82. MENEZES BASTOS, Rafael José de. Uma Antropologia em

Propaganda
82
Uma Antropologia em Perspectiva: 20 Anos do Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de
Santa Catarina
Rafael José de Menezes Bastos
2005
2
Antropologia em Primeira Mão é uma revista seriada editada pelo Programa de PósGraduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Visa à publicação de artigos, ensaios, notas de pesquisa e resenhas, inéditos ou não, de
autoria preferencialmente dos professores e estudantes de pós-graduação do PPGAS.
Universidade Federal de Santa Catarina
Reitor: Lúcio José Botelho. Diretor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas: Maria Juracy
Toneli. Chefe do Departamento de Antropologia: Alicia N. González de Castells. Coordenador
do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social: Sonia Weidner Maluf. SubCoordenador: Oscar Calavia Sáez.
Editor responsável
Rafael José de Menezes Bastos
ISSN 1677-7174
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www.antropologia.ufsc.br
Catalogação na Publicação Daurecy Camilo CRB-14/416
Antropologia em primeira mão / Programa de Pós Graduação em
Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina. —,
n.1 (1995).— Florianópolis : UFSC / Programa de Pós
Graduação em Antropologia Social, 1995 v. ; 22cm
Irregular
ISSN 1677-7174
1. Antropologia – Periódicos. I. Universidade Federal de Santa
Catarina. Programa de Pós Graduação em Antropologia Social.
4
Uma Antropologia em Perspectiva: 20 Anos do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina1
Rafael José de Menezes Bastos2
Ao organizar minhas notas para esta palestra, examinei alguns dos rumos que ela
poderia tomar, bem diferentes entre si. Imaginei de começo que ela poderia ser uma
incursão à etnografia das ciências. Perguntei-me então: como usar os pesquisadores do
Programa - entre os quais eu mesmo - como informantes? Recordei-me, em seguida, do
que dizem Latour e Woolgar em A Vida em Laboratório (Latour e Woolgar 1997): que
os pesquisadores são "com certeza informantes privilegiados", mas que a etnografia das
ciências deve proceder "sem usar o que eles dizem para explicar o que fazem" (p. 25,
ênfases minhas). Este procedimento – "não usar o discurso dos cientistas para explicar o
que fazem" – consistiria numa "regra de higiene" (p. 28) da etnografia das ciências
segundo esses autores. Perguntei-me a seguir: higiene em relação a que tipo de
impureza, sujeira, desordem? Na mesma p. 28, dizem-nos eles: "Se perguntarmos a um
pesquisador o que ele faz, quem nos responde? Na maior parte das vezes é a
epistemologia, é a filosofia da ciência que sopra as respostas". Quer dizer, assim, que a
epistemologia e a filosofia da ciência seriam como que micróbios, transmissores de uma
espécie de doença à sadia explanação da prática dos cientistas por eles mesmos?
Logo após, disse a mim mesmo: bom, mas tudo isto não pode ser aplicável à
antropologia, a ciência interpretativa de Geertz, de acordo com quem a disciplina não é
uma ciência em busca de leis (isto, apesar de tanto impacto legislativo que ela tem tido
desde que existe). Desta maneira, o Programa não terá nada a ver com laboratórios
(embora tenha um Laboratório de Antropologia...).
Em meio a essas reflexões, considerei, enfim, que a relação entre aquilo que se
diz e aquilo que se faz constitui um dos problemas clássicos da antropologia – para ficar
aí, pois também da filosofia e das ciências humanas em geral. Esta distinção encontra
formulações muito distintas na história da disciplina, a depender de cada autor, filiação
teórica de cada, etc. Recordei-me, então, da diferença que Lévi-Strauss faz entre normas
1
Comunicação apresentada ao simpósio "20 Anos: Uma Antropologia em Perspectiva", coordenado pela
Profa. Sônia W. Maluf, parte da programação do colóquio, “Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social/UFSC: 20 Anos de História”, realizado em comemoração aos 20 anos do
PPGAS/UFSC, em 8-9/09/05. Procurei manter nesta versão o caráter de oralidade da apresentação
original.
2
Do Departamento de Antropologia da UFSC. E-mail: [email protected].
