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PARTE 1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1.1 – Apresentando o Estudo
O estudo tem como objeto as representações sócias de pacientes renais crônicos sobre a
doença renal. O interesse em pesquisar sobre a temática ocorreu durante nossa experiência
na residência de Enfermagem Cirúrgica ao entrarmos em contato com pacientes renais em
hemodiálise na clínica de nefrologia.
A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma doença que causa grandes prejuízos a
vida de uma pessoa, um estigma social, pois o portador de IRC tem uma vida social
diferenciada por uma alimentação e ingesta hídrica restrita. Além disso, a pessoa fica
limitada a três vezes na semana a realizar hemodiálise para restabelecer seu quadro clínico,
estando sujeito às complicações dessa terapia.
Para alguns pacientes, as seções de hemodiálise não traziam bem estar, apesar de
ser a única alternativa para restabelecer o desconforto desencadeado pela doença renal. Os
sentimentos manifestos por alguns pacientes eram temor, angústia, agressividade, medo,
vergonha, ansiedade e às vezes desesperança.
O processo que o paciente passa para submeter-se a estas seções de hemodiálise
aparentemente não é nada agradável. Desde do diagnóstico definitivo de Insuficiência
Renal Crônica (IRC), até o início do tratamento propriamente dito ele passa por
procedimentos invasivos dolorosos e arriscados para sua vida, tais como: a instalação de
cateter de duplo lúmen em grandes vasos (cateter com duas vias que permite acesso
imediato a circulação do paciente para hemodiálise), a construção e o amadurecimento da
fístula artério-venosa (procedimento cirúrgico que consiste na união de uma artéria a uma
veia para tornar um vaso de maior calibre e com isso aumentar o fluxo sanguíneo para
hemodiálise), e as próprias seções de hemodiálise.
Em nossa vivência na clínica presenciamos depoimentos de pacientes que
manifestavam o desejo e a angústia em se livrar da hemodiálise. Freqüentemente, nos
deparávamos com queixas e desesperanças dos pacientes, principalmente aqueles que
estavam há mais tempo em tratamento.
Certa vez, no setor de hemodiálise, presenciamos o sofrimento de um adolescente
portador de IRC, que após implantar o cateter de duplo lúmen foi ao encontro de seu pai na
sala de espera do setor. Quando ele o encontrou o adolescente começou a chorar,
perguntamos se estava com dor, ele disse que não, insistimos perguntando o que era, ele
respondeu que o cateter tinha ficado em uma posição que todos veriam, e ele estava com
vergonha. Presenciamos também, depoimento de paciente expressando o desejo de morrer,
pois não agüentava mais tanto sofrimento, se referindo as sucessivas passagens de cateteres
a que foi submetido e as intercorrências na hemodiálise. Outro paciente dizia sofrer
descriminação de outras pessoas que sentiam medo e até pena da sua situação. Outros,
diziam que não conseguiam mais arrumar emprego e nem voltar a estudar devido ao
tempo, pois tinha que realizar hemodiálise três vezes na semana por quatro horas.
A partir desta contextualização pensamos o quanto é fundamental para o cuidado de
enfermagem humanizado o desvelar da realidade de dor e sofrimento que circunda o
paciente renal. Ressalto que saaber o que este paciente pensa e, principalmente, o que ele
sente em relação às mudanças na sua vida é muito importante para compreende-lo e
assisti-lo de forma personalizada.
Segundo Capalbo (1994, p.386) uma das finalidades da enfermagem é justamente
"cuidar do outro, que implica na coexistência e na participação, o oposto, portanto, de um
tipo de "cuidar" que venha a ser manipulação e dominação". Para que possamos cuidar de
forma humanizada destes pacientes é necessário conhecermos a realidade do fenômeno que
ocorre no seu cognitivo, pois somente cuidamos de forma eficiente e eficaz do que
conhecemos.
