COMUNIDADE CATÓLICA PORTA FIDEI COMISSÃO DE ESPIRITUALIDADE TEMPO DA QUARESMA 2017 MENSAGEM DO PAPA EMÉRITO BENTO XVI PARA A QUARESMA DE 2007 «Hão-de olhar para aquele que trespassaram» (Jo 19, 37) Queridos irmãos e irmãs! "Hão-de olhar para Aquele que trespassaram" (Jo 19, 37). Este é o tema bíblico que guia este ano a nossa reflexão quaresmal. A Quaresma é tempo propício para aprender a deter-se com Maria e João, o discípulo predilecto, ao lado d'Aquele que, na Cruz, cumpre pela humanidade inteira o sacrifício da sua vida (cf. Jo 19, 25). Portanto, dirijamos o nosso olhar com participação mais viva, neste tempo de penitência e de oração, para Cristo crucificado que, morrendo no Calvário, nos revelou plenamente o amor de Deus. Detive-me sobre o tema do amor na Encíclica Deus caritas est, pondo em realce as suas duas formas fundamentais: o agape e o eros. O amor de Deus: agape e eros A palavra agape, muitas vezes presente no Novo Testamento, indica o amor oblativo de quem procura exclusivamente o bem do próximo; a palavra eros denota, ao contrário, o amor de quem deseja possuir o que lhe falta e anseia pela união com o amado. O amor com o qual Deus nos circunda é sem dúvida agape. De facto, pode o homem dar a Deus algo de bom que Ele já não possua? Tudo o que a criatura humana é e possui é dom divino: é portanto a criatura que tem necessidade de Deus em tudo. Mas o amor de Deus é também eros. No Antigo Testamento o Criador do universo mostra para com o povo que escolheu uma predilecção que transcende qualquer motivação humana. O profeta Oseias expressa esta paixão divina com imagens audazes, como a do amor de um homem por uma mulher adúltera (cf. 3, 1-3); Ezequiel, por seu lado, falando do relacionamento de Deus com o povo de Israel, não receia utilizar uma linguagem fervorosa e apaixonada (cf. 16, 1-22). Estes textos bíblicos indicam que o eros faz parte do próprio coração de Deus: o Omnipotente aguarda o "sim" das suas criaturas como um jovem esposo o da sua esposa. Infelizmente desde as suas origens a humanidade, seduzida pelas mentiras do Maligno, fechou-se ao amor de Deus, na ilusão de uma impossível auto-suficiência (cf. Gn 3, 1-7). Fechando-se em si mesmo, Adão afastou-se daquela fonte de vida que é o próprio Deus, e tornou-se o primeiro daqueles "que, pelo temor da morte, estavam toda a vida sujeitos à escravidão" (Hb 2, 15). Deus, contudo, não se deu por vencido, aliás o "não" do homem foi como que o estímulo decisivo que o levou a manifestar o seu amor em toda a sua força redentora. A Cruz revela a plenitude do amor de Deus É no mistério da Cruz que se revela plenamente o poder irresistível da misericórdia do Pai celeste. Para reconquistar o amor da sua criatura, Ele aceitou pagar um preço elevadíssimo: o sangue do seu Filho Unigénito. A morte, que para o primeiro Adão era sinal extremo de solidão e de incapacidade, transformou-se assim no acto supremo de amor e de liberdade do novo Adão. Pode-se então afirmar, com São Máximo, o Confessor, que Cristo "morreu, se assim se pode dizer, divinamente, porque morreu livremente" (Ambigua, 91, 1056). Na Cruz manifestase o eros de Deus por nós. Eros é de facto como se expressa o Pseudo-Dionísio aquela "força que não permite que o amante permaneça em si mesmo, mas o estimula a unir-se ao amado" (De divinis nominibus, IV, 13: PG 3, 712). Qual "eros mais insensato" (N. Cabasilas, Vita in Cristo, 648) do que aquele que levou o Filho de Deus a unir-se a nós até ao ponto de sofrer como próprias as consequências dos nossos delitos? "Aquele que trespassaram" Queridos irmãos e irmãs, olhemos para Cristo trespassado na Cruz! É Ele a revelação mais perturbadora do amor de Deus, um amor em que eros e agape, longe de se contraporem, se iluminam reciprocamente. Na Cruz é o próprio Deus que mendiga o amor da sua criatura: Ele tem sede do amor de cada um de nós. O apóstolo Tomé reconheceu Jesus como "Senhor e Deus" quando colocou o dedo na ferida do seu lado. Não surpreende que, entre os santos, muitos tenham encontrado no Coração de Jesus a expressão mais comovedora deste mistério de amor. Poder-se-ia até dizer que a revelação do eros de Deus ao homem é, na realidade, a expressão suprema do seu agape. Na verdade, só o amor no qual se unem o dom gratuito de si e o desejo apaixonado de reciprocidade infunde um enlevo que torna leves os sacrifícios mais pesados. Jesus disse: "E Eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a Mim" (Jo 12, 32). A resposta que o Senhor deseja ardentemente de nós é antes de tudo que acolhamos o seu amor e nos deixemos atrair por Ele. Mas aceitar o seu amor não é suficiente. É preciso corresponder a este amor e comprometer-se depois a transmiti-lo aos outros: Cristo "atrai-me para si" para se unir comigo, para que eu aprenda a amar os irmãos com o seu mesmo amor. Sangue e água "Hão-de olhar para Aquele que trespassaram". Olhemos com confiança para o lado trespassado de Jesus, do qual brotam "sangue e água" (Jo 19, 34)! Os Padres da Igreja consideraram estes elementos como símbolos dos sacramentos do Baptismo e da Eucaristia. Com a água do Baptismo, graças à acção do Espírito Santo, abre-se para nós a intimidade do amor trinitário. No caminho quaresmal, recordando o nosso Baptismo, somos exortados a sair de nós próprios e a abrir-nos, num abandono confiante, ao abraço misericordioso do Pai (cf. São João Crisóstomo, Catechesi, 3, 14 ss.). O sangue, símbolo do amor do Bom Pastor, flui em nós especialmente