Reformas Estruturais e Desenvolvimento Humano Sulamis Dain ( Professora Titular) Instituto de Medicina Social-IMS/UERJ [email protected] Reformas Estruturais, Proteção Social e Pobreza 1 – Antecedentes 2 – Polaridades: comunidades epistemológicas 3 – O Pós Consenso de Washington 4 - A dupla face da pobreza 5 – Do desenvolvimentismo ao combate à pobreza 6 - A Fatalidade da Pobreza e os Objetivos do Milênio 7 A “ naturalização “ do econômico 8 A luta contra a pobreza e a proteção social 9 Vertentes 10 América Latina 11 O pós desenvolvimento Antecedentes 1 Em 1974, as autoridades governamentais dos países ricos prometeram “eliminar a pobreza” até o ano 2000. Por isso, se entendia (e ainda hoje é assim) elevação da renda dos indivíduos no limiar da pobreza absoluta, fixado a dois dólares por dia e por pessoa, de modo a que eles não fossem mais contabilizados como “pobres”. Para cumprir esta meta, esses governantes se comprometeram a destinar 0,7 % de seus produtos internos brutos (PIB) a ações de desenvolvimento público. Antecedentes 2 Quinze anos depois, em 1989, os mesmos grupos anunciam que, após o desaparecimento da União Soviética, o período que englobava o fim do século XX e o início do século XXI seria caracterizado por uma nova era de paz mundial. Não haveria mais a necessidade de alocar somas enormes em armamentos. O mundo se beneficiaria dos “dividendos da paz” que, por sua vez, facilitariam alcançar o objetivo de erradicar a pobreza no ano 2000. Antecedentes 3 Infelizmente, a pobreza não foi eliminada. Na verdade, ela cresceu, sobretudo no decorrer dos anos 90. No ano de 2000, dos seis milhões de habitantes do planeta, 2,7 milhões viviam abaixo da linha de pobreza e desses, 1,3 milhão eram definidos como extremamente pobres porque tinham renda inferior a um dólar por dia. Em 2003, o número de pobres atingiu a marca dos 2,8 milhões. O fato de o objetivo de 1974 não ter sido atingido não significa que ele era inalcançável. Os grupos dominantes dos países ricos e as elites que estão no poder nos países pobres não mantiveram o compromisso que haviam assumido. Pior, eles implementaram políticas comerciais, financeiras e tecnológicas que reforçaram a causa do empobrecimento contínuo entre as populações já na miséria. Comunidades Epistemológicas: Consenso de Filadélfia 1948 – Apresentação da Convenção 102 da OIT sobre Seguridade Social Conceito de seguridade impera Concepção keynesiana da economia Organização weberiana do Estado Ênfase da solidariedade entre gerações Desenvolvimento baseado na busca do pleno emprego Comunidades Epistemológicas: Consenso de Washington 1990 – Exposição dos paradigmas do Consenso de Washington Conceito de seguro impera Concepção monetarista da economia Organização liberal do Estado Privatização Ênfase no esforço individual Desenvolvimento baseado na busca do eficiência e da competitividade Pós Consenso de Washington Mais recentemente, surge uma visão crítica (e auto complacente) quanto ao impacto negativo das reformas estruturais sobre as populações mais frágeis A legitimação da “ luta contra a pobreza”, iniciada em 1990, e agora justificada pelos “ erros de calibragem “ dos projetos de ajuste A dupla face da pobreza Sem dúvida, a pobreza é uma realidade penosa para bilhões de seres humanos no mundo onde lhes é negado o direito à sobrevivência digna Mais que isso, a pobreza é também uma construção social, um discurso sempre subjetivo sobre o que ela é, e sobre como deveriam ser os pobres. Do desenvolvimentismo ao combate à pobreza Até o Consenso de Washington, a pobreza já aparecia no discurso das organizações internacionais, mas sua superação se associava à luta pelo desenvolvimento econômico. Hoje, a resposta ao mesmo desafio consiste na prioridade da luta contra a pobreza e o desenvolvimento, de fato, desapareceu. A Fatalidade da Pobreza Se propõe aos pobres excluídos, que aceitem o caráter inevitável e “natural” da pobreza e da luta impiedosa pela sobrevida individual. Pregado há 30 anos como princípio inspirador e mobilizador da civilização ocidental, o evangelho da competitividade ainda serve de argumento para justificar e explicar a perenidade da pobreza e da guerra. A fatalidade da pobreza e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Sobre a fatalidade da pobreza, todos os grupos dominantes são unânimes, ainda