Diante da nossa preocupação com a qualidade de vida desses pacientes e da
assistência de enfermagem, optamos por realizar este estudo buscando resposta a nossa
inquietação: Como a IRC interfere no estilo de vida do homem? Discutir este problema é
importante para que o profissional conhecendo o problema possa intervir principalmente
nas necessidades psicosocioespirituais, de forma mais efetiva subsidiada por crenças e
valores emergentes do estudo, que passam a direcionar a assistência em uma proposta
humanística, que apontem alternativas para a qualidade da assistência.
1.2 – Objetivo

Refletir a propósito das representações sociais de pacientes renais crônicos sobre a
doença, com vista em um cuidado de enfermagem humanizado.
PARTE 2 – METODOLOGIA
2.1 – Tipo de Estudo:
O estudo foi realizado com uma abordagem qualitativa, do tipo exploratóriodescritivo, adotando os pressupostos teóricos das representações sociais segundo a vertente
processual se pretende conhecer as principais implicações da doença na vida do paciente
renal crônico.
Segundo Chizzotti (2001, p.104), diz que “a pesquisa qualitativa objetiva, em geral,
provocar o esclarecimento de uma situação para uma tomada de consciência, a fim de
elaborar os meios e estratégias de resolve-los. Sobre o estudo descritivo, Trivinos (1987,
p.110) diz que “o estudo descritivo pretende descrever com exatidão os fatos e fenômenos
de determinada realidade”.
2.2 – Os Atores Sociais:
Os pacientes renais crônicos em hemodiálise foram os informantes do estudo. O
critério de seleção foi os pacientes pertencentes ao primeiro turno de hemodiálise que
aceitaram participar da entrevista. A opção pelo primeiro turno foi devido ser o período em
que acompanhamos o tratamento de forma integral.
2.3 – O Campo de Estudo:
O estudo foi realizado no setor de Hemodiálise de um hospital público da cidade de
Belém-Pa. O setor de Hemodiálise do referido hospital é composto por três turnos de
hemodiálise, sendo que cada turno possui doze vagas para pacientes de sorologia negativa;
duas vagas para pacientes com sorologia positiva para hepatite C e uma vaga para paciente
com sorologia positiva para hepatite B.
2.4 – A Coleta de Dados:
Utilizamos a entrevista não diretiva seguindo um roteiro contendo dados pessoais e
apenas uma pergunta específica: O que mudou na sua vida após ter se tornado um renal
crônico? (apêndice A). As entrevistas foram marcadas com vinte quatro horas de
antecedência mediante a disponibilidade do cliente. As respostas obtidas foram gravadas
com autorização dos entrevistados, sendo, portanto, cada entrevista realizada de maneira
individual.
Segundo Turato (2003, p.311), a entrevista não diretiva é definida como:
O ato de centração no cliente para compreender o problema tal como este se
sente e, por conseguinte, com atitudes de interesse aberto; atitudes de não
julgamento; atitudes de não diretividade; intenção autêntica de compreender; e
esforços contínuos para manter-se objetivo no transcorrer da entrevista.
2.5 – Aspectos Éticos
Os clientes que aceitaram participar da pesquisa leram e assinaram o termo de
consentimento esclarecido (apêndice B). Este termo atende à resolução 196 de outubro de
1996 do Conselho Nacional de Saúde, a qual regulariza e normatiza a pesquisa envolvendo
os seres humanos.
A coleta dos dados teve início após o consentimento livre e esclarecido dos sujeitos
e garantindo que os mesmo poderiam retirar todo o material no momento que solicitassem.
Para preservar o anonimato dos entrevistados utilizamos um código, garantindo os
aspectos éticos.
2.6 – Análise dos Dados:
Os dados foram submetidos à análise de conteúdo utilizando a técnica de análise
temática, que segundo Bardin (1970, p.65) diz que, “fazer uma análise temática consiste
em descobrir os núcleos do sentido que compõem uma comunicação cuja presença
signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”.
Para proceder a analise das entrevistas transcrevi na integra a fala dos sujeitos, para
dar continuidade com a pré-análise; a exploração do material; o tratamento dos resultados
obtidos; e a interpretação.
