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AGRICULTURA EM ESTUFAS E JOVENS AGRICULTORES: PADRÕES
RECENTES DE INVESTIMENTO SUBSIDIADO EM TRÁS-OS-MONTES
Timothy Koehnen José Vaz Caldas e Chris Gerry,
Departamento de Economia e Sociologia, UTAD
Jovens Agricultore,
Revista da AJAP – Associação de Jovens Agricultores de Portugal
Nº 36, Março-Abril 1999, pp. 12-14.
Mesmo os mais ocasionais observadores da paisagem agrária do nordeste de Portugal puderam assistir, ao
longo dos últimos dez anos, ao desenvolvimento de um novo tipo de agricultura na região, a agricultura
em estufas. Durante a primeira parte dos anos noventa, investimentos significativos começaram a ser
feitos em estufas na região de Trás-os-Montes e Alto Douro nas áreas da horticultura, floricultura e
plantas ornamentais. O seu aparecimento, ainda que tardio comparativamente a outras regiões do país,
poderá sugerir tanto uma nova dinâmica empresarial como uma mudança de atitudes institucionais. Em
princípio, estes investimentos proporcionam aos agricultores a possibilidade de obter um rendimento
adicional, através da satisfação duma procura de bens "fora da estação", tanto no mercado interno como
no externo, bem como uma maior estabilidade de rendimentos ao longo do ano agrícola.
Um estudo sobre os investimentos realizados nesta nova actividade produtiva está a ser empreendido por
investigadores do Departamento de Economia e Sociologia (DES) da Universidade de Trás-os-Montes e
Alto Douro (UTAD). Este estudo visa definir o perfil do agricultor-tipo investidor em estufas e identificar
as variáveis preponderantes – quer limitadoras, quer potenciadoras - do desenvolvimento de uma "cultura
empresarial" entre os pequenos e médios agricultores da região transmontana. A primeira etapa desta
investigação envolveu a análise de 100 planos de melhoria, no âmbito dos regulamentos comunitários Nº
797/85 e 2328/91, submetidos pelos agricultores ao departamento regional do IFADAP.
Uma das ideias subjacentes ao estudo pressupôs que o sucesso ou insucesso de tais investimentos
não pode ser unicamente explicado por razões internas à própria exploração: o papel, às vezes
determinante, desempenhado pela fileira na qual a empresa vem a integrar-se, deveria também receber a
devida atenção. A influência, quer positiva, quer negativa, de actores económicos e institucionais chave
no processo de investimento, tais como: o IFADAP, os construtores de estufas, os fornecedores de inputs
agrícolas, os grossistas das cidades do Norte de Portugal e da Galiza que compram a produção (às vezes
com contratos exclusivos), e os projectistas, deveria ser cuidadosamente analisada, de forma a que
iniciativas futuras de apoio a este tipo de investimento possam ter o máximo sucesso.
Naturalmente que o investimento subsidiado em tais iniciativas obriga as empresas agrícolas a actuar
numa fileira produtiva mais ampla, caracterizada por uma concorrência aguda, onde as fortes relações de
dependência entre produtores e compradores limitam a viabilidade de novas iniciativas empresariais
agrícolas, uma vez que possibilitam a transferência excessiva de valor acrescentado do agricultor para
outros elos da fileira. Neste contexto, o agricultor necessita de participar numa rede institucional de apoio
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e acompanhamento complexa, composta por empresas fornecedoras de equipamento e inputs, delegações
de vários ministérios, instituições de crédito, centros de formação e consultores técnicos, cada um dos
quais com competências, experiência, acesso à informação, interesses, poder económico e influências
políticas diferentes.
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No estudo realizado, constatámos que, em termos gerais, houve a tendência para os investimentos se
concentrarem no escalão médio (5000 – 15000 contos) e em determinados clusters no eixo Chaves – Vila
Pouca de Aguiar – Vila Real – Lamego. Uma proporção significativa de projectos apresentados visou a
concretização de uma estratégia de especialização em floricultura ou em horto-floricultura. No período
analisado (1990-95), a maioria dos investimentos foi de média dimensão (5.000 –15.000 contos),
realizados por promotores com menos de 35 anos de idade. Quase metade dos planos de melhoria foram
apresentados por mulheres. A única diferença entre o seu padrão de investimento e o dos promotores
masculinos está no facto de elas serem relativamente mais numerosas no escalão inferior (até 5.000
contos). Contudo, é prematuro interpretar este número tão elevado de mulheres promotoras de novos
investimentos neste sub-sector, como indicação de um surto de empresarialismo feminino agrícola,
embora a participação, directa e indirecta, cada vez maior de mulheres na criação de um tecido
empresarial rural seja inegável. Em certos casos, a assinatura de um promotor feminino poderá apenas
evidenciar a maximização de subsídios a obter pelo marido (ou, eventualmente, outro familiar). Para
conclusões mais sólidas seria necessário estudar mais especificamente a autonomia relativa e a
sustentabilidade de actividades empresariais das mulheres rurais, tendo em conta a natureza da sua
participação na identificação e na concretização de uma estratégia familiar de pluri-emprego e plurirendimento.
Embora no pico do boom (1993-94) os investimentos realizados, sobretudo na floricultura e por parte dos
empresários principiantes, fossem de média e grande dimensão, na realidade, o processo iniciou-se já em
1991-92 com montantes mais modestos (até 5.000 contos), por parte de promotores muito menos
instruídos e mais idosos, em grande parte dos casos não elegíveis para apoios a Jovem Agricultor. Estes
investimentos iniciais foram concretizados por agricultores com uma experiência empresarial que, muitas
vezes, ultrapassou a gestão de uma exploração familiar típica. Possuidores de explorações com uma área
agrícola acima da média, estes apostaram numa agricultura diversificada, onde as estufas surgem como
complemento da agricultura tradicional: na realidade, mais de metade deles apresentaram um projecto que
designámos de minimalista, no qual a componente em agricultura em estufas tinha uma expressão
reduzida.
À medida que nos movemos de um extremo do contínuo especialistas – diversificadores – minimalistas
ao outro, diminui a importância dos médios investidores, relativamente à dos pequenos e grandes. Além
disso, o peso dos empresários principiantes no grupo de pequenos investidores foi baixo, constituindo,
contudo, a esmagadora maioria nas categorias do médio e do grande investidor. Por outro lado, o peso dos
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empresários experientes é maior na categoria dos minimalistas (mais de um terço), tendo uma expressão
menor nos grupos de especialistas e diversificadores.
Em termos gerais, independentemente das características destes investidores agrícolas, eles recorreram
bastante ao apoio de consultores privados na preparação dos seus projectos e, quanto mais elevado o valor
dos investimentos, mais frequente é o seu envolvimento: metade dos planos de pequenos investidores,
três quartos dos médios e 83% dos grandes foram preparados por projectistas.
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Assim, a investigação empreendida permitiu identificar os contornos sociais e empresariais de uma nova
geração de investidores agrícolas no boom do investimento em agricultura em estufas; o papel
‘vanguardista’ desempenhado pela floricultura; as especificidades do processo de investimento que levou
à entrada de numerosos ‘principiantes’ - Jovens Agricultores – no mercado e na fileira horto-florícola.
Sem questionarmos a validade do perfil acima apresentado, naturalmente que ele têm de ser perspectivado
à luz dos dados oficiais analisados. O perfil identificado levanta, contudo, um conjunto de questões
interligadas que deverão no futuro ser objecto de investigação, com saliência para
as seguintes
prioridades:

Investigar a associação que parece existir entre o grau e tipo de experiência empresarial anterior
(baseada numa agricultura virada para o mercado ou no trabalho assalariado por exemplo no
estrangeiro) e o sucesso empresarial (ou seja, a viabilidade económica sustentável dos investimentos
realizados).

Analisar empiricamente a influência dos principais actores na fileira flori-hortícola, quer particulares,
empresariais e/ou institucionais, a montante e a jusante, na estruturação empresarial e territorial de
novas iniciativas produtivas (nomeadamente através da formação profissional) e na repartição final
dos benefícios (por exemplo, no que respeita ao poder do agricultor na cadeia do valor acrescentado).

Avaliar a importância no sucesso empresarial local de variáveis como: o nível de escolaridade dos
proponentes, a qualidade da formação técnica agrária ministrada, bem como o papel das instituições
públicas e dos intermediários a montante e a jusante – inclusive o dos projectistas.

Determinar se os investimentos realizados foram simplesmente viáveis em termos técnico-financeiros
ou também constituíram um contributo sustentável para o desenvolvimento do tecido empresarial da
região.

Identificar, no contexto do próximo Quadro Comunitário de Apoio, as políticas que seriam benéficas
para este novo sector em particular, e a agricultura em geral; nomeadamente, como encontrar um
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equilíbrio desejável entre políticas que privilegiem as empresas e empresários mais viáveis, e as que
possibilitem tanto o desenvolvimento geral do tecido empresarial como a viabilidade socioeconómica local?
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