que haja algumas nuances. Os governos dos Estados Unidos, da China, dos 25 estados membros da União Européia, dos países árabes, do Chile, da Índia etc, as lideranças das igrejas católica e protestante, as autoridades do islamismo e do budismo e até mesmo as organizações não-governamentais (ONG’s) que gravitam em torno das organizações ligadas à ONU e vivem graças a elas, aceitaram, em setembro de 2000, a declaração dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, aprovada pela Cúpula do Milênio da ONU em Nova York. Objetivos do Milênio Esta declaração afirma que o único objetivo realista – a ser operacionalizado até o ano de 2015 – é a redução da metade do número de pessoas “extremamente pobres”. Este é o ambicioso objetivo que a comunidade internacional se impôs para responder à necessidade de 2,8 milhões de pessoas ao direito à vida e à dignidade. As elites mundiais abdicaram da responsabilidade política e ética de fazer respeitar esses direitos. E disseram aos pobres que renunciem a eles também. A “ naturalização “ do econômico Para as organizações inernacionais, a ênfase no desenvolvimento econômico e no desenvolvimento social não tem mais razão de ser. A economia faz parte da natureza, é uma realidade externa que não mais pertence ao domínio da intervenção do estado. Como a natureza, é essencial à vida, mas não podemos mudar suas leis. Podemos sim, observá-la para ampliar nossa compreensão e respeito e para criar as condições que permitem aos mercados realizar suas funções. Para tanto, até precisamos de estados fortes e instituições eficazes, para atrair investimentos estrangeiros, proteger o direito da propriedade e para favorecer a concorrência. Governança é o nome do jogo A luta contra a pobreza e a proteção social A luta contra a pobreza é definida de modo a propiciar a condenação da proteção social tradicional. O argumento é de que protege os trabalhadores privilegiados dos setores modernos e penalisa os pobres criando barreiras a seu ingresso no mercado de trabalho. Criticas à proteção social A seguridade social talvez não represente o melhor uso de recursos disponíveis, uma vez que favorecem os setores organizados em detrimento dos segmentos mais pobres da população. As políticas de redução da pobreza no contexto da proteção social podem ter boa intenção, mas são menos eficazes que as políticas focalizadas Os pisos salariais ( salários e previdencia) devem ser eliminados pois criam barreiras à inclusão dos mais pobres e desestimulam o risco! Redução da Pobreza e Ajuste A “ Estratégia de Redução da Pobreza” é, antes de tudo, um prolongamento dos programas de ajuste estrutural, que continuam a pregar o equilibrio macroeconômico, a eliminação dosdéficits públicos e a luta contra a inflação, a liberalização das trocas, a privatização, a desregulação, a livre circulação dos capitais. As políticas sociais se limitam à educação e à saúde, frquentemente supridos pelo setor privado, dada a profunda descrença na ação dos governos. Do direito social à mercadoria A Seguridade passa a ser apenas um trampolim que permite aos pobres a disputa pela oportunidades de mercado e sua autonomia. A luta contra a pobreza passa a pertencer ao campo do interesse comum da comunidade internacional, que por ela se responsabiliza, controlando as políticas internas dos países pobres. Do direito social à mercadoria Há omissão sobre o modo pelo qual os pobres podem adquirir renda. De fato, a renda não é mais responsabilidade dos poderes públicos. A redistribuição de renda não está mais na ordem do dia, e muito menos os direitos sociais. A luta contra a pobreza substitui a cidadania social A luta contra a pobreza não signiifica desenvolvimento e enm uma luta contra a desigualdade A discussão do capital humano no contexto da liberalização A discussão do capital humano ignora o aspecto central de que a racionalidade econômica que permite propor este conceito é a mesma que questiona as razões pelas quais aqueles que se beneficiam das estruturas atuais, que produzem e distribuem capital social, voluntariamente abririam mão de seu acesso privilegiado a ele (DeFilippis (2003): De fato, ao recuperar a dimensão macroeconômica e social da questão, é fácil depreender que os que materializam o capital através de suas redes de capital social o fazem precisamente por que outros são