5
e regras, as primeiras estando para ele no plano do dito, as segundas, não, pois
inconscientes, sendo tarefa do etnógrafo explicitá-las.
Um segundo rumo para minha palestra seria começar a alinhavar uma história do
PPGAS. Afinal, estou aqui desde 1984, tendo assim alguma antiguidade na aldeia. Mas
– pensei eu – que tipo de história? Poderia eu contribuir para uma petite histoire do
Programa, com lugar, por exemplo, para confissões? Lembrei-me, então, de um
comentário – com o qual amplamente estou de acordo - que sempre me impressionou,
de meu colega, o Prof. Hector Leys, do Departamento de Sociologia Política. Segundo
Hector, as melhores festas do CFH, tempos atrás, eram as da Antropologia.
Impressionantes, animadíssimas eram as nossas festas, segundo ele. Hoje – continua o
comentário de Hector -, nós antropólogos estaríamos em franca decadência quanto a
festas. Perguntei-me, então: “Por que não fazemos mais festas, ou, quando hoje as
fazemos, elas não parecem ter o mesmo sabor das de outrora? De quando data este
outrora? Éramos felizes e não sabíamos”? Recordei-me, também neste momento, de
uma arguta reflexão de outro colega, o Prof. Alberto Groisman, de que uma parte
significativa de nossos problemas atuais era ligada à nossa prosperidade. Estaríamos,
então, pagando o preço de nosso, por assim dizer, “aburguesamento”?
Tendo levado em conta pelo menos esses dois grandes rumos que minha palestra
poderia seguir, preferi, entretanto, abandona-los, resolvendo aqui fazer, simplesmente,
uns poucos apontamentos que, recordando às vezes o tipo de texto que escrevemos
quando do famigerado Datacapes (Pasta: Proposta do Programa), possa eventualmente
contribuir para, de um lado, celebrar nossos 20 anos, e, de outro, considerá-los. Disse
“considerá-los”, isto é, aproximadamente, do latim considerare: "examinar com cuidado
e respeito religioso os astros, segundo os princípios da astrologia" (do Houaiss3).
Eventualmente, alguma antropologia, pequena história, confissão mesmo poderá
resultar de meu esforço. Recentemente, como coordenador do Programa, investi uma
grande energia em preparar o célebre Coleta e, assim, minha escolha é muito
conveniente para mim4. Vale dizer que, ao fazer isso, procurei evitar ao máximo o tipo
3
Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 1.0, dezembro de 2001 (copyright do
Instituto Antônio Houaiss). Produzido e distribuído pela Editora Objetiva Ltda.
4
Muito obrigado a Márnio Teixeira Pinto, então vice-coordenador do PPGAS, pela colaboração
inestimável na elaboração do referido Datacapes. Sou grato também a Sônia Weidner Maluf, pela ajuda
6
de escrita hagiográfica, elogiosa. Relendo, depois, o texto, creio que não obtive livrarme por completo disto. Vamos ver.
Gostaria de começar a falar sobre o Datacapes, dizendo – curto e grosso - que
ele, como tarefa, parece ter todas as características daquilo que Wilensky (1970) chama
de dirty job de uma profissão. Ao que conheço, nenhum de nós, estudantes ou
professores, atribui maior valor a essa tarefa, que uma vez eu já comparei a algo como
um cadastro bancário, que, desviando-nos de nosso ideal service (Goode 1969) – o
Datacapes certamente para nós não é antropologia -, serve a razões simplesmente
utilitárias, ligadas ao financiamento do Programa. Na esteira do que eventualmente
poderiam dizer Latour e Woolgar sobre isto, entretanto, não será que, não sendo o
Coleta ciência - em nosso caso antropologia, ou sua epistemologia ou filosofia –,
poderão estar exatamente nele dados e informações de interesse para a etnografia do
PPGAS e da antropologia que nele se pratica?
Logo no começo da Ficha 6, relativa à auto-avaliação do Coleta 2004, escrevi o
seguinte:
“O ponto forte fundamental do PPGAS é a qualidade de seu corpo docente e sua
adesão a uma história moldada pela busca da aliança da excelência acadêmica com o
compromisso ético-político com os povos e grupos com os quais desenvolve suas
pesquisas. Isto permitiu que o Programa, em vinte anos, tenha alcançado a posição que
tem, ao lado dos PPGs brasileiros de qualidade, com uma produção intelectual relevante
e reconhecida e um corpo discente e de egressos com níveis de excelência” (ênfases
minhas).