Pré-análise: Consistiu basicamente na seleção dos conteúdos das entrevista a serem
analisadas. Nesta etapa inclui-se a leitura flutuante, correspondendo a uma leitura
exaustiva do material, assimilando melhor todo o conteúdo. Na constituição do corpus o
material foi organizado no sentido da exaustividade, com a contemplação de todos os
elementos mencionados pelos sujeitos que dizem respeito ao tema pesquisado; a
representatividade foi significativa levando em consideração o conteúdo e sua abrangência
com relação ao objetivo do estudo; a homogeneidade tendo, o material coletado, passado
por um processo de escolha e finalmente a pertinência em que os documentos foram
adequados conforme o objetivo da análise.
Exploração do material: O material coletado foi classificado, agregado e
selecionado em categorias que emergiram dos depoimentos, visando alcançar o núcleo de
compreensão do texto.
Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: Os resultados obtidos foram
organizados e analisados de forma que permitiram colocar em destaque as informações
obtidas. Foram propostas inferências e realizadas as interpretações a luz do referencial
teórico das representações sociais.
PARTE 3: ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
3.1 - Características dos Sujeitos
Sujeitos
P1
Sexo
F
Idade
68
Tempo de
Tempo de
Doença
Hemodiálise
6 anos
2 anos e 8 meses
P2
F
58
14 anos
2 anos e 2 meses
P3
M
64
4 anos
4 anos
P4
F
38
6 anos
6 anos
P5
M
46
1 ano e 5 meses
8 meses
P6
M
33
8 meses
2 meses
P7
F
58
4 meses
4 meses
O quadro acima ilustra o total de sete entrevistados tendo predomínio do sexo
feminino, com faixa etária variando entre 33 a 68 anos de idade, com tempo de doença
renal crônica variando de 4 meses a 14 anos e tratamento dialítico de, hemodiálise,
variando de 2 meses a 6 anos.
Destaco que ao termino do material analisado elaboramos um único eixo temático:
a doença renal nas representações sociais de pacientes – este se desdobrou em 6
subunidades temáticas que serão comentadas a seguir:
3.2 - Mudanças Sociais
Todos os sujeitos do estudo mencionaram as mudanças nas relações sociais em
decorrência da patologia. Identificamos variáveis determinantes nas mudanças sociais
como: alimentação e hidratação, mudanças de habitat e interação social.
A metade dos sujeitos mencionou hidratação e alimentação como determinante das
mudanças sociais.
P4- “A comida, não poder comer isso nem aquilo, água eu não me deixo muito”
P5- “Eu bebia bastante água, não posso mais. Eu tinha um café da manhã pra ir, inventei
uma desculpa para não ir. Quando me convidam para aniversário, eu evito pra não causar
problemas pra mim”
P6- “Tem ainda a questão da alimentação que mudou completamente”
P7- “Eu gostava muito de comer... não posso mais. Adorava beber aquele copão de suco de
laranja e agora só posso tomar dois dedinhos. Às vezes, na hora do almoço, eu quero
repetir, mas minha filha fala: Mãe a senhora ta de dieta. Eu fico com raiva... você não pode
nada”
A este respeito Smeltzer e Bare (1998, p.898), diz que:
A restrição dietética é uma alteração muito perturbadora e desagradável no
estilo de vida de muitos pacientes com doença renal crônica, uma vez que os
alimentos e bebidas são importantes aspectos da socialização, os pacientes
geralmente se sentem estigmatizados quando na companhia de outros, pois
muitas vezes são poucas as opções alimentares para eles.
A alimentação e hidratação são necessárias para proporcionar o bom funcionamento
do organismo. A alimentação é a ingesta de nutrientes necessários para o equilíbrio
corporal, já a hidratação mantém em nível ótimo os líquidos corporais favorecendo o
metabolismo corporal. Com a doença renal esse equilíbrio é quebrado ficando água e
eletrólitos em excesso proporcionando prejuízo à saúde. Uma reeducação alimentar é
necessária, com seguimento de uma dieta rigorosa.
