A AÇÃO CATÓLICA BRASILEIRA E O PERSONALISMO: origens da abertura ao Personalismo no Brasil Henrique Klenk1 – PUCPR/ FAFIPAR Introdução Este texto tem o objetivo de abordar, por meio de uma análise interpretativa, a presença das ideias do personalismo de Emmanuel Mounier junto ao movimento da Ação Católica Brasileira na primeira metade do século XX, período em que o personalismo ganhou força no movimento católico e serviu de base teórica para a arregimentação de intelectuais católicos em programas de educação na segunda metade do século XX, como foi o caso do MEB e de outros programas de educação popular no nordeste brasileiro. No entanto, neste texto procuraremos abordar apenas a origem da abertura ao pensamento de Emmanuel Mounier no Brasil. O presente artigo é parte integrante de um estudo já concluído em nível de Mestrado em Educação. Nesta ocasião, quisemos fazer um recorte para analisar como o personalismo entra no ideário católico brasileiro e em que período ele toma corpo junto aos intelectuais católicos. Para isto, nossa análise começa mostrando a participação dos intelectuais reunidos em torno do Centro Dom Vital, órgão que tinha como objetivo disseminar a teologia católica e as ideias do catolicismo em geral, e formar quadros para a atuação de leigos na sociedade civil. Desenvolvimento De acordo com as nossas investigações, foi ainda no centro Dom Vital, sobretudo após a morte de Jackson de Figueiredo e sob a direção de Alceu Amoroso Lima, na década de 1930, que o pensamento de Mounier passou a exercer influência 1 [email protected] sobre os intelectuais brasileiros. Além dele, outros autores cristãos, como Jacques Maritain e Bernanos, influenciaram, primeiramente aqueles engajados no Centro Dom Vital2 e na revista A Ordem. Tornaram-se eles precursores da Universidade Católica do Rio, num período intitulado “reflorescimento católico”, nas palavras de Bruneau (1974). O Movimento denominado Ação Universitária Católica (AUC), vinculado ao Centro Dom Vital e precursor da JUC, na futura Ação Católica brasileira, desempenhou um papel fundamental na formação da intelectualidade católica brasileira. Do mesmo modo, foi fator predominante na floração de vocações religiosas entre os universitários. Esse fato é explicitado pelo historiador José Oscar Beozzo (1984), em seu trabalho sobre a ação dos estudantes católicos na universidade e na política. Ele revela que “em 1935-36, terminados seus estudos, alguns entram para os beneditinos, outros partem para Tolosa, na França, para os dominicanos, entre os quais Frei Romeu Dale e Frei Joffily, que, mais tarde, se envolverão nas vicissitudes da JUC”. Deste modo, há um ininterrupto movimento de ordenações entre os jovens universitários até por volta de 1941 (BEOZZO, ibid., p. 27). Neste sentido, Beozzo observa que a Igreja estava preocupada em arregimentar, entre a elite, profissionais liberais que viessem a fazer parte de seus quadros nos movimentos sociais, que iriam ser colocados em marcha pela Ação Católica. Buscava-se mudança de estratégia para exercer influência sobre a sociedade civil, como veremos mais adiante. Mas, afinal, quem eram esses intelectuais? Beozzo afirma: No primeiro grupo encontram-se: Dom Basilio Penido, O.S.B., que vinha do noviciado da Companhia de Jesus e estudava medicina. Era apelidado de “défroqué”. Jovino Irineu Joffily, da Paraíba, estudante de química industrial, um “líder formidável” que arrastou vários outros para os dominicanos; Clemente Isnard, O.S.B., estudante de direito e hoje bispo de Nova Friburgo (RJ); Sebastião Hasselman, O.P., que, com Romeu Dale, O.P., e Joffity, O.P., fez seu noviciado na França. Frei Romeu Dale, será durante doze anos (19491961) o assistente nacional da JUC; Dom Leão Almeida Matos, O.S.B., médico também ele (op., cit., p. 27). 