Os preços administrados comprometem crescimento

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Segunda-feira, 05/09/2005
Opinião
Pág. A 10
Preços livres têm de ser mantidos muito reprimidos para garantir meta inflacionária
Os preços administrados comprometem crescimento
Por André de Melo Modenesi
Desde a adoção do regime de metas de
inflação em 1999, a política monetária tem sido
extremamente restritiva: a taxa de juros Selic
foi mantida em patamar muito elevado,
principalmente se comparada com as taxas
internacionais de juros. Durante esse período,
a taxa Selic real (deflacionada pelo IPCA)
média foi superior a 12% ao ano, alcançando o
pico de 30% ao ano em junho de 2003.
Apesar dessa inequívoca austeridade
monetária, o Banco Central do Brasil (BCB) foi
incapaz de alcançar as metas de inflação por
três vezes seguidas (em 2001, 2002 e 2003)
durante os cinco primeiros anos de adoção do
regime. Há um motivo fundamental para
explicar o fracasso do BCB no cumprimento
das metas: a alta participação dos preços
administrados (ou controlados pelo governo) no
IPCA, cerca de 30%.
Os principais preços determinados no âmbito
das administrações municipal e estadual
compreendem: gás encanado, imposto predial
e territorial urbano (IPTU), taxas de emplacamento e licenciamento de veículos, taxa de água e
esgoto, transporte público (tarifas de ônibus urbanos e intermunicipais, metrô e táxi). Por sua
vez, os preços determinados no âmbito federal vão desde os derivados de petróleo - incluindo
gasolina, óleo combustível para veículos e gás de botijão -, álcool combustível, tarifas de
energia elétrica de consumo residencial, tarifas de telefonia e correios, transporte público
(incluindo passagens de avião e de ônibus interestaduais), até planos e seguros de saúde.
A definição do BCB para este tipo de preço é bastante clara: os preços administrados, são
aqueles que "de alguma forma são determinados ou influenciados por um órgão público;
variam independentemente das condições vigentes de oferta e demanda" (BCB, Relatório
Anual, 1999, pág. 102).
Conhecer a lógica do funcionamento do mecanismo de transmissão da política monetária ajuda
a entender o porquê da reduzida eficácia da taxa de juros no controle de processos
inflacionários em economias com elevada participação de preços administrados, como a
brasileira.
Uma elevação da taxa de juros, ao desestimular o investimento privado e o consumo
(sobretudo de bens duráveis), determina uma contração da demanda agregada que, por sua
vez, reduz o nível geral de preços. Na medida em que os preços administrados não são
determinados pela interação da oferta agregada e da demanda, eles se tornam insensíveis à
taxa de juros. Por isso, estão completamente fora do controle do BCB. Ou seja, parcela
significativa do IPCA não é afetada pela taxa de juros, o que reduz a eficácia da política
monetária no combate inflacionário.
Preços determinados pelo governo são responsáveis
por mais da metade da inflação verificada no Brasil
nos últimos anos
Enfim, o elevado peso dos preços administrados na composição do IPCA reduz
substancialmente a eficácia do único instrumento de política econômica para combater a
inflação atualmente utilizado pelo país: a taxa de juros. A existência de preços administrados,
reduzindo a eficácia da política monetária, torna-se mais grave quando se verifica o
crescimento acelerado dos preços administrados.
O fato de 30% do IPCA estar fora do controle do BCB, em si, já compromete seriamente a
eficácia da política monetária no combate inflacionário, o que é agravado pelo fato de os
preços administrados apresentarem uma taxa de crescimento significativamente superior à
taxa de expansão dos demais componentes do IPCA ou dos chamados preços livres.
De fato, entre os anos de 1995 e 2003, a inflação acumulada devida aos preços administrados
alcançou 263%, enquanto que a taxa de variação acumulada do IPCA não passou de 119%.
Por sua vez, nos cinco primeiros anos de adoção do regime de metas de inflação, os preços
administrados cresceram 93%, o que corresponde a uma inflação cerca de 80% superior à
inflação medida pelo IPCA, acumulada em 53%.
Ou seja, o elevado peso dos preços administrados na composição do IPCA, aliado ao fato de
que estes preços se elevaram sistematicamente acima dos preços livres, fez com que os
preços determinados pelo governo fossem responsáveis por mais da metade da inflação
verificada no Brasil nos últimos anos. Em particular, no período compreendido entre os anos de
1999 e 2002, a inflação administrada explicou cerca de 52% da variação do IPCA conforme
estudo do BCB (Figueiredo e Ferreira, Trabalhos para Discussão, nº 59, BCB, 2002).
Assim, um conjunto minoritário de preços (cerca de 30% do total) foi responsável por mais da
metade da inflação, enquanto que a grande maioria dos preços (em torno de 70%) foi
responsável por pouco menos da metade da taxa de variação do IPCA.
Este fato é extremamente preocupante, pois significa que a elevação sistemática de um
reduzido conjunto de preços faz com que os preços livres tenham de ser mantidos
excessivamente reprimidos - pela adoção de política monetária demasiadamente restritiva para que a média da variação dos dois grupos de preços (isto é, o IPCA) permaneça em níveis
compatíveis com as metas de inflação. Isto amplia o custo do combate inflacionário,
materializado na redução da taxa de crescimento econômico e na elevação do desemprego.
Prova disso é o desempenho medíocre apresentado pela economia brasileira: a taxa média de
crescimento do PIB entre os anos de 1999 e 2003 foi de apenas 1,7% ao ano.
André de Melo Modenesi é professor do IBMEC, autor de "Regimes monetários: teoria e
a experiência do real" (Manole, 2005).
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