Em nossa sociedade desenvolveu-se o hábito cultural em valorizar o aspecto
alimentar como forma de inserção do indivíduo nos grupos sociais. Observa-se muito isso
em qualquer ambiente freqüentado, desde uma simples reunião de amigos até festas e
recepções, a comida e bebida sempre esta presente. Com a restrição alimentar imposta pela
patologia a pessoa sente-se marginalizada e diferente das outras pessoas, levando muitas
vezes ao isolamento social.
Quase tudo que envolve mudança, assusta e a adaptação ao novo hábito alimentar
não é tarefa fácil, principalmente em nosso meio cultural. No caso do paciente renal,
muitas vezes essa mudança é obrigatória, já que a dieta alimentar é parte fundamental do
tratamento, pois uma ingesta alimentar e hídrica desordenada pode colocar a vida do
paciente em risco.
Nos depoimentos observamos de forma clara a auto exclusão do indivíduo dos
grupos sociais devido serem portadores de patologias que impõem restrições dietéticas
com o objetivo de evitar distúrbios clínicos que podem levar a risco de vida.
Logo, devido à doença renal, é construído um comportamento de isolamento onde o
indivíduo limita-se a participar de atividades sociais.
Poucos sujeitos mencionaram a mudança de habitat em função da doença e seu
tratamento.
P6- “Com a doença tive que voltar para a casa da minha mãe. Eu morava com uma moça,
vivia com ela”
P7- “eu morava no Sul do Pará e vim morar em Belém. A mudança forte foi isso, tive que
deixar minha casinha lá. Não gosto nem de lembrar. Tive que deixar tudo, toda a minha
vida”
Pelo fato do tratamento de hemodiálise ser de alta complexidade em relação ao
atual programa de saúde vigente em nosso país, os centros de hemodiálise localizam-se
apenas nos centros urbanos fazendo com que haja deslocamento de indivíduos que habitam
no interior do Estado para estes centros urbanos. Devido o paciente precisar dialisar três
vezes na semana, fica difícil o retorno ao município de origem, dessa forma, precisando
mudar-se para cidade.
É importante citar que, além da mudança do espaço físico, muda toda a rotina de
vida em que a pessoa estava acostumada a viver. Junto com a casa que foram obrigados a
deixarem, fica também toda uma história de vida e hábitos rotineiros. A individualidade,
inerente do ser humano, é prejudicada uma vez que o seu espaço é mudado, tento que ir
conviver com outras pessoas. Importante também ressaltar, a inversão de valores que
muitas vezes ocorre, quando antes a pessoa tinha uma vida independente e agora fica
dependente de outros, como os pais ou os filhos, citados pelos depoentes, provocando
sentimentos de tristeza e impotência.
Devido às várias situações difíceis a que estão expostas, esta população está em
risco para alterações ao seu bem-estar psicológico e para o aparecimento de problemas de
adaptação que têm como conseqüência ausência do trabalho ou escola, separação dos
membros da família, menor mobilidade e perda de algum controle sobre as rotinas
quotidianas (SMELTZER E BARE, 1998).
A maioria dos informantes relatou mudanças na interação com os amigos e o meio
social.
P1- “Nós tínhamos uma vida social muito ativa, viajávamos muito, todo final de semana eu
estava fora. Eu sinto muita falta. Os amigos que nós tínhamos se afastaram todos, porque
deixei de ter contato”
P3- “Parei de freqüentar a sociedade, não vou a festa, recepção por não poder comer e
beber. Estamos em função da doença. Deixei de fazer o que eu fazia antes: amigos, bares,
churrascos”
P4- “As limitações, não poder sair, viajar. Eu adoro viajar... Às vezes tem festa no colégio
das minhas filhas, eu nunca posso ir porque é no sábado de manhã e eu to aqui. As minha
filhas cobram... Eu me sinto muito triste quando minhas filhas querem viajar... Ela me
chama pra sair a noite... mas eu não posso”
P5- “Eu era um cara que gostava de jogar bola, viajar, ir para o terreno e não posso mais. O
renal crônico não pode andar muito que cansa logo... esse mês de Julho todo mundo foi e
eu fiquei eu fui só em um fim de semana”
P6- “Eu adorava praticar esportes, agora não posso mais. Tive que me afastar do trabalho,
das festas”
P7- “Na minha cidadezinha todo mundo me conhecia, todo mundo era amigo. Aqui é
diferente, vim morar com minha filha... Ela me chama pra passear no shopping, mas digo
que não agüento, não posso”
O homem é um ser social e esta em constante interação com o meio e as pessoas.
