUS
164 PAUL McCARTNEY é preso no Japão
168Os DEXYS roubam a fita máster de seu álbum de estreia
172 O assassinato de JOHN LENNON
178 JOE STRUMMER desaparece
184 A BBC proíbe “Relax”, de FRANKIE GOES TO HOLLYWOOD
188 MARVIN GAYE é morto pelo próprio pai
192 LIVE AID, o presente de Geldof para a África
200 A imprensa se vira contra BOY GEORGE
206Os STONE ROSES se vingam da antiga gravadora
210 STEVE MARRIOTT morre num incêndio que ele mesmo causou
216 Colega de banda beija KURT COBAIN ao vivo na tevê
220 SINéAD O’CONNOR rasga um retrato do papa ao vivo na tevê norte-americana
224 O livro Sex, de MADONNA
228 O desaparecimento de RICHEY EDWARDS
232 OASIS e BLUR batalham pelo primeiro lugar
238 Os assassinatos de TUPAC e BIGGIE SMALLS
244 O clipe de “Hurt”, de JOHNNY CASH
250 PETE DOHERTY arromba o apartamento de seu melhor amigo
254 BRIAN WILSON apresenta Smile, disco que levou 37 anos para ser finalizado
260 A morte de MICHAEL JACKSON
268 BIBLIOGRAfia
269 Índice
Introdução
O rock’n’roll não tem começo nem fim. O que há são rios de criatividade, fluindo, se misturan­
do, gerando novos sons e estilos. Blues, jazz, folk, gospel, pop, rock, heavy metal, rap, house,­
grime, dubstep – e o que mais vier.
Um desses rios foi descoberto por Sam Phillips. Nos anos 1950, ele percebeu que, se conse­
guisse encontrar um cara branco descolado para cantar blues, ele arrasaria. Então Elvis Presley­
entrou em seu estúdio… Mais tarde, Sam diria que o primeiro rock’n’roll gravado foi “Rocket
88”, por Ike Turner. É comum vermos essa afirmação sendo repetida hoje em dia: o rock’n’roll
começou com “Rocket 88” porque Sam disse isso. Talvez. Mas e aquelas canções gospel e blues
que vieram antes de Ike, com características típicas do rock’n’roll? “Good Rocking Tonight”,
de Roy Brown, lançada em 1947? Ou “Cadillac Boogie”, também do mesmo ano, do grupo que
atende pelo maravilhoso nome de Jimmy Liggins and His Drops of Joy. Como eu disse, rios dentro de rios.
Existiam pistas ainda mais antigas de que uma música nova estava surgindo. Em dezembro de 1946, oito dos principais grupos de jazz dos Estados Unidos terminaram. Uma dessas
bandas era liderada por Tommy Dorsey. Ele e seu irmão Jimmy passaram a comandar programas de tevê. Em janeiro de 1956, apresentaram Elvis Presley aos Estados Unidos. O simbolismo não poderia ser mais perfeito: o rock’n’roll ganhava os holofotes enquanto o jazz deixava
os palcos.
E isso aconteceu num momento de rápido crescimento econômico nos Estados Unidos.
Esperava-se que a juventude do país acordasse cedo, trabalhasse duro e voltasse para casa, para a mulher, os filhos e a felicidade do lar. Mas algumas pessoas perceberam que a felicidade
do lar não fazia seu estilo. O rock’n’roll de gente como Elvis expressava essa insatisfação. Com
sua chegada, a garotada enlouqueceu. Arrumavam confusão, brigavam e namoravam. O
rock’n’roll era original e eletrizante, sexy e perigoso.
E mesmo assim, em 1960, ano em que este livro começa, os EUA achavam que o rock’n’roll
estava morto. Todos os seus maiores adeptos – Elvis, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis, Little Richard – haviam encontrado a riqueza ou Deus, ou padeciam na desgraça. A América adulta
deu um suspiro de alívio, mas cedo demais. Na Grã-Bretanha, o rock’n’roll norte-americano
teve enorme impacto em adolescentes como John Lennon, Paul McCartney, Pete Townshend,
Keith Richards, Ray Davies e Steve Marriott. O mesmo aconteceu com a chegada do rhythm
and blues ao país. Na verdade, no começo da década de 1960, a música que viria a ser o soul
tomou do rock’n’roll a posição de som do adolescente. A maioria dos promissores músicos britânicos do início dessa década queria cantar como Ray Charles, com a atitude do Elvis. Ironi-
6| Introdução
camente, quando bandas como os Beatles levaram sua música de volta aos EUA, Elvis era um
artista leve, justamente o tipo de figura que o rock’n’roll planejara destruir.
