DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, proposta pela União Federal, contra liminar deferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Amazonas, proferida nos autos do Mandado de Segurança Coletivo nº 2008.32.00.002332-9 impetrado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – UNAFISCO SINDICAL. O mandado de segurança coletivo foi impetrado contra ato do Delegado da Receita Federal em Manaus e do Chefe do Serviço de Gestão de Pessoal da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Manaus. O Juízo de primeiro grau deferiu a medida liminar (fls. 14-18), para determinar “às autoridades coatoras que se abstenham de efetuar o desconto das faltas imputadas aos substituídos, na próxima folha de pagamento, qual seja a do mês de maio, até ulterior decisão deste Juízo. Caso a folha já tenha sido confeccionada, deve a administração tomar as providências para efetivar imediatamente os reparos, em folha mais próxima possível”. Daí a presente reclamação proposta pela União Federal, com pedido liminar, por suposta violação à autoridade da decisão do STF na Suspensão de Tutela Antecipada – STA nº 229, por ter a decisão reclamada obstaculizado o desconto dos dias não trabalhados pelos grevistas (fls. 02-10). No que se refere à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni juris), a reclamante aduz que a decisão proferida na STA nº 229: (1) autorizou o desconto dos dias não trabalhados pelos grevistas, (2) seria dotada de ultra-atividade, vigorando até o trânsito em julgado da decisão de mérito a ser proferida na ação principal (fl. 08-09). Nesse sentido, a decisão proferida na STA nº 229 teria sido desrespeitada pela liminar em mandado de segurança por obstaculizar o desconto dos dias parados (fl. 09). A reclamante ainda ressalta que a decisão impugnada desconsiderou a contracautela concedida pelo STF, pois na STA nº 229 “se buscava a suspensão dos efeitos de decisão proferida em processo em que o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – UNAFISCO também figurava no pólo ativo da relação jurídicoprocessual e a União, no pólo passivo” (fl. 08-09). No que tange à urgência da pretensão liminar (periculum in mora), a reclamante alega que “existe efetiva possibilidade de dano irreparável ao interesse público, pois não há qualquer garantia de que a importância a ser paga aos servidores grevistas retornará aos cofres públicos, caso o pleito venha a ser julgado improcedente ao final” (fl. 09-10). Assim, requer a concessão da medida liminar para suspender a eficácia da decisão impugnada. À fl. 30 solicitei informações para, em seguida, apreciar o pedido liminar. O Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Amazonas prestou as informações às fls. 34-37. Decido. O caso em exame requer algumas considerações prévias à análise do pedido. suposto desrespeito Como à relatado, autoridade trata-se da decisão de da reclamação, Presidência por do Supremo Tribunal Federal na STA nº 229, proferida em abril de 2008. Segundo restrições ao a reclamante, desconto dos dias a decisão não impugnada, trabalhados ao pelos impor auditores fiscais federais em greve, no período de 09 a 30 de abril de 2008, teria violado a referida decisão (STA nº 229). Em análise inicial e diante do fato de a decisão supostamente violada ser de competência exclusiva da Presidência do STF, os autos vieram conclusos a esta Presidência. Em razão da relevância da questão, determinei o requerimento de informações ao Juízo prolator da decisão impugnada, para maiores esclarecimentos dos fatos. No julgamento da STA nº 229, a Presidência do STF suspendeu os efeitos da decisão proferida pelo Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul nos autos da Ação Ordinária 2008.71.00.006757-2, mantida em agravo de instrumento nº 2008.04.00.009024-3/RS (TRF 4ª Região) e em suspensão de Liminar nº 2008.04.00.009130-2/RS (TRF 4ª Região), que impedia a imposição de qualquer auditores medida sancionadora fiscais federais, ou disciplinar inclusive para contra desconto a greve de dos salários relativos aos dias não trabalhados. O objeto específico da STA nº 229 consistiu na ocorrência de grave lesão à ordem pública, ante o fato de que a continuidade do movimento paredista analisado poderia gerar danos à fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias, à arrecadação de tributos e ao comércio exterior, bem como ao combate à sonegação e ao contrabando, o que certamente causaria prejuízos à economia nacional como um todo. E de forma complementar, considerou-se a possibilidade de desconto do pagamento dos dias não trabalhados, o que só não se justificaria em casos excepcionais. Dessa forma, percebe-se que a decisão reclamada é de Juízo distinto da decisão que foi suspensa pela STA nº 229, a qual também tem objeto específico e diferente da questão colocada na decisão reclamada. Assim, embora a decisão reclamada e a decisão proferida na STA nº 229 estejam, de forma geral, relacionadas ao tema geral “greve dos auditores fiscais federais”, isto não possibilita erigir a STA nº 229 à condição de parâmetro para a presente reclamação. Em primeiro