excluídos). Aceitar o processo pelo qual o capital social e o capital humano se separam do capital (em seu sentido literal ou econômico), se despojam de relações de poder e assumem que os ganhos, interesses e lucros individuais são sinônimos de ganhos, interesses e lucros coletivos significa negar o verdadeiro sentido da lógica macroeconômica que, de fato, como nos ensina Keynes, é muito mais do que a soma das decisões e interesses individuais. A discussão do capital humano no contexto da liberalização 2 De fato, as forças que geram a desigualdade são as mesmas que destroem a coesão social. Coburn (2000) assinala que as políticas neoliberais se voltam para a corrosão da coesão social e criam desigualdades com conseqüências nefastas sobre a saúde, especialmente através do enfraquecimento do "welfare state", que provê proteção social aos cidadãos, sobretudo aos mais pobres, sem que neles esteja focalizado. “Parece existir uma contradição entre a crescente ênfase no capital social e na coesão social, em regimes que estão enfraquecendo tais processos coletivos”. Nunca é demais lembrar, como afirmam Whitehead & Diderichsen (2001): “as sociedades que apresentam welfare states mais desenvolvidos tem também uma sociedade civil mais desenvolvida em termos de organizações voluntárias e redes”. Kennelly et al (2003) comentam: “A ênfase excessiva no capital humano pode desviar a atenção sobre a necessidade de política pública para melhor as condições de vida dos pobres no marco da participação política e econômica plena de todos os cidadãos.”. A discussão do capital humano no contexto da liberalização 3 É preciso, no debate teórico e nas políticas concretas, escapar da incriminação às vitimas, recuperando a necessidade de destacar e transformar as determinações sociais das condições de saúde. Mas a política social e de Saúde não deve ser entendida somente como um conjunto de ações de natureza compensatória, a título excepcional. Ela representa também e principalmente a garantia do acesso incondicional da população à prestação de serviços ou a produção de bens cuja universalização foi co-requisito dos avanços democráticos nos países avançados. Assim, a questão do financiamento dessas políticas é em si mesma, uma questão central. Na ausência de recursos suficientes para a cobertura satisfatória da população, não basta negar a possibilidade de tratar as política de Saúde, Previdência e Educação pela teoria do consumidor e sua produção pela teoria da firma. É necessário chamar atenção para o processo através do qual os pobres e incapazes se transformam eles mesmos em externalidades, nos termos destas teorias, sendo sutil a diferença entre externalidade e exclusão. Conclusões No momento atual, a crença de que os problemas enfrentados por economias submetidas a reformas estruturais de corte neoliberal podem ser resolvidos por uma segunda geração de reformas, ou ajustes finos está abalada. Em primeiro lugar, é visível o desgaste do ideário conservador, face aos resultados pífios, na maior das vezes extremamente nefastos da adesão forçada ao pensamento único e à agenda única das reformas de mercado. America Latina, proteção social e pobreza. Embora inspirado no modelo europeu, o sistema de proteção social na América Latina jamais se constituiu verdadeiramente num welfare. De cunho corporativista, o sistema de proteção social oferecia cobertura limitada, atendendo à parcela reduzida da população, da qual os pobres eram excluídos em função de seus vínculos instáveis e precários com o mercado de trabalho. Sem posição sócio-ocupacional definida, as camadas pobres da população jamais foram sistemática e regularmente beneficiadas pela política de proteção social A questão da pobreza só recentemente aparece como uma questão social na América Latina. America Latina, proteção social e pobreza. O processo de reestruturação da Seguridade, acentuando sua dimensão de direito social, tem início na década de 80 e se aprofunda nos 90. O conjunto do sistema de seguridade social – previdência, saúde pública e assistência – se torna foco prioritário das reformas estruturais. Ocorrem algumas inovações no plano institucional – notadamente a territorialização das políticas e programas, como resultado da descentralização das competências do Estado em matéria de assistência America Latina, proteção social