Mudanças sísmicas também estavam acontecendo na música negra. Muitos militares
afro-americanos voltaram da Segunda Guerra Mundial esperando desfrutar sua parcela da
prosperidade do país. Quando tal esperança se desfez, um desafiador espírito empreendedor
brotou, revelado por meio de boates e gravadoras de negros, principalmente a Motown, de
Berry Gordy. O impacto de suas gravações e da obra de artistas como Ray Charles não pode ser
subestimado. Na Grã-Bretanha, durante todos os anos 1960, a música negra era a força propulsora por trás de todas as principais bandas a partir dos Beatles. E não nos esqueçamos do mento jamaicano, que gerou o ska, que gerou o reggae e assim nos trouxe Bob Marley.
Conforme os anos 1960 avançavam, a música se afastava das raízes do rock’n’roll para explorar e criar outros gêneros, como a psicodelia, o rock pesado, o heavy metal. Novamente,
rios dentro de rios. No começo, essa música era a força que unia a juventude, os que não tinham direitos. As bandas eram do povo e para o povo. Em músicas e entrevistas, afirmavam o
desejo por essa liberdade. Junto com seu público, não queriam que velhotes sem identidade
lhes dissessem o que vestir, ouvir ou assistir.
Todavia, também se tornava muito evidente que o rock era um grande negócio, criando
assim uma dicotomia entre artista e plateia. Na década de 1970, a noção de comunidade que
impeliu o idealismo dos anos 1960 começou a ruir. A música se tornou busca de prazer. Foi o
punk, no fim da década de 1970, que devolveu ao rock o senso do dever de desafiar diretamente o mundo ao redor. Isso abriu caminho para os anos 1980 e uma nova geração de músicos
que não disfarçava o desejo por dinheiro e fama. Ainda assim, foi essa década que viu o Live
Aid, o momento mais altruísta da história do rock. Contudo, na música sempre há uma reação.­
O que é dominante um dia é substituído por seu oposto no dia seguinte. Bandas como Primal
Scream, Nirvana, Oasis, Stone Roses e Happy Mondays lutaram para restabelecer o rock como
música rebelde, ligada a um estilo de vida de resistência.
Entretanto, o rock em si não era mais um jovem nessa época. A música tinha um passado, e este livro escolhe os 50 principais momentos de sua história. O relato começa com Elvis
e termina com Michael Jackson, dois superastros separados pelo tempo, não pelo destino. Entre os dois, existem momentos de absoluta genialidade, de verdadeira inspiração e indignação,
de comportamentos pura e simplesmente estúpidos, momentos corajosos, brilhantes, bizarros
e de grande beleza. A vida toda está aqui, glorificada pela luz do estrelato e pela busca de
grandes verdades. Alguns desses 50 momentos se escolheram – Cooke, os Beatles, Woodstock,
Hendrix, Cobain –, outros representam minha escolha pessoal, na esperança de que escla­re­
çam ou simplesmente divirtam. Tenho certeza de que você também tem seus 50 momentos
prediletos. Estes são os meus.
Paolo Hewitt
Introdução | 7
ELVIS
PrESLEY
participa do Frank Sinatra Show
daTa 26 de março de 1960, Miami Beach
o
s Estados Unidos inventaram o rock’n’roll e podem
muito bem ter ateado fogo nele. O rock’n’roll corrompeu toda uma geração. Transformou rapazes educados em adolescentes rudes que fumavam, bebiam
e usavam penteado engraçado. A polícia os chamava de delinquentes. Moças comportadas, destinadas à maternidade e à
cozinha, se tornaram criaturas atrevidas e sensuais capazes
de pôr abaixo qualquer casa. “Deixamos o diabo escapar”,
disse um dia o cantor Carl Perkins, com um sorriso irônico.
