MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia JUÍZO DE DIREITO DA ÚNICA VARA DA COMARCA DE BRASILÂNDIA ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, por intermédio de seu representante ao final assinado, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 37, “caput”, 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal, no artigo 25, inciso IV, alínea “b”, da Lei Federal nº 8.625/93, e nas Leis números 7.347/85 e 8.429/92, propor a presente A Ç Ã O CIVIL P Ú B L I C A , em defesa da moralidade e legalidade administrativa e ainda em defesa do patrimônio público, adotando-se o rito ordinário, em face de: 1. ELIZETE APARECIDA RODRIGUES CONSTANTINO, brasileira, funcionária pública, RG 027.385 SSP/MS, CPF 237.248.201-78, Presidente da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia 1 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia gestão 1997/2001 e vice-presidente na gestão 2001/2004, residente e domiciliada na rua Alameda Arthur Hoffig, 1296, Brasilândia-MS; 2. MARIA DE FÁTIMA SERVILHA BARBOSA, brasileira, RG 022.297 SSP/MS, CPF 108.406.051-53, Vice-Presidente da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia, gestão 1997/2001, residente e domiciliada na Av São José, 520, Brasilândia-MS; 3. OTACÍLIO RIBEIRO brasileiro, casado, CPF 080.688.101-10, segundo Secretário da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia, gestão 1997/2001, residente e domiciliado na rua José Estevam da Silva Filho; 4. MARCOS ROBERTO LOPES, brasileiro, casado, vereador, RG 24.889 SSP/SP, CPF 827.891.858-91, Primeiro Tesoureiro da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia, nas gestões 1997/2001 e 2001/2004, residente e domiciliado na Alameda Arthur Hoffig, 902, Brasilândia-MS; 5. ONOFRE DE SOUZA OLIVEIRA, brasileiro, casado, produtor rural, RG 12.823 SSP/GO, CPF 028.148.111-34, Segundo Tesoureiro da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia, nas gestões 1997/2001 e 2001/2004, residente e domiciliado no sítio São José, (próximo ao antigo leilão); 6. MÁRCIA REGINA DO AMARAL SCHIO, brasileira, casada, RG 25.3290 SSP/MS, CPF 456.634.401-00, conselheira fiscal da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia, gestão 1997/2001 e primeira secretária na gestão 2001/2004, 2 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia residente e domiciliada na rua Jacira, 626, centro de BrasilândiaMS; 7. SALUSTIANO DE SOUZA LIMA, brasileiro, autônomo, casado, RG 360.764 SSP/MS, CPF 322.301.921-34, conselheiro fiscal da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia, gestão 1997/2001, residente e domiciliado na rua Profª Maria Eliza F. Camargo, 439, Jardim Camargo, Brasilândia-MS; 8. ROSA MARIA RODRIGUES BARBOSA, brasileira, casada, RG 165.738.546 SSP/SP, CPF 205.710.970-20, Presidente da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia, gestão 2001/2004, residente e domiciliada na Alameda Arthur Hoffig, 1296, Brasilândia-MS; 9. MAURO CAETANO, brasileiro, funcionário público, RG 286.720 SSP/MT, CPF 178.573.411-34, conselheiro fiscal da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia, gestão 2001/2004, residente e domiciliado na rua Geremias Borges, 254, centro de Brasilândia-MS; 10. JAIME ASSIS DE ALENCAR, brasileiro, casado, empresário, RG 267.690 SSP/MS, CPF 110.817.081-15, conselheiro fiscal da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia, gestão 2001/2004, residente e domiciliado na rua Elviro Mancini, 563, Brasilândia-MS, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos. 3 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia I – CABIMENTO DA AÇÃO E LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO A presente ação está amparada na Lei Federal nº 7.347/85, que introduziu em nosso Direito a Ação Civil Pública, para a proteção dos chamados interesses difusos e legitimou o Ministério Público para a sua propositura. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o campo de atuação da Ação Civil Pública foi 4 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia ampliado, com a inclusão do patrimônio público (art. 129, III), no rol dos bens ou interesses a serem tutelados. A Lei Federal nº 8.625, de 12.2.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), com bastante clareza e atendendo o espírito da Carta Constitucional, prevê em seu artigo 25, que além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: (...) IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: (...) b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem”. Assim, a presente ação tem o escopo de proteger o erário público, buscando o ressarcimento dos prejuízos decorrentes da má administração do Hospital Municipal realizada pela Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia mantenedora daquele nosocômio. 5 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia II – DOS FATOS Trata-se de inquérito Civil instaurado para averiguar denúncia de irregularidades e má administração da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia mantenedora do Hospital deste município. Para se entender a finalidade da presente demanda faz-se necessário uma narração dos fatos de forma pormenorizada. Conforme se observa em fls.14/15, houve a cessão em comodato do imóvel de domínio público à Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia pelo prazo de 10 anos, ocorre que a partir de 1997 surgiram várias denuncias e manifestação dos cidadãos brasilandenses e funcionários daquele nosocômio no que tange a má administração da direção executiva e desvio de verbas, por este motivo foi instaurado o presente Inquérito Civil. 