Agrotóxicos, a poluição invisível

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Agrotóxicos, a poluição invisível
Márcia Pimenta1
Se as chaminés das fábricas ficaram registradas no inconsciente
coletivo como sinônimo de poluição à época da revolução industrial e
as águas escuras dos rios denunciam o lançamento de dejetos
orgânicos e industriais, o mesmo não se pode dizer da poluição
invisível dos agrotóxicos. Ao comprar uma maçã, por exemplo, é
impossível detectar o banho de 60 pesticidas a que ela é submetida
antes de chegar à nossa mesa. Podemos atestar a qualidade dos
produtos orgânicos pelo selo de certificação, mas os rótulos dos
alimentos in natura, cultivados através da agricultura convencional,
não indicam todos os produtos químicos utilizados em sua produção.
No Brasil, a questão dos agrotóxicos vem ganhando mais visibilidade
desde a criação, em 2001, do Programa Nacional de Análise de
Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) /ANVISA, que
atualmente faz o monitoramento de alimentos in natura (morango,
mamão, tomate, laranja, batata, maçã, alface, banana e cenoura,
campeões em contaminação por agrotóxicos) em 16 estados, com
promessa de ampliação para todo o Brasil.
No último relatório divulgado pela ANVISA, 2004, revelou-se que, dos
3271 resíduos detectados, 71,5% estavam abaixo do Limite Máximo
de Resíduos - LMR, 4,7% estavam acima e 23,7% referiam-se a
resíduos de pesticidas sem registro ou não autorizados para a cultura.
A dificuldade é distinguir no balcão dos supermercados ou nas feiras
livres, se os resíduos ainda estão nos alimentos ou se entre eles
constam agrotóxicos não permitidos para aquela cultura.
O Brasil consumiu em 2005, 365,5 mil toneladas de agrotóxicos,
movimentando US$ 4 bilhões de dólares, segundo dados do SINDAG
(Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola).
Números que nos colocam em quarto lugar no ranking mundial de
consumo de agrotóxicos. O lucro astronômico justifica a defesa do uso
destes produtos químicos que permanecem no ambiente poluindo o
1
É jornalista com Especialização em Gestão Ambiental.
solo, o ar e as águas e a minimização dos riscos a que estão expostos
os consumidores e agricultores. Além disso, os defensores dos
agrotóxicos subestimam os números de detecções acima do limite e de
amostras com resíduos de pesticidas sem registro ou não autorizados
para a cultura, alegando que os resultados não evidenciam a
gravidade que se quer atribuir a questão da contaminação dos
alimentos.
A verdade é que mesmo os alimentos considerados dentro do padrão
não podem ser considerados inócuos. Por isso, é importante esclarecer
dois aspectos: como se chega ao limite máximo aceitável para a
ingestão pelos seres humanos e porque determinados pesticidas estão
proibidos para determinadas culturas.
As doses de agrotóxicos usadas hoje na agricultura convencional foram
elaboradas a partir da ingestão diária aceitável - IDA. Segundo este
padrão, o organismo humano pode ingerir, inalar ou absorver certa
quantidade diária, sem que isso tenha consequência para sua saúde. O
IDA deriva de um outro conceito, a LD50, ou seja, dose letal 50%, que
vem a ser a dose de uma substância química que provoca a morte de
50% de um grupo de animais da mesma espécie, quando administrada
pela mesma via.
Partindo desse princípio, os defensores do agrotóxico recorrem à
máxima de que veneno é questão de dose. Argumentam que a água é
essencial para vida, mas em grande quantidade, pode provocar
afogamento. Voltando ao exemplo da maçã com seus 60 tipos
diferentes de agrotóxicos, será preciso admitir ainda uma outra
situação preocupante. Normalmente os venenos se potencializam
mutuamente, mas o IDA não contempla essa interação. A mistura de
agrotóxicos para aplicação não está preconizada pela lei de
agrotóxicos, embora se saiba que na prática isto acontece, mas não se
conhecem o resultado e o impacto das interações destas misturas.
Por que é preocupante o fato de algumas amostras (23,7%)
apresentarem resíduos de agrotóxicos proibidos para determinadas
culturas?
