O Personalismo

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PERSONALISMO E EDUCAÇÃO
UM ESTUDO SOBRE A PESSOA EM EMMANUEL MOUNIER
Aleilza Oliveira dos Santos1
Maria Neusa Monteiro2
O presente trabalho teve como objetivo compreender o movimento filosófico
Personalista empreendido pelo francês Emmanuel Mounier, o conceito central por ele
desenvolvido - a Pessoa- bem como sua concepção de educação. Para tal intento, foi realizada
uma pesquisa que nos permitiu mergulhar nos escritos de Mounier . Importante dizer que ao
situarmos a concepção de educação Personalista, nós pontuamos uma Proposta metodológica
de trabalho por nós construída, fruto de uma pesquisa desenvolvida na UFPA sobre o ensino de
Filosofia no Ensino Médio. Face ao seu conceito central-a Pessoa – Mounier começa a
vislumbrar o resgate da humanidade com a Instituição do Universo Pessoal, que traz mudanças
significativas à vida humana. O próprio conceito de educação modifica-se, pois sua grande
missão passa a ser a formação do homem como Pessoa.
Palavras chaves: personalismo, Mounier, educação.
Introdução
Vivemos num mundo por demais conturbado. Dia após dia presenciamos a degradação
do homem nas várias dimensões de sua existência. Em meio a essa desordem pensamos: quem
afinal é o homem? Quem sou eu? Tais indagações levam-nos a lembrar da máxima socrática:
“conhece-te a ti mesmo”!. O apelo socrático mostrava a necessidade do homem se
comprometer com a transformação da sociedade de modo que fosse criada uma sociedade
humana onde reine a justiça social, a valorização da vida pessoal e comunitária.
De acordo com o pensamento personalista de Emmanuel Mounier, somos pessoas com
características próprias, seres singulares mas ao mesmo tempo comunitários. Seres que são
1
Graduada em Pedagogia. Universidade Federal do Pará. Profª do Ensino Fundamental e Médio.
[email protected]
1
capazes de amar, de dialogar e de viver em comunhão. Contudo, somos também capazes de
protestar, de dizer não, de julgar, de ser livres. Como pessoas, não somos e nem podemos ser
tratados como objetos manejáveis, com fim em si mesmos.
Buscando refletir sobre o mundo desumano do qual fazemos parte, construímos o
presente trabalho na tentativa de compreender a Filosofia Personalista de Mounier e sua
proposta de uma sociedade nova, pautada na construção da Pessoa, através de um movimento
personalizante sustentado por valores irredutíveis da vida humana.
Importante dizer que Mounier destaca como um dos direitos fundamentais para a
formação da pessoa a educação. É nessa perspectiva que há a necessidade de uma nova
concepção do que seja o próprio processo educativo. Participamos de uma pesquisa realizada
no período de agosto de 2002 à julho de 2003 enquanto integrantes do projeto “ a Filosofia no
ensino Médio em Belém: ensino, pesquisa e extensão”3 desenvolvemos o Plano de Atividades
intitulado “O ensino de filosofia no nível médio: uma Proposta de Trabalho a luz da Filosofia
Personalista de Mounier”. Neste, tivemos a oportunidade de acompanhar uma turma de uma
escola pública de Belém durante suas aulas de filosofia. Essa experiência nos oportunizou
identificar
alguns
problemas
que
de
alguma
forma
prejudicavam
o
processo
ensino-aprendizagem da referida disciplina. Em face dos problemas detectados, buscamos
constuir uma Proposta Metodológica para um novo ensino de Filosofia nessa escola. Para tal,
nos baseamos na Filosofia Personalista de Emmanuel Mounier4. Por este fato, achamos
oportuno apresentar nesse trabalho a síntese da referida proposta quando destacarmos a
educação numa perspectiva Personalista Mounieriana.
O Personalismo: Contextualização
Nesta primeira parte do trabalho recorrer-se-á à Filosofia do século XX, buscando
contextualizar o Personalismo, movimento filosófico contemporâneo, dando atenção especial
ao desenvolvido na França e ao seu idealizador maior, Emmanuel Mounier. Recorrendo a
Filosofia do século XX procuraremos apartir de agora contextualizar o movimento filosófico
contemporâneo, dando especial atenção ao desenvolvido na França e ao seu idealizador maior
Emmanuel Mounier.