no mistério eucarístico: "A Eucaristia atrai-nos para o acto oblativo de Jesus... somos envolvidos na dinâmica da sua doação" (Enc. Deus caritas est, 13). Vivamos então a Quaresma como um tempo "eucarístico", no qual, acolhendo o amor de Jesus, aprendemos a difundi-lo à nossa volta com todos os gestos e palavras. Contemplar "Aquele que trespassaram" estimular-nos-á desta forma a abrir o coração aos outros reconhecendo as feridas provocadas à dignidade do ser humano; impulsionar-nos-á, sobretudo, a combater qualquer forma de desprezo da vida e de exploração da pessoa e a aliviar os dramas da solidão e do abandono de tantas pessoas. A Quaresma seja para cada cristão uma experiência renovada do amor de Deus que nos foi dado em Cristo, amor que todos os dias devemos, por nossa vez, "dar novamente" ao próximo, sobretudo a quem mais sofre e é necessitado. Só assim poderemos participar plenamente da alegria da Páscoa. Maria, a Mãe do Belo Amor, nos guie neste itinerário quaresmal, caminho de conversão autêntica ao amor de Cristo. Desejo a vós, queridos irmãos e irmãs, um caminho quaresmal proveitoso, enquanto com afecto envio a todos uma especial Bênção Apostólica. Vaticano, 21 de Novembro de 2006. PASSOS INICIAIS PARA ORAÇÃO NA PRIMEIRA SEMANA: 1) Neste início de quaresma, suplique a vinda do Espírito Santo para melhor conduzi-lo em seu momento de oração, concedendo-lhe os frutos e as graças necessárias para pôr em prática no dia a dia. 2) Peça perdão pelos seus pecados e clame a misericórdia do Senhor. 3) Leia atentamente e medite o Salmo 119(118) 1-8. 1º DIA – MT 4, 1-11 1) Leia atentamente a passagem bíblica e reflita: a) Ao iniciarmos nosso itinerário rumo à Páscoa do Senhor, somos convidados a nos unir a seu sofrimento, a cada doloroso passo dado por Ele diante da luta singular que liberta o homem do pecado. Nossos jejuns e sacrifícios são sinais internos de que repulsamos por completo o pecado e, ao aumentarmos a intensidade de nossas orações, consequentemente nos aproximamos de Deus. A consequência natural de tal movimento de encontro de nossa alma com o Deus que padece na Cruz, é a tentação do demônio que deseja impedir essa união mística. Nem o próprio Cristo deixou de ser tentado, quanto mais nós. Recorde em quais momentos de sua vida a tentação conseguir separar a sua unidade com Deus e reflita como estava sua vida de oração nestas oportunidades. b) A tentação usa como artificio os prazeres da vida e todas as coisas boas que queremos. Ela se manifesta de forma agradável e ilude-nos ao mostrar os falsos benefícios que podemos conquistar ao curvar-nos para o Demônio. O cristão que ama verdadeiramente seu mestre e Senhor, renuncia por completo a estes prazeres e escolhe ser fiel a Deus, pois somente a Ele se deve prestar culto e adoração. Sabendo que o mundo todos os dias lhe leva a tais situações, peça ao Bom Jesus, chagado de espinhos, que lhe de a graça de ser firme e a resistir a tudo o que de ruim pode lhe ser oferecido. Peça a intercessão de Maria Santíssima que foi fiel até o último momento. c) Jesus ama perfeitamente o Pai. Ao renunciar a tentação por três vezes, Ele reconhece e nos mostra que somente a Deus devemos amar com todo o coração, como toda nossa alma e com todas as nossas forças. Peça perdão a Deus por todas as vezes em que não O amaste e O renunciaste. Suplique a força e a efusão do Santo Espírito, sopro de vida do Pai, para que nunca deixe de ama-Lo. d) Procure o Sacramento da Penitencia e apresente a Cristo todas as suas quedas e acredite no perdão que lhe será dado por Deus, pelo sacerdote, em nome da Igreja. e) Reze a Oração Universal do Papa Clemente XI. (Encontra-se no final do material) 2º DIA – MT 25, 31-46 1) Leia atentamente a passagem bíblica e reflita: a) O tempo quaresmal é, por sua natureza, um tempo propício para a vivência da caridade. Cristo Jesus ao entregar-se por amor de seus irmãos, fazendo-se vítima na Cruz, ensinou-nos o perfeito exemplo da caridade: amar ao próximo até as últimas consequências; basta olharmos para o sacramento da Eucaristia. Todos os dias somos postos a prova de como andar nossa caridade para aqueles que estão ao nosso redor: em casa, na escola, na faculdade, no trabalho; faça um exame de consciência levando em consideração este aspecto e reflita, com profunda sinceridade, em quais situações você ainda precisa melhorar a pratica da caridade. b) Pratique uma obra de misericórdia corporal. c) Reze a Oração Universal do Papa Clemente XI. (Encontra-se no final do material) 3º DIA – MT 5, 20-26 1) Leia atentamente a passagem bíblica e reflita: a) A verdadeira celebração da Páscoa exige que, como irmãos, celebremos unidos a ressureição do Senhor. Os apóstolos estávamos reunidos, em comunidade, na presença da Virgem Santíssima e juntos receberam a visita do Ressuscitado. Como Comunidade Porta Fidei, precisamos estar em perfeita unidade uns com os outros para também nós nos alegrarmos e cantarmos de coração sinceros o grande Glória na Vigília Pascal. Para isto, traga em seu coração todos os seus irmãos que estão afastados de ti e questione-se por que. Examine suas atitudes e reconheça suas faltas e erros. b) Peça a graça do arrependimento e com humildade busque nestes próximos dias ir ao encontro deste seu irmão ou desta sua irmã que precisa ouvir de você um sincero pedido de desculpas. Encontre, em um gesto concreto, manifestar este arrependimento. c) Reze a Oração Universal do Papa Clemente XI. (Encontra-se