6 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia As providências determinadas de início foram devidamente cumpridas. O Representante Ministerial requisitou a oitiva de pessoas que foram ouvidas as fls.68, 71, 104, 150, 153; Após a requisição de vários documentos vieram aos autos cópias de extratos bancários, movimentações financeiras e balanços contábeis evidenciando a utilização irregular de dinheiro público e confirmando a má administração do Hospital Municipal pela Associação Beneficente Julio César Paulino Maia. Juntou-se aos autos relatório de auditoria realizada pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS concluindo entre as várias irregularidades que “houve desvio de verbas públicas destinada à entidade mantenedora do nosocômio, por parte de membros da diretoria”. No documentos administração decorrer constataram-se do referido da vistoria várias e análise irregularidades nosocômio, de na irregularidades decorrentes de atos ímprobos dos réus acima citados causando 7 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia um enorme dano ao erário no valor superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais). Apesar de se tratar de uma associação beneficente que a priori, não visa lucros a intervenção ministerial se faz necessária haja vista ocorrer repasse de verba pública por parte da Prefeitura Municipal e Governo Federal através do SUS. Conforme relatório de vistoria resta patente o descaso, má administração e desvio de verbas realizado pela direção executiva da referida associação e tudo isso com o apoio ou omissão do conselho fiscal devidamente constituído. É de se observar que apesar de haver eleições e teoricamente uma publicidade nas votações, nas gestões 1997/2000 e 2001/2004 houve somente uma alternância entre os principais responsáveis pela diretoria, deixando claro que dali ninguém queria sair, mesmo porque durante este período, vários integrantes da diretoria executiva tinham ligação direta com a administração municipal. O descaso na época era tanto que foi capaz de gerar a paralisação dos funcionários e indignação da 8 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia população local com conseqüente elaboração de abaixo assinado com mais de 350 assinaturas. Tão grande era a situação de penúria que Prefeita Municipal, Secretário de Saúde e Diretora da referida Associação Beneficente encaminharam ofício para esta Promotoria no intuito de se eximirem da responsabilidade caso viesse a acontecer algo grave aos necessitados, querendo de certa forma justificar seus atos omissivos, vejamos (fl10/12): “Em virtude da situação dramática que atravessa o pais, principalmente na área da saúde, todos os hospitais, principalmente os conveniados atravessando ASSOCIAÇÃO com a rede uma fase pública, difícil BENEFICENTE e DR estão com a JÚLIO CÉSAR PAULINO MAIA, não é diferente. Ultimamente especializados não em temos cirurgia de médicos urgência emergência, para atendimento ao público neste Município materiais de Brasilândia-MS. cirúrgicos que Os encontravam em estoque, já não mais existe e a reposição dos mesmos pela notificante está sendo muito 9 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia oneroso, por ter que recorrer ao mercado paralelo para adquiri-lo. Assim, considerando o risco de vida que poderão passar os pacientes que procurarem esta unidade Hospitalar para internamento em caso de urgência-emergência, ou em caso de qualquer atropelamento, NOTIFICAMOS a Vossa Excelência, a fim de que tome conhecimento que não mais receberemos pacientes nesta situação, uma vez que neste município não existe nenhum médico especialista nesta área. Por tais razões e para resguardar os direitos da Notificante se alguém por ventura alegar omissão de socorro por parte da mesma, Notificamos a Vossa Excelência, a fim de informar que a partir desta data estamos impossibilitados acidentados, de receber principalmente em pacientes caso de urgência-emergência.” È patente que as autoridades responsáveis pelo bom andamento da saúde municipal estavam mais preocupadas em se eximirem de suas responsabilidades do que em resolver o problema. 10 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia Observa-se ainda que nesta mesma época houve movimentação financeira da conta corrente da Associação Beneficente para a conta de Elizete Rodrigues Constantino, vejamos relatório de auditoria item 73 “as datas informadas nos autos de Inquérito Civil nº 012/2002, que questiona as transferências nos dias 15, 21, 23 e 30/08 e 06 e 12/09/2002, da conta corrente nº 4.901-8, da Associação Beneficente para a conta corrente 8.812 de Elizete Rodrigues Constantino, num total de R$ 6.135,00 (seis mil, cento e trinta e cinco reais)”. III - Da Cobrança Indevida Pelos Serviços Prestados. Durante o período compreendido entre 1997 e 2004 houve no Hospital Municipal a cobrança indiscriminada de serviços prestados à comunidade, serviços estes