2 O Centro Dom Vital, fundado em 1922 por Jackson de Figueiredo, tornou-se um órgão de formação de intelectuais, pois dinamizou a formação de homens e mulheres por meio do Instituto de Estudos Superiores, derivado do Centro, com o objetivo de levá-los a assumir posições de importância nos aparelhos da sociedade cívil e, também, do Estado (em especial no Ministério da Educação e Saúde Pública), a fim de auxiliarem o clero na luta pela recuperação da hegemonia. O autor ressalta ainda que havia também outros estudantes motivados vocacionalmente pela perspectiva de uma renovação intelectual esclarecida de vanguarda. Estes se encontravam imbuídos dos valores evangélicos e humanistas, o que os levava a ingressarem em ordens religiosas: Pacheco (Medicina), Accioly (Engenheiro), Timóteo (Advogado, casado e em seguida viúvo), Tito Anastácio (Médico), Lourenço (Médico), Marcos Barbosa (Advogado), Irineu (Engenheiro): todos estes últimos entraram nos Beneditinos (id., ibid., p.27). Dessa maneira, não é difícil constatar que os vocacionados da Igreja para o ministério ordenado eram pessoas pertencentes à classe média da sociedade brasileira. E assim, pouco a pouco, sob a ação desses clérigos, o conceito de “desordem estabelecida”, de Mounier, encontrará lugar nas ideias dos universitários da JUC, a partir de 1950. Os estatutos da Ação Católica de 1935 oferecem sinais da presença do Personalismo nos quadros de formação dos associados e dirigentes. O documento traz o seguinte: Para a preparação intelectual, o estudo e a cultura, que na afirmação do santo padre, “nunca será demasiada”, cursos de Ação Católica, “semanas”, “dias”, sem esquecer as conferências, discussões, leitura, revistas e, sobretudo, bibliotecas escolhidas. A cultura religiosa, principalmente nas associações de juventude, deve ser na AC a base da formação espiritual dos sócios (Estatutos da Ação Católica In: DALE, 1985, p.37)3. Este mesmo documento reafirma a operacionalização da ideia de formação das lideranças. Diz que “para formar os dirigentes, temos os tradicionais “círculos de estudos”, muito eficientes, se não se transformarem em aulas, monólogos ou conferências eruditas” (Ibid., p. 37). Observamos que a formação dos agentes da Ação Católica se dava por meio dessas formações. E elas não deixavam de lado os escritos de Mounier nas discussões, sobretudo aquelas dirigidas pelos padres chamados “progressistas”. 3 Romeu Dale publicou alguns textos oficiais da Ação Católica Brasileira, estatutos, entre outros, no livro intitulado A Ação Católica Brasileira. São Paulo: Loyola, 1985. A Ação Católica brasileira, criada por Dom Leme a pedido do papa Pio XI, em 1935, foi uma iniciativa que tinha como objetivo: congregar os leigos católicos nos projetos de atuação da Igreja Católica na sociedade civil. Inicialmente, o Modelo Italiano foi adotado nesta primeira fase do movimento. Assim, Bruneau (1974, p. 89) explica que esse modelo “era centralizado, unido e autoritário; baseando-se nas dioceses, incluía as paróquias e dividia-se em quatro grupos de acordo com a idade e o sexo”. Bruneau, ao analisar o Movimento de Educação de Base (MEB), demonstrou como se articulou a presença da Igreja Católica na sociedade civil. Essa articulação se deu, principalmente, quanto aos mecanismos que essa instituição utilizou para exercer influência na sociedade brasileira naquele processo de mudanças históricas. Tais mudanças lhe acarretaram a perda de prestígio e influência na sociedade, como já acontecera com a separação entre Igreja e Estado em 1890. Assim, a partir das reflexões da Doutrina Social da Igreja, especificamente a partir da encíclica Rerum Novarum (1891), a instituição revigora sua estratégia de ação para retomar sua posição hegemônica. Desperta seu clero de um estado de letargia frente ao avanço do Protestantismo, ao Comunismo, e de outros “ismos”, já denunciados pelo Papa Pio IX na Encíclica Quanta Cura, de 1868. É nesse período que o Personalismo de Mounier passa a ter mais presença no Brasil. Mounier, porém, já denunciara esta situação. Segundo ele, a Igreja estava a cada dia se tornando uma instituição de “velhos e pequenos burgueses” (MOUNIER 1945). Assim, afastava-se cada vez mais de uma das classes fundamentais da sociedade constituída pelos trabalhadores rurais e pelos