no final do material) 4º DIA – JN 3, 1-10 1) Leia atentamente a passagem bíblica e reflita: a) Coloque-se como um habitante na cidade de Nínive, a mesma com o qual Deus ameaça de destruição, caso sua população não se convertesse. Imagine-se naquele lugar onde só existe espaço para as tentações do demônio. Sabendo disto, reconheça se você estaria pronto para a vinda do Senhor. b) Uma das formas de santificação dos ninivitas foram os jejuns oferecidos a Deus que acolheu de bom grado e poupou a cidade de sua ira. Escolha um dia para realizar um grande jejum pedindo a sua conversão pessoal. c) Reze a Oração Universal do Papa Clemente XI. (Encontra-se no final do material) 5º DIA – MT 7, 7-12 1) Leia atentamente a passagem bíblica e reflita: a) Deus conhece o nosso íntimo e sabe de todas as nossas necessidades. Mas Ele deseja ardentemente que O busquemos para apresentar tudo o que se passa em nossos corações. Assim como uma criança que precisa chorar para ser amamentada por sua mãe, devemos elevar constantemente nossas orações e súplicas a Deus. Eleve um grande clamor neste momento aos céus, e peça tudo o que você precisa. Reze no Espírito e deixe que Ele leve ao trono do altíssimo seus pedidos. Peça a graça da conversão, da santidade, da fidelidade, do amor, da perseverança, da pureza, da caridade, da humildade, da constância, da modéstia; peça enfim a graça de chegar à Páscoa como um homem novo, lavado nas águas do batismo e tenha a real confiança que irás receber tudo aquilo que precisas do Pai Amado. b) Reze a Oração Universal do Papa Clemente XI. (Encontra-se no final do material) 6º DIA – VIA-SACRA Neste dia, reze com piedade a Via-Sacra que se encontram no final do material. 7º DIA – SL 50 a) Coloque-se no lugar do salmista e entoe um hino de misericórdia, de perdão. Peça a graça do amor de Deus b) Reze a Oração de Nossa Senhora das Dores. (Encontra-se no final do material) Oração Universal (do Papa Clemente XI) Senhor, creio em Vós, fazei que creia com mais firmeza; espero em Vós, fazei que espere com mais confiança; amo-vos, aumentai o meu amor; arrependo-me, avivai a minha dor. Adoro-Vos como primeiro princípio; desejo-Vos como último fim; exalto-Vos como benfeitor perpétuo; invoco-Vos como defensor propício. Dirigi-me com a vossa sabedoria; atai-me com a vossa justiça; consolai-me com a vossa clemência; protegei-me com o vosso poder. Ofereço-vos os meus pensamentos, para que se dirijam a Vós; as minhas palavras, para que falem de Vós; as minhas obras, para que sejam vossas; as minhas contrariedades, para que as aceite por Vós. Quero o que quereis, quero porque o quereis, quero como o quereis, quero enquanto o quiserdes. Senhor, peço-Vos que ilumineis a minha mente, inflameis a minha vontade, limpeis o meu coração, santifiqueis a minha alma. Que me afaste das faltas passadas; rejeite as tentações futuras; corrija as más inclinações; pratique as virtudes necessárias. Concedei-me, Deus de bondade, amor por Vós; zelo pelo próximo; desprezo pelo mundano. Que saiba obedecer aos superiores, ajudar os inferiores, acolher os amigos, perdoar os inimigos. Que vença a sensualidade com a mortificação, a avareza com a generosidade, a ira com a bondade, a tibieza com a piedade. Fazei-me prudente nos conselhos, constante nos perigos, paciente nas contrariedades, humilde na prosperidade. Que procure ter inocência interior, modéstia exterior, conversa exemplar, vida ordenada. Que lute para dominar a minha natureza, fomentar a graça, servir a vossa lei e obter a salvação. Que aprenda de Vós como é pouco o terreno, como é grande o divino, como é breve o tempo, como é duradouro o eterno. Fazei-me preparar a morte, temer o juízo, evitar o inferno e alcançar o paraíso. Por Cristo Nosso Senhor. Amém. Oração a Nossa Senhora das Dores Nossa Senhora das Dores, eu te apresento todas as minhas necessidades, mágoas, tristezas, misérias e sofrimentos. Ó Mãe das dores e rainha dos mártires, que tanto sofreste ao ver teu Filho flagelado, escarnecido e morto para me salvar, acolhe minhas preces. Mãe amável, concede-me uma verdadeira contrição dos meus pecados e uma sincera mudança de vida. Nossa Senhora das Dores, que estiveste presente no calvário de Nosso Senhor Jesus Cristo, fica também presente nos meus calvários. Por piedade, ó advogada dos pecadores, não deixes de amparar a minha alma na aflição e no combate espiritual que a todo momento estou sujeito a travar. Nossa Senhora das Dores, quando as dores vierem e os sofrimentos chegarem, não me deixes desanimar. Mãe das dores, envolve-me em teu sagrado manto e ajuda-me a passar pelo vale de lágrimas. Salve Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve! A vós bradamos os degredados filhos de Eva. A vós suspiramos, gemendo e chorando, neste vale de lágrimas. Eia pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto de Vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Permanece conosco e dá-nos o teu auxílio, para que possamos converter as lutas em vitórias, e as dores em alegrias. Roga por nós, ó Mãe, porque não és apenas a Mãe das dores, mas também a Senhora de todas as graças. Nossa Senhora das Dores, fortalece-me nos sofrimentos da vida. (3x) Amém. VIA-SACRA PRIMEIRA ESTAÇÃO Jesus no Horto das Oliveiras V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas. 22, 39-46 Saiu então, e foi, como de costume, para o Monte das Oliveiras. E os discípulos seguiram também com Ele. Quando chegou ao local, disse-lhes: «Orai, para