que deveriam ser prestados de forma GRATUITA, pois são custeados pelo governo municipal, Estadual e Federal. Havia “caderninho”, porém a naquele nosocômio diretoria alegou que o não referido havia cobranças, mas sim, “doações espontâneas”, porém, isso não é verdade, vejamos novamente relatório de auditoria muito bem 11 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia elaborado incluindo ainda as justificativas e parecer técnico. Desconformidade Nº 62. DESCONFORMIDADE 62 “Nas entrevistas de pacientes que estiveram internados no hospital, obteve-se informação de tentativa e/ou efetiva cobrança das mais diversas espécies – caso das AIHs: 194260121 0 (R$ 30,00 trinta reais, pagos); 194292623 8 (contribuição com cesta básica, não consumada); 208643766 1 (R$ 300,00 – trezentos reais, pagos); 223122527 1 (R$ 300,00 trezentos reais – nessa internação, pagos e cerca de R$ 1.200,00 mil e duzentos reais, pagos por cada das duas cesárias realizadas posteriormente); 223122526 2 (contribuição com alimentos, consumada); 284833098 0 (R$ 40,00 quarenta reais, pagos); 284752212 8 (R$ 850,00 – oitocentos e cinqüenta reais, não pagos); 284722901 1 (R$ 700,00 – setecentos reais, não pagos, depois R$ 500,00 quinhentos reais também não pagos e finalmente doação de cesta básica, consumada); 208510603 4 (R$ 200,00 duzentos reais, pagos); 208526166 2 (cerca de R$ 300,00 – trezentos reais, pagos); 208526106 8 (R$ 100,00 cem ou R$ 50,00 cinqüenta reais, pagos); 208528867 9 (R$ 50,00 – cinqüenta reais, pagos); 108599355 8 (R$ 350,00 trezentos e cinqüenta reais, pagos); 238298952 1 (não recorda o valor pago); 238344764 9 (R$ 60,00 sessenta reais, pagos); 223137743 4(R$ 12 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia 600,00 seiscentos reais, não pagos); 223122529 3 (R$ 380,00 – trezentos e oitenta reais, pagos); 194217402 5 (R$ 70,00 – setenta reais, pagos); 194251853 4 (R$ 50,00 cinqüenta reais, pagos); 183245944 2 (R$ 50,00 cinqüenta reais, não pagos e depois contribuição com quatro litros de detergente “quiboa”, consumada); 178492432 8 (R$ 200,00 duzentos reais, pagos); 176114544 1 (valor da diária de acompanhante, não pago); 194200247 0 (contribuição em valor não lembrado); 284833140 9 (valor de medicamentos, não pagos); 194211708 9 (valor dos medicamentos, pagos). JUSTIFICATIVA I – “Comentava-se oficiosamente que nas Administrações anteriores, quando previamente acertado com o paciente ou com familiares, pediam a título de ajuda uma contribuição espontânea; Aqueles que assim entendiam e que tinham condições, as vezes acabavam por contribuir, outros recusavam, mas parece-nos que não se tratava de rotina e de cobrança propriamente dita. ANÁLISE I – Não há falar em contribuição espontânea, como alegado, pois o que na realidade se configura é coação, diante a premência que geralmente cerca os atendimentos médicos que requeiram internação; ademais, dadas a universalidade di atendimento gratuito aos usuários do SUS, descabe intitular a cobrança – que realmente é – de contribuição a título de ajuda, que embora se firme não constituir rotina, foi relatado em volumoso número de casos. PARECER I – Justificativa rejeitada. JUSTIFICATIVA 13 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia II – “Tenho a informar que nesta Associação nunca foi cobrado nada pela prestação de serviços, apesar das dificuldades financeiras que a Associação se encontrava, mesmo porque a Prefeitura Municipal ajudava com recursos na medida do possível; Outrossim tenho a esclarecer que, a não ser que fosse serviço particular a pedido do próprio usuário”. ANALISE II – As evidencias falam a favor dos pacientes entrevistados, dado o volumoso número de relatos coincidentes; ademais, se fosse serviço particular, não poderia ter sido solicitada emissão das AIHs para tais pacientes e tal solicitação foi feita e as AIHs emitidas ...PARECER II – justificativa rejeitada. Alem desta esclarecedora analise que contou com entrevista in loco dos pacientes atendido pelo Hospital, temos ainda declarações dos funcionários e integrantes da direção executiva da Associação Beneficente, vejamos: Fl 150, funcionária Florinda Coutinho Batista, aduz “(...) que Rosa pedia para declarante receber as contas pagas por particulares, registrar num caderno e repassava os numerários (dinheiro ou cheque) para aquela; que não sabe o que Rosa fazia com o dinheiro repassado; que às vezes a declarante pagava 14 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia contas, outras vezes ela pegava e não sabe o que ela fazia com o dinheiro, caso sobrasse; que a declarante anotava em um caderno, o qual quando terminava era jogado fora ou rasgado as folhas; que sobre o caderno nada mais tem; que a declarante apresentava as anotações de recebimento de numerários à Rosa, ela dava um visto, rasgava as folhas e jogava-as no lixo, com isso o caderno ia acabando; que este tipo de trabalho era uma recomendação de Rosa; que depois que dona Zenaide saiu, entrou como diretora Daide Assunção Pedretti; que depois de Daide passou a ser diretora Rosa; que Daide trabalhava igual Rosa, sobre o dinheiro particular, que quando elas pagavam algumas despesas passavam-nas para Márcia fazer o balancete; que nas administrações das duas existem várias guias de internato que não foram enviadas ao Ministério da Saúde, a fim de ser o hospital reembolsado, ficando este no prejuízo; que as guias estão lá, no mesmo lugar, até a presente data(...)”