"Bibliografia Emmanuel Kant".

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Emmanuel Kant
Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, em geral considerado o
pensador mais influente dos tempos modernos, nasceu em Kõnigsberg, atual
Kaliningrado, em 22 de abril de 1724. Não casou nem teve filhos, falecendo em
1804 aos 80 anos.
Kaliningrado situa-se onde foi a Prússia Oriental, um território no litoral sul do
Báltico, parte da Rússia desde 1946.
Kant era filho de um artesão que trabalhava couro e fabricava selas. Sua mãe,
de origem alemã, embora não tivesse estudo, foi mulher admirada pelo seu
caráter e pela sua inteligência natural. Ambos seus pais eram do ramo pietista da
Igreja Luterana, uma subdenominação que requeria dos fieis vida simples e
integral obediência à lei moral.
A influência de seu pastor permitiu a Kant, o 4o. de 11 crianças, porém o mais
velho sobrevivente, entrar na escola pietista onde estudou por oito anos e meio
principalmente os clássicos latinos. Kant confessou a sua preferência de então
pelo naturista Lucrécio, e talvez o tenha impressionado o livro IV do poema De
rerum natura, onde Lucrécio descreve a mecânica dos sentidos e do pensamento.
Em 1740, aos dezesseis anos, Kant entrou para a universidade de Kõnigsberg
onde estudou até aos 21 anos. Apesar de ter assistido a cursos de teologia e até
pregado alguns sermões, ele foi atraído mais pela matemática e a física.
Ajudado por um jovem professor, Martin Knutzen, que havia estudado com
Chnstian Wolff, um sistematizador da filosofia racionalista, e que também era um
entusiasta da ciência de Sir Isaac Newton, Kant começou a ler os trabalhos deste
físico inglês e, em 1744, começou seu primeiro livro, o qual tratava de um
problema relativo a forças cinéticas: “Idéias sobre a Maneira Verdadeira de
Calcular as Forças Vivas”.
Aos 21 anos, - apesar de que a esta altura ele tivesse decidido a seguir uma
carreira acadêmica, com a morte de seu pai em 1746 e o seu fracasso em obter o
posto de sub-tutor em uma das escolas ligadas à universidade, Kant se viu
obrigado a desistir temporariamente de seu projeto e a buscar meios imediatos de
se manter. Foi compelido a suspender os estudos universitários e ganhar a vida
como tutor particular. Durante nove anos manteve essa ocupação, atividade em
que foi bem sucedido e que lhe permitiu conviver com a sociedade mais influente
e refinada de seu tempo. Serviu a três famílias diferentes, tendo nesse período
viajado à cidade próxima de Arnsdorf, em 1755 ele retornou a Kõnigsberg e lá
passou o restante de sua vida.
Em 1755, ajudado pela bondade de um amigo, Kant pode completar seus
estudos na universidade. Obteve seu doutorado e assumiu a posição de livre
docente (Privatdozent, professor sem salário). Três dissertações que ele
apresentou na habilitação a esse posto indicam o interesse e rumo de seu
pensamento nessa época. Em uma, “Sobre o fogo”, ele argumenta, muito ao
jeito aristotélico, que os cornos agem uns sobre os outros através de uma matéria
sutil e elástica uniformemente difusa que é a substância básica de ambos calor e
luz.
A seguir, por 15 anos, ele ensinou na universidade, primeiro dando aulas de
ciência e matemática, mas gradualmente ampliando seu campo de interesse a
quase todos os ramos da filosofia. A Física newtoniana o impressionou, não
apenas pelas suas implicações filosóficas quanto pelo seu conteúdo científico.
Impressionou-o igualmente as asserções leibmzianas, as quais criticaria no
futuro.
A fama de Kant como professor e escritor aumentou constantemente durante
seus 15 anos como livre-docente. Cedo ele já lecionava sobre muitos assuntos
além de física e matemática, incluindo lógica, metafísica, e filosofia moral. Até
mesmo ensinou sobre fogos de artifício e fortificações e cada verão, por 30 anos,
deu um curso popular sobre geografia física. Ele gozou grande sucesso como
professor: seu estilo, que diferia grandemente daquele de seus livros, era
humorístico e vivo, vivificados por muitos exemplos de suas leituras em literatura
inglesa e francesa, viagem e geografia, ciência e filosofia.
