e 2 - USP

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Quimioterapia parasitária
Princípios,
mecanismos,
desenvolvimento de novos fármacos.
A prevenção das doenças parasitárias, tais como:
- adoção de medidas ecológicas,
- sanitarismo,
- controle de vetores,
é sem dúvida a melhor maneira de evitar o
sofrimento da população.
Contudo, uma vez instalada a doença, o recurso
que resta para amenizar o sofrimento é o
tratamento.
Consiste na administração de agentes
quimioterápicos específicos.
quimio
=
químicos,
geralmente
moléculas orgânicas;
terápicos = tratamento.
O desenvolvimento de quimioterápicos
específicos está condicionado ao
entendimento da fisiologia do parasito.
A recíproca é verdadeira, isto é, o
entendimento do modo de ação de um
quimioterápico pode fornecer informações
sobre a fisiologia do parasito.
O modo de ação de diferentes classes de
drogas, permite, com base no conhecimento
da bioquímica do parasita, uma discussão de
ação em diferentes alvos e assim propicia o
substrato para o desenvolvimento de novas
drogas.
Novos fármacos são sempre necessários uma
vez que os parasitas sempre acabam
apresentando, através de mecanismos
diversos, resistência ao quimioterápico mais
frequentemente utilizado.
1. O agente anti-parasitário deve causar dano ao
parasito sem contudo ser prejudicial ao hospedeiro.
O fármaco deve ter alvos de ação
específicos, que de preferência
estejam ausentes no hospedeiro,
ou se presentes, a especificidade
apresentada deve ter maior afinidade
no parasito do que no hospedeiro.
2. O fármaco deve ser de fácil administração e de
preferência deve causar nenhum ou poucos efeitos
colaterais no hospedeiro.
Fármacos de administração oral
são melhores que injetáveis.
Outros alvos ou reações adversas,
mesmo que inofensivas (por
exemplo, alteração da cor da
urina) devem ser evitadas.
A penicilina é um exemplo marcante
de ”fármaco perfeito". No seu
mecanismo de ação ocorre a
interferência na síntese da parede
bacteriana, uma via biossintética
sem correspondência no
hospedeiro vertebrado!
1. Material Genético : danos em DNA, RNA,
Síntese de Proteínas.
2. Respiração celular.
3. Transporte e movimento.
4. Permeabilidade.
5. Metabolismo em geral.
 1. Formação de Radicais Livres Tóxicos.
 2. Interferência na Biossíntese ou Metabolismo de
Folatos.
 3. Interferência da Biossíntese de Pirimidinas.
 4. Interferência no metabolismo de Purinas.
 5. Interferência em reações de metilação.
 6. Interferência na síntese de poliaminas.
 7. Interferência da via glicolítica.
 8. Efeito em microtúbulos.
 9. Efeitos em Nervo e Músculo.
 10. Outros alvos.
 11. Mecanismo ainda desconhecido.
1. Formação de Radicais Livres Tóxicos:
 A demonstração que uma droga
afeta uma determinada enzima ou
uma atividade biológica particular
não constitui uma prova de que
aquele é o modo de ação da
droga. Além disso um fármaco
pode agir em diferentes atividades
metabólicas ao mesmo tempo.
Este é o caso para agentes que
exercem seus efeitos através da
formação de radicais livres
tóxicos (a).
 Metronidazol
(derivado de 5-nitroimidazol)
 Organismos
anaeróbico.
que
apresentam
 Giardia
lamblia,
Entamoeba
Trichomonas vaginalis.
 DANO:
Material
genético,
possivelmente outros alvos.
metabolismo
histolytica,
proteínas
e
 A enzima que faz a redução do metronidazol é a
piruvato ferrodoxina oxidoredutase. Essa enzima
não existe em células de mamíferos.
2- Interferência na Biossíntese ou
Metabolismo de Folatos.
 A síntese de novo de pirimidinas envolve a
ação de folato coenzimas .
 O hospedeiro vertebrado é normalmente
capaz de sintetizar pirimidinas, mas necessita
de uma fonte exógena de ácido fólico.
 Parasitas em que ocorre síntese de ácido
fólico são sensíveis a drogas tais como ácido
-aminobenzóico, (sulfa) que inibe a formação
do ácido fólico.
3 - Interferência da Biossíntese de Pirimidinas.
Hidroxinaftoquinonas
(quinonas cloroquina)
Inibem a síntese de
pirimidinas.
Provavelmente a
dihidroorotato
deshidrodrogenase.