que não entreis em tentação». Depois afastou-Se bruscamente deles até à distância de um tiro de pedra, aproximadamente; e, posto de joelhos, começou a orar, dizendo: «Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice; não se faça, contudo, a Minha vontade, mas a Tua». Então vindo do Céu, apareceu-Lhe um anjo que O confortava. Cheio de angústia, pôs-Se a orar mais instantemente, e o suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue, que caiam na terra. Depois de ter orado, levantou-Se e foi ter com os discípulos, encontrando-os a dormir, devido à tristeza. Disse-lhes: «Por que dormis? Levantai-vos e orai, para que não entreis em tentação». MEDITAÇÃO Quando o véu das sombras desce sobre Jerusalém, as oliveiras do Getsémani parecem-nos reconduzir, ainda hoje, com o sussurrar das suas folhas, àquela noite de sofrimento e de oração vivida por Jesus. Ele se destaca solitário, no centro da cena, ajoelhado no chão daquele jardim. Como cada pessoa que está diante da morte, também Cristo se sente afligido pela angústia; aliás, a palavra originária que o evangelista Lucas utiliza é «agonia», ou seja, luta. Então, a oração de Jesus é dramática, tensa como num combate, e o suor estriado de sangue que se escorre pelo seu rosto é sinal de um tormento áspero e duro. O grito é lançado para o alto, em direção ao Pai que parece misterioso e mudo: «Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice», o cálice da dor e da morte. Também um dos grandes Pais de Israel, Jacó, em uma noite escura na margem de um afluente do Jordão tinha encontrado Deus como uma pessoa misteriosa, que «lutara com ele até o surgir da aurora» (2). Rezar em tempo de prova é uma experiência que perturba corpo e alma e também Jesus, nas trevas daquela noite, «oferece orações e súplicas com fortes gritos e lágrimas àquele que pode libertá-lo da morte» (3). No Cristo do Getsémani, em luta com a angústia, reencontramo-nos a nós mesmos quando atravessamos a noite da dor lancinante, da solidão dos amigos, do silêncio de Deus. É por isso que Jesus – como foi dito - «estará em agonia até o fim dos tempos: não é necessário dormir até àquele momento pois ele procura companhia e conforto» (4), como todo sofredor da terra. Nele descobrimos também o nosso rosto, quando é regado pelas lágrimas e é marcado pela desolação. Mas a luta de Jesus não chega à tentação da rendição desesperada, mas à profissão de confiança no Pai e no seu misterioso desígnio. São as palavras do «Pai nosso» que ele repropõe naquela hora amarga: «Orai para que não entreis... não se faça, contudo, a Minha vontade, mas a Tua». E eis que então, aparece o anjo da consolação, do apoio e do conforto que auxilia Jesus e a nós a continuar até o final o nosso caminho. Todos: Pater noster, qui es in cælis: sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Stabat mater dolorosa, iuxta crucem lacrimosa, dum pendebat Filius. SEGUNDA ESTAÇÃO Jesus, traído por Judas, é preso V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 22, 47-53 Estava Ele ainda a falar quando surgiu uma multidão de gente, precedendo-os um dos doze, o chamado Judas, que caminhava à frente, e aproximou-se de Jesus para O beijar. Jesus disse-lhe: «Judas, é com um beijo que entregas o Filho do Homem?» Vendo aqueles que O cercavam o que ia suceder, perguntaram-lhe: «Senhor, ferimo-los à espada?» E um deles feriu um servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. Mas Jesus interveio, dizendo: «Já basta, deixai-os». E, tocando na orelha, curou-o. Depois, disse aos que tinham vindo contra Ele, aos príncipes dos sacerdotes, aos oficiais do Templo e aos anciãos: «Vós saístes com espadas e varapaus, como se fôsseis ao encontro dum salteador? Estando Eu todos os dias convosco no Templo, não Me deitastes as mãos; mas esta é a vossa hora e o domínio das trevas». MEDITAÇÃO Entre as oliveiras do Getsémani, imerso nas trevas, aproxima-se agora uma pequena multidão: a guiá-la, Judas «um dos Doze», um discípulo de Jesus. Na narrativa de Lucas, ele não pronuncia sequer uma palavra, é apenas uma gélida presença. Parece até que não consegue aproximar-se completamente do rosto de Jesus para beijá-lo, interrompido pela única voz que ressoa, a de Cristo: «Judas, com um beijo entregas o Filho do homem?». São palavras dolentes, mas firmes que revelam o emaranhado maligno que se aninha no coração agitado e endurecido do discípulo, talvez iludido e desiludido e, depois, desesperado. Aquela traição e aquele beijo tornaram-se, ao longo dos séculos, o símbolo de todas as infidelidades, apostasias e enganos. Cristo, portanto, encontra uma outra prova, a da traição que gera abandono e isolamento. Não é a solidão a ele cara quando se retirava nos montes para rezar, não é a solidão interior, fonte de paz e de tranquilidade, pois, com ela, se inclina sobre o mistério da alma e de Deus. É, porém, a áspera experiência de tantas pessoas que mesmo neste momento que nos vê reunidos, como em outros momentos do dia, estão sozinhas em um quarto, diante de uma parede vazia ou de um telefone mudo, esquecidas por todos porque são idosos, doentes, estrangeiros ou desconhecidos. Jesus bebe com eles também este cálice que contém o veneno do abandono, da solidão, da hostilidade. Porém, a cena do Getsémani movimenta-se: ao quadro precedente, íntimo e silencioso da oração se opõe agora, sob as oliveiras, o estrondo, o tumulto e até mesmo a violência. Jesus se ergue, sempre no centro como um ponto fixo. Ele está consciente do mal que envolve a história humana com o seu sudário de prepotência, de agressão, de brutalidade: «Esta é a vossa hora e o domínio das trevas». Cristo não quer que os discípulos, prontos a empunhar a espada, revidem o mal com o mal, a violência com a violência. Ele tem a certeza de que o poder das trevas – aparentemente invencível e jamais satisfeita de triunfos – está destinado a ser dominado. À noite, de fato, sucederá o alvorecer, à obscuridade a luz, à traição o arrependimento, também para Judas. É por esse motivo que, não obstante tudo isso, é necessário continuar a esperar e a amar. Jesus tinha ensinado no monte das Bem-aventuranças, que para se ter um mundo novo e diferente, é necessário amar os nossos inimigos e rezar por aqueles que nos perseguem (5). Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Cuius animam gementem, contristatam et dolentem pertransivit gladius. TERCEIRA ESTAÇÃO Jesus é condenado pelo Sinédrio V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 22, 66-71 Quando se fez dia, reuniu-se o Conselho dos anciãos do povo, príncipes dos sacerdotes e escribas, os quais O levaram ao seu tribunal. Disseram-Lhe: «Declara-nos se Tu és o Messias». Ele respondeu-lhes: «Se vo-lo disser, não Me acreditareis e, se vos perguntar, não Me respondereis. Mas o Filho do Homem sentar-Se-á, doravante, à direita do poder de Deus». Disseram todos: «Tu és o Filho de Deus?». Ele respondeu: «Vós, o dizeis, Eu sou». Então, exclamaram: «Que necessidade temos já de testemunhas? Nós próprios o ouvimos da Sua boca» MEDITAÇÃO O sol da sexta-feira santa está surgindo por detrás do monte das Oliveiras, depois de ter iluminado os vales do deserto de Judá. Os setenta e um membros do Sinédrio, a máxima instituição judaica, estão reunidos em semicírculo ao redor de Jesus. Está para ser iniciada a audiência que compreende o costumeiro procedimento das assembleias judiciárias: a verificação da identidade, os motivos da acusação, as testemunhas. O julgamento é de natureza religiosa segundo as competências daquele tribunal, como parece também nas duas perguntas principais: «És tu o Cristo?... És tu o Filho de Deus?». A resposta de Jesus parte de uma premissa quase desencorajada: «Se vo-lo disser, não Me acreditareis e, se vos perguntar, não Me respondereis». Ele sabe, portanto, que na cilada existe a incompreensão, a suspeita, o equívoco. Ele sente ao seu redor uma fria cortina de desconfiança e de hostilidade, ainda mais opressora pois ela está erguida contra ele pela sua própria comunidade religiosa e nacional. Já o salmista tinha sentido esta desilusão: «Se me tivesse ultrajado o inimigo, eu tolerá-lo-ia. Se contra mim se levantara quem me odeia, afastálo-ia. Mas tu, um homem igual a mim, meu amigo e familiar, com quem eu partilhava o conselho agradável, com quem ia à casa de Deus cheio de entusiasmo» (6). Porém, não obstante aquela incompreensão, Jesus não hesita em proclamar o mistério que está nele e que a partir daquele momento está para ser revelado como numa epifania. Recorrendo à linguagem da Sagrada Escritura, ele se apresenta como o Filho do homem «sentado à direita do poder de Deus». É a glória messiânica, esperada por Israel, que agora se manifesta neste condenado. Aliás, é o Filho de Deus que paradoxalmente se apresenta revestido agora dos seus despojos de um acusado. A resposta de Jesus - «Eu sou» -, à primeira vista semelhante à confissão de um condenado, torna-se na realidade uma profissão solene de divindade. Para a Bíblia, de fato, «Eu sou» é o nome e apelativo do próprio Deus (7). A imputação, que levará a uma sentença de morte, torna-se a uma revelação e assim se torna também a nossa profissão de fé no Cristo, o Filho de Deus. Aquele acusado, humilhado pela corte enfurecida, pela suntuosidade da sala, por um julgamento já selado, recorda a todos o dever do testemunho à verdade. Um testemunho de fazer ressoar até mesmo quando é forte a tentação de ocultar-se, de resignar-se, de deixar-se levar pela corrente da opinião dominante. Como declarava uma jovem judia destinada a ser morta num lager, (8) «a cada novo horror ou crime devemos opor um novo fragmento de verdade e de bondade que conquistamos em nós mesmos. Podemos sofrer, mas não devemos sucumbir». Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. O quam tristis et afflicta fuit illa benedicta Mater Unigeniti! QUARTA ESTAÇÃO Jesus é renegado por Pedro V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 22, 54-62 Apoderando-se então de Jesus levaram-n’O e introduziram-n’O em casa do Sumo Sacerdote. Pedro seguia-O de longe. Como tivessem acendido uma fogueira no meio do pátio e se tivessem sentado, Pedro sentou-se no meio deles. Ora, uma criada, ao vê-lo sentado ao lume, fitando-o, disse: «Este também estava com Ele». Mas Pedro negou-o, dizendo: «Não O conheço, mulher». Pouco depois, disse outro, ao vê-lo: «Tu também és dos tais». Mas Pedro disse: «Homem, não sou». Cerca de uma hora mais tarde, um outro asseverou com insistência: «Com certeza este também estava com Ele; pois até é galileu». Pedro respondeu: «Homem, não sei o que dizes». E, no mesmo instante, estando ele ainda a falar, cantou um galo. Voltando-Se, o Senhor fixou os olhos em Pedro; e Pedro recordou-se da palavra do Senhor, quando lhe disse: «Antes de o galo cantar, negar-Me-ás três vezes». E, vindo para fora, chorou amargamente. MEDITAÇÃO Retornemos àquela noite deixada para trás, entrando na sala do primeiro processo