Apesar de que as aulas e os trabalhos escritos nesses 15 anos como
livre-docente estabeleceram sua reputação como um filósofo original, ele não
recebeu uma cadeira na universidade até 1770, quando foi feito professor de
lógica e metafísica, uma posição que manteve até 1797, continuando nesses 27
anos a atrair grande número de estudantes para Kõnigsberg.
O ensino não ortodoxo de religião de Kant, que era baseado no racionalismo
mais que na revelação, o colocaram em conflito com o governo da Prússia, e em
1792 ele foi proibido pelo rei Frederico Guilherme II de ensinar ou escrever sobre
temas religiosos. Kant obedeceu essa ordem por cinco anos, até a morte do Rei e
então sentiu-se liberado dessa proibição. Em 1798, o ano que se seguiu a sua
aposentadoria da universidade, ele publicou um resumo de seus pontos de vista
religiosos.
Apesar de que ele falhou duas vezes em obter uma cátedra em Kõnigsberg,
Kant recusou aceitar ofertas que o teriam levado para fora, inclusive o
professorado de literatura em Berlim, que lhe teria dado grande prestígio. Ele
preferiu a paz de sua cidade natal para trabalhar e desenvolver sua própria
filosofia. Sua filosofia critica brevemente estava sendo ensinada em cada
universidade de língua alemã importante, e os jovens afluíam a Kõnigsberg como
à Meca da Filosofia. Em alguns casos o governo prussiano até pagava- lhes as
despesas. Kant passou a ser consultado como um oráculo em todo tipo de
questão, inclusive em assuntos como a legalidade da vacinação.
As muitas homenagens não interromperam os hábitos regulares de Kant, que
seguiu sempre sua rotina de trabalho e investigação filosófica sobre a vasta gama
de tópicos que se pode ver da lista de seus trabalhos. Com pouco mais de 1,50 m
de altura, com o peito deformado e sofrendo de saúde precária, Kant manteve
através da sua vida um severo regime. Era um sistema cumprido com tal
regularidade que as pessoas diziam poder acertar os relógios de acordo com sua
caminhada diária ao longo da rua que depois recebeu o nome, em sua
homenagem, de “Caminhada do Filósofo”.
Kant levantava-se às 5 horas da manhã, fosse inverno ou verão, deitava-se
todas as noites às dez horas e seguia o mesmo itinerário para ir de sua casa à
Universidade. Duas circunstâncias fizeram-no perder a hora: a publicação do
Contrato Social de Rosseau, em 1762, e a notícia da vitória francesa em Valmy,
em 1792. Segundo Fichte, Kant foi “a razão pura encarnada”.
Após um declínio gradual que foi muito doloroso para seus amigos tanto
quanto para ele próprio, Kant morreu em Kõnigsberg em 12 de fevereiro de 1804.
Suas últimas palavras foram “isto é bom”.
O Rigorismo de Kant
(Fundamento da Metafísica dos Costumes)
Conservar a própria vida é um dever e, além disso, é uma coisa para a qual
todos possuem uma inclinação imediata. Ora, é por isso que a solicitude,
freqüentemente inquieta, com que a maior parte dos homens se dedica a isso, não
é menos desprovida de todo valor intrínseco e é por isso que sua máxima não
possui nenhum valor moral. E certo que eles conservam sua vida de acordo com o
dever, mas não por dever. Em compensação, quando contrariedades ou uma
aflição sem esperança tenha roubado de um homem todo gosto de viver e se o
infeliz, com ânimo forte, fica muito mais indignado com sua sorte do que
desencorajado ou abatido, se deseja a morte e, no entanto, conserva a vida sem
amá-la, não por inclinação ou temor, mas por dever, então sua máxima possui um
valor moral.