2
Mestre em Filosofia. Profª de Filosofia da Educação, Metodologia do Ensino de Filosofia e Prática de Ensino de
Filosofia da Universidade Federal do Pará, Centro de Educação, Departamento de Fundamentos da Educação,
[email protected]
3
Coordenado pela Profa. Maria Neusa Monteiro, que também foi orientadora da pesquisa e do TCC.
4
O referido Plano de Trabalho deu origem ao Trabalho de Conclusão de Curso- TCC defendido recentemente.
2
A Revolução Francesa (1789) representa a ruptura dos resquícios do feudalismo que
ainda perduravam, e que impediam a expansão do comércio e da indústria, abrindo assim
caminhos para a definitiva implantação de um novo sistema econômico e político – o
Capitalismo. A Revolução contribuiu para a ascensão da burguesia ao poder, ocasionando
assim o fim do Antigo Regime Absoluto, e economicamente com os vestígios do feudalismo,
substituindo-o por princípios e orientações favoráveis ao capitalismo.
É porém no século XX que o sistema capitalista ganha impulso maior, havendo a
necessidade de ampliação de mercados, o que gerou uma nova corrida colonial das potências
pelo mundo, ocasionando assim a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que desencadeou a
exacerbação dos nacionalismos e alianças militares, trazendo consequências terríveis à
humanidade: milhões de mortos e famintos. Acirraram-se os problemas econômicos e sociais .
A miséria era extrema. A liberdade de ação e pensamento ficou limitada, e a manutenção da
burguesia no poder ficou enfraquecida, sendo substituída pelos regimes totalitários,
notadamente o Fascismo italiano e o Nazismo alemão. Em fins da década de 20, o sistema
capitalista vivia uma profunda crise. Os E.U.A, grandes vencedores do conflito, viveram um
caos sem precedentes com o crack da Bolsa de Valores de New York, visto que o país produzira
em demasia mas as nações destruídas pela guerra não tinham condições de adquirir os produtos
norte-americanos. Dessa forma, as ações das grandes empresas americanas sofreram quedas
vertiginosas, o que levou muitas à falência. As que “sobreviveram” foram forçadas a reduzir os
seus ritmos de produção, o que provocou demissões em massa, aumentando o nível do
desemprego. A crise que se vislumbrava não era só econômica, mas também social e por que
não dizer psicológica, visto que o homem, nesse contexto, tem seu valor medido não pelo seu
interior, sua subjetividade mas pelo que ele produz no plano material concreto.
Em 1939, o mundo lançou-se em uma nova grande guerra mundial (1939-1945),
ocasionada novamente pela corrida imperialista das grandes potências que buscavam dominar o
mundo. As consequências novamente foram desastrosas: empobrecimento de muitos países,
mortes, sofrimento. O mundo passou desde então a viver em estado de tensão e sob a constante
ameaça de uma terceira guerra mundial.
É nesse mundo absurdo de desencantos, que põe em xeque os valores humanos mais
essenciais que vários movimentos filosóficos vão surgindo, dando inicio a um novo momento
de reflexões filosóficas denominado de Filosofia Contemporânea. Dentre esses movimentos,
temos o Personalismo desenvolvido na França.
O Personalismo como Movimento Filosófico
3
O termo Personalismo já havia sido utilizado por alguns filosófos. Mas na França dos
anos 30 esse termo vem consolidar num contexto histórico específico, as reflexões de um
grupo de filósofos, entre eles Emmanuel Mounier, que fundaram a Revista Esprit em 1932.
O contexto histórico específico a que nos referimos teve sua gênese com a crise econômica
de 1929, que iniciou-se com o Crack da Bolsa de Valores de Nova York, que ocasionou uma
queda
desastrosa
na produção e no
comércio. O índice de desemprego aumentou
consideravelmente nesse período. A crise que estava se construindo completou-se com o
crescimento dos regimes totalitários e com a deflagração da Segunda Guerra Mundial.
A crise de 1929 deu início a um período que abalou não só a dimensão econômica mas
toda a estrutura da sociedade. É diante desse dramático quadro de ‘desordem estabelecida’ em
que se encontrava a humanidade e em face da ausência de lideranças lúcidas e socialmente
comprometidas com o processo de transformação dessa situação que um grupo de jovens,
liderados por Emmanuel Mounier, se reúnem, dispostos a propôr algo que efetivamente viesse a
colaborar com as mudanças necessárias. Assim nascia o Movimento Filosófico Personalista
francês Contemporâneo, que se lançava rumo a um novo projeto de vida e de civilização. Esse
personalismo origina-se da constatação do fracasso do projeto de civilização ocidental, de
inspiração capitalista.