Derivados sintéticos
 As afinidades são
diferentes
o
que
acaba tornando o
composto
mais
efetivo em doses
terapêuticas.
 BW720C é efetivo em
doses terapêuticas
de 2,5 mg/kg quando
comparado
a
parvaquone
cuja
dose é 20 mg/kg.
(Theileria em gado)
4 - Interferência no metabolismo de purinas.
 Todos os protozoários requerem uma fonte exógena de purinas. Nenhum é capaz de
sintetizar purinas de novo.
 Isto também foi observado para Schistosoma mansoni.
 Assim esses parasitas, ao contrário do seu hospedeiro vertebrado dependem de várias
vias de salvação de purinas. Isto oferece enzimas únicas para alvos quimioterápicos,
principalmente se a enzima em questão não é encontrada no hospedeiro.
 A nucleotidil fosfotransferase, encontrada em Leishmania, transfere grupamentos
fosfato de uma variedade de esters monofosfatos para a posição 5' de purina
nucleosídeos e análogos.
 Esses análogos fosforilados podem então seguir por dois caminhos. Ou inibem
fortemente enzimas essenciais do metabolismo de purinas, ou caso formem
nucleotídeos correspondentes, podem ser incorporados no DNA/RNA do organismo,
causando a formação de uma molécula defeituosa e portanto letal.
Alopurinol: efetivo no tratamento de leishmaniose.
Atenção : é usado para tratamento de gota (reduz os
níveis de ácido úrico no sangue). Mas deve ser
observada a idade do paciente.
Quando o alvo da droga é DNA ou RNA, mesmo que a
droga atue em enzimas do hospedeiro, deve se levar
em consideração que a velocidade de replicação ou o
próprio metabolismo do parasita é maior que a do
hospedeiro, o que faz com que os danos sejam
maiores para o parasita do que para o hospedeiro.
5 - Interferência em reações de metilação.
* A droga sinefungin é um análogo de adenosina
conhecido por inibir metil transferases. Em uma
concentração de 0,3 M ocorre a completa inibição do
crescimento de P. falciparum, in vitro.
É ativa na inibição de outros protozoários parasitas,
mas, em nenhum caso foi demonstrado o mecanismo
exato de ação e a relação com a metilação.
* Tendo em vista a importância da metilação no
controle da expressão gênica e do tRNA metilado na
síntese proteica, este é um campo aberto para ser
explorado.
6 - Interferência na síntese de poliaminas.
As poliaminas estão presentes em todos
os organismos vivos e sua função está
relacionada com a proliferação celular e
diferenciação. (empacotamento de DNA)
 O primeiro e limitante passo da biossíntese de
poliaminas é a formação de putrescina a partir
da ornitina, numa reação catalisada pela ornitina
descarboxilase.
 As outras poliaminas, espermidina e espermina
são sucessivamente formadas a partir da
putrescina em reações envolvendo a
descarboxilato S-adenosil metionina.
 Um antimetabolito da ornitina, (difluorometil)ornitina, DFMO, inibe
especificamente a enzima ornitina
descarboxilase.
7 - Interferência da via glicolítica.
Plasmodium, Schistosoma, e
Trypanosoma (sanguíneo)
usam a via glicolítica para a
obtenção de energia.
Na forma sanguínea do
tripanosoma, a enzima lactato
desidrogenase está ausente. A
regeneração do NAD a partir de
NADH+ depende de um
"shuttle" entre dehidroacetona
fosfato:glicerol-3-fosfato
mediado pela glicerol 3-fosfato
oxidase.
Em condições anaeróbicas
ocorre o acúmulo de
glicerol como produto final.
O ácido salicil-hidroxâmico
(SHAM) inibe a glicerol 3
fosfato oxidase provocando
uma simulação de
anaerobiose. Se glicerol for
acrescentado, inibindo a
glicerol quinase o
metabolismo para e o
tripanosoma morre.
8 - Efeito em microtúbulos.
Nesta categoria vamos encontrar os principais
antihelmínticos.
A ação está baseada no bloqueio do transporte
de grânulos secretores e movimentação de
organelas subcelulales de nematóides parasitas
de intestino.
Estes efeitos coincidem com o desaparecimento
dos microtúbulos citoplasmáticos.
Mebendazol e fenbendazol inibem a ligação de
colchicina a tubulina de Ascaris com uma
constante de inibição de 1.9 x 108 M e 6.5 x108 M
respectivamente, valores estes de 250-400 vezes
mais altos que aquele observado para inibição
de ligação de colchicina a tubulina de cérebro
bovino (7.3 x 106 M e 1.7 x 105 M).