Ser bom, quando se pode, é um dever e, ademais, existem certas almas tão
capacitadas para a simpatia que, mesmo sem qualquer motivo de vaidade ou de
interesse, elas experimentam uma satisfação íntima em irradiar alegria em torno
de si e vivem o contentamento de outrem, na medida em que ele é obra sua. Mas
eu acho que no caso de uma ação desse tipo, por mais de acordo com o dever e
mais amável que seja, não possui porém verdadeiro valor moral, já que ela se
coloca no mesmo plano de outras inclinações, a ambição, por exemplo, que,
quando coincide com o que realmente está de acordo com o interesse público e o
dever, com o que, por conseguinte, é honorável, merece louvor e encorajamento,
mas não respeito, pois falta a essa máxima o valor moral, isto é, o fato de que
essas ações sejam feitas não por inclinação, mas por dever.
Suponha-se então que a alma daquele filantropo esteja ensombrada por um
desses desgostos pessoais que sufocam toda simpatia pela sorte de outrem e que
ele sempre ainda tenha o poder de fazer bem a outros infelizes, mas que não seja
tocado pelo infortúnio dos outros, por estar demasiado absorvido pelo seu
próprio, e que nessas condições em que nenhuma inclinação não mais o leve a
isso, ele porém se arranque dessa insensibilidade mortal e aja, livre da influência
de qualquer inclinação, unicamente por dever; então, só então sua ação terá
verdadeiro valor moral. E digo mais: se a natureza tivesse colocado no coração
deste ou daquele um pouco de simpatia, se aquele homem (honesto de resto)
fosse frio por temperamento e indiferente aos sofrimentos de outrem,
talvez porque, tendo para com seus próprios sofrimentos um dom especial de
resistência e de paciente energia, ele suponha que também nos outros, ou deles
exija as mesmas qualidades; se a natureza não tivesse formado esse homem
particularmente o que na verdade não seria sua obra pior) para fazer dele um
filantropo, não encontraria ele, então, em si próprio o meio de se dar um valor
muito superior ao que possa ter um temperamento naturalmente bondoso?
Certamente! E á aqui precisamente que surge o valor do caráter, valor moral e
incomparavelmente o mais elevado, que provém daquele que faz o bem não por
inclinação, mas por dever.
Assegurar a própria felicidade é um dever (indireto, ao menos); pois, o fato de
não estar contente com a própria situação, com o viver pressionado por inúmeros
cuidados em meio de necessidades não satisfeitas, poderia facilmente tornar-se
uma grande tentação de violar seus deveres. Mas, aqui ainda, sem pensar no
dever, todos os homens já têm, por eles próprios, a inclinação para a felicidade
mais duradoura e mais íntima, pois, precisamente nessa idéia de felicidade, as
inclinações se unificam numa totalidade.
Ocorre apenas que o preceito que ordena o tornar-se feliz muitas vezes
assume tal caráter, que traz grande prejuízo a algumas inclinações, e, contudo, o
homem não pode fazer um conceito definido e certo dessa soma de satisfações a
ser dada a todas a que chama de felicidade; desse modo, não há por que se
surpreender que uma inclinação única, determinada quanto ao que promete e
quanto à época em que pode ser satisfeita, possa levar vantagem sobre uma idéia
flutuante, que, por exemplo, uma pessoa que sofre de gota possa gostar mais de
saborear o que é de seu gosto e sofra em seguida, pois, segundo seu cálculo, ao
menos nessa circunstância ela não se privou, por causa da talvez enganosa
esperança de uma felicidade a ser encontrada na saúde, do gozo do momento
presente. Mas, nesse caso igualmente, se ascendência universal não determinasse
sua vontade, se a saúde, para ela ao menos, não fosse coisa tão importante de
fazer entrar em seus cálculos, o que restaria ainda aqui, como em todos os outros
casos, seria uma lei, uma lei que ordena trabalhar para a própria felicidade não
por inclinação, mas por dever, e é por isto somente que sua conduta possui um
verdadeiro valor moral.
Assim, devem ser certa e igualmente compreendidas as passagens da Escritura
em que é ordenado amar ao próximo, ainda que inimigo. Pois, o amor como
inclinação não pode ser ordenado; mas fazer o bem precisamente por dever, na
medida em que não há inclinação que nos conduza a isso, e mesmo que uma
aversão natural e invencível a isto se oponha, eis aí um amor prático e não
patológico, que reside na vontade e não na tendência da sensibilidade, em
princípios da ação e não numa compaixão debilitante; ora, esse amor é o único
que pode ser ordenado.
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