Este parágrafo é, sem sombra de dúvida, um elogio a nós mesmos – mas não um
elogio qualquer, conforme logo pretendo mostrar. Note-se como nele a evidenciação de
nossa qualidade é feita no plano comparativo, ao nos colocarmos ao lado dos PPGs
brasileiros de qualidade. Aqui, olhamos para fora. Onde lançamos bastante luz sobre
características propriamente nossas é na história à qual aderimos, marcada pela aliança
entre qualidade e compromisso ético-político.
em sua revisão final. Entretanto, como sempre se deve dizer, sou o único (ir)responsável por ele. Pela
digitação do documento, agradeço a Karla Knierim, chefe de expediente da Secretaria do PPGAS.
7
Mas, como assim: que história é esta, à qual aderimos? Não é ela nossa? Quem
será nós neste parágrafo? Respondo, tentando agora explicitar melhor o que ali escrevi:
o atual corpo docente permanente do PPGAS/UFSC – com exceção do Prof. Silvio
Coelho dos Santos - é adventício, composto que é por profissionais não-catarinenses.
Vejo agora como esta posição de exterioridade nossa está ali marcada no que escrevi,
uma exterioridade que, entretanto, se torna interioridade pela adesão a uma história que
já se desenrolava quando aqui chegamos os primeiros adventícios – em 1983, Esther
Jean Langdon; em 1984, Ilka Boaventura Leite e eu5. Noto que essa história está
emblematicamente ligada ao Prof. Silvio Coelho dos Santos, que sempre buscou o tipo
de aliança mencionado no parágrafo em consideração, entre excelência acadêmica e
compromisso ético-político6. É minha sugestão que o nós que se pronuncia no parágrafo
aqui em análise é duplo: ele aponta tanto o grupo de adventícios do PPGAS quanto ele
mesmo aderindo a um passado – cronológico tanto cosmológico – encarnado pelo Prof.
Coelho dos Santos.
Passo agora à Ficha 1, sobre os objetivos do Programa, onde, refletindo sobre a
antropologia que fazemos, anotei o seguinte:
“A Antropologia que o PPGAS/UFSC tem por objetivo produzir e reproduzir
caracteriza-se por uma forte ênfase na teoria e pelo diálogo constante entre teoria e
etnografia, tomando-se a história da disciplina como pano-de-fundo e horizonte desse
diálogo. Tem também como marca o compromisso ético-politico com os povos e grupos
objetos de sua atenção. Trata-se, por fim, de uma Antropologia no Brasil, não
necessariamente do” (sublinhadas no original).
Centro minha reflexão, agora, naquilo que está ao fim do parágrafo: a passagem
de uma antropologia do Brasil para uma no Brasil. Quando ingressei, em 1984, no então
5
Incluo nestes primeiros adventícios apenas aqueles que até hoje permanecem ativos no Programa. Notese que o Prof. Dennis Werner também aqui chegou em 1983, estando, porém, aposentado e fora do
quadro docente do PPGAS há vários anos. Para a história da antropologia na UFSC, incluindo a do hoje
PPGAS – sucessor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais -, conforme Coelho dos Santos
(2006). Especialmente sobre o período de 1989 a 1995, veja Menezes Bastos e outros (1995).
6
Em 1999, a UFSC, a partir de iniciativa que teve origem, em 1994, na então Área de Antropologia do
então Departamento de Ciências Sociais, concedeu o título de Professor Emérito ao Prof. Silvio Coelho
dos Santos. Recordo que no documento inicial que sustentou a indicação em referência ao Conselho
Universitário da UFSC a aliança mencionada é peça persuasiva absolutamente fundamental.