. 15 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia Fl 153 Daide Assunção Garcia Pedretti, ex diretora da Associação Beneficente “(...) Que na época em que a declarante foi diretora havia um livro para registrar os serviços particulares do hospital, onde era lançado o nome do paciente, data do pagamento e o valor deste; que este livro, na época da declarante, ficava com a Florinda, e esta registrava os pagamentos(...)” Resta patente a conduta ilegal praticada pelos integrantes da Associação Beneficente, os requeridos em nenhum momento pensavam em exercer um trabalho filantrópico, mas sim em arrecadar dinheiro valendo-se do desespero e sofrimento alheio, pois quando se trata de saúde a pessoa despende de todos os meios para ser atendida o mais rápido possível. Havia ali uma verdadeira máfia, que nem se preocupava em cumprir as exigências do Ministério da Saúde para receber os valores referentes a atendimento do SUS, talvez esta verba não era de grande valia, pois como acima 16 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia demonstrado na época de forma irregular era arrecadado muito dinheiro. VI - Dos Repasses de Verbas Públicas para a Referida Associação. Mister esclarecer que a referida associação era mantida principalmente por verba pública, por este motivo os membros da Associação Beneficente Júlio César Paulino Maia são agentes ativos no que tange a atos de improbidade, vejamos entendimento doutrinário: “Assim – nunca esquecendo as finalidades da lei, que são as de resguardo do patrimônio público em sua acepção mais ampla e de imposição de sanções ao agente ímprobo - , puníveis também serão os atos de improbidade praticados contra associações que recebam aporte financeiro do poder púbico (como entidades filantrópicas ou assistenciais conveniadas)” (...)1 1 Ciocchetti de Souza, Motauri, INTERESSES DIFUSOS EM ESPÉCIE, pag 125, ed Saraiva, 2º ed 2007. 17 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia Demonstrativo de pagamentos efetuados pelo SUS e Prefeitura Municipal, (FL.156/167), apesar do encaminhamento de fls.155 estar confuso podemos observar que o demonstrativo abaixo apresentado é referente às verbas mensais recebidas pela referida associação, pois foi o requisitado em fls.101, veja: Ano Valor 1997 131.288,82 1998 176.983,87 1999 217.913,71 2000 243.671,59 2001 236.484,70 2002 107.282,39 TOTAL 1.113.625,08 Os valores apresentados acima se tratam de verba pública destinada à manutenção da saúde em Brasilândia, porém devido à desídia e má fé dos mantenedores daquela associação, a população deste município foi privada de um bom atendimento e de cuidados indispensáveis à saúde. 18 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia Apesar da complexidade dos fatos da dificuldade em juntar elementos bem com o vasto lapso temporal, podemos concluir com tranqüilidade que as referidas irregularidades cometidas são de responsabilidade de toda a diretoria executiva da Associação Beneficente Dr Júlio César Paulino Maia, nos mandatos de 1997/2001 e 2001/2004. V - DO DESVIO DE VERBA PÚBLICA Com lastro no relatório de auditoria realizada pelo Ministério da Saúde bem como, documentos constantes nos autos de inquérito civil ficou constatado transferência de recursos financeiros realizados no exercício de 2004 da conta corrente da Associação Beneficente para a conta da senhora Elizete Aparecida Rodrigues Constantino presidente da referida associação num total de R$ 55.849,03 (cinqüenta e cinco mil oitocentos e quarenta e nove reais e três centavos) e da senhora Márcia da costa Farias contadora na época num total de R$ 27.973,55 (vinte e sete mil novecentos e setenta e três reais e cinqüenta e cinco centavos). Ressalte-se ainda que em nenhum momento houve por parte da direção executiva, da senhora Elizete ou senhora Márcia a apresentação de documentos comprobatórios 19 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia de serviço ou fornecimentos de materiais, novamente, tudo isso com a chancela omissiva do conselho fiscal, órgão este que deveria controlar e cuidar da verba pública e sua destinação. Sobre o tema podemos citar decisão do TJSC, vejamos: TJSC “A 2ª Câmara de Direito Público do TJ, em decisão unânime, confirmou condenação imposta pela Comarca de Itapiranga à Moacir Luiz Reis e Artemio Antonio Scalon, respectivamente presidente e tesoureiro da Associação de Funcionários do Colégio Agrícola São José, por atos de improbidade administrativa. Ambos deram finalidade diversa a subvenção social que obtiveram junto ao governo do Estado por intermédio do então deputado estadual Afonso Spaniol, durante a campanha política de 2002. Eles obtiveram R$ 4 mil junto à Fazenda Estadual , com o objetivo de custear uma viagem de estudos aos associados e adquirir cestas básicas. No entanto, parte da verba – cerca de R$ 1,5 mil – foi utilizada na aquisição de uniformes para times de futebol daquela comarca, em ação que o Ministério Público classificou de propaganda política para a campanha de reeleição de Spaniol. O restante da 20 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia verba foi igualmente utilizada com finalidade distinta daquela a que foi solicitada. Moacir e Artêmio utilizaram-se, ainda, de notas frias para justificar os gastos. A viagem programada, principal motivo da subvenção, nem chegou a ocorrer. Os réus foram condenados à devolução do valor da subvenção – R$ 4 mil, mais multa de R$ 500,00 cada um. O relator da matéria, desembargador Francisco Oliveira Filho, confirmou a decisão de 1º grau e negou provimento ao recurso. “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação de bens ou haveres de entidades”, anotou o magistrado. (A.C. nº 2006.015159-4)” VI - DO SUJEITO ATIVO Com base no que versa o artigo 1º da Lei 8.429/92, podem ser sujeitos ativos da conduta de improbidade: a) os agentes públicos, servidores públicos das entidades públicas; governamentais exercendo b) os privados; transitoriamente servidores c) os públicos contratados, funções estatais, do entes particulares sem vínculo 21 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia profissional; d) os agentes políticos, respeitadas as disposições constitucionais; e) e, aqueles que não são servidores ou agentes públicos, mas que “induziram ou concorreram” para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiaram sob qualquer forma, direta ou indireta, daí porque o artigo 1º c/c com o artigo 3º desta Lei diz: “ no que couber”. Dessa forma, são sujeitos ativos deste tipo de conduta expressa na Lei de Improbidade, os agentes públicos independentemente de como estejam vinculados à Administração Pública, e terceiros que contribuíram de alguma forma para realização do ato ou que se beneficiou. No caso dos terceiros, não há distinção do beneficiário direto do indireto, incidindo em ambos os casos. O beneficiário é quem lucra qualquer vantagem com a prática do ato de improbidade administrativa e, geralmente, é um terceiro estranho ao quadro da Administração Pública. Diante da sua condição especial torna-se responsável solidário pelo ressarcimento do dano. Já o indireto é o que se aproveita de forma reflexa do ato de improbidade, cujos efeitos trazem para este, repercussões positivas. E ainda a figura do partícipe, 22 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia também exercida por terceiros, ocorre quando este induz ou concorre, de qualquer forma, para a prática do ato de improbidade2. Logo, a lei traz um conceito bastante amplo, sobre quem seria o sujeito ativo, no seu artigo 2º ao falar “ou qualquer forma de investidura ou vínculo” e no artigo 3º ao explicitar “no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie”. Inclusive, é de se salientar, que esta lei aplica-se contra atos de improbidade administrativa de qualquer dos três poderes. VII - DA IMPRESCRITIBILIDADE STJ declara imprescritível ação de ressarcimento do erário por improbidade administrativa. 2 [5] JÚNIOR, Wallace Paiva Martins. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 289/2902 23 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia As ações de ressarcimento do erário por danos decorrentes de atos de improbidade administrativa são imprescritíveis. A conclusão da Segunda Turma foi tomada durante o julgamento de um recurso especial, seguindo, por unanimidade, o entendimento do ministro Herman Benjamin, relator da questão. Para o relator, o artigo 23 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992) – que prevê o prazo prescricional de cinco anos para a aplicação das sanções previstas nessa lei – disciplina apenas a primeira parte do parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição Federal, já que, em sua parte final, a norma constitucional teve o cuidado de deixar “ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”, o que é o mesmo que declarar a sua imprescritibilidade. Dessa forma, entende, prescreve em cinco anos a punição do ato ilícito, mas a pretensão de ressarcimento pelo prejuízo causado ao erário é imprescritível. O entendimento é que o prazo de cinco anos é apenas para aplicação de pena (suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, proibição de contratar com o 24 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia Poder Público), não para o ressarcimento dos danos aos cofres públicos. Os ministros também estabeleceram que, no caso, as penalidades previstas na Lei de Improbidade podem ser aplicadas às alterações contratuais ilegais realizadas na vigência da norma, ainda que o contrato tenha sido celebrado anteriormente. Isso porque, pela aplicação do princípio tempus regit actum (o tempo rege o ato), deve ser considerado o momento da prática do ato ilícito, e não a data da celebração do contrato. Dessa forma, após a promulgação da Lei n. 8.429/1992, as sanções nela previstas aplicam-se imediatamente aos contratos em execução, desde que os ilícitos tenham sido praticados na vigência da lei. “A Lei n. 8.429 não inventou a noção de improbidade administrativa, apenas lhe conferiu regime jurídico próprio, com previsão expressa de novas sanções, não fixadas 25 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia anteriormente”, resume o relator. Antes dela, completa, já se impunha ao infrator a obrigação de ressarcir os cofres públicos. O ministro Herman Benjamin ressaltou que um dos fundamentos para