Ele tem a necessidade de viver em grupo com o objetivo de interagir com os outros e
realizar trocas sociais. Isso é importante para o seu bem estar físico e mental.
O doente renal crônico vivencia uma brusca mudança no seu viver e convive com
limitações imposta pela doença, impondo restrições e perdas desgastantes para o cliente,
fazendo-se sentir muitas vezes, desestimulado com o único tipo de tratamento adotado até
este momento, que influencia de forma direta em todas as relações sociais.
Nos depoimentos observamos que eles participam de relacionamentos sociais em
quantidade insuficiente ou em qualidade ineficaz devido à doença e o tratamento, levando
a sentimentos de tristeza, a solidão e até isolamento social, dessa forma, comprometendo a
qualidade de vida.
Observa-se que o impacto do diagnóstico de uma doença incurável, a necessidade
de submissão a um tratamento longo e de resultados incertos, as limitações físicas, a
diminuição da vida social e, principalmente, a incerteza sobre o futuro podem ser citados
como os principais responsáveis pelo comprometimento da qualidade de vida desses
clientes. (LIMA & GUALDA, 2000)
3.3- Mudanças Econômicas
A metade dos informantes referiram mudanças no aspecto econômico depois da
doença.
P1- “Mudou tudo, tinha uma vida ativa mesmo aposentada eu trabalhava, depois disso,
acabou tudo, tive que fechar a padaria, o escritório. Ainda tentei trabalhar em casa, não deu
mais. A hemodiálise me deixa acabada. Eu entrei em depressão”
P6- “A mudança no lado financeiro porque gastamos muito com remédios”
P7- “Eu era uma pessoa muito ativa, tinha um comércio, uma lanchonete, tomava conta de
lá, trabalhava e tomava conta da minha casinha”
Para Barbosa et al (1999), os doentes renais se defrontam com diversas situações
geradoras de limitações para suas atividades. Eles têm freqüentemente graves problemas
financeiros e insegurança em relação a empregos. Devido ao tempo gasto com o tratamento
de hemodiálise e os efeitos sintomáticos da doença.
A doença também afeta a estrutura financeira , pois percebemos que muitos deles
deixam de trabalhar e estudar devido a doença. Podendo levar a sentimentos de
incapacidades, pois se sabe que o trabalho dignifica o homem no seu meio social.
Em nossa vivência na hemodiálise podemos perceber uma forte mudança
econômica na vida dos pacientes. Isso é observado devido ao abandono do trabalho em
decorrência do trabalho e efeitos sistêmicos da doença, além disso, é grande o gasto com
medicamentos. Com isso, muitos passam a depender da ajuda financeira dos parentes.
Para uma pessoa ativa profissionalmente e até dependente financeiramente, é de
grande impacto esta mudança e o principal sentimento observado é de impotência perante a
vida.
3.4 - Sexualidade
Quase metade dos informantes mencionou mudanças na sexualidade após o
aparecimento da doença.
P2- “Eu era esperta pro sexo, não tenho vontade de fazer... depois da hemodiálise não há
prazer, é frieza...”
P3- “O relacionamento sexual é prejudicado pela medicação que leva a impotência, além
da idade, com a medicação sua vida sexual cai a zero...”
P6- “Outra mudança é que os efeitos dos remédios causam a falta do desejo sexual e pra
mim que sou novo me incomoda muito”
A disfunção sexual não possui causa conhecida, mas fatores orgânicos, como
alterações hormonais, exercem grande influência em ambos os sexos. A impotência atinge
70% dos homens, e as mulheres, embora assumindo com menor freqüência, relatam perda
da libido e diminuição do orgasmo durante o ato sexual (CARDOSO, 1999).