8
Departamento de Ciências Sociais da UFSC – onde a antropologia era uma Área,
juntamente com a política e a sociologia -, e, em 1985, no então Programa de PósGraduação em Ciências Sociais – reduzido ao mestrado, a antropologia nele sendo uma
habilitação -, ser um amazonista (“estudar índio”) era algo exótico. Não tanto pelo
amazonismo em si mesmo, mas pelo fato de ele constituir uma área de investigação fora
dos limites estaduais, no máximo regionais relativos ao sul do Brasil. Era dentro desses
limites que a investigação antropológica aqui se desenvolvia então, como – creio - na
maioria dos PPGAS regionais. Hoje, isto mudou por completo, as pesquisas
desenvolvidas pelo corpo docente do PPGAS cada vez mais incluindo locais para além
de Santa Catarina, do sul brasileiro e do próprio Brasil. Isto não significa dizer,
evidentemente, que não fazemos mais investigações envolvendo os planos local,
estadual e regional.
Mas, o que eu quis dizer, exatamente, com PPGAS regionais? O que seriam
então – por oposição – os Programas não-regionais? Nacionais? A distinção, que evoca
um conhecido poema de Drummond, parece hoje menos viva, mas tinha fundo eco
naqueles idos dos 1980, alcançando parte considerável dos 19907. Entendo que este
quadro mudou – não diria por completo, mas significativamente –, na medida em que a
qualidade da antropologia que agora se faz no Brasil se expandiu com grande
homogeneidade.
Ainda na Ficha 1 do Datacapes, que tematiza os objetivos do Programa, realizei
uma reflexão relativamente longa sobre as linhas de pesquisa do PPGAS, definindo-as
como instrumentais em relação à consecução dos seus objetivos8. Noto que as linhas de
pesquisa sempre constituíram um problema para o PPGAS, na medida em que elas
nunca conseguiram capturar por completo a diversidade de nosso fazer. Ultimamente –
ao que me parece – temos tido quanto a isto uma posição mais pragmática, deixando as
7
Transcrevo o poema: "O poeta municipal/discute com o poeta estadual/qual deles é capaz de bater o
poeta federal./Enquanto isso o poeta federal/tira ouro do nariz". O poema data de 1930 (incluído em
Alguma Poesia) e é dedicado a Manuel Bandeira. Noto que a distinção também se pronunciava em termos
do binômio centro/periferia, ao centro estando, ao que me recordo, os PPGAS do Museu Nacional, UnB e
– quase ao centro, se não me engano – USP e UNICAMP. Tudo o mais era – sorry! - “periphery”.
8
No Datacapes, anotei os seguintes objetivos do PPGAS: “1. a formação de recursos humanos
qualificados para o exercício da pesquisa e do ensino graduado e pós-graduado em Antropologia; e 2. a
produção e a disseminação de conhecimento antropológico avançado nas grandes áreas temáticas da
disciplina”.
9
linhas em tela como estão desde 1995, mesmo sabendo que elas não cobrem com
suficiência a referida diversidade.
Reproduzo abaixo os textos das três grandes linhas de pesquisa do PPGAS, seus
nomes e respectivas ementas:
Cultura e Comunicação
Sistemas simbólicos, artísticos, estéticos e de comunicação, culturas brasileiras e seus
nexos históricos e estruturais, cultura popular, de grupos minoritários e de elites.
Indústria cultural. Teorias da cultura, da linguagem, da arte e da comunicação.
Simbolismo e campo religioso.
Etnologia, Etnopolítica e Projetos de Desenvolvimento
Etnologia das sociedades indígenas das terras baixas da América do Sul e das
populações de origem africana. Relações interétnicas. Etnopolítica. Implicações sociais,
econômicas, políticas, culturais e ambientais da implantação de projetos de
desenvolvimento em territórios de grupos minoritários.
Convívio Social, Micropolítica e Afetividade
Convívio doméstico e social. Relações micropolíticas. Sexualidade. Identidades e
representações de gênero e idade. Organização Social em Instituições totais. Violência
interpessoal e grupal.
Das linhas de pesquisa, a de Etnologia, Etnopolítica e Projetos de
Desenvolvimento é a que engloba as atividades - não somente de pesquisa como
também de ensino e extensão - historicamente fundadoras do PPGAS. Isto tem origem
nos anos 1960, quando a UFSC foi criada e incorporou a antiga Faculdade Catarinense
de Filosofia. Nesta época, a pesquisa que aqui se fazia em antropologia era realizada
tipicamente em Etnologia Indígena e Arqueologia (veja Coelho dos Santos 2006).