operários. É preciso compreender que a perspectiva de retomada dos “espaços perdidos” nas diferentes camadas sociais conduz a Igreja a desenvolver uma ação constante de recuperação de sua hegemonia numa perspectiva ampla. Nos trabalhos de Ronaldo Muñoz (1979), também aparece a constatação de que a Igreja Católica estaria optando por ficar ao lado da manutenção do status quo e da ordem social burguesa. Isso demonstrava uma flagrante “opção preferencial pela classe média”. Para este autor, a Igreja estava mais preocupada em dar esmolas do que lançar programas de mudança social. Ela contava com a assistência social como forma de pacificar as classes oprimidas e recebia, por isso, total apoio do governo, financiamento, entre outros, principalmente depois da chamada revolução de 1930. Podemos comprovar a afirmação a partir de uma passagem encontrada nos estatutos da Ação Católica de 1935, referente à ação social da Igreja na época: Considerando que a “ação social”, ao visar a pacificação e a concórdia das classes, na mútua cooperação – que é fruto não só de justiça, mas de benevolência e caridade cristãs em toda sua nobre função social --, contribui muito para o bem-estar da sociedade civil; considerando os motivos sobrenaturais que, pela voz augusta do papa, nos impõe o dever de “preservar os operários das falsas doutrinas e dos perigos do socialismo e do comunismo”[...] (Estatutos da ação Católica In: DALE, op. cit., p.35-36). Como vemos, as afirmações são confirmadas a partir do que pensa a liderança da própria Ação Católica de 1935, em que a ação social é pacificadora, ou seja, mantenedora do status quo. Quanto à educação, no sentido da alfabetização, o documento traz algumas diretrizes que devem ser tomadas para a alfabetização de adultos. No entanto, elas se limitam em ações isoladas, inexistindo ainda um projeto nacional para a educação daqueles com mais idade. Isso se evidencia, porque, na época compreendida entre o final do século XIX e primeira metade do século XX, a Igreja Católica se utilizava da educação de outra maneira. Sobretudo, ela estava preocupada com a formação de uma intelligentsia de elite que a ajudaria no seu papel hegemônico junto à sociedade. Bruneau ilustra essa realidade: A educação é uma outra área em que o predomínio da preocupação com a classe média parece evidente. No Brasil a proporção de analfabetismo é de cerca de 50%. É, portanto, interessante notar que a preocupação da Igreja com a educação primária, onde o analfabetismo poderia ser combatido é muito baixa, com 2.182 escolas num total de 105.525. Por outro lado, a educação secundária está ao alcance da menor parte da população que é quase exclusivamente classe média. Nessa faixa a Igreja já tem entre um terço e metade do número total de escolas. A educação universitária é reservada para as elites. Aqui a Igreja opera com cerca de um terço de todas as universidades e faculdades e produz 42% dos bacharéis (1974, p.93-94). O autor ainda explica que a Igreja, por mais que estivesse trabalhando em algumas áreas de classes mais baixas, por intermédio de seus padres, sua predileção era a influência junto à classe média. Em outro estudo que fizemos 4, constatamos que essa 4 Monografia intitulada Política educacional católica no Brasil, de 1952 a 1986, à luz dos documentos da Igreja e de fontes historiográficas, apresentada como requisito para a obtenção do titulo de licenciado em Pedagogia - PUCPR 2009. influência junto à classe média (conceito de Bruneau) serviria para congregar os intelectuais dessa classe. Isso acontecia já em meados do século XX, nos trabalhos junto às classes populares, na retomada da hegemonia perdida, tal como apresentou Bruneau (1974). No que se refere a uma das finalidades mais importantes da Ação Católica, é indiscutível seu caráter de ampliação da assistência social prestada pela Igreja. Para Bruneau, a instituição preocupou-se em atingir as minorias da sociedade por meio de obras de caridade. Neste sentido, houve a chegada de muitas ordens religiosas na primeira metade do século