chegar à solução proposta em seu voto consiste na efetividade do princípio da moralidade administrativa. Isso equivale a dizer que, em época de valorização do metaprincípio da moralidade, não se admite a interpretação das ações de ressarcimento por atos de improbidade administrativa seguindo-se a lógica da “vala comum” dos prazos prescricionais, que tomaram por base conflitos individuais de natureza privada. (fonte Jurisprudência em revista site STJ). VIII - DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES Como é sabido, a Administração Pública deve pautar sua atividade nos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade, nos 26 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia termos do artigo 37, caput, da Constituição da República, in verbis: “A Administração Pública, direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá legalidade, aos princípios impessoalidade, da moralidade, publicidade...” Os pública estão observância administrador: publicidade3. princípios básicos consubstanciados permanente legalidade, e em da administração quatro obrigatória moralidade, para regras o de bom impessoalidade e Por esses padrões é que se hão de pautar todos os atos administrativos. Constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação administrativa, ou, por outras palavras, “os sustentáculos da atividade pública”.4 A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos Atualmente a Constituição Federal fala também do princípio da eficiência (Emenda 19/98). 4Hely Lopes Meirelles, “Direito Administrativo Brasileiro, 17ª ed., pág. 82. 3 27 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. Além de atender à legalidade, o ato do administrador público deve conformar-se com a moralidade e a finalidade administrativa, é dizer, deve se orientar pelos princípios do Direito e da moral, para que ao legal se ajunte o honesto e o conveniente aos interesses sociais. Desses princípios é que o Direito Público extraiu e sistematizou a teoria da moralidade administrativa”.5 “O princípio da legalidade é bem mais amplo do que a mera sujeição do administrador à lei, pois abriga, necessariamente, a submissão também ao Direito, ao ordenamento jurídico, às normas e princípios constitucionais. Tal sentido mais extenso, em nosso pensar, diz respeito aos princípios norteadores de todo o Direito Administrativo, aos princípios constitucionais expressos e implícitos”.6 5Hely Lopes Meirelles, ob. cit., págs. 82/83. 6Lúcia Valle Figueiredo, in Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., Ed. Malheiros, 1995, p. 39/41. 28 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia Pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública, a moralidade, é o passo seguinte. Tratase de um princípio autônomo e reconhecido constitucionalmente. “A moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública (CF, art. 37, caput). Não se trata - diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito - da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como “o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”. Desenvolvendo sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o importuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de Direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: - non omne quod licet honestum est. A 29 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum. O certo é que a moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua legalidade e finalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais toda atividade pública será ilegítima”.7 IX - DO DIREITO A conduta dos requeridos, como já mencionado, redundou em prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito (art. 9 da lei 8.429/92). Em conseqüência, deverão ser compelidos a ressarcir de forma solidária e integralmente os cofres públicos (art. 12, I, da Lei 8.429/92). 7Hely Lopes Meirelles, ob. cit., págs. 83/84. 30 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia Dando suporte ao cumprimento dos mandamentos constitucionais referidos, passou a vigorar a Lei 8.429/92, conhecida por Lei de Probidade Administrativa, que dispõe sobre sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de prática de atos imorais, ilegais e danosos à administração pública. Dispõe o art. 1º. da Lei 8429/92 que: “Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, Municípios, de do Distrito Territórios, Federal, de dos empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.” Já o art. 9º. dispõe: 31 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia “Constitui ato de improbidade administrativa importando qualquer enriquecimento tipo de ilícito vantagem auferir patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta lei.” Ainda os incisos I e XI do mesmo artigo de lei dispõem que “constitui ato de improbidade receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta(...)" e incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1o desta Lei". Por sua vez o artigo 10º. Da Lei de Probidade diz que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, bem como facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao 32 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1o desta Lei e permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente. Já o art. 5º da Lei 8.429/92, em atendimento aos mandamentos constitucionais do parágrafo 4, do art. 37, é taxativo no sentido de que ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano. Aliás, não é outro o sentido do art. 6 da Lei 8.429/92 ao informar que o agente público ou terceiro beneficiado, no caso de enriquecimento ilícito, perderá os bens e valores acrescidos ao seu patrimônio, enquanto o art. 7º recomenda, no caso, a indisponibilidade de bens do requerido para o integral ressarcimento, o que fica aqui desde já pleiteado em relação a todos os requerentes. 