Quanto à linha de Cultura e Comunicação, ela data de meados dos 1980, sendo que a de
Convívio Social, Micropolítica e Afetividade teve início na década de 1990.
10
Na direção de sua forte consolidação atual, a linha de pesquisa mais antiga
sofreu mudanças profundas. Primeiro que tudo, a Arqueologia deixou de ser uma de
suas subáreas, para alguns de nós – entre os quais eu me situo -, isto estando a merecer
resgate. Por outro lado, as populações afro-brasileiras e os grupos minoritários em geral
passaram também a fazer parte de seu horizonte, não mais restrito assim às sociedades
indígenas. Por fim, como já apontei antes, o sul do Brasil e depois o próprio país
deixaram de constituir o limite dos seus interesses de investigação. Quanto a este último
ponto, observe-se que hoje os professores e estudantes do PPGAS realizam
investigações em vários países das Américas e da Europa.
A linha de pesquisa de Cultura e Comunicação também passou por grandes
modificações, partilhando com a primeira - e a última - a marca de que a antropologia
que hoje se faz no Brasil não é mais somente do Brasil. Entre seus objetos de estudos
mais importantes estão as artes, a estética, o simbolismo e a performance. A linha de
pesquisa mais jovem do PPGAS, a de Convívio Social, Micropolítica e Afetividade,
consolidou-se rapidamente, incluindo investigações sobre as violências, relações de
gênero, afetividade e sexualidade.
Transcrevo abaixo um dos parágrafos que escrevi sobre as linhas de pesquisa do
PPGAS, no qual uma vez mais é remarcada com vigor a continuidade e a lealdade do
PPGAS com suas origens:
“Conservando uma das marcas mais fortes da Etnologia que nos fundou, a
produção intelectual ligada às linhas de pesquisa em epígrafe alia a busca da excelência
acadêmico-cientifica ao cultivo do valor do compromisso ético-político com os povos e
grupos objetos de seus estudos. Na direção desse cultivo, ela desenvolveu uma
competência pioneira no complexo campo da intervenção, envolvendo o intercâmbio
com e a consultoria e assessoria a organizações governamentais e não-governamentais”.
Em 2004 – ano objeto do Datacapes ora em consideração -, a seguinte
distribuição de projetos por linha de pesquisa pode ser levantada, 46 sendo o número
total de projetos:
11
Linhas de Pesquisa
Projetos de Pesquisa
Cultura e Comunicação (CC)
13
Convívio Social, Micropolítica e
15
Afetividade (CS)
Etnologia, Etnopolítica e Projetos de
18
Desenvolvimento (E)
Sobre isto, apontei o seguinte no Coleta:
“Esta distribuição exibe um interessante equilíbrio entre as duas linhas mais
jovens do Programa (CC com 13/46; CS, 15/46), apontando, também, uma saliência da
mais antiga (E: 18/46). Saliência esta, porém, nada desmesurada, o que apenas reafirma
seu papel de constituidora do PPGAS. O quadro como um todo revela uma tendência
perene do Programa – fidelidade às origens com inovação”.
Vejo neste parágrafo mais um panegírico à continuidade que fazemos sempre
questão de registrar, entre o PPGAS – com seus adventícios – e suas origens
catarinenses, emblematizada pelo Prof. Silvio Coelho dos Santos. Como isto nos
constitui!
O ponto que tratei em seguida no Coleta diz respeito aos núcleos de pesquisa e
ao Laboratório de Pesquisa do Programa. Finalizo esta palestra recordando o que falei
sobre esses tópicos.
Os núcleos – 8 consolidados e 2 emergentes em 2004 - são as instâncias, entre
nós, de aglutinação entre alunos e professores em torno dos projetos9. Neles são criadas
9
Os núcleos de pesquisa considerados consolidados em 2004 foram os seguintes: LEVIS - Laboratório
(Núcleo) de Estudos das Violências - Coordenador: Prof. Theophilos Rifiotis. MUSA - Núcleo de Arte,
Cultura e Sociedade na América Latina e no Caribe - Coordenador: Prof. Rafael José de Menezes Bastos.