Emmanuel Mounier: o Filósofo Engajado
A figura mais expressiva, sem dúvida, desse movimento foi Emmanuel Mounier
(1905-1950). Esse filosófo francês de Grenoble fez de sua vida uma ardorosa presença na
história na qual estava inserido. Essa participação na história foi tão intensa que influenciou
sobremaneira seu próprio pensamento - o Personalismo. Seu Personalismo se explica
historicamente, pela sua atuação pessoal diante do contexto sócio-político de seu tempo. Diante
da ‘desordem estabelecida’ iniciada em 1929, Mounier pretendia na verdade testemunhar seu
pensamento, provocando uma atitude em seus contemporâneos. O seu modo de filosofar
unia-se a tomada de consciência de uma grande crise histórica pela qual passava a civilização
Ocidental. Sua primeira tarefa era civilizadora, baseando-se em um novo humanismo.
Mounier combatia pelo homem; esse homem dramático, que é corpo e espírito, que é
eterno e temporal. Conforme Severino (1974, p. 8) sua luta
4
era a própria melodia de sua existência pois a estrutura da pessoa é, em
verdade, mais parecida a um desenvolvimento musical do que a uma
arquitetura, pois não pode figurar fora do tempo [...]. A pessoa que
designa e descreve não é um ideal utópico com que sonhar se pode ou
imaginar, mas era a própria pulsação que sentia dentro de si, da
experiência pessoal, cheia de contradições e tensões internas. Tensões e
contradições que, como se verá, nasciam da própria condição humana
que vivia profundamente, sentindo-a pulsar em si.
Tal foi a influência dos acontecimentos históricos e pessoais em seu pensamento que
muitos acusavam o Personalismo de Mounier de não ser propriamente uma filosofia. No
Personalismo de Mounier não encontramos aquela sistematização e técnica tão ao gosto dos
intelectuais de sua época. Estava certo de que era preciso dar uma nova compreensão à noção
de filosofia excluindo-se dela a exaustiva essencialidade de um rigor lógico – técnico típico de
sua época. Mounier afirmava que:
O Personalismo é uma filosofia. Não é apenas uma atitude. É uma
filosofia, não é um sistema. Não foge à sistematização. Porquanto o
pensamento necessita de ordem: conceitos, lógica, esquemas
unificantes, não servem apenas para fixar e comunicar um pensamento
que sem eles se diluiria em intuições opacas e solitárias; [...] Por que
define estruturas, o Personalismo é uma filosofia e não apenas uma
atitude. Mas sendo a existência de pessoas livres e criadoras a sua
afirmação central, introduz no centro dessas estruturas um princípio de
imprevisibilidade que afasta qualquer desejo de sistematização
definitiva (1964, p.16-17).
Mounier desenvolve um conceito central: o de PESSOA. Porém, ele mesmo admite a
impossibilidade de definir a Pessoa, visto que “só se definem os objetos exteriores ao homem,
que se podem encontrar ao alcance de nossa vista. Mas a pessoa não é um objeto. Antes, é
exatamente aquilo que em cada homem não é passível de ser tratado como objeto” (Mounier,
1964, p.17-18).
A partir de agora, começaremos a trilhar o mistério que envolve a Pessoa, o conceito
referência de todo pensamento construído por esse filósofo.
A Noção de Pessoa em Mounier
Na Antiguidade, o sentido de Pessoa4 era ainda embrionário. Mas é com o Cristianismo
que a noção decisiva de Pessoa se estabelece. É característico do Cristianismo de que a “pessoa
Etimologicamente o termo Pessoa deriva do latim Persona, que significa “ máscara teatral, por extensão o próprio
ator, e daí seu papel, as características de um indíviduo, a Personalidade” (Japiassu ; Marcondes, 1993,p.193).
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é o ser humano racional e livre, definido por sua dimensão de sujeito moral e espiritual,
plenamente consciente do bem e do mal, livre e responsável” (Japiassu; Marcondes, 1993,
p.193).