ao qual Jesus foi submetido. A obscuridade e o frio são dilacerados pelas chamas de um braseiro colocado no pátio do palácio do Sinédrio. Os funcionários em serviço e de guarda estendem as mãos em direção daquele calor; os rostos estão iluminados. E eis que se erguem três vozes, três mãos a indicar um rosto reconhecido, o de São Pedro. A primeira é uma voz feminina. Uma criada do palácio que fixa o discípulo nos olhos e exclama: «Estavas também tu com Jesus!». Surge depois uma voz masculina: «Pertences a eles!». É ainda um homem a insistir mais tarde a mesma acusação, notando o sotaque setentrional de Pedro: «Estavas com ele!». A estas denúncias, quase num crescendo desesperado de autodefesa, o apóstolo não hesita por três vezes a perjurar: «Não conheço Jesus! Não sou um discípulo seu! Não sou aquele dizeis!». Portanto, a luz daquele braseiro ilumina, portanto, muito além do rosto de Pedro, revela uma alma mesquinha, a sua fragilidade, o egoísmo, o medo. E no entanto, algumas horas antes, ele tinha proclamado: «Mesmo que todos venham a sucumbir, eu não! Mesmo que eu tenha de morrer Contigo, não Te renegarei!» (9). Mas esta traição não terminou, como tinha acontecido com a de Judas. Há, de fato, naquela noite um som que dilacera o silêncio de Jerusalém, mas sobretudo a consciência de Pedro: é o canto de um galo. Exatamente naquele momento Jesus estava saindo do processo judiciário que o havia condenado. Lucas descreve a troca de olhares entre Cristo e Pedro e o faz usando um verbo grego que indica o fixar profundamente um rosto. Mas, como nota o evangelista, não se trata de um homem qualquer que agora olha para o outro, é «o Senhor», cujos olhos perscrutam os corações e os rins, ou seja, o íntimo segredo de uma alma. E dos olhos do apóstolo caem lágrimas de arrependimento. Na sua vicissitude condensam-se muitas histórias de infidelidade e de conversão, de fraqueza e de libertação. «Chorei e acreditei!»: assim, com apenas estes dois verbos, séculos depois, um convertido (10) , aproximará sua experiência à de Pedro, dando voz também a todos nós que neste dia cometemos pequenas traições, protegendo-nos por detrás de justificações mesquinhas, deixando-nos possuir por medos vis. Mas, como para o apóstolo, também para nós está aberto o caminho do encontro com o olhar de Cristo que nos confia o mesmo compromisso: também tu «uma vez convertido, fortalece os teus irmãos» (11). Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Quæ mærebat et dolebat, pia Mater, dum videbat Nati pœnas incliti. QUINTA ESTAÇÃO Jesus é julgado por Pilatos V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 23, 13-25 Pilatos convocou os príncipes dos sacerdotes, os chefes e o povo, e disse-lhes: «Trouxeste este Homem à minha presença como andando a revoltar o povo. Interroguei-O diante de vós e não encontrei n’Ele nenhum dos crimes de que O acusais. Herodes tampouco, visto que no-Lo mandou de novo. Como vedes, Ele nada praticou que mereça a morte. Vou, portanto, libertá-lo, depois de O castigar». Ora, pela festa, Pilatos era obrigado a soltar-lhes um preso. E todos se puseram a gritar: «Dá morte a esse e solta-nos Barrabás». Este último fora metido na prisão por causa de uma insurreição desencadeada na cidade, e por um homicídio. De novo, Pilatos lhes dirigiu a palavra, querendo libertar Jesus. Mas eles gritavam: «Crucifica-O! Crucifica-O!». Pilatos disse-lhes pela terceira vez: «Que mal fez Ele então? Nada encontrei n’Ele que mereça a morte. Libertá-Lo-ei, portanto, depois de O castigar». Mas eles insistiam em altos brados, pedindo que fosse crucificado, e os seus clamores aumentavam de violência. Pilatos, então, decretou que se fizesse o que eles pediam. Libertou o que fora preso por sedição e homicídio, que eles reclamavam, e entregou-lhes Jesus para o que eles queriam. MEDITAÇÃO Neste momento, Jesus encontra-se entre as insígnias imperiais, os estandartes, as águias e os pavilhões da autoridade romana, dentro de um outro palácio do poder, o do governador Pôncio Pilatos, um nome à margem e esquecido na história do Império de Roma. E, no entanto, é um nome que ressoa todos os domingos, em todo o mundo, exatamente por causa daquele processo que ora se celebra: os cristãos, de fato, no Credo proclamam que Cristo «foi crucificado sob Pôncio Pilatos». Por um lado, ele encarna à primeira vista a brutalidade repressiva, pois Lucas recorda, numa página do seu Evangelho, naquele dia em que ele não hesitou em misturar no templo o sangue judeu com o dos animais para o sacrifício (12). Com ele compara-se um outro poder obscuro e impalpável: é a força feroz das multidões, manipuladas pelas estratégias dos poderes ocultos que tramam na escuridão. O resultado está na escolha de conceder a graça a Barrabás, um rebelde homicida. Por outro lado, porém, emerge um perfil diferente de Pilatos: ele parece representar a equidade tradicional e a imparcialidade do direito romano. Por três vezes pelo menos, Pilatos tenta propor a absolvição de Jesus por insuficiência de provas, cominando ao máximo a sanção disciplinar da flagelação. A acusa, de fato, não suportaria um sério exame processual. Como insistem todos os evangelistas, Pilatos revela, portanto, uma certa abertura de ânimo, uma disponibilidade que, porém, progressivamente se debilita e se apaga. Sob a pressão da opinião pública, Pilatos encarna, então, uma das atitudes que parecem dominar nos nossos dias: a indiferença, o desinteresse, a conveniência