XX, que prestavam este serviço de caridade em nome da Igreja. O autor argumenta que a Igreja Católica possuía mais da metade dos cursos de serviço social nas universidades e faculdades, fato que legitima a função assistencialista da instituição. Ela não estava somente preocupada com a “caridade”, mas também, com a educação. Neste sentido, a partir da última década do século XIX, inúmeras ordens religiosas educadoras foram trazidas para o Brasil. Seguia-se tanto o que dispunha o Concílio Vaticano I (1869), quanto a necessidade sentida pela Igreja Católica no Brasil de fazer frente ao avanço da educação protestante. Esta centrava a sua ação educativa sobre a classe média e superior da sociedade brasileira, em particular sobre as filhas da elite, como sugere Mesquida (1994). O documento, isto é, o Estatuto da Ação Católica, aponta para uma preocupação com os operários, não, sobretudo, por sua condição social, mas principalmente por sua situação vulnerável face ao ideário comunista. Para isso, a Igreja, por meio da Ação Católica, tenta congregar os operários nos chamados Círculos Operários organizados nas paróquias e que serviriam como centros de formação ideológicos da Igreja. Com este sentido, o primeiro Congresso Nacional da Ação Católica (1946) esclarece as funções desses círculos. O documento, que traz suas conclusões e moções, revela o seguinte: Mostrem-se aos trabalhadores as suas responsabilidades e os seus deveres. Sejam eles levados, por convicção, a satisfazer essas obrigações, para que isso seja um argumento poderoso nas reivindicações de seus direitos. Sejam lembrados ao operariado cristão a necessidade, a urgência e o dever de entrarem nos seus sindicatos de classe e, aí, atuarem como portadores de sua formação social cristã (Primeiro Congresso Nacional: conclusões e Moções1946-In: DALE, 1985, p. 79). Portanto, os Círculos Operários procuravam “instruir” os proletários a respeito dos seus direitos. Isso acontecia no momento em que o governo Vargas importava da Itália, sob inspiração da Carta del Lavoro5, principalmente a CLT- Consolidação das Leis do Trabalho. Além dela, surgiram alguns canais de veiculação das reivindicações dos trabalhadores, bem como a organização dos sindicatos. Outro aspecto que merece análise, encontrado no documento do primeiro congresso da Ação Católica é a questão da concepção materialista histórica de luta de classes. Era considerada pela hierarquia católica como algo “abominável aos olhos de Deus, porque divide os homens, sob o signo do ódio, da violência e da morte” (id., Ibid., p.80). Isto significa que, para a Ação Católica e sua cúpula dirigente, constituída por clérigos e leigos umbilicalmente ligados ao processo de romanização da Igreja, a luta de classes era criação dos comunistas e, portanto, naturalmente inexistente. Ela só existiria se os operários se vissem como classe antagônica aos proprietários dos meios de produção. A instituição eclesiástica, por meio da Ação Católica, oferece, de acordo com o documento, uma solução um tanto romântica e idealista para apresentar o que seria o ideal cristão a ser alcançado. A solução não era vinculada à luta de classes. Afirmava-se o seguinte: O grande ideal cristão é que se chegue, pelo feliz encontro de soluções, harmoniosas, a uma transformação social, em que as riquezas se espalhem em justo equilíbrio por todos os homens que trabalham. Em vez de supressão total da propriedade privada, apontamos outra modalidade mais humana, garantidora da liberdade e da independência: “Mais propriedades, propriedades para todos”. Para se chegar a isto, cristãmente, é preciso que os homens, dirigidos e dirigentes, empregados e empregadores, se tratem dentro do critério de respeito, dignidade, justiça e fraternidade (Primeiro Congresso Nacional: conclusões e Moções-1946- In: DALE, op. cit.,p. 80). O documento segue fazendo um apelo aos ricos para se juntarem à Ação Católica no sentido de apoiarem “materialmente” esta empresa. Pedia-se “que eles apliquem, como norma constante, o que lhes é apontado na