MEMÓRIA DE JOVENS: LUGAR DE PARTILHAMENTOS, CONFLITOS E DIÁLOGOS INTERGERACIONAIS. Existe em encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Walter Benjamin. Alguns estudos sobre geração tendem a separar as coisas, num esforço conceitual aparente de colocá-las nos seus devidos lugares. Sendo assim, insistem em relacionar a juventude com o projeto – o futuro – e os adultos e idosos com a memória, a lembrança, o passado. Minha proposta é discutir a importância do passado, das lembranças que povoam e constroem a memória juvenil – e que parecem orientar suas escolhas –, na construção de seus projetos. Essa memória é construída, por sua vez, nas experiências vivenciadas nos grupos de identidades juvenis, mas também nas relações sociais das quais destaca-se a família, seja ela restrita ou estendida. Ainda que resultantes do enquadramento ou do conflito, são essas experiências que poderão distinguir as escolhas, os projetos e alguns referenciais identitários tais como gostos, estéticas e valores morais e éticos. Estes, assim como determinadas práticas sociais, permanecem no interior da família, apesar das grandes transformações por que vem passando a sociedade e que se refletem nas diferenças de comportamentos e pensamentos observadas empiricamente nos distintos grupos geracionais. Nesse contexto, destacam-se ainda as experiências vividas por diferentes gerações não só em espaços específicos como também nos espaços de convívio intergeracional. Parto da compreensão de que existe forte relação entre memória, geração e socialização e que estas parecem ser determinantes para a compreensão da juventude como categoria sociológica composta de sujeitos dotados de memória que se constrói nas relações sociais e intergeracionais. Essas relações vivenciadas, por exemplo, no contexto familiar, parecem ser importantes para que o jovem elabore sua identidade, além de servir para orientar a construção de seus projetos pessoais relacionados a um futuro que é delineado no presente e que tem a memória de experiência feita como referência e ponto de partida em direção ao desconhecido, aos lugares repletos de incertezas e riscos. Procuro entender como se estabelecem as relações intergeracionais através da memória coletiva e, a partir dessas relações, como se efetiva a construção da memória juvenil individual. Assim, a identificação de pontos de interseção e de afastamento entre a memória dos adultos e a memória de jovens, marcados, principalmente, pela experiência vivenciada em diferentes intensidades, tempos e espaços comuns ou diferenciados pelas questões geracionais, poderá indicar possíveis relações entre memória individual e coletiva, e entre memória de jovens e de adultos. Creio que os estudos sobre intergeracionalidade devem contribuir para a compreensão dos diferentes caminhos de constituição da cultura, quer no seu contexto de preservação ou de transformação, pois permitem “a análise de processos em que valores e atores sociais devem ser examinados em suas múltiplas e complexas inter-relações” (Velho, 2003, pág. 61). Essas relações e pontos serão observadas a partir dos bailes de Charme que se caracterizam como uma manifestação cultural específica da cidade do Rio de Janeiro e que se expressa em práticas culturais e sociais que configuram diversos grupos compostos, em sua maioria, por adultos. Ela é constituída por espaços de relações nos quais os jovens estão presentes, ainda que em pequenos grupos ou acompanhando outros adultos. Assim, não se caracterizam como territórios juvenis ou lugares específicos de um coletivo particular, mas de interações sociais nos quais o jovem desempenha um de seus múltiplos papéis. Desse modo, nos permite compreender o sujeito juvenil e seus “modos de estar junto” em contextos que rompem com “os imperativos territoriais e as identidades essenciais” (Reguillo, 2000, pág.41). Parece-me que os espaços de Charme, em sua maioria, significam a expressão de uma linguagem básica comum em que são respeitadas as diferenças subjetivas, os valores e identidades de grupos etários envolvidos em contextos de relações sociais que podem produzir experiências importantes para cada indivíduo e para o próprio grupo. É nesse cenário interacional que observarei, de forma participante, as relações entre diferentes gerações e os desdobramentos e interferências daí decorrentes para a construção da memória juvenil bem como o seu papel na elaboração de projetos de jovens, tendo as experiências compartilhadas como importante referencial para os mesmos. Nesse contexto, busco responder a algumas questões, como por exemplo: os jovens charmeiros identificam-se com a cultura de seus pais e amigos mais velhos? Assimilam quais valores e símbolos das gerações que os antecedem? Como essa expressão cultural interfere/contribui para a definição de seus gostos, construção de identidades, consciência de geração e projetos pessoais? Há uma identidade étnica no Charme compartilhada pelos sujeitos jovens? Quais são os espaços de autonomia construídos para os jovens oriundos da cultura charmeira? Penso que a juventude deva ser analisada também a partir do recorte geracional. Este, por sua vez, não pode ser restrito aos limites etários que certamente devem ser levados em consideração junto com a heterogeneidade dos atores que compõem uma categoria social não autônoma construída na “rede de relações sociais múltiplas e complexas” (idem, pág. 49). Esse recorte produz uma relação temporal que demarca a vida do jovem e que se traduz na relação entre presente e futuro. Nessa relação, torna-se possível observar a importância dos projetos alimentados por suas perspectivas e alternativas disponíveis para a sua condução enquanto processo que vai sendo construído ao longo de um tempo. O desafio é acrescentar e compreender a dinâmica e o papel da memória e, por conseguinte, do passado nessa relação temporal. Ou ainda encontrar respostas para a seguinte questão: como a noção de projeto está fortemente ligada não só à memória, mas principalmente às experiências juvenis vivenciadas em um passado nem tão distante assim?