pessoal. Para se viver serenamente, e por vantagem própria, não se hesita em esmagar a verdade e a justiça. A imoralidade explícita gera pelo menos um estremecimento ou uma reação; esta, por sua vez, pura amoralidade que paralisa a consciência, extingue o remorso e fecha a mente. A indiferença é a morte lenta da verdadeira humanidade. O êxito está na escolha final de Pilatos. Como diziam os antigos latinos, uma justiça hipócrita e apática se torna semelhante a uma teia de aranha na qual se prendem e morrem os mosquitos, mas os grandes pássaros as rasgam com a força do seu voo. Jesus, que é um dos pequenos da terra, sem poder emitir uma palavra, é sufocado por esta teia. E como muitas vezes fazemos, Pilatos olha para o outro lado, lava as mãos e como álibi lança – segundo o evangelista João (13) - a eterna pergunta típica de qualquer cepticismo e de qualquer relativismo ético: «E o que é a verdade?». Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Quis est homo qui non fleret, Matrem Christi si videret in tanto supplicio? SEXTA ESTAÇÃO Jesus é flagelado e coroado de espinhos V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 22, 63-65 Entretanto, os que guardavam Jesus troçavam d’Ele e maltratavam-n’O. Cobriam-Lhe o rosto e perguntavam-Lhe: «Adivinha! Quem Te bateu?» E muitos outros insultos proferiam contra Ele. MEDITAÇÃO Um dia, enquanto caminhava pelo vale do Jordão, não distante de Jericó, Jesus parou e dirigiu aos Doze palavras fervorosas e incompreensíveis aos seus ouvidos: «Olhai, subimos agora a Jerusalém e cumprir-se-á tudo quanto foi escrito pelos profetas acerca do Filho do Homem. Vai ser entregue aos gentios, vai ser escarnecido, maltratado e coberto de escarros; e, depois de O açoitarem, dar-Lhe-hão a morte»(14). Mas aquelas palavras resolvem o seu enigma: no pátio do pretório, a sede jerosolimitana do governador romano, inicia o lúgubre ritual da tortura, acompanhado de fora do palácio pela multidão que espera o espetáculo do cortejo da execução capital. Naquele espaço proibido para o público se consuma um gesto que será repetido nos séculos de mil formas sádicas e perversas, na obscuridade de tantas prisões. Jesus não é somente açoitado, mas também é humilhado. Aliás, o evangelista Lucas para definir aqueles insultos usa o verbo «blasfemar», revelando de modo alusivo o significado profundo daquele desabafo dos guardas enfurecidos sobre a vítima. Mas na martirizada carne de Cristo se associa igualmente uma afronta à sua dignidade pessoal através de uma farsa macabra. É o evangelista João quem recorda aquele ato sarcástico, ritmado sobre um jogo popular, o do rei do ridículo. Eis, de facto, uma coroa cujos esplendores são ramos de espinhos; a púrpura real é substituída por um manto vermelho; e, finalmente, a saudação imperial, «Ave, César!». Porém, em dissolução a este escárnio, se entrevê um sinal glorioso: sim, Jesus é humilhado como rei do ridículo; mas, na realidade ele é o verdadeiro soberano da história. Quando finalmente revelará a sua realeza – como nos recorda um outro evangelista, Mateus (15) - ele condenará todos os torturadores e os opressores e introduzirá na glória não apenas as vítimas, mas também todos os que visitaram quem estava no cárcere, cuidaram dos feridos e dos sofredores, sustentaram os famintos, os sedentos e os perseguidos. Agora, porém, o rosto transfigurado mostrado no Tabor (16) está desfigurado; aquele que é «irradiação da glória divina» (17) está obscurecido e humilhado; como tinha anunciado Isaias, o Servo messiânico do Senhor tem o dorso sulcado pelos flagelos, a barba arrancada das faces, o rosto regado de escarros (18). Nele, que é o Deus da glória, está presente também a nossa humanidade dolente; nele, que é o Senhor da história, se revela a vulnerabilidade das criaturas; nele, que é o Criador do mundo, se condensa a dor de todos os seres vivos. Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Pro peccatis suæ gentis vidit Jesum in tormentis et flagellis subditum. SÉTIMA ESTAÇÃO Jesus carrega a cruz V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Marcos 15, 20 Em seguida, depois de O terem escarnecido, tiraram-Lhe o manto de púrpura e vestiram-Lhe as Suas roupas. MEDITAÇÃO Nos pátios do palácio imperial terminou a festa macabra; caem as vestes daquele ridículo hábito real, escancara-se o portal. Eis que avança com suas vestes normais, com a sua túnica «toda tecida de alto a baixo, não tinha costura» (19). Nas suas costas, apoia a trave horizontal, destinada a acolher os seus braços quando ela for fixada no poste da crucifixão. A sua presença é muda, suas pegadas ensanguentam aquela estrada que ainda hoje traz o nome de «Via dolorosa», em Jerusalém. Inicia-se agora, em sentido estricto a Via Crucis, aquele percurso que se repete esta noite e que se encaminha para a colina das execuções capitais, fora dos muros da cidade santa. Jesus avança e vacila sob aquele peso e pela fraqueza do seu corpo ferido. A tradição desejou simbolicamente assinalar aquele itinerário com três quedas. Nelas, há o episódio infinito de tantas mulheres e homens prostrados na miséria ou na fome: são crianças magras, idosos enfraquecidos, pobres debilitados de cujas veias foi tirada toda energia. Naquelas quedas há ainda a história de todas as pessoas desoladas na alma e infelizes, ignoradas pelo frenesi e pela distração das que passam ao lado. Em Cristo curvado sob a cruz está a humanidade doente e fraca que, como afirmava o profeta