Doutrina Social da Igreja” (ibid.). Na realidade, Mounier já havia feito a denúncia e a crítica da posição da Igreja com relação à luta de classes, afirmando que a luta de classe é necessária ao progresso social. Do mesmo modo, alertava que a violência, no sentido da mudança, se faz 5 Documento aprovado pelo regime Fascista cujos princípios foram incorporados às leis trabalhistas italianas. necessária, a fim de combater a posição passiva, geradora de violência, presente no homem (MOUNIER, 1970). Assim, é impossível negar a condição de “afrontamento e ruptura” que se apresenta para o homem trabalhador em tais situações. No entanto, essas categorias que Mounier apresentou ainda não haviam se tornado uma consciência social neste momento, no Brasil. É, sobretudo, a partir dos anos de 1950, que essas ideias se intensificariam no seio da Ação Católica. No que se refere ao papel dos intelectuais e universitários católicos, o documento conclusivo do congresso não traz a palavra revolução para expor a necessidade da mudança social. Mounier, porém, recomendava essa palavra na sua obra, quando fala sobre uma revolução personalista e comunitária na batalha de “renovação social cristã” (MOUNIER, 2003). Para ele, um papel de capital importância cabe aos intelectuais e aos universitários cristãos católicos. O texto do primeiro congresso nacional da AC que estamos analisando, seguindo o pensamento de Mounier, apresenta o seguinte. Cabia à hierarquia exortar os intelectuais no sentido de realizar uma “[...] articulação da mocidade estudantil para a ‘reforma social’, com os nossos veementes aplausos” 6. Para Mounier, a presença dos intelectuais no processo da “revolução necessária” seria de fundamental importância. Eles deveriam, porém, ter abandonado o espírito burguês, no sentido da elitização da cultura, e estarem dispostos à cooptar novas elites oriundas das culturas populares (Mounier, 1970). No entanto, em se tratando da realidade da Igreja Católica, na época, este ideal ainda estava germinando e só teria maior visibilidade em meados da década de 1950. Vimos, até aqui, que a tentativa de mudança de tática da Igreja para exercer influência na sociedade civil ainda é bastante fraca. Isto porque a estratégia até então utilizada estava vinculada à arregimentação dos intelectuais e em manter a ordem social estabelecida pela classe média. Nota-se que é, sobretudo a partir dos anos de 1950, que a estratégia de influência da Igreja, por meio do lócus social toma mais corpo. É nesse período que a Ação 6 (Primeiro Congresso Nacional: conclusões e Moções-1946- In: DALE, op. cit., p. 80) Católica sofre mudanças estruturais ao adotar o sistema francês 7 (BRUNEAU, 1974). Além disso, como o Centro Dom Vital havia estimulado as vocações religiosas, sobretudo nas ordens mais progressistas, os beneditinos e os dominicanos. Esses religiosos, quando começaram a retornar ao Brasil após sua formação na Europa, passaram a constituir um elemento de grande importância para a disseminação do Personalismo no Brasil, sobretudo na JUC. Na declaração dos arcebispos e bispos que participaram da semana nacional da Ação Católica de 1957, encontramos a preocupação dos prelados no que concerne ao campo econômico-social. No entanto, percebemos certo distanciamento da hierarquia nessas questões, no que diz respeito à sua participação, o que caracteriza um dos fatores que desencadeará, mais tarde, uma crise entre a JUC e a hierarquia católica. Neste sentido, os bispos se pronunciam da seguinte forma: [...] evitar e fazer evitar as aparências de compromisso da Igreja com as estruturas capitalistas; evitar, diante do comunismo, uma atitude negativa, de simples anticomunismo, sem combater também, o materialismo capitalista que trouxe a revolta e portanto o comunismo; conhecer e levar a conhecer o movimento operário e o problema operário em sua realidade total para não sermos incapazes de falar uma linguagem acessível aos trabalhadores; evitar e fazer evitar nas relações com os movimentos operários a atitude paternalista de quem