Existiam cantores melhores que Elvis Presley
o que elas queriam. A fórmula perfeita. As ga-
– Little Richard, por exemplo. Existiam ho-
rotas sonhavam em ir para a cama com ele, os
mens mais selvagens e perigosos – Jerry Lee
garotos desejavam ser como ele. Elvis tirou a
Lewis. E existiam compositores e artistas mui-
sorte grande. Durante dois anos, aonde quer
to melhores – Buddy Holly e Gene Vincent.
que fosse, havia desordem, loucura, compor-
Porém Elvis os venceu por causa do visual. Elvis foi perfeitamente construído para
tamento perturbado. Então, os quadradões
contra-atacaram.
excitar uma geração de garotas. Era alto, bonito, aparência típica de norte-americano, com
olhar pensativo e cabelo penteado para trás.
Quando dançava, parecia tão natural. Ele não
iria para a cama com a plateia com passos falsos. Era simplesmente ele mesmo, requebrando os quadris, murmurando ao microfone, o
cabelo caindo na testa e os olhos medindo a
distância do desejo entre você e ele e vice-versa.
Não havia ninguém como Elvis. Quando
ele subia no palco, as garotas não conseguiam
moçAS ComPortAdAS,
dEStinAdAS À
mAtErnidAdE E À
CoZinHA, SE tornArAm
CriAturAS AtrEVidAS E
SEnSuAiS CAPAZES
dE PÔr ABAiXo
quALquEr CASA
se controlar. Berravam e corriam em sua direção; quando não conseguiam alcançá-lo, pro-
Recrutaram Elvis para o exército. Ele caiu
vocavam tumulto. Danificaram casas de espe-
numa armadilha. Caso se rebelasse, se negas-
táculos e invadiram hotéis, agindo de um jeito
se a ir, seria considerado antipatriota, a pior
que os Estados Unidos não conheciam. Ele era
coisa de que alguém pode ser chamado nos
ELVIS PrESLEY ParTIcIPa do Frank SInaTra Show | 9
EUA. Sua carreira acabaria no ato. Ele não te-
do rock’n’roll, um valentão cretino, com um
ve escolha.
belo aperto de mão e um enorme sorriso.
Era a hora de vestir o uniforme, de ser
Sinatra, é claro, desprezava Elvis. O fato
comedido. Durante seus dois anos de serviço
de que Francis Albert provavelmente fosse
militar, Elvis nunca foi considerado insubor-
mais rock’n’roll do que Elvis jamais seria –
dinado nem rebelde. Era o soldado modelo.
com suas mulheres, uísque e fixação pela má-
Mui­tos acham que ele agiu assim para afastar
fia – nunca foi mencionado. Sinatra represen-
a ideia de que estava recebendo tratamento
tava uma versão bem-apessoada do país, uma
especial.
terra de ternos e gravatas elegantes, de respei-
Em 1960, ele deu baixa com honra do
to pela lei, pelas mulheres e pela noção de
exército americano, mas o mundo que ele co-
sossegar e ter filhos. Presley tentara destruir
nhecia havia mudado. O rock’n’roll estava
aquilo tudo, e agora ali estavam Frank e Elvis,
morto, liquidado, fora de moda. Jerry Lee Lewis­
e os dois eram um só. Que lindo. O correto país
e Chuck Berry haviam se divertido com garo-
finalmente amansou a fera.
tas menores de idade e praticamente não conseguiam mais se apresentar; Eddie Cochran e
Buddy Holly estavam mortos e Little Richard
se cansara do pecado e fora buscar em Deus
sua redenção. Será que Elvis agora salvaria a
música? Tornando-se mais rebelde, sarcástico
e ainda mais sexy? Ou faria uma mesura e pediria desculpas? Os EUA souberam a resposta
quando milhões de pessoas ligaram a tevê e
viram sua primeira apresentação depois do
serviço militar. O apresentador era ninguém
menos que Frank Sinatra.
