Costin, Claudia. “O combate à pobreza e o Consenso de Washington”. São Paulo: Valor Econômico, 08 de outubro de 2001. Jel: F, I O combate à pobreza e o Consenso de Washington Claudia Costin Em 1990, John Williamson, analisando o modelo econômico recomendado aos países em desenvolvimento pelo Tesouro Americano e pelas três organizações internacionais sediadas na capital dos Estados Unidos, optou por batizá-la de "Consenso de Washington". O modelo prescrevia austeridade fiscal , estabilidade de preços e liberalização da economia, entre outras medidas, como forma de manter os países em uma rota segura de crescimento sustentável. Onze anos depois da celebração destas idéias e quinze da adoção de políticas e reformas nesta direção, parece valer a pena fazer um balanço sério e desapaixonado dos resultados práticos e do novo cenário com que se defronta a América Latina. Com esta ambição foi publicado este ano interessante estudo de Nancy Birdsall e Augusto de la Torre intitulado "Washington Contentious". Uma das conclusões apresentadas e a que mais me impressionou foi a constatação de que lideranças políticas na América Latina leram mais do que o "Consenso de Washington" prescrevia. Em outros termos, tentaram ser mais católicos que o Papa. Havia mais nos dez pontos do modelo sobre equidade e redução de pobreza do que a maioria dos técnicos, muitas vezes excessivamente fiscalistas, perceberam. Talvez, admitem os autores, porque "aqueles com influência em Washington e na América Latina trouxeram suas convicções prévias para o que leram e lembraram". Mesmo assim, não havia, entre os pontos, nada de prático para acabar com as injustiças sociais destes países, a não ser uma recomendação no sentido de priorizar e focar gastos públicos. O resultado, já conhecemos: o crescimento médio real do PIB nos anos 90 foi de apenas 1,5 % per capita, o desemprego cresceu e a pobreza continua agredindo nosso sentido de humanidade. A América Latina, lembra o estudo, "entra no terceiro milênio com aproximadamente 80 milhões de pessoas sofrendo pobreza extrema, com renda inferior a 1 dólar por dia". É fundamental reconhecer que disciplina fiscal deve ser priorizada. Todos sabem, no Brasil , o preço que se paga por governos que gastam mais do que podem. Mas, aparentemente, o Consenso esqueceu-se de olhar para outras questões vitais para economias em desenvolvimento. O combate à pobreza exige políticas públicas competentes e não há políticas competentes sem instituições fortes. Em outros termos: nada de Estado mínimo ou sucateamento de organizações públicas. É necessária uma definição clara de funções em que o Estado deve atuar e para exercê-las deve-se contratar profissionais competentes, bem remunerados e treinados, não associados ao clientelismo e capazes de formular e gerenciar políticas efetivas. O investimento em gestão da saúde, educação e ações de proteção social, é quase tão importante quanto o volume do gasto nestas áreas. Outra questão central é a expansão dos serviços públicos. Várias pesquisas já demonstraram que a despeito da favelização, muitos migrantes percebem um aumento em expectativa de vida ao mudarem para grandes centros urbanos, onde serviços são de mais fácil acesso. Formas criativas de enfrentamento do problema têm que ser buscadas, seja na parceria com organizações da sociedade civil para "localizar" serviços - adequando-os a diferentes linguagens e costumes - permitir um contato não traumático com agências governamentais e possibilitar uma ação mais focada em áreas que concentram pobreza. São exemplos disso a proliferação de centrais de atendimento ao cidadão como o Poupatempo paulista e o SAC baiano, a implantação de telecentros com os mais diversos serviços pela prefeitura de São Paulo, o cartão magnético que contém o prontuário do paciente da rede pública de saúde e a TV escola que tenta lidar com a difícil tarefa de treinar professores e fornecer material didático em um país com a extensão e diversidade regional do nosso. Em todos eles, um ponto comum. O uso da tecnologia da informação para expandir o acesso e as informações sobre o que o Estado pode oferecer aos cidadãos. Mas o aperfeiçoamento das instituições públicas e o chamado "e-government", ou governo eletrônico , não é a única, sequer a melhor forma de combater a pobreza ou a desigualdade. Há dois fatores que são essenciais a uma ação social mais efetiva: o crescimento econômico e a integração das políticas de governo. O crescimento é uma questão mais complexa que não pretendo explorar aqui, mas que também demanda políticas públicas competentes, não só na área econômica, como em Ciência e Tecnologia, especialmente no gerenciamento de uma política de patentes e propriedade intelectual e no fortalecimento de instituições públicas (não necessariamente estatais) de pesquisa. É imperativo, aqui, poder se aumentar o espaço e os investimentos em educação tecnológica e em tecnologia aplicada às reais necessidades de desenvolvimento do parque produtivo nacional. A aproximação entre universidade e empresa também tem importante papel. Infelizmente ainda são raros os casos de iniciativas como a Uniemp, ONG que pretende aproximar as hoje tão distantes instituições. A integração das políticas de governo é o principal desafio que governos encontram ao tentar reduzir a pobreza. A segmentação que o enfoque setorial traz à ação pública coloca um importante obstáculo à qualquer atuação mais efetiva na política social. Um governo é eleito em qualquer nível e, imediatamente, as Secretarias ou Ministérios são partilhados pela base de sustentação àquele governante eleito. Em seguida, as políticas sociais, mesmo se não capturadas pelo clientelismo, são conduzidas a partir da agenda pessoal do dirigente ou das burocracias que se mantém naquelas organizações. A questão se torna então como integrar estas políticas para obter mais eficácia. As soluções possíveis são as mais distintas. No Brasil, vão desde as Gerências Regionais implantadas por Roseana Sarney no Maranhão, em que um gerente coordena todos os hospitais, escolas e demais equipamentos públicos estaduais numa região e se torna, assim, responsável pela melhoria de indicadores de desenvolvimento humano na área adscrita, às subsecretarias propostas pela Prefeitura de São Paulo, até o Plano Plurianual e a Câmara de Políticas Sociais do governo federal. Todas demandam foco em problemas muito específicos que a crise fiscal permite enfrentar e recursos nem sempre disponíveis: forte determinação, persistência estratégica e vontade política.