NAVI - Núcleo de Antropologia Audiovisual e Estudos da Imagem - Coordenadora: Profª. Carmen Silvia
Moraes Rial. NEPI - Núcleo de Estudos de Populações Indígenas - Coordenador: Prof. Silvio Coelho dos
Santos. NESSI - Núcleo de Estudos de Saberes e Saúde Indígena - Coordenadora: Profª. Esther Jean
Langdon. NIGS - Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades - Coordenadora: Profª. Miriam Pillar
Grossi. NUER - Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas - Coordenadora: Profª. Ilka
Boaventura Leite. NUR - Núcleo de Antropologia da Religião - Coordenadoras: Profª. Maria Amélia
12
as condições de articulação vertical – entre professores e estudantes (de graduação e
pós-graduação) – e horizontal, entre colegas discentes e docentes, possibilitando a forte
inclusão dos estudantes nos projetos de pesquisa encabeçados pelos professores, marca
da produção discente do PPGAS. O Laboratório de Antropologia é o espaço por
excelência responsável pela articulação entre os núcleos, promovendo seminários e
workshops com a participação de alunos e professores.
Schmidt Dickie e Profª. Sônia Weidner Maluf. Anoto em seguida os considerados emergentes (sempre em
2004): A-funda - Núcleo de Pesquisa em Antropologia Fundamental -Coordenadores: Profa. Miriam
Hartung e Prof. Márnio Teixeira-Pinto. NAUI – Núcleo de Dinâmicas Urbanas e Patrimônio Cultural Coordenadora: Profa. Dra. Alicia N. González de Castells. Além desses núcleos, opera dentro do
PPGAS/UFSC o NuTI-PRONEX, como sócio do núcleo homônimo formado no PPGAS-Museu
Nacional/UFRJ a partir do projeto PRONEX, Transformações Indígenas: os regimes de subjetivação
ameríndios à prova da história, cujo coordenador geral é o Prof. Eduardo Viveiros de Castro. O Prof.
Oscar Calavia Sáez é o seu coordenador local. O NuTI/UFSC atua em conexão com o NESSI.
13
Referências
Coelho dos Santos, Silvio. 2006. “A Antropologia em Santa Catarina”, In Memória da
Antropologia no Sul do Brasil, Silvio Coelho dos Santos, org., Florianópolis: Editora da
UFSC/ABA, pp. 17-77.
Goode, W. 1969. "The Theoretical Limits of Professionalization". In The Semi
Professions and their Organization: Teachers, Nurses, Social Workers, Amitai Etzioni,
ed., New York: Collier Macmillan.
Latour, Bruno e Steve Woolgar. 1997. A Vida de Laboratório: A Produção dos Fatos
Científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará.
Menezes Bastos, Rafael José de, e outros. 1995. Relatório de Auto-Avaliação (198993). Florianópolis: UFSC/PPGAS (digitado).
Wilensky, Harold L. 1970. “The Professionalization of Everyone?" In The Sociology of
Organizations: Basic Studies, O. Grusky & G. A. Miller, eds., New York: The Free Press,
pp. 483-501.
14
ANTROPOLOGIA EM PRIMEIRA MÃO
Títulos publicados
1. MENEZES BASTOS, Rafael José de. A Origem do Samba como Invenção do Brasil: Sobre o "Feitio de Oracão "
de Vadico e Noel Rosa (Por que as Canções Têm Musica?), 1995.
2. MENEZES BASTOS, Rafael José de e Hermenegildo José de Menezes Bastos. A Festa da Jaguatirica: Primeiro e
Sétimo Cantos - Introdução, Transcrições, Traduções e Comentários, 1995.
3. WERNER Dennis. Policiais Militares Frente aos Meninos de Rua, 1995.
4. WERNER Dennis. A Ecologia Cultural de Julian Steward e seus desdobramentos, 1995.
5. GROSSI Miriam Pillar. Mapeamento de Grupos e Instituições de Mulheres/de Gênero/Feministas no Brasil, 1995.
6. GROSSI Mirian Pillar. Gênero, Violência e Sofrimento - Coletânea, Segunda Edição 1995.
7. RIAL Carmen Silvia. Os Charmes dos Fast-Foods e a Globalização Cultural, 1995.
8. RIAL Carmen Sílvia. Japonês Está para TV Assim como Mulato para Cerveja: lmagens da Publicidade no Brasil,
1995.