Sexualidade é a necessidade de integrar aspectos somáticos, emocionais,
intelectuais e sociais do ser, com o objetivo de obter prazer e consumar o relacionamento
sexual com o parceiro ou parceira e procriar. Por ser uma necessidade básica do ser
humano, a falta do sexo devido limitações imposta pelo tratamento, gera conflitos de
natureza pessoal e social, uma vez que, o sexo é também utilizado como terapia contra o
estresse, já que a própria doença já é um fator estressante.
Dessa forma se observa como a sexualidade do indivíduo é afetada pela doença por
alterações orgânicas e pelo desgaste físico e emocional imposto pelo tratamento. Além
disso, doença também pode produzir outros estressores como problemas no relacionamento
conjugal.
3.5 – Projeto de Vida
A metade dos sujeitos informou que mudaram seu projeto de vida com o
aparecimento da doença, ficando condicionado a patologia.
P2- “Eu tinha projeto de vida, depois fui perdendo devido à perspectiva da hemodiálise”
P4- “Sonho em fazer transplante, fico grudada no telefone esperando a ligação do hospital.
É a minha única esperança”
P5- “A doença me prendeu muito... mas to fazendo os exames, me cuidado pra daqui a um
ano, se Deus quiser, eu fazer transplante”
P6- “Eu estava fazendo cursinho para o vestibular e tive que parar para fazer o
tratamento... To aguardando os testes de compatibilidade dos meus irmãos pra fazer
transplante renal e saí dessa vida”
Com isso, para alguns indivíduos a vida passa a girar em torno da doença e do
tratamento, enquanto para outros a hemodiálise representa uma esperança de vida diante da
irreversibilidade da doença e na expectativa do transplante renal. O transplante renal
configura-se para a grande maioria como uma fonte de esperança para alcançar uma vida
melhor e, mesmo não sendo a solução definitiva para os seus problemas, é a melhor opção
de que dispõe. (LIMA & GUAL DA, 2000)
Em todos os depoimentos colhidos observamos que os depoentes enfatizaram a
necessidade de mudar os seus projetos de vida de acordo com suas necessidades
estabelecidas pela patologia e o tratamento, principalmente em relação a espera pelo
transplante renal.
Os seres humanos vivem em função de projetos de vida a serem alcançados e
quando sofrem mudanças bruscas em sua vivência estes têm que se adaptar de forma
traumática a nova situação o que gera conflitos internos e com o meio. O ser renal crônico,
além de ter que se adaptar ao quadro patológico e ao tratamento, também tem que
reformular grande parte dos seus projetos, vinculando eles com a necessidade de
tratamento e que, neste momento, a cura se torna o principal objetivo de vida.
Observo que quanto menor a idade da instalação da doença e o seu tratamento,
maiores as mudanças em seus projetos de vida. Evidencio que apesar do transplante renal
não ser a cura definitiva da doença renal crônica, apresentando-se como uma alternativa de
tratamento, observamos que eles têm esperanças e perspectivas de cura com o transplante,
apesar de que nem sempre isso acontece, pois se sabe que o transplante renal é uma
alternativa de tratamento que pode ou não levar a uma melhor qualidade de vida.
4.6 - Atividades de vida diária
Quase todos os sujeitos tiveram que mudar as atividades de vida diária em função
da patologia, sendo marcado mais por abandono das suas atividades.
P1- “Depois disso acabou tudo...”
P2- “Depois da hemodiálise mudou muito... a diálise me prende”
P3- “Deixei de fazer o que eu fazia antes... Tempo perdido no dia da hemodiálise, pelo
horário do turno que é o terceiro, os controles laboratoriais e medicações”
P4- “Essas quatro horas são um saco... Antes eu adorava arrumar a casa, agora não posso
mais, tenho medo de fazer força”
P5- “A doença me prendeu muito”
P6- “Isso aqui muda muito a sua vida, vivemos escravos dessa máquina. Perdemos a
manhã toda. Quando você sai daqui, você não sai bem, aí tem que ir pra casa descansar e
quando vê já são quatro horas da tarde, aí já perdeu o dia todo, fora quando você sai daqui
e tem consulta médica”
P7- “Aqui não posso fazer nada porque eu não agüento, não consigo fazer um café por
causa da canseira”
Para Smeltzer e Bare (1998), a insuficiência renal crônica e a diálise impõem uma
modificação brusca no estilo de vida, pois o tempo para as atividades físicas, sociais e
hábitos, são necessários para o tratamento, causando frustração, culpa e depressão.
