decisão

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DECISÃO:
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de EDILSON DE SOUSA SILVA, para que
“seja expedido ordem à autoridade policial que se abstenha de utilizar algemas no paciente” quando
for levado ao Superior Tribunal de Justiça para ser ouvido às 8h do dia 08.08.06 pela Ministra Eliana
Calmon, Relatora do Inquérito nº 529, ora apontada como 1ª autoridade coatora, por estar em
condições idênticas àquelas que foram reconhecidas em benefício de SEBASTIÃO TEIXEIRA
ALVES, Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, no HC 89.416.
O Impetrante afirma ter sido preso em sua residência por Policiais Federais, em cumprimento a
mandado expedido pela Ministra-Relatora do Inquérito nº 529 (Registro nº 2006/0041450-1), em
trâmite perante o Superior Tribunal de Justiça, e “naquela oportunidade, algemaram e, mais ainda,
submeteram ao achincalhe público, pois o exibiram algemado à toda imprensa nacional.”
Segundo ele, a presente impetração é em tudo similar àquela impetrada em favor do
Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia, Sebastião Teixeira Chaves, e do Juiz
José Jorge Ribeiro da Luz (HC 89.416), no qual foi concedido o mesmo benefício ora requerido.
Considerando que “o paciente é Conselheiro Vice-Presidente do Tribunal de Contas do Estado
de Rondônia e, como tal, por expressa injunção de estrutura constitucional goza das mesmas
prerrogativas dos membros do Poder Judiciário (...)”, requer lhe seja estendida a mesma decisão que
aos magistrados foi deferida.
Decido.
O pedido tem como objetivo precípuo impedir que as autoridades policiais algemem o Paciente
quando de sua condução para a prestação dos seus depoimentos, uma vez que a medida seria
excessiva e sem justificativa em face da conduta passiva por ele adotada em face da ordem de prisão.
O Paciente investe-se na condição de Conselheiro Vice-Presidente do Tribunal de Contas do
Estado de Rondônia, o qual há de receber o tratamento de equanimidade em relação aos membros da
magistratura, conforme consta do art. 48, § 4º, da Constituição do Estado de Rondônia, segundo o
qual fica assegurado aos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado o mesmo tratamento
conferido aos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, em simetria ao que
previsto no art. 73 da Constituição da República, que reconhece aos Ministros do Tribunal de Contas
da União as mesmas prerrogativas conferidas aos Ministros do Superior Tribunal de Justiça.
O que se pede, pois, em resumo e fundamentalmente, é que o mesmo tratamento que foi
assegurado aos magistrados, no habeas corpus antes citado, seja garantido ao ora Paciente no sentido
da não imposição de uso de algemas.
Se a prisão é uma situação pública – e a sociedade tem o direito de saber quem a ela se submete
– é de se acolher como válida a assertiva feita no sentido de que se o Paciente se oferece às
providências policiais sem qualquer reação que coloque em risco a sua segurança, a de terceiros e a
ordem pública não há necessidade de uso superior ou desnecessário de força ou constrangimento.
Algema - uma palavra originária do idioma arábico, aljamaa e ali significando pulseira, é, na
atualidade, um instrumento empregado para impedir reações indevidas, agressivas ou incontroláveis
por presos em relação aos policiais, contra si mesmo ou contra outras pessoas.
Seu uso não se encontra disciplinado ainda hoje pela legislação processual penal vigente. A Lei
de Execuções Penais, em seu art. 199, determina que o emprego da algema seja regulamentado por
decreto federal, o que ainda não ocorreu. Nem por isso se há de pensar que a sua utilização possa ser
arbitrária ou tolerada sem as regras para o seu emprego, pois a forma juridicamente válida do seu uso
pode ser inferida a partir da interpretação dos princípios jurídicos vigentes.
A Constituição da República, em seu art. 5º, inc. III, em sua parte final, assegura que ninguém
será submetido a tratamento degradante, e, no inciso X daquele mesmo dispositivo, protege o direito
à intimidade, à imagem e à honra.
De se invocar também, em apoio às regras jurídicas que tratam de prisioneiros, aquelas
adotadas pela ONU, na parte que versa sobre instrumentos de coação. Em seu n. 33, estabelece
aquela Organização que o emprego de algema jamais poderá se dar como medida de punição.
Conquanto recomendação, portanto não tendo natureza de norma cogente, serve ela de fonte da
interpretação a ser adotada na espécie.
O Código de Processo Penal Brasileiro, em seu art. 284, mesmo não se valendo da palavra
algema, reza que "não será permitido o uso de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou
de tentativa de fuga do preso", sinalizando com as hipóteses em que aquela poderá ser usada. Dessa
maneira, só, excepcionalmente, quando realmente necessário o uso de força, é que a algema poderá
ser empregada, seja para impedir fuga, seja para conter violência da pessoa presa.
Também o art. 292 do Código de Processo Penal, ao dispor sobre a prisão em flagrante, permite
o emprego dos meios necessários para que se assegure a eficácia das medidas adotadas, em caso de
resistência.
Verifica-se, portanto, que uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza
excepcional e a ser adotado nos casos e com as finalidades seguintes: a) para impedir ou prevenir a
fuga, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio; b) evitar agressão do preso contra os
próprios policiais, terceiros ou contra si mesmo.
Deve ser enfatizado que o emprego daquela medida tem como balizamento jurídico necessário
o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade. Sendo sem razão (como afirma o Requerente
no sentido de que não seria “necessário”) e sem guardar proporção legítima em relação ao
comportamento adotado pelo Paciente, não se há ter por juridicamente sustentada a providência.
A prisão há de ser pública, mas não há de se constituir em espetáculo.
Qualquer conduta que se demonstre voltada à demonstração pública de constrangimento
demasiada ou insustentada contra alguém, que ainda é investigado nesta fase do Inquérito, não pode
ser tida como juridicamente fundamentada.
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De resto, não é outra a orientação dos tribunais pátrios. O uso de algemas somente é legítimo
quando demonstrada a sua necessidade (STJ, 5ª T, HC n. 35.540, rel. min. José Arnaldo, j. 5.8.2005),
mas sempre considerando-o excepcional e nunca admitindo seu emprego com finalidade infamante
ou para expor o detido à execração pública (STJ, 6ª T., RHC 5.663/SP, rel. Min. William Patterson,
DJU, 23 set. 1996, p. 33157).
Ante o exposto, e considerando não haver qualquer indício ou prova de reação violenta ou
inaceitação das providências policiais por parte do Paciente, defiro a liminar para que as autoridades
tidas como coatoras se abstenham de fazer uso das algemas na condução dos Pacientes, ficando
ressalvadas as hipóteses excepcionais admitidas em lei.
Expeça-se salvo-conduto.
Comunique-se, com urgência, às autoridades indigitadas coatoras.
Solicitem-se informações em regime de urgência às autoridades tidas como coatoras, depois do
que se manifeste, com igual presteza, o Procurador Geral da República.
Publique-se.
Brasília, 07 de agosto de 2006, às 20:32.
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora
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