Durante o processo de registro dos agrotóxicos, é preciso atender a
normas específicas (Lei Nº 7802, Decreto 4074/2002), que consistem
na apresentação dos estudos de resíduos de agrotóxicos nas culturas,
e que incluem, basicamente, a dose utilizada, o número de aplicações,
o intervalo de segurança, a época e a modalidade de aplicação, bem
como os resultados obtidos através de exames laboratoriais adequados
ao perfil de cada produto.
O fato de um agrotóxico não ser permitido para a cultura significa que
ele ou nunca foi registrado, ou que a cultura foi excluída devido ao
impacto na ingestão ou até mesmo que há problemas com a
modalidade de aplicação do produto. Sabe-se que as aplicações feitas
por equipamentos manejados pelo próprio aplicador são as que
provocam o maior número de exclusões de culturas durante a
reavaliação do produto.
O fato dos agricultores estarem usando agrotóxicos irregulares,
provoca discussões com posicionamentos divergentes: A CEAGESP
defende a regulamentação destes agrotóxicos que hoje não são
permitidos para determinadas culturas, enquanto O IDEC (Instituto de
Defesa do Consumidor) recomenda a reavaliação da autorização
destes agrotóxicos no País e questiona a responsabilidade das
indústrias de agrotóxicos em relação a esse fato. O Instituto acredita
que a regulamentação destes agrotóxicos vai na contramão
da
tendência mundial dos consumidores que procuram por alimentos com
menos resíduos e mais adequados ambientalmente e indica a
necessidade dos grandes distribuidores de alimentos se preocuparem
com a qualidade dos alimentos que estão sendo distribuídos.
As Centrais de Abastecimento do Rio de Janeiro S/A (CEASA) não têm
recursos financeiros para realizar, de forma permanente, o
monitoramento
de
resíduos
dos
alimentos
in
natura
ali
comercializados. O alto custo deste monitoramento, leva algumas
instituições públicas, que enfrentam dificuldades de ordem financeira,
a estabelecerem parcerias com as indústrias químicas.
A CEAGESP, por exemplo, estabeleceu, neste sentido, uma parceria
com a a ANDEF (Associação Nacional de Defesa Vegetal), entidade
patrocinada por grandes corporações. O desafio nesse caso é manter a
independência na implementação de ações que visem à solução dos
problemas detectados".
É ética esta parceria? Até que ponto as indústrias químicas aceitam o
questionamento sobre os potenciais riscos a que estão expostos os
consumidores, os agricultores e o meio ambiente? Será que elas estão
dispostas a promover uma diminuição no uso desses agroquímicos,
bem como a reduzir seus lucros?
Se o consumo de alimentos com resíduos de agrotóxicos permitidos ou
não é um risco para os consumidores, para os agricultores o problema
é ainda mais grave. Plantadores de morango e batata em Minas
Gerais, agricultores de fumo no Rio Grande do Sul, plantadores de
tomate no Ceará e agricultores de olerícolas de Nova Friburgo estão
sendo contaminados e cometem suicídio, pois essas culturas utilizam
os agrotóxicos conhecidos como organofosforados e ditiocarbamatos,
que são considerados por pesquisadores como os prováveis
causadores das doenças neurocomportamentais, depressão e do
conseqüente suicídio.
É preciso reconhecer o baixo grau de escolaridade desses produtores,
o que impede uma uma leitura eficiente das instruções de uso, que
estão dispostas nas embalagens. Sem informações básicas, fica
mesmo difícil garantir a eles a segurança na aplicação e
armazenamento destes produtos químicos.
No cerne da questão dos agrotóxicos está o paradigma de que a praga
é um inimigo que precisa ser destruído, eliminado. Na verdade, a
praga é um indicador biológico. Se há praga é porque alguma coisa
está errada. A agricultura biológica, com sua proposta holística, leva
em consideração aspectos fundamentais como a saúde do solo, a
rotação de cultivos, consorciações, o que contribui para uma boa
alimentação da planta. Assim, ela fortalecida não favorece o
crescimento das pragas.
Aos leitores convém lembrar que agrotóxicos podem matar, afetar a
saúde de produtores e também promover a intoxicação progressiva
dos consumidores. Por isso é tarefa de alta prioridade ecológica e
social divulgar os perigos dos agrotóxicos, além de privilegiar
alternativas mais sustentáveis e sadias. Pense nisto na próxima vez
que for às compras!!
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