Esta afinidade diferencial certamente é favorável
para a alta eficiência dessas drogas como
antihelmínticos. Além disso, os benzimidaziois não
são absorvidos pela mucosa intestinal.
9 - Efeitos em Nervo e Músculo.
 Obviamente drogas cuja ação afeta a motilidade muscular
só são ativas em parasitas metazoários, tais como
helmintos e artrópodes.
 A sua eficácia depende de importantes diferenças entre o
sistema nervoso desses parasitas e dos seus hospedeiros
vertebrados.
 Vertebrados apresentam prefencialmente receptores
colinérgicos nicotínicos nas junções neuro-musculares
enquanto que os nervos nos quais o ácido g -aminobutírico
funciona como transmissor se encontram confinados no
sistema nervoso central e portanto protegidos da ação de
agentes presentes na circulação sanguínea pela barreira
hemato-encefálica.
 Nos insetos, os músculos apresentam sinápses
excitatórias que utilizam o ácido L-glutâmico e um
nervo inibidor que se utiliza de GABA como
transmissor. O nervo colinérgico é coordenado pelo
sistema nervoso central.
 Em nematóides sinápses colinérgicas e
GABAérgicas estão distribuidos ao longo de todo o
corpo do organismo. Levamisole pode penetrar
pela cutícula dos nematóides e agir sobre os
receptores colinérgicos das junções neuro
musculares, paralisando assim o verme que é então
excretado pelo hospedeiro (ascaris - eliminado
pelas fezes).
Um importante grupo de quimioterápicos nesse
tópico é constituído pelas avermectinas. Seu modo
de ação consiste em agir como agonistas de GABA e
assim causar paralisia.
A droga não age sobre o hospedeiro pois não tem
ação sobre o sistema nervoso central, uma vez que
não atravessa a barreira hemato-encefálica.
É interessante notar que avermectinas não tem
ação sobre tremátodes e cestóides, o que sugere
que nestes helmintos o sistema nervoso apresenta
diferenças daquele dos nematóides.
 Praziquantel - uma droga efetiva no tratamento de
esquistossomose, afeta a contração muscular
desses vermes aumentando o influxo de cálcio.
 Em Schistosoma, a contração muscular é
dependente da tomada de Ca2+ externo. Novamente
vemos uma diferença entre nematóides e cestóides,
uma vez que nestes últimos a contração muscular é
dependente do Ca2+ endógeno.
 A motilidade de Schistosoma pode também ser
afetada através do metabolismo. A via glicolítica é a
principal porém a formação de ovos requer
oxigênio.
 Ainda é interessante notar que drogas cuja ação consiste
num bloqueio de motilidade devem ter ação prolongada a
ponto de dar tempo de se eliminar o parasita.
 Por exemplo: metrifonato é eficiente para S. hematobium e
não para S. mansoni.
 O S. hematobium paralisado se solta das veias da bexiga e
é carregado para os pulmões e daí são eliminados ou
quando cessa o efeito da droga não conseguem voltar à
bexiga.
 Já S. mansoni solta das veias mesentéricas e é carregado
para o fígado. Ao se recuperar da paralisia retorna para as
veias mesentéricas.
10 - Outros alvos gerais.
 Tetraciclina - anti malárico, inibindo síntese de
proteína mitocondrial.
 Glaucorubinoses - droga efetiva contra câncer - anti
malárico, inibidor de síntese proteica.
 Quelantes - atuam na deprivação de metais
essenciais como ferro, ou interferem na ação de
metalo-proteases, enzimas cuja ação é importante
em alguns passos metabólicos
 Ex: fenol oxidase é essencial para a formação de
ovos em Schistosoma - a droga disulfuram inibe
específicamente estas oxidases causando portanto
uma produção anormal de ovos.
 Organismos com um ciclo de vida complexo
possibilitam a intervenção de quimioterápicos em
diferentes pontos.
 Por exemplo, Schistosoma possue sexos separados
e a fêmea necessita estar alojada no canal
ginecóforo para estar madura sexualmente e assim
colocar ovos.
 A droga oxamniquine mata diferencialmente machos
de Schistosoma e assim a fêmea sem os fatores
produzidos pelo macho sofre uma regressão no
sistema reprodutivo e para de por ovos.
 Eliminação dos principais efeitos patogênicos, mas
mantém a presença do verme: imunidade
concomitante - impedindo novas infeções.
11 - Drogas cujo mecanismo de ação
era ou ainda é desconhecido.
