o rio que somos nós: letramento, literatura e jornais numa

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RAISA CRISTINE RORIGUES DE ARAÚJO
O RIO QUE SOMOS NÓS: LETRAMENTO, LITERATURA E
JORNAIS NUMA COMUNIDADE RIBEIRINHA NA AMAZÔNIA
PARAENSE.
Projeto de Pesquisa apresentado ao concurso
VIVALEITURA 2014.
BELÉM-PA
2014
O projeto intitulado de “Letramento e a Utilização de Textos Jornalísticos na EJA”
surgiu em meados de 2011, por meio do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
Letras - PIBID/IFPA, do qual fizemos parte como bolsistas CAPES, no período de agosto de
2011 a março de 2014, e previa trabalhar a criticidade da leitura de textos orais e escritos dos
alunos do ensino médio, com o auxílio de textos informativos. A escolha pelo gênero texto
jornalístico deve-se à proposta de inserção de um veículo de fácil acesso e circulação diária,
muito presente na vida desses alunos, em turmas de EJA.
No ano de 2012 permanecemos com o projeto de jornal na escola MB, com alunos em
faixa etária de 20 a 25 anos, que sempre se demonstraram bastante interessados e participativos
nas propostas apresentadas já sob minha assessoria didática junto à professora da turma,
atividade a qual nos dedicamos com grande afinidade docente. No contexto de convivência com
a turma, em 2013, conhecemos a procedência de origem e habitação de duas alunas ribeirinhas, e
direcionamos nossos interesses de planejamento de atividades com o letramento com o gênero
texto jornalístico diretamente para o campo específico das comunidades ribeirinhas com suas
nuances da Amazônia paraense, o que veio somar-se à minha própria identidade de estudantes de
Letras nascida e criada em Belém do Pará.
A ideia de visitar a comunidade, como parte do processo de ensino aprendizagem, partiu
da professora da turma, Alessandra Almeida, a quem acompanhamos nas aulas desde setembro
de 2012. A escola ofereceu recursos e nos deu apoio para que o projeto acontecesse e assim
planejamos uma oficina a qual objetivava ensinar a leitura e a escrita com os textos de jornal. As
atividades da oficina induziram os alunos a trabalhar primeiramente a oralidade, tornando os
próprios alunos, jornalistas, na Comunidade Ribeirinha Iriboca CR1 e na Comunidade
Ribeirinha Ilha da Várzea CR2, para fazer entrevistas, como repórteres de verdade. No decorrer,
das atividades, com o processo de formação em sala de aula, passamos a visualizar,
concretamente quais encaminhamentos metodológicos, em termos didáticos, poderíamos
embasar um projeto de ensino por meio dos estudos da Escola de Genebra, com DOLZ, e
SCHNEUWLY, NOVERRAZ, especificamente em 2004, com a apresentação do que se
convencionou chamar Sequência Didática1.
1
DOLZ, J., M NOVERRAZ, M., & SCHNEUWLY, B. 'Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de
um procedimento'. In: DOLZ, J. e SCHNEUWLY, B. "Gêneros orais e escritos na escola". Campinas: Mercado de
Letras, 2004. p. 95-128 (Trad. ROJO, Roxane).
O objetivo do projeto de iniciar a leitura do jornal com maior criticidade se manteve, mas
agregou outros objetivos mais importantes para aquele momento. Os alunos, em suas falas e
escritas apresentavam problemas textuais e de aspectos linguísticos e desvios da norma culta
graves, o que muitas vezes interferia na comunicação. Passamos a focar, então, na elaboração da
fala e da escrita, com conscientização da seleção lexical por eles utilizada e a coesão e coerência
de seus textos orais e escritos.
No entanto, um objetivo maior surgiu, acima das dificuldades da interação linguística
com desvios da norma culta, e foi tomando força em termos da procedência urbano e ribeirinha
de nossos alunos. Passamos dessa forma, a também perseguir o que Maués (2010) trabalha em
termos da integração da cultura hibridizada entre os aspectos locais e os aspectos globais.