9. LAGROU, Elsje Maria. Compulsão Visual: Desenhos e Imagens nas Culturas da Amazônia Ocidental, 1995.
10. SANTOS, Sílvio Coelho dos. Lideranças Indígenas e Indigenismo Of icial no Sul do Brasil, 1996.
11. LANGDON, E Jean. Performance e Preocupações Pós-Modernas em Antropologia 1996.
12. LANGDON, E. Jean. A Doença como Experiência: A Construção da Doença e seu Desafio para a Prática
Médica, 1996.
13. MENEZES BASTOS, Rafael José de. Antropologia como Crítica Cultural e como Crítica a Esta: Dois Momentos
Extremos de Exercício da Ética Antropológica (Entre Índios e Ilhéus), 1996.
14. MENEZES BASTOS, Rafael José de. Musicalidade e Ambientalismo: Ensaio sobre o Encontro Raoni-Sting,
1996.
15. WERNER Dennis. Laços Sociais e Bem Estar entre Prostitutas Femininas e Travestis em Florianópolis, 1996.
16. WERNER, Dennis. Ausência de Figuras Paternas e Delinqüência, 1996.
17. RIAL Carmen Silvia. Rumores sobre Alimentos: O Caso dos Fast-Foods,1996.
18. SÁEZ, Oscar Calavia. Historiadores Selvagens: Algumas Reflexões sobre História e Etnologia, 1996.
19. RIFIOTIS, Theophilos. Nos campos da Violência: Diferença e Positividade, 1997.
20. HAVERROTH, Moacir. Etnobotânica: Uma Revisão Teórica. 1997.
21. PIEDADE, Acácio Tadeu de C. Música Instrumental Brasileira e Fricção de Musicalidades, 1997
22. BARCELOS NETO, Aristóteles. De Etnografias e Coleções Museológicas. Hipóteses sobre o Grafismo Xinguano,
1997
23. DICKIE, Maria Amélia Schmidt. O Milenarismo Mucker Revisitado, 1998
24. GROSSI, Mírian Pillar. Identidade de Gênero e Sexualidade, 1998
25. CALAVIA SÁEZ, Oscar. Campo Religioso e Grupos Indígenas no Brasil, 1998
26. GROSSI, Miriam Pillar. Direitos Humanos, Feminismo e Lutas contra a Impunidade. 1998
27. MENEZES BASTOS, Rafael José de. Ritual, História e Política no Alto-Xingu: Observação a partir dos Kamayurá
e da Festa da Jaguatirica (Yawari), 1998
28. GROSSI, Miriam Pillar. Feministas Históricas e Novas Feministas no Brasil, 1998.
29. MENEZES BASTOS, Rafael José de. Músicas Latino-Americanas, Hoje: Musicalidade e Novas Fronteiras, 1998.
30. RIFIOTIS, Theophilos. Violência e Cultura no Projeto de René Girard, 1998.
31. HELM, Cecília Maria Vieira. Os Indígenas da Bacia do Rio Tibagi e os Projetos Hidrelétricos, 1998.
32. MENEZES BASTOS, Rafael José de. Apùap World Hearing: A Note on the Kamayurá Phono-Auditory System
and on the Anthropological Concept of Culture, 1998.
33. SAÉZ, Oscar Calavia. À procura do Ritual. As Festas Yaminawa no Alto Rio Acre, 1998.
34. MENEZES BASTOS, Rafael José de & PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo: Sopros da Amazônia: EnsaioResenha sobre as Músicas das Sociedades Tupi-Guarani, 1999.
35. DICKIE, Maria Amélia Schmidt. Milenarismo em Contexto Significativo: os Mucker como Sujeitos, 1999.
36. PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo. Flautas e Trompetes Sagrados do Noroeste Amazônico: Sobre a Música
do Jurupari, 1999.
37. LANGDON, Esther Jean. Saúde, Saberes e Ética – Três Conferências sobre Antropologia da Saúde, 1999.
15
38. CASTELLS, Alicia Norma Gonzáles de. Vida Cotidiana sob a Lente do Pesquisador: O valor Heurístico da Imagem,
1999.
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