Cloroquina, quinina, mefloquina, artenisina ou qinghaosu
já eram utilizadas na China por volta de 1596 para o
tratamento de malária. No entanto, o mecanismo de ação
era desconhecido até recentemente.
Em 1992, Wellems publica na revista Nature um possível
mecanismo de ação. A sugestão inicial era que a droga
acumularia no vacúolo parasitóforo (lisosomal)
aumentando o pH e interferindo na digestão da
hemoglobina, causando privação de aminoácidos.
Wellems sugere que a droga inibe a enzima heme
polimerase, responsável pela destoxificação dos
grupamentos heme gerados durante a digestão da
hemoglobina que são citotóxicos para a célula.
11 - Drogas cujo mecanismo de ação
era ou ainda é desconhecido.
 Arsênicos - efeito em DNA de cinetoplasto.
 Intercalantes de DNA ou promovem uma
desestruturação do giro da molécula de DNA
através de "binding".
 Descinetoplastização: drogas como acriflavina,
etídio, antricide promovem a eliminação de DNA de
cinetoplasto e consequente perda da organela.
 Como a organela é importante para a respiração
aeróbica, elimina-se o tripanosoma no inseto.
A exposição a doses sub-letais de um agente
citocida ou citoestático leva ao aparecimento de
parasitas resistentes ao agente.
IMPORTANTE: Ocasiona a constante
necessidade de desenvolvimento de novos
fármacos.
 Cinco mecanismos bioquímicos básicos podem
estar envolvidos no aparecimento de resistência:
 1- metabolizar a droga para uma forma inativa.
 2- alterar a permeabilidade da droga, diminuíndo a
tomada ou aumentando a excreção.
 3- desenvolvimento ou ativação de vias metabólicas
alternativas que promevem um "by pass" do passo
lesionado.
 4- alteração do alvo de modo a baixar a afinidade da
droga.
 5- aumento da quantidade do alvo de modo a
diminuir as consequências metabólicas.
 O aparecimento de parasitas resistentes a drogas já
existentes, a falta de efetividade absoluta, a existência
de efeitos colaterais não desejados, são motivos
suficientes para que a busca de novos fármacos seja
motivada.
 Devem ser buscadas as vantagens:
 1. melhor eficácia,
 2. baixa toxicidade,
 3. ação sobre uma via preferencial,
 4. atividade sobre cepas resistentes a outras drogas,
 5. meia-vida ambiental curta (especialmente para
veterinária).
 Normalmente quando se pensa num
alvo para um quimioterápico, se
pensa numa enzima. Outras
proteínas no entanto podem ser
consideradas, tais como aquelas
que atuam no transporte de
macromoléculas ou nas bombas de
íons. Outras macromoléculas
devem ser consideradas tais como
DNA e colesterol.
 A identificação de alvos como estes
deve ser obtida através de estudos
da biologia molecular, bioquímica e
fisiologia do parasita e do
hospedeiro. Outra maneira é
através da investigação de
mecanismos de ação de drogas já
existentes.
Não esta claro qual é o melhor
caminho. No primeiro caso
não se sabe do sucesso até o
estudo estar completado, no
segundo, uma droga já
utilizada, pode ter ocasionado
o aparecimento de resistência.
Um passo crítico na caracterização do alvo potencial ou a
validação do mecanismo de ação da droga, é o estabelecimento
de um ensaio in vitro que seja de fácil execução, reprodutível e
rápido, necessitando quantidade razoáveis de parasitas.
Esse teste pode então ser usado para identificar
drogas potenciais.
Por último, depois de ter sido estabelecido um
mecanismo de ação através de bioquímica
comparativa, se encontra a necessidade de demonstrar
que:
1 - a ação in vivo leva a morte ou paralisação do
patógeno; e
2 - não existe contrapartida de ação no hospedeiro, ou
se existir que a diferença seja altamente significante
levando a uma seletividade e baixa toxicidade da
droga.
 A identificação de um quimioterápico pode seguir
um dos seguintes caminhos:
 1- Identificação casual de compostos já existentes.
 2- Seleção racional das drogas já existentes para
um determinado alvo.
 3- Análise de literatura, procurando químicos cuja
ação já é conhecida em outros patógenos.
 4- Síntese de análogos de substratos bem definidos.
Requer muitos testes posteriores.
 5- Desenho de novos fármacos baseados em
estrutura de raio-X, NMR e computação gráfica.
Leituras Complementares
Living together - The biology of animal
parasitism -Trager, W. 1986
capítulo 25
Modern Parasitology - Ed Cox, F.E.G.
1993
Capítulo 9 Chemotherapy
Gutteridge,W.E.
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