As mudanças das atividades de vida diária imposta pela doença se retrata de forma
marcante na fala dos depoentes, pois o fato de estar em tratamento dialítico requer
adaptações necessárias para dar continuidade a vida, já que esta é a única forma de
restabelecer as disfunções orgânicas.
Antes de adoecer o indivíduo possui uma rotina de vida própria, dividindo suas
atividades com o trabalho, o lar e o laser, com responsabilidades perante a sociedade e a
família. Com a doença renal essa rotina é alterada principalmente devido ao tratamento
dialítico que requer quatro horas por dia três vezes na semana, além disso, o portador de
doença renal precisa de acompanhamento médico e laboratorial constante, pois
desequilíbrios hidroeletrolíticos precisam ser corrigidos imediatamente.
Essa rotina de tratamento é estressante para o paciente e obriga a mudar toda a sua
rotina de vida anterior, muitas vezes tendo que abandonar algumas atividades em função
do tratamento da doença renal. Esse abandono de atividades causa frustração e impotência
perante a própria vida devido a perda de autonomia.
É importante ressaltar que mesmo que haja adaptação com a nova rotina de vida
depois da doença, o paciente ainda fica sujeito aos efeitos da doença e do tratamento, como
canseira e fraqueza, o que prejudica o desenvolvimento das atividades.
4.7 – Estigma Social
Apenas um informante relatou algum tipo de discriminação após a doença.
P6- “Tem pessoas que te vê com outros olhos, principalmente quando você esta com esse
troço no pescoço (cateter)... Outro dia, a sogra dessa moça que eu vivia falou pra ela não
deixar o Adriano (filho dela) ficar muito perto porque ele poderia pegar a doença. As
pessoas são muito leigas”
O paciente renal crônico, além de passar por alterações biológicas, emocionais e no
estilo de vida, ainda tem que enfrentar a discriminação de outras pessoas, principalmente
quanto há exposição de cateter e exacerbação do desenvolvimento da fístula. Apesar de
apenas um relato na pesquisa de discriminação, observamos em nossa vivência vários
relatos estigmatizantes fornecidos pelos pacientes causando sentimentos de tristeza e
revolta.
Muitas vezes, quando algo foge dos padrões da sociedade, a tendência é gerar
discriminação mesmo sem antes conhecer o real fato que esta por trás do acontecimento.
Os pacientes submetidos ao tratamento de hemodiálise, devido ao cateter ou fístula, ficam
sujeitos a idéias pré-concebidas de pessoas que não tem o conhecimento da doença e do
tratamento e dessa forma podem sofrer discriminação de outras pessoas prejudicando o seu
relacionamento social e muitas vezes contribuindo para o isolamento social.
Com isso, os pacientes renais crônicos acabam se tornando desanimados,
desesperados e muitas vezes por estas razões ou por falta de orientação acabam
abandonando o tratamento ou não dando a importância aos cuidados que deveriam ter.
(SILVA, 2002)
4.8 – Religião/ Espiritualidade
Apenas um informante relatou a importância da religião após a doença.
P7- “É uma doença muito ruim. Vou muito a igreja rezar. É uma doença muito ruim”
Observamos apenas um relato sobre a necessidade do paciente procurar ajuda
espiritual para diminuir seu sofrimento diante da doença renal crônica. Apesar do pouco
relato da necessidade espiritual, observamos na vivência com pacientes em hemodiálise a
grande manifestação da espiritualidade quando relatam a esperança da cura. É uma
necessidade inerente aos seres humanos e está vinculada a fatores necessários para o
estabelecimento de um relacionamento entre a pessoa e uma entidade superior com
objetivo de proporcionar bem-estar espiritual.