33 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia X - DO DANO MORAL DIFUSO E DA NECESSIDADE DE SUA REPARAÇÃO: Uma vez demonstradas as práticas lesivas importa trazer à tona que esses fatos ensejaram danos a direito no plano difuso. Ora, consoante já se asseverou, a conduta dos requeridos lesou a Administração Pública, contrariando a todos os princípios e valores que o legislador visou prestigiar na Carta magna ao instituir os princípios norteadores da Administração. Nada pior para o cidadão que se sentir enganado e lesado; que se aperceber de que fora tratado de forma indigna; que constatar que contribuiu ou poderia contribuir para o enriquecimento de políticos inescrupulosos. Na verdade, pior, ainda, seria aquilatar que a prática aviltante contra a Administração Pública não gerara qualquer conseqüência gravosa para o político faltoso. 34 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia Assim, a agressão difusa causou intenso dano moral à coletividade. Dano moral, no dizer de Minozzi, citado por José de Aguiar Dias em sua célebre obra sobre responsabilidade civil, “...não é o dinheiro nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo significado.” (Da Responsabilidade Civil – Vol. 2 – 10ª Edição – Editora Forense – pag. 730). A reparação do dano moral foi consagrada definitivamente no direito brasileiro pelo disposto no art. 5º, X, da Constituição Federal. Nelson Nery Júnior abordou o tema: 35 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia “O Código admite expressamente a cumulação de danos de danos patrimoniais e morais, pondo termo à antiga discussão que se formou, principalmente em face da jurisprudência do STF, sobre a cumulatividade do dano moral com patrimonial. Agora expressamente” Código de a lei (Aspectos Defesa do a não o permite Relevantes do Consumidor, in JUSTITIA 155/91). O dano moral perpetrado pelos requeridos atingiu esfera difusa, pois toda a comunidade brasilandense, que foi exposta a desmandos. Os interesses difusos foram definidos pelo legislador consumeirista, no art. 81, I, do CDC, como os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Ao comentar e exemplificar os interesses difusos, Kazuo Watanabe assevera: “Nos interesses ou direitos difusos, a sua natureza indivisível e a inexistência de relação jurídica-base não possibilitam, como já ficou visto, a determinação dos 36 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia titulares. É claro que, num plano mais geral do fenômeno jurídico ou análise, é sempre possível encontrar-se um vínculo que une as pessoas, como a nacionalidade. Mas, a relação jurídica-base que nos interessa, na fixação dos conceitos em estudo, é aquela da qual é derivado o interesse tutelando, portanto interesse que guarda relação mais imediata e próxima com a lesão ou ameaça de lesão. ...No campo da relação de consumo, podem ser figurados os seguintes exemplos de interesses ou direitos difusos: ...b) colocação no mercado de produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança dos consumidores, o que é vedado pelo art. 10 do Código. O ato do fornecedor atinge a todos os consumidores potenciais do produto, que são em número incalculável e não vinculados relação-base. Da entre si mesma por qualquer forma que no exemplo anterior, o bem jurídico tutelado é indivisível, pois uma única ofensa é 37 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia suficiente para a lesão de todos os consumidores, e igualmente a satisfação de um deles, pela retirada do produto no mercado, beneficia ao mesmo tempo a todos eles” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto – 5ª Edição – 1997 – Forense Universitária – pag. 625/627). O dano moral difuso se assenta, exatamente, na agressão a bens e valores jurídicos que são inerentes a toda a coletividade, de forma indivisível. Fatos, como os que foram praticados pelos requeridos, abalam o patrimônio moral da coletividade, pois todos acabam se sentindo ofendidos e desprestigiados como cidadãos. Daí a inquestionável ofensa coletiva, passível de reparação. Ao dissertar sobre o dano moral coletivo, o professor André de Carvalho Ramos verberou, com muita propriedade: “Devemos considerar que o tratamento aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância 38 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba cedendo lugar, no caso de dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade. Imagine-se o propaganda dano moral enganosa gerado ou por abusiva. O consumidor em potencial sente-se lesionado e vê aumentar desconfiança na seu sentimento proteção legal de do consumidor, bem como seu sentimento de cidadania.”