A noção de Pessoa ganha força nos anos 30 diante da grave crise econômica-política
enfrentada pelo mundo de um modo geral no período pós - 1ª guerra. O filósofo francês
Emmanuel Mounier e alguns amigos sensibilizados com esse contexto dramático vivenciado
pelos homens iniciam um movimento filosófico que vinha propondo um novo projeto de
civilização. O Personalismo de Mounier surge como um movimento que constata a chamada
crise da civilização, que pôs em xeque não só o capitalismo, mas todos os padrões sociais,
evidenciando também uma crise moral. A Pessoa é tomada como centro de reorientação dessa
sociedade em crise . Eis que assim Mounier começa a elaborar uma Filosofia da Pessoa .
É importante esclarecermos que não é nossa intenção nesse trabalho definir a Pessoa,
visto que o próprio Emmanuel Mounier evidencia a impossibilidade de conceituá-la. Na
verdade, para nosso autor a Pessoa “é uma atividade vivida de auto-criação, de comunicação e
adesão, que em um ato, como movimento de personalização, alcançamos e conhecemos”
(Mounier,1964, p. 20). A essa experiência, chamada Movimento de Personalização, todos os
homens são chamados. Porém, ninguém a ele pode ser imposto ou condicionado. O homem, de
acordo com Mounier, vai construindo-se Pessoa através da experiência pessoal. Para que essa
conquista seja possível, Mounier (1964, apud Severino, 1974, p. 45) precisa-se estruturas de,
que
[...] não são elementos fixistas de um novo modo de se cristalizar uma
imagem da condição humana, mas são como que notas de uma melodia
que é a existência humana no nível de sua apreensão; são os temas
orientadores e centrais que dirigem e ‘explicam’ os momentos de
expressão fenomenal do agir humano. São as dimensões existenciais da
pessoa, as dimensões referenciais do mistério do ser pessoal, os pontos
de referência através dos quais dele se pode aproximar.
Essas estruturas formam o que Mounier denomina Universo Pessoal, que em engloba:
- A EXISTÊNCIA INCORPORADA: Através dessa estrutura, Mounier vem afirmando
uma das máximas do Personalismo, que diz respeito ao fato de que o homem é integralmente
corpo assim como é espírito. Essa indissolúvel união da alma (espírito) com a matéria (corpo) é
o centro do pensamento cristão, um dos grandes influenciadores do Personalismo de Mounier.
Percebemos com isso, que o Personalismo Mounieriano supera o dualismo pernicioso matéria x
espírito.
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3.2 A COMUNICAÇÃO: Para Mounier, é a comunicação a experiência fundamental da
Pessoa. É na relação com o outro que a Pessoa vai se afirmando.
Assim, o outro não limita, mas faz-na ser e crescer. Ela, deste modo, não existe senão
para os outros, não se encontra senão nos outros.
- A CONVERSÃO INTÍMA: Apesar da Pessoa ser desde suas origens movimento para os
outros, um “ser-para”, é importante esclarecer que podemos entendê-la também, em um outro
aspecto, como um ser que é subjetividade, vida ou dimensão interior, interioridade. Esse
aspecto não é contrário ao movimento da comunicação, mas é-lhe complementar. Para
constituir-se, a Pessoa tem a necessidade de descentrar-se para fora de si mesma, num contínuo
movimento de recolhimento e ruptura. (Severino, 1974).
- O AFRONTAMENTO: A Pessoa existe, e como tal tem a capacidade de projeta-se para fora
de si, expondo-se, fazendo face ao mundo. Conforme Mounier Prósopon é a palavra grega que
mais aproxima-se da noção de Pessoa. Tal palavra significa “aquele que olha de frente, que
afronta” (MOUNIER, 1964, p.97). Numa palavra: a Pessoa existe. Mas para existir
pessoalmente é necessário algumas vezes fazer rupturas, dizer não, protestar, desligar-se, visto
que sem esse desligamento a vida pessoal torna-se-ía um peso de adesões, adaptações,
conformismo e alienação. Essa negação e protesto devem abarcar segundo Severino (1974)
todas as dimensões da vida. Sendo a Pessoa humana uma possibilidade de recusa, protesto e
decisão, em seu movimento de personalização ela apresenta-se como um ato que afirma e que
se afirma em sua existência. É a pessoa um chamado e uma capacidade de afrontar aos outros,
as situações e os acontecimentos do mundo.
- A LIBERDADE COM CONDIÇÕES: Para Mounier somente a Pessoa é livre mas não é a
liberdade uma coisa, que se possa tocar como a um objeto nem surpreendê-la em flagrante
delito. O homem não pode demonstrá-la como a um teorema. Conforme nosso filósofo “ a
liberdade é afirmação da pessoa, vive-se, não se vê. ‘Não há’ no mundo objetivo senão coisas
dadas e situações que se cumprem [...]” (MOUNIER, 1964, p. 110). É assim que não se
apreenderá a liberdade num plano de observação objetiva. A liberdade só se dará numa
experiência existencial de todo ser humano.