Muito diferente da imagem da Amazônia difundida pelo mundo, de uma região
homogenia e coberta por uma densa floresta, o site do IGBE nos revela que essa imensa região
do Brasil apresenta grande diversidade natural, cultural, econômica, religiosa e tecnológica. Não
muito distantes estão as relações interpessoais desenvolvidas nas escolas, com alunos que trazem
em suas bagagens culturais formas diferentes de pensar a vida, de discursos linguísticos e de
relacionamento social. Nossas inquietações foram buscando formas de entendimento para ações
didático linguística de convivência harmônica de reconhecimento da cultura do outro, no sentido
do que Hall (2006) considera sobre identidade.
Nosso trabalho de campo foi diversificado em uma oficina que incluía duas visitas na
CR1, partindo incialmente da Oficina/Sequência Didática com a leitura de textos literários, como
o romance do escritor paraense Dalcídio Jurandir, o qual tem muito a dizer sobre a cultura na
Amazônia e as relações sociais em suas comunidades ribeirinhas. Entendemos que a literatura de
expressão amazônica busca os símbolos que flutuam nos rios, bem como os habitantes das
pequenas comunidades dos outros lados da cidade de Belém, instância da sociedade que não
consegue abarcar toda a necessidade de interação com a urbanidade, mesmo situando-se tão
perto geograficamente, embora distanciada na sobrevivência e convivência diária cultural.
Assim, o centro urbano traz em si arraigada a cultura ribeirinha e sofre de carência que
lhe foi sendo transformada, enquanto que o centro ribeirinho necessita de maior assistência,
sobretudo – tratando deste projeto – no que diz respeito à educação. E essa é uma necessidade
que nasce e se fortalece dentro do espaço de convivência de nossa sociedade.
Além disso, com o desenvolvimento acelerado da tecnologia, as leituras, de um modo
geral, sejam elas canônicas ou não, perderam sua força ou se transformaram em nada mais do
que leituras de olhos desatentos que acabam muitas vezes não abstraindo o real sentido do que
está escrito.
Para tentar suprir essa forma fragmentada de leitura e, dentro dela, de escrita
desenvolvemos este projeto de pesquisa, o qual, por meio de leituras de escritores da Região
Norte do Brasil, da oficina de criação de gêneros textuais jornalísticos dentro de Comunidades
Ribeirinhas Iriboca e Ilha da Várzea da cidade de Belém, pautamos este Trabalho Acadêmico de
Conclusão de Curso, apoiado, sobretudo, nas teorias do sociointeracionismo, as quais visam a
apropriação dos instrumentos de leitura e escrita através das trocas estabelecidas entre sujeito e
contexto sociohistórico e cultural, e de inserção da leitura de mundo dos alunos, nos moldes
defendidos por Paulo Freire, desde os meados do século XX. Dessa forma, tentaremos oferecer
ao alunado a possibilidade de conhecer, compreender e agir neste mundo, dando significado ao
processo de ensino aprendizagem e fortalecendo a identidade urbano-ribeirinha da Amazônia
paraense.
O objetivo geral deste trabalho visa a criação de um leitor crítico e proficiente que
selecione informações relevantes para a compreensão do texto; supra os elementos ausentes de
sua formação escolar, complementando informações, antecipando fatos, criticando o conteúdo,
formulando hipóteses, questionando e esclarecendo o texto, resuma ideias do texto, estabeleça
relações com outros aspectos do conhecimento e transforme e reconstrua o texto lido,
reconhecendo a identidade da autoria dos textos, especialmente àqueles literários que atravessam
a história sem perder sua importância.
Para isso pretendemos alcançar o objetivo de, por meio das atividades com o gênero de
textos jornalísticos e literários amazônicos, alcançar a conscientização do reconhecimento das
culturas hibridizadas, a qual os alunos da escola Mário Barbosa estão intimamente ligados. Além
de trabalhar com a evolução da leitura e da escrita em sala de aula, a fim de que os alunos
possam levar esse conhecimento extraclasse.