(Revista de Direito do Consumidor nº 25 – Editora RT – pag. 82) O valor a ser arbitrado a título de danos morais deve situar-se em patamar que represente inibição à pratica de outros atos antijurídicos e imorais por parte da empresa requerida e seus diretores. É imperioso que a justiça dê ao 39 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia infrator resposta eficaz ao ilícito praticado, sob pena de se chancelar e se estimular o comportamento infringente. A respeito desse tópico, vale trazer à colação os apontamentos de Carlos Alberto Bittar: “Com efeito, a reparação de danos morais exerce função diversa daquela dos danos materiais. Enquanto estes se voltam para recomposição do patrimônio ofendido, através da aplicação da fórmula danos emergentes e lucros cessantes, aqueles procuram oferecer compensação ao lesado, para atenuação do sofrimento havido. De outra parte, quanto ao lesante, objetiva a reparação impingir-lhe sanção, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem. É que interessa ao direito e à sociedade que o relacionamento entre os entes que contracenam no orbe jurídico se mantenha dentro dos padrões normais de equilíbrio e respeito mútuo. Assim, em hipóteses de lesionamento, cabe ao agente suportar as 40 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia conseqüências de sua atuação, desestimulando-se, com a atribuição de pesadas indenizações, atos ilícitos tendentes a afetar os referidos aspectos da personalidade humana. ...Essa diretriz vem, de há muito tempo, sendo adotada na jurisprudência norte americana, em que cifras vultuosas têm sido impostas aos infratores, como indutoras de comportamentos adequados, sob os prismas moral e jurídico, nas interações sociais e jurídicas. ...Nesse sentido manifestada, é a que a tendência propósito pela jurisprudência pátria, é a fixação de valor de desestímulo como fator de inibição a novas práticas lesivas. Trata-se, portanto, de valor que, sentido no patrimônio do lesante, o possa conscientizar-se de que não deve persistir na conduta reprimida, ou então, deve afastar-se da vereda indevida por ele assumida. De outra parte, deixa-se para a coletividade, exemplo expressivo da reação que a ordem jurídica reserva para 41 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia infratores nesse campo, e em elemento que, em nosso tempo, se tem mostrado muito sensível para as pessoas, ou seja, o respectivo acervo patrimonial” (Reparação Civil por Danos Morais : Tendências Atuais – Revista de Direito Civil nº 74 – RT – pag. 15). Como visto, os atos administrativos questionados na exordial são ilegais, imorais e lesivos aos cofres públicos. XI - DO PEDIDO 42 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia Ante o exposto, com base nos documentos anexos, que ficam fazendo parte da presente manifestação como se literalmente transcritos, requerer a Vossa Excelência, nos termos do art. 6, parágrafo 4, da Lei 4.717/65: 1. A notificação dos requeridos (art. 17, §7º da Lei de Improbidade), a posterior citação dos requeridos com aplicação do disposto no art. 172, § 2º, do Código de Processo Civil para, querendo, apresentem resposta, no prazo legal, sob pena de revelia; 2 . O julgamento procedente desta ação, tudo para: 2.1 – sejam os requeridos compelidos a ressarcir os cofres públicos, a exceção da municipalidade, posto que beneficiária da presente ação; 3 - condenar os requeridos nos termos do art. 12 da Lei n. 8.429/92, ao: 3.1 - à suspensão dos direitos políticos por dez anos; 3.2 - ao pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial auferido com as irregularidades durante 43 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia a gestão da referida associação nos mandatos de 1997/2000 e 2001/2004; 3.3 - à proibição dos requeridos de contratarem com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de dez anos, nos termos da lei de probidade administrativa; 3.4 - no ônus da sucumbência; 4 – A indisponibilidade dos bens dos requeridos, até final ressarcimento dos prejuízos causados ao erário (art. 6 da Lei 4717/65). XII - DAS PROVAS Protesta-se pela produção de todos os gêneros de provas admitidas em direito, sem exceção em especial pelo depoimento pessoal dos requeridos, bem como rol de testemunhas apresentado, sob pena de confissão, perícia, juntada de documentos, oitiva de testemunhas, e tudo o mais que for necessário para o deslinde justo da causa. 44 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia Requer-se mais, a teor do art. 7, parágrafo 2, inciso V, da lei 4.717/67, a expedição de ofício ao Cartório Eleitoral, DETRAN local, Cartório de Registro de Imóveis, agências bancárias da localidade para que informem acera da existência de bens e dinheiro em nome dos requeridos para que sirvam ao ressarcimento do erário. Brasilândia-MS, 20 de outubro de 2008. Bolivar Luis da Costa Vieira Promotor de Justiça Rol de Testemunhas: 1 - Florinda Coutinho Batista, brasileira, casada, funcionária pública, podendo ser encontrada no nosocômio local. 2 – Daide Assunção Garcia Pedretti, brasileira, viúva, residente e domiciliada na rua Ásia Talayer, 1171, brasilândia-MS 3 – Eliezer Branquinho, podendo ser encontrado na Rua Hilda B. Duarte, 81, Dourados-MS; 45 MINISTÉRIOPÚBLICO MATO GROSSO DO SUL Promotoria de Justiça da Comarca de Brasilândia 46