- A EMINENTE DIGNIDADE: Com essa estrutura Mounier destaca que a Pessoa não se fecha
em si mesma. Ela ultrapassa a si própria, num movimento em direção ao Ser, à Pessoa Suprema
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que é Deus. É assim que o movimento que forma a Pessoa indica necessariamente uma
transcendência.
- O COMPROMISSO: Para Mounier, é o compromisso sinônimo de ação e engajamento. É a
ação uma exigência imprescindível do homem, que está inserido num universo que só é
humano à medida que vai personalizando-se. Conforme Severino (1974, p. 105) o “ agir para a
pessoa não será apenas exercitar-se mas igualmente sair de si mesma para dar-se consistência e
ao mundo”. É a ação a condição essencial para a própria existência humana.
Por mais
difícil que seja, é o Movimento de Personalização imprescindível à vida humana e tal
Movimento só é possível na perspectiva mounieriana se estiver alicerçada nas sete estruturas
que aqui procuramos desenvolver. Importante aqui evidenciar que Mounier expressa em sua
última obra “O Personalismo” (1964) alguns dos direitos fundamentais que são imprescindíveis
à existência pessoal. Entre esses direitos ele destaca a educação. Passemos a partir de agora a
compreender como nosso filósofo concebe esse direito e sua importância na formação da
Pessoa.
A Educação na Perspectiva Personalista de Mounier
De acordo com o exposto anteriormente, podemos perceber que o homem vai
tornando-se pessoa num contínuo e necessário Movimento de Personalização.
Segundo Mounier, a formação da pessoa deve ter início desde a infância (o despertar da
Pessoa). É em vista dessa formação, que os Personalistas atribuem grande importância às
instituições educativas.
Importante destacar que Emmanuel Mounier possuía uma visão bem específica acerca
da educação. Para ele a educação “[...] não tem por função principal o fazer cidadãos
conscientes, bons patriotas, ou pequenos facistas, pequenos comunistas, pequenos mundanos.
A sua missão é a de despertar pessoas capazes de viver e de assumirem posições como pessoas”
(Mounier, 1967, p. 133, grifo do autor).
A concepção de educação traduzida por nosso filósofo evidencia uma profunda
modificação pedagógica de escola. Mounier (1964, p. 135) destaca que a escola “[...] tem por
função ensinar a viver, e não acumular conhecimentos exactos ou processos eficientes. E é
próprio de um mundo de pessoas que a vida não se ensine mediante uma instrução impessoal
distribuída em verdades codificáveis [...]”. É nessa perspectiva, que a educação de inspiração
personalista deve ser concebida como um projeto pedagógico voltado para a formação da
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pessoa, em vista de sua libertação de todas as amarras despersonalizantes. Assim, o educando
deve ser estimulado, via mediação e testemunho do professor, a ser alguém ativo, investigador e
sujeito do processo educativo. Ao docente, compete iniciar o aluno no caminho da descoberta,
motivando-o
à
curiosidade
saudável
e
criadora,
confiando-lhe
gradualmente
responsabilidades.Buscando redimensionar o ambiente escolar em meio ao espírito personalista
de educação, é importante criar na escola um ambiente comunitário de participação e de
cooperação entre os sujeitos que dele fazem parte. Para tal, necessário faz-se que o diálogo e o
respeito mobilizem as atividades na escola.
Importante também que os docentes não tenham uma visão restrita dos alunos, visto que
esses são integralmente corpo e espírito, subjetivos e objetivos. Com essa compreensão bem
mais ampla é possível a diversificação de atividades que possibilitem o desenvolvimento
integral do educando.
A concepção de Educação evidenciada por Mounier traduz mudanças significativas na
escola, onde a passividade, o silêncio e o imobilismo passam a não ter mais vez. Educação é
comunicação. Essa comunicação é diálogo. Não há diálogo numa educação sem liberdade.
Enfatiza-se que na perspectiva mounieriana, o processo educativo está para além de
esforços que visem a instrução individual dos sujeitos, mas traduz-se num trabalho paciente de
pais, mestres e do próprio Estado de promover verdadeiramente o despertar da Pessoa,
orientando-a a saber dirigir sua vida por si própria, de modo responsável, evidenciando sua
transcendência perante outros seres. Para o Personalismo a educação deve ser a expressão da
vida.