Em termos metodológicos, este trabalho orientou-se por uma reunião das contribuições
da pesquisa qualitativa, que consiste, segundo Lakatos (2003, p.186) em investigações de
pesquisa empírica cuja principal finalidade é o delineamento ou análise das características de
fatos ou fenômenos. Dessa forma, o primeiro momento desta atividade foi a pesquisa
bibliográfica acerca da linguística aplicada e dos estudos culturais e em seguida a
participação/convivência com os alunos e a professora da escola Mário Barbosa e com as pessoas
da Comunidade Ribeirinha Iriboca.
Posteriormente, houve a observação com a coleta sistémica de dados, como propõe
Lakatos (idem), sobre população e programas, que nesse trabalho será entendido como relação
entre os sujeitos. Para o desenvolvimento dessa pesquisa de campo, utilizamos, além da
observação, técnicas como entrevistas, questionários, e atividades produzidas dentro da
Sequência Didática.
Sendo assim, a análise dos textos das alunas de grupos diferentes, a elaboração da SD e a
tentativa de levar a literatura paraense para dentro da sala de aula revelaram muitas coisas. A
primeira delas foi que quanto mais velho o aluno é, e grau de estudo mais avançado está, mais
difícil – não impossível – fica seu aprendizado. E que um ano não é suficiente para que um aluno
aprenda a escrever ou falar o mais próximo da norma culta padrão da língua portuguesa. Isso
acontece pelo fato de os alunos trazerem de casa uma bagagem cultural que vem como um hábito
cultural de linguagem, o que cria barreiras que devem ser contornadas de forma bastante
peculiar. Dessa etapa conclui-se, então, que a educação é um processo lento, que precisa de
muita atenção, investimento e apoio, desde a direção da escola até o governo.
A segunda constatação com a elaboração deste projeto foi a falta de interação entre
comunidade urbana e comunidade ribeirinha. Culturas que vivem dentro de um mesmo espaço, a
sala de aula, ao mesmo tempo vivem muito distantes uma da outra. Os alunos ribeirinhos
observam bastante a cultura da cidade, mas o contrário não é verdadeiro e o que pode ser
interessante acaba se perdendo. Discutimos todos os dias as condições linguísticas dos nossos
alunos e sabemos que cada escolha os levará a caminhos diferentes. É certo que muitas das vezes
as condições socioculturais e econômicas que os cercam acabam por fazer grande parte de suas
escolhas, mas existem possibilidades dentro da educação capazes de ampliar as suas alternativas.
Nas atividades de vivência escolar no MB, pudemos notar que esses alunos muito tem a
contribuir uns com os outros, e também na relação aluno-professor. Cada dia era uma nova
experiência que estava em constante construção, de acordo com as necessidades do professor,
sobretudo, do aluno. Mas linguisticamente falando, esses alunos apresentam muitas dificuldades,
principalmente referentes à concordância verbal, ao uso do sujeito, entre outros. Podia-se notar
que alguns alunos traziam para sua escrita boa parte de seu conteúdo linguístico oral, e no inicio
do ano letivo pouco tinham organização textual, não respeitavam margens e esteticamente
falando entregavam textos sujos e rabiscados.
Tentar mudar isso, mesmo que a sociolinguística extrema diga que não, é o dever do
professor de LP, afinal é para isso que ambos estão ali: aluno e professor. Respeitar, no entanto,
essas diferenças, é importante, e no desenvolvimento das atividades na escola pudemos perceber
que a melhor forma de lidar com as variações é a o reconhecimento de que as diferenças entre os
alunos existem e vão aparecer.
Ainda sobre a interação entre as comunidades, percebi que embora as alunas fossem de
grupos de moradia diferentes, apresentaram poucas diferenças em sua linguagem ou em sua
escrita. Talvez quando analisamos o texto de L2, o qual apresenta nomes de remédios os quais
sua avó prepara na comunidade, L1 os desconheça, mas isso não interferiria de um modo geral a
relação e comunicação das alunas. De qualquer forma, ambas apresentam linguagem similar,
bem como seus erros ortográficos, erros gramaticais entre outros.