simpatiza com os trabalhadores, mas os considera incapazes de liderar a promoção da própria classe; evitar, na medida do possível, em país onde a escassez de clero é alarmante, que os padres se engolfem na Ação Social, com prejuízo de atividades especificamente sacerdotais. O campo é próprio dos leigos. [...], normalmente lhe deveria caber apenas função supervisora (Declaração dos Arcebispos e Bispos participantes da Semana Nacional da Ação Católica In: DALE, op. Cit., p. 122). Não cabe aqui fazer uma interpretação crítica do período. No entanto, este fato deixa transparecer aquilo que já foi comentado, quando deixamos claro que um dos motivos do distanciamento da participação do clero nos trabalhos sociais seria o interesse da Igreja em legitimar a reprodução da ordem social. Assim, sua posição é ambígua, pois, de um lado, ela ficava sensibilizada com os problemas sociais e, de outro, vinculada à reprodução social e à manutenção do status quo. Mas, na década de 1950, o conceito mounieriano de “desordem estabelecida” é incorporado pelo movimento estudantil católico e uma nova estratégia de influência 7 Este sistema consistia na organização de movimentos de ação especializada entre os universitários, o meio rural, operário. Além disto, a influência direta da diocese era menor, o movimento era mais autônomo que no modelo anterior. sobre a sociedade civil começa a ganhar maior visibilidade. Por isso, Bruneau (1974) assevera que a direção da Ação Católica, sobretudo de seus movimentos estudantis JEC e JUC, ficou na mão de um grupo de religiosos progressistas que, em sua maioria, haviam sido formados na Europa. Com eles, os jovens teriam tomado consciência dos problemas sociais e despertado para a necessidade de mudanças radicais nas estruturas, da mesma forma, asseverou Mounier, em seu tempo, sobre a necessidade da “prise de conscience” entre os jovens. Segundo Bruneau, o grupo de padres progressistas era formado basicamente por “Pe. Henrique Vaz, Pe. Luis Sena, Pe. Almery Bezerra, Frei Carlos Josaphat, Frei Mateus Rocha, e o francês Frei Thomas Cardonnel; eram eles os padres mais ativos e mais avançados daquela época no Brasil” (BRUNEAU, op. cit., p.181). O autor continua sua explicação: Por meio deles, o movimento tomou contato com as linhas avançadas da teologia europeia, principalmente francesa, associada aos nomes de Lebret, Mounier, Chenu, Lubac, etc. Frei Thomas Cardonnel, por exemplo, era um discípulo de Mounier e ajudou a introduzir o conceito de “desordem estabelecida”, no Brasil [...] (BRUNEAU, 1974, p.181). Nesse sentido, por meio desses intelectuais, a JUC terá em seus quadros uma forte influência do Existencialismo Cristão e do Personalismo de Mounier. Isso vai ao encontro do momento histórico nacional da década de cinquenta, o Populismo e o Nacionalismo Desenvolvimentista. As ideias personalistas tinham uma forte influência na chamada ideologia do desenvolvimento e na formação intelectual dos membros da JUC que posteriormente irão se filiar à Ação Popular. Considerações finais Ao apresentar este texto tivemos como objetivo principal mostrar ao leitor a forma como o Personalismo de Emmanuel Mounier penetrou no ideário católico brasileiro por meio dos intelectuais da Igreja congregados no Centro Dom Vital, e nas frentes de trabalho da recém-criada Ação Católica Brasileira, instituição criada por Dom Leme. Vimos que o fato de vários religiosos terem ido fazer seus estudos na Europa foi de fundamental importância para a apropriação das ideias do Personalismo, ideias que em Mounier começam a florescer e se disseminar, sobretudo, após a crise de 1929. Até aqui o texto mostrou que a luta pela arregimentação dos católicos passou pelos princípios da filosofia de Mounier, princípios que ganhariam corpo no Brasil mais fortemente depois de 1950 ganhando maior espaço entre os membros da JUC-Juventude Universitária Católica, por exemplo. REFERÊNCIAS BEOZZO, José Oscar. Cristãos na universidade e na política: história da JUC e da AP. 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