Apresentamos a síntese da Proposta Metodológica de Trabalho para uma escola pública
em Belém no período da realização do um projeto de pesquisa desenvolvido na UFPA sobre o
ensino de Filosofia no ensino Médio. Essa Proposta foi construída tomando por base a Filosofia
Personalista de Mounier.
Proposta Metodológica de Trabalho em Sala de Aula a Luz da Filosofia Personalista de
Mounier : a Possibilidade para uma nova Educação
Buscamos construir uma Proposta Metodológica de trabalho para o empreendimento de
um novo ensino de Filosofia. Para tal, elaboramos um Plano de Curso. Situamos aqui os seus
procedimentos metodológicos, parte talvez que demonstre com
operacionalização de nossa proposta.
Procedimentos metodológicos
mais clareza a
9
Numa perspectiva Personalista há necessidade do cultivo de novos hábitos, ou melhor,
novas atitudes durante as aulas da referida disciplina. Buscando e acreditando na possibilidade
de um novo ensino de Filosofia sugerimos que nestas sejam estimuladas:
- aulas mais dinâmicas, em que os alunos participem mais ativamente;
- compreensão da importância da Filosofia tanto para alunos quanto professores;
- Trabalhos em Grupo (Seminários, questionários, dramatizações, etc...) ou outros que possam
contribuir com os educandos, especialmente os que demonstram dificuldade de expressão;
- Possibilidade de espaços de convivência onde alunos e professores possam expôr suas
dificuldades e progressão no ensino e aprendizado da Filosofia;
- Avaliações constantes da disciplina, tanto pelo professor da turma como os alunos;
- Possibilidade das aulas serem realizadas em outros espaços, havendo aqui a extrema
necessidade do professor expôr claramente os objetivos para as aulas da disciplina;
- Busca ( por mais difícil que seja ) do estabelecimento de uma relação amigável e respeitosa
entre alunos e professor e alunos-alunos; democratizar as relações em sala de aula;
- Busca de soluções coletivas para os problemas gerados em sala de aula;
- Busca da responsabilidade coletiva; verdadeiras comunidades de pessoas coletivas;
- Auto – avaliação e avaliação; reflexão (radical e rigorosa)
- Estimular a solidariedade, a cooperação e a confiançanos educandos;
Com certeza, sendo uma Proposta, ela deve ser flexível, dada as condições concretas da
realidade na qual vai ser desenvolvida. Pensamos, entretanto, que ela seja relevante e possa
contribuir de algum modo com a formação da pessoa na perspectiva mounieriana.
Considerações Finais
Mounier, ao propôr o Personalismo, evidencia uma filosofia concretamente
encarnada, direcionada para o reestabelecimento da humanidade, de um mundo mais humano.
Em vista disso, face ao seu conceito central - a Pessoa -ele começa a vislumbrar esse resgate,
com a instituição do Universo Pessoal, que em todas as dimensões da existência humana vai
influenciar. Como Pessoa, o homem começa a se vêr e a ser visto de modo completamente
diferenciado de como o percebem no mundo por demais degradante em que estamos
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envolvidos. Para o personalismo, assumir a condição de pessoa, é se comprometer, engajar-se
na luta comunitária.
Nessa perspectiva, somos seres únicos, plenos, corpo-alma, objetividade-subjetividade.
Seres de comunicação (interior e exterior) mas também de conversão íntima, projeto de nós
próprios. Além disso afrontamos, nos posicionando frente aos embates sofridos. Assumimos a
liberdade, buscada e conquistada constantemente. Somos seres de valores morais e religiosos,
que muitas vezes nos fazem sofrer. Somos seres de ação, que nos condiciona à própria
existência. A própria concepção de educação modifica-se nesse contexto, visto que sua missão
é antes de mais nada contribuir com a formação da Pessoa.
Essa condição nos possibilita almejar transformações significativas diante de tão
desalentadora situação em que vivemos.
Assim, o Personalismo empreendido por Emmanuel Mounier vem para oferecer
subsídio especial à construção de uma sociedade melhor, a fim de que livres de todas as
entranhas despersonalizantes possamos todos crescer em humanidade.
Que nós possamos repudiar todas as forças alienantes, para que de fato vivamos
plenamente como homens – pessoas.
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