A terceira constatação está relacionada com a aplicação da SD. A Sequência Didática nos
deu um embasamento de trabalho formal e a partir dele mantivemos disciplina na aplicação de
todas as atividades. No entanto, não consegui seguimos tudo o que a teoria propõe,
principalmente relacionado ao número de aulas que Dolz e Schneuwly pedem, pois dividia aulas
com a professora Alessandra, a qual também tinha que dar seu conteúdo de LP e por isso o
tempo ficou curto.
O trabalho com os gêneros, por sua vez, se torna fundamental na educação dos alunos, e
ensiná-los que existe estrutura, tema e estilo os faz ter noção de seu trabalho linguístico oral
escrito do dia-a-dia. Trabalhar com um gênero o ano inteiro, além de leva-los a aprender a
composição também os ensina a ter um objetivo e persegui-lo até o fim. Como foi o caso deste
projeto, que teve sua culminância na produção de um jornal2 para a escola e os alunos
perceberam que são capazes de atingir o proposto pelo professor.
Dessa forma, o discutido por Kleiman (2005), quanto ao modelo Autônomo X modelo
Ideológico se torna verdadeiro a medida em que notamos que o modelo autônomo ainda é muito
presente no dia-a-dia da escola brasileira, mas que o modelo ideológico é possível, quando se
trata da cultura social a qual os alunos fazem parte. Isso se provou nesta pesquisa, considerando
Por falta de tempo, o jornal teve que ser digitado e produzido pela professora Alessandra e por mim, por isso não
entrou nesta análise.
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que a construção de atividades levava sempre em consideração as necessidades e bagagem
cultural dos alunos.
A última constatação foi diante a utilização de literatura neste projeto. Infelizmente a
estratégia utilizada para trabalhar textos literários regionais com os alunos faliu e os eles não se
interessaram pela leitura do escritor paraense Dalcídio Jurandir, embora muito ele tivesse a dizer
sobre a cultura ribeirinha. A leitura dos romances do Ciclo Extremo Norte são densas e se
afastavam do que, por ventura, interessaria aos alunos. Caso as aulas tivessem maior duração e as
intervenções no ano letivo não tivessem ocorrido de forma frequente, poderíamos ter tido a
oportunidade de trabalhar outras estratégias.
Então, pude perceber que se os alunos não se interessam, ou determinado tema não é do
seu agrado, temos que mudar a estratégia de ensino, para estimulá-los o quanto pudermos. É
claro que a estrutura continuará a mesma, mas os textos trabalhados em sala de aula deverão
alcançar os alunos. Dessa forma, embora pouco os alunos tenham gostado do texto dalcidiano,
estimulamos a pesquisa, a interação, a adequação da linguagem – no momento das entrevistas –,
a leitura de textos jornalísticos e acima de tudo, o reconhecimento da cultura do outro.
Algo importante que a teoria sempre nos mostrou em sala de aula, a qual eu nunca
entendia, era o planejamento do “plano B”. Em cima da hora o “plano A” dá errado, porque
lidamos com pessoas e com a educação e sempre alguma coisa pode fugir do controle. No caso
desta pesquisa, fugiu. O planejamento inicial era fazer a visita na Comunidade Ribeirinha da
aluna L2 que fazia parte da turma, como parte principal do processo de interação entre culturas,
mas com o acontecimento de greve escolar, greve dos barqueiros, falta de aula, etc, tivemos que
mudar os caminhos.
Como já não podíamos mais ir até a comunidade, parte da comunidade veio até nós. E o
resultado foi mais do que o esperado. A interação foi muito grande e os alunos do grupo urbano
se interessaram além do que o previsto pela vida das alunas do grupo ribeirinho. Todos ficaram
bastante descontraídos, tanto urbanos quanto ribeirinhos, e ao término da atividade houve o
reconhecimento do alunado a respeito da cultura dos demais alunos com falas que reconheciam a
importância da cultura do outro.
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