lugar, porque o seu objeto é distinto das considerações da decisão reclamada, oriunda de mandado de segurança coletivo e referente a procedimentos específicos de desconto de valores de dias não trabalhados pelos servidores grevistas. Em segundo lugar, todas as considerações fáticas da decisão reclamada são distintas e posteriores àquelas consideradas pela decisão suspensa pela STA nº 229. Em negativa conseqüência de lógica, seguimento à entendo presente que seria reclamação, o caso considerada de a impossibilidade da decisão na STA nº 229 servir de seu parâmetro de análise. Por outro lado, toda a fundamentação da STA nº 229 se referiu ao disposto no julgamento dos Mandados de Injunção nº 670/ES, nº 708/DF e nº 712/PA, que trataram da regulação provisória do exercício do direito de greve pelos servidores públicos estatutários. Assim, apontada como a despeito parâmetro da da decisão reclamação, na o STA nº efetivo 229 ter sido parâmetro de controle nesta reclamação se refere ao esquema formulado naqueles julgados de mandado de injunção, que provisoriamente estabeleceu a previsão de regulação constitucional e processual da greve pelos servidores públicos estatutários. A tendência hodierna é de que a reclamação assuma cada vez mais o papel de ação constitucional voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. Os vários óbices à aceitação da reclamação em sede de controle concentrado de constitucionalidade, inclusive, já foram superados, estando o Supremo Tribunal Federal em condições de ampliar o uso desse importante e singular instrumento da jurisdição constitucional brasileira. A ordem constitucional necessita de proteção por mecanismos processuais céleres e eficazes. Esse é o mandamento constitucional, que fica bastante claro quando se observa o constitucionais voltadas a esse mister, como o elenco de ações habeas corpus, o mandado de segurança, a ação popular, o habeas data, o mandado de injunção, a ação civil pública, a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental. A reclamação constitucional – sua própria evolução o demonstra – não mais se destina apenas a assegurar a competência e a autoridade Tribunal de decisões Federal, mas específicas também e bem delimitadas constitui-se como ação do Supremo voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. A tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes da decisão no controle abstrato de constitucionalidade, já adotada pelo Tribunal, confirma esse papel renovado da reclamação como ação destinada a resguardar não apenas a específicos autoridade (objeto de e uma dada parâmetro decisão, de com controle), seus mas interpretação da Constituição levada a efeito pela Corte. contornos a própria A ampla características legitimação da e reclamação, o rito podem simples e consagrá-la, célere, como portanto, como mecanismo processual de eficaz proteção da ordem constitucional, tal como interpretada pelo Supremo Tribunal Federal. E conforme o entendimento que vem se consolidando nesta Corte, quanto à consideração de uma causa de pedir aberta nas reclamações, nada impede a ampliação da análise do presente pedido, para considerar diretamente os fundamentos dos referidos mandados de injunção, ainda que o parâmetro formal de violação apontado pelo reclamante tenha sido a decisão na STA nº 229. Isto porque, conforme afirmado no julgamento dos referidos mandados de injunção, esta Corte passou a promover significativas alterações neste instituto, conferindo-lhe, assim, conformação mais ampla, para dotá-lo de efeito erga omnes. Nesse sentido é que se asseverou, naqueles julgamentos, uma sinalização para uma nova compreensão deste instituto e a admissão de uma solução “normativa” para a decisão judicial. O que se evidencia é a possibilidade das decisões nos referidos mandados de injunção surtirem efeitos não somente em razão dos interesses jurídicos de seus impetrantes, mas também estenderem os seus efeitos similitude e normativos demandem a para aplicação os demais daquele casos esquema que guardem provisório de regulação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos estatutários, como parece ocorrer na presente reclamação. Tendo em vista a impossibilidade da decisão na STA nº 229 servir de parâmetro para a presente reclamação, dado que os Mandados de Injunção nº 670/ES, nº 708/DF e nº 712/PA são efetivamente os parâmetros de análise do pedido, a hipótese em questão resolver-se- ia pela negativa de seguimento ao pedido no âmbito desta Presidência. Contudo, fundamental papel diante da das considerações reclamação para a já expendidas, preservação da do ordem constitucional e da amplitude que pode ser conferida atualmente a este instituto, vislumbro, a princípio, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal vir a permitir a consideração direta dos fundamentos contidos nos mencionados mandados de injunção para a apreciação do presente pedido, o que deslocaria a competência desta Presidência. Diante do exposto e da possibilidade aventada, determino a redistribuição do presente feito. Publique-se. Brasília, 23 de setembro de 2008. Ministro GILMAR MENDES Presidente