Essa necessidade deriva dos valores e crenças dos indivíduos, tais como opção por
uma maneira de encarar a doença e o tratamento, o apoio espiritual dos que compartilham a
suas crenças, espaço para expressar suas crenças, e assim por diante. (LEOPARDI, 1999)
PARTE 5 – CONCLUSÃO
Nesta pesquisa trabalhamos o conhecimento das mudanças decorrentes da
insuficiência renal crônica no estilo de vida do paciente renal crônico com a finalidade de
nortear uma assistência de enfermagem humanizada voltada para as necessidades humanas
básicas afetadas desses pacientes.
É cada vez maior a discussão sobre a importância de prestar uma assistência de uma
maneira holística, levando-se em consideração, além dos aspectos biológicos, os aspectos
sociais, psíquicos e culturais do paciente. Juntamente com o cuidar holístico, a assistência
humanizada vem ganhando grande repercussão a cada ano, buscando, dessa forma, prestar
uma assistência com a melhor qualidade possível.
Para isso, torna-se fundamental que os profissionais atuantes neste serviço
empreguem esforços contínuos para o reconhecimento das necessidades humanas afetadas,
percebendo e identificando as necessidades e expectativas individuais dos clientes. Ao
estarem alerta e sensíveis para tais aspectos, certamente poderão explorar as possibilidades
de escolha existentes e criar condições de mudanças para possibilitar, além do
prolongamento da sobrevida, a melhoria da qualidade de vida do cliente renal crônico
submetido à hemodiálise.
Com a pesquisa identificamos as principais mudanças na vida do doente renal
crônico e o impacto causado pela doença e tratamento ocasiona alterações de aspecto
físico, psicológico, social e familiar, devido à imprevisibilidade de sua doença e a
interrupção de seus estilos de vida, interferindo negativamente nas interações sociais com
os indivíduos e o meio.
As principais mudanças identificadas com a pesquisa foram às mudanças sociais,
no aspecto hídrico-alimentar e na interação social, mudanças no aspecto financeiro, na
sexualidade, nos projetos de vida e nas atividades diárias. Além dessas mudanças, ainda
apareceu na pesquisa o aspecto estigmatizante e a espiritualidade, que apesar de apenas um
relato na pesquisa, pode-se presenciar outros depoimentos de pacientas durante nossa
vivência na hemodiálise.
Com isso percebe-se que na vida do paciente renal crônico ocorrem muitas
mudanças, e quase tudo em sua vida passa a girar em torno da doença e do tratamento, o
que prejudica a qualidade de vida desses pacientes.
Com isso, é importante mencionar que mudanças bruscas em seu estilo de vida
devido ao tratamento, diminuem as atividades sociais, o que pode gerar conflitos,
frustrações, culpas ou depressões no paciente e na família que pode considera-lo um ser
com limitada expectativa de vida.
Pretendemos, dessa forma, contribuir para a melhoria da assistência de
enfermagem, na medida que o enfermeiro tem como função expressiva à ajuda ao paciente
na manutenção do equilíbrio, da motivação e o apoio a tentativas para unir a experiência da
enfermidade e do tratamento, criando situações que reduzam sua tensão e auxiliando-o na
adaptação ao processo saúde-doença. Cabe a ele descobrir e identificar problemas, definir
necessidades e planejar assistência adequada.
REFERENCIAS
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.
SMELTZER, Suzane C.; BARE, Brenda G. Brunner & Suddarth Tratado de Enfermagem
Médico-Cirúrgica. 10 ed. RJ: Guanabara Koogan, 2006. 3v.1217 – 1268.
CARDOSO, Selma. Alterações Comportamentais em renais Crônicos. Nursing, Rio de Janeiro,
n-12, P.17-18. Maio 1999. Ano 2.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 5ª edição. São Paulo: Cortez,
2001.
LEOPARDI, Maria Tereza. Metodologia da pesquisa na saúde. 2ª edição ver. e atual.
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