e pobreza. Entretanto, com a crise dos 90, afirma Mesa-Lago[1], as políticas assistenciais tradicionais, são ainda mais penalizadas e passam a se restringir à implementação de uma rede mínima de proteção social (RMPS) cujo objetivo não é vencer a pobreza, mas assegurar um patamar mínimo de reprodução social que atenue os efeitos devastadores das políticas de ajuste. [1] Mesa-Lago C. (2000). Desarollo social, reforma del estado y de la seguridad social, al umbral del siglo XXI, Series Politicas Sociais, Santiago do Chile : CEPAL. America Latina, proteção social e pobreza. Na visão de Lo Vuolo et alii, esse novo modelo de política assistencial pode ser denominado de « assistencialista focalizado » – novas modalidades de proteção social especificadas segundo o tipo e o grau de vulnerabilidade do público-alvo, em oposição aos princípios universalistas. « Todos esses fatores contribuem para consolidar um modo de regulação estática da pobreza, que se preocupa mais em preservar a situação da população beneficiada, do que propriamente em tirar os pobres dessa situação » Esse modo de regulação limita-se à administração das políticas dirigidas aos pobres, indevidamente denominadas, como no caso das políticas comandadas pelo BID e BIRD, de políticas de proteção social aos pobres. Dito de outra maneira, nesta perspectiva , é como se a própria proteção social fosse uma política focalizada, limitada aos mais pobres. America Latina, proteção social e pobreza. Seguindo a filosofia dos programas de safety nets implementados em todo o mundo em desenvolvimento pelo Banco Mundial, com o apoio de outras instituições internacionais, a grande maioria dos países do continente se alinha a esse tipo de intervenção focalizada e de caráter temporário, cujos benefícios são condicionados à comprovação de renda. Nas suas 3 vertentes– programas de ação social (PAS), fundos de emergência social (FES) ou fundos de investimento social (FIS) – as redes mínimas de proteção social majoritariamente financiadas com recursos externos, à exceção do México, não acusaram um desempenho satisfatório no combate à pobreza, apresentando problemas de focalização e falta de sustentabilidade, de forma não articulada à reforma da seguridade social, notadamente na sua dimensão assistencial America Latina, proteção social e pobreza Em países muito miseráveis, a distinção entre políticas mínimas de bem estar e políticas focalizadas pode não ser significativa, assim como a definição de pacotes mínimos, de bens serviços e recursos em geral dirigidos à imensa maioria de destituídos. Neste caso, a ajuda humanitária, a proteção social e o assistencialismo se confundem. Mas o mesmo não ocorre em países marcados pela desigualdade como raiz do problema, como é o caso do Brasil. Aceitar a idéia de pacotes mínimos abala os alicerces do processo de acumulação do capital social, na medida em que desolidariza os cidadãos mais integrados, da luta pela qualidade e pela densidade da política de proteção social, Conclusões Grande parte do mundo é hoje dominada pela exacerbação de situações extremas de poder, desigualdade, injustiça e por um conjunto de problemas de desenvolvimento que incluem conflitos, insegurança, dívidas, desequilíbrio das trocas comerciais e financeiras e abuso de poder econômico por parte das empresas. Conclusões Para os excluídos, para os náufragos do desenvolvimento, só se pode falar de uma espécie de síntese entre a tradição perdida e a modernidade inacessível. Fórmula paradoxal que resume bem o duplo desafio. Pode-se apostar em toda a riqueza da invenção social para destacar dele a um só tempo a criatividade e a engenhosidade liberadas do jugo economicista e desenvolvimentista. O pós-desenvolvimento, por outro lado, é necessariamente plural. Trata-se da pesquisa de modos de desenvolvimento coletivo nos quais não seria visto como privilégio o atual bem-estar material destruidor do meio ambiente e do laço social. O importante é juntar elementos para a empreitada de destruição do que se perpetua sob a bandeira do desenvolvimento ou da globalização, trazendo a esperança de um pós-desenvolvimento Nós, na América Latina, não estamos tão mal Crítica e superação, nos governos e nas instituições da região Avanço comunitário, nas formas de dar voz à exclusão e legitimar políticas dissonantes do contexto global.