Ele era o que elas
queriam. As garotas
sonhavam em ir para
a cama com ele, os
garotos desejavam ser
ele. Elvis Tirou a sorte
grande. Durante dois
anos, aonde quer que
fosse, havia desordem
Em 1957, Sinatra declarou ao repórter
de uma revista: “O rock’n’roll cheira a falsi­
O que tinha acontecido? Embora Sinatra
dade, imitação. É cantado, tocado e composto
detestasse a música de Elvis, reconhecia a in-
por valentões cretinos [...]. Graças às suas le-
clinação patriótica do cantor, impressionan-
tras sujas, lascivas e maliciosas [...] consegue
temente demonstrada nos dois anos anterio-
ser a música mais marcial de todo delinquen-
res. E reconheceu a grande tragédia vivida por
te com costeletas da face da Terra [...]. É a for-
Elvis: o rapaz perdera a mãe, Gladys, em agos-
ma de expressão mais bruta, feia, desesperada­
to de 1958. Elvis e ela eram próximos, e seu fa-
e malévola que já tive o desprazer de ouvir”.
lecimento o magoou profundamente.
E de repente ali estava Sinatra em seu progra-
Para o show, Elvis vestiu smoking e ca-
ma de tevê dando as boas-vindas a Elvis, o rei
misa branca. O cabelo era abundante, mas pe-
10 | ELVIS PRESLEY participa do Frank Sinatra Show
nosamente penteado de modo a não ofender
ninguém. Depois da apresentação brincalhona de Sinatra – “Acho que você perdeu apenas
suas costeletas” –, Elvis lançou uma música
bastante comportada chamada “Fame and
Fortune”.
Ele elevou o nível com a canção seguin-
ELViS
PrESLEY
1935–1977
PrESLEY
ELViS
te, uma versão de “Stuck on You”. Estalou os
Filho de Vernon e Gladys Presley, Elvis
dedos e em determinado momento gingou
Aaron Presley nasceu em Tupelo,
os quadris, roubando gritos da plateia. Porém
Mississippi, em 8 de janeiro de 1935. Seu
o que antes fora subversivo era agora um tru-
irmão gêmeo mais velho, Jesse Garon
que de festa. Sinatra então se uniu a Elvis para
Presley, nasceu morto, e Elvis cresceu
um dueto. Sinatra cantou “Love Me Tender” e
Elvis contra-atacou com sua versão da clássica “Witchcraft”. No fim do dueto, eles se abraçaram. O caminho a seguir seria o mesmo para ambos: filmes, discos com trilhas sonoras,
Las Vegas, coristas, dinheiro, paranoia, riqueza, comportamento descontrolado, recolhimento.
como filho único. A família se mudou
para Memphis em 1948, e Elvis concluiu o
ensino médio em 1953. Nessa época, ele
era obcecado por música, em especial a
gospel, que ouvia em diferentes igrejas.
Começou a carreira como cantor
profissional em 1954, quando foi
contratado por Sam Phillips, dono da Sun
Records. Dois anos mais tarde, graças a
Ainda assim, os dois saíram lucrando
sucessos como “Heartbreak Hotel” e “Blue
com a apresentação. Frank teve de olhar um
Suede Shoes”, era o cantor mais popular e
pouco para o rebolado, e Elvis, com bons mo-
polêmico dos Estados Unidos. Elvis
dos e disposição em agradar, se colocou no
provocava histeria sem precedentes onde
mainstream.
quer que se apresentasse. Em 1958, entrou
A primeira fase do rock’n’roll terminara. Porém o espírito que Elvis, Buddy e Jerry
incitaram não morrera. Voara para o outro lado do Atlântico, para Liverpool, e se envolvera com quatro músicos adolescentes. Eles usariam esse espírito para conquistar o mundo.
Quando chegaram aos Estados Unidos, as garotas – emudecidas havia dois anos – volta-
para o exército e, quando abandonou o
uniforme, em 1960, embarcou numa
carreira marcadamente voltada para o
grande público. Participou de 33 filmes,
muitos programas de tevê memoráveis e
vendeu mais de um bilhão de discos. Ele
conheceu todo mundo, dos Beatles ao
presidente Richard Nixon, permanecendo
um superastro durante toda sua vida.
ram a gritar. Já Elvis, não. Ele adormecia pro-
Morreu em Graceland, sua mansão em
fundamente.
Memphis, em 16 de agosto de 1977.
ELVIS PrESLEY ParTIcIPa do Frank SInaTra Show | 11
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