Isaías (20), «Desolada, falarás do solo, as tuas palavras virão apagadas pelo pó, a tua voz sairá da terra como a de um fantasma, a tua voz levantar-se-á do pó como um murmúrio». Também hoje, como ontem, ao redor de Jesus que se ergue e prossegue carregando o lenho da cruz, continua a vida quotidiana do caminho, assinalada pelos negócios, pelas monstras cintilantes, pela procura do prazer. E, no entanto, à sua volta não há apenas hostilidade ou indiferença. Nos seus passos movem-se hoje aqueles que escolheram segui-lo. Esses ouviram o apelo que um dia ele tinha lançado passando pelos os campos da Galiléia: «Se alguém quiser vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-Me» (21). «Saiamos, então, do campo para ir ter com ele fora do acampamento, levando o Seu opróbrio» (22). No final da Via dolorosa não há apenas a colina da morte ou o abismo do sepulcro, mas igualmente o monte da gloriosa ascensão e da luz. Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Quis non posset contristati piam matrem comtemplari dolentem cum Filio? OITAVA ESTAÇÃO Jesus é ajudado pelo Cireneu a carregar a Cruz V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 23, 26 Quando O iam conduzindo, lançaram mão de um certo Simão de Cirene, que voltava do campo e carregaram-no com a cruz, para a levar atrás de Jesus. MEDITAÇÃO Voltava do campo, talvez depois de algumas horas de trabalho. Esperavam-no em casa os preparativos do dia festivo: ao pôr-do-sol, de facto, seria aberta a sagrada fronteira do sábado, iniciado com o despontar das primeiras estrelas no céu. Simão era o seu nome; ele era um judeu proveniente da África, de Cirene, cidade situada no litoral líbio e que hospedava uma densa comunidade da Diáspora judaica (23). Uma dura ordem da divisão romana que escolta Jesus o detém e o obriga a carregar, por um trecho de caminho, o patíbulo daquele condenado enfraquecido. Simão tinha passado por ali por acaso; não sabia que aquele encontro seria extraordinário. Como está escrito, (24) “quantos homens nos séculos teriam desejado estar ali, no seu lugar, ter passado por ali exatamente naquele momento. Mas, era tarde demais, era ele quem passou e ele, ao longo dos séculos não teria jamais cedido o seu lugar a algum outro”. Paulo apóstolo, tinha sido interceptado, “agarrado e conquistado” (25) por Cristo na estrada de Damasco. É por isso que depois retomou de Isaías as surpreendentes palavras de Deus: «Fui encontrado pelos que não Me procuravam; manifestei-Me àqueles que não perguntavam por Mim» (26). Deus está em emboscada nos caminhos da nossa existência quotidiana. É ele que às vezes bate nas nossas portas pedindo um lugar em nossas mesas para jantar conosco (27). Até mesmo um imprevisto, como que aconteceu na vida de Simão de Cirene, pode se tornar um dom de conversão, e isso é tão verdade que o evangelista Marcos citará os nomes dos filhos daquele homem que se tornou cristão: Alexandre e Rufo (28). O Cireneu é, assim, o emblema do misterioso abraço entre a graça divina e a atividade humana. No final o evangelista o representa como o discípulo que «leva a crua atrás de Jesus», seguindo-lhe as pegadas (29). O seu gesto, da execução forçada, transforma-se idealmente num símbolo de todos os atos de solidariedade pelos sofredores, pelos oprimidos e pelos exaustos. O Cireneu representa, assim, uma imensa fila das pessoas generosas, dos missionários, dos Samaritanos que não «se desviam» da estrada, (30) mas se inclinam sobre os miseráveis carregando-lhes sobre si para sustentá-los. Na cabeça e nos ombros de Simão, curvado sob o peso da cruz, ressoam as palavras de São Paulo: «Levai os fardos uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo» (31). Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Tui Nati vulnerati, tam dignati pro me pati, poenas mecum divide. NONA ESTAÇÃO Jesus encontra as mulheres de Jerusalém V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 23, 27-31 Seguiam-n’O uma grande massa de povo e umas mulheres que se lamentavam e choravam por Ele. Jesus, voltou-Se para elas e disse-lhes: «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos, pois dias virão em que se dirá: “Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram”. Hão-de então dizer aos montes: “Caí sobre nós” e às colinas: “Cobri-nos”. Porque se tratam assim a madeira verde, o que acontecerá à seca?» MEDITAÇÃO Naquela sexta-feira de primavera, no caminho que conduzia ao Gólgota, não se aglomeravam senão alguns desocupados, curiosos e pessoas hostis a Jesus. E eis um grupo de mulheres, talvez pertencentes a uma irmandade dedicada ao conforto e ao pranto ritual pelos moribundos e pelos condenados à morte. Cristo, durante a sua vida terrena, superando convenções e preconceitos, estava frequentemente circundado por mulheres e tinha conversado com elas, ouvindo os seus pequenos e grandes dramas: da febre da sogra de Pedro à tragédia da viúva de Naim, da prostituta em lágrimas ao tormento interior de Maria de Mágdala, do afeto de Marta e Maria ao sofrimento da mulher acometida de hemorragia, da jovem filha de Jairo à anciã encurvada, da nobre Joana de Cusa à viúva indigente e às figuras femininas da multidão que o seguia. Em torno a Jesus, até à sua última hora, estreitam-se numerosas mães, filhas e irmãs. Junto dele, agora, imaginemos todas as mulheres humilhadas e violentadas, as marginalizadas e submetidas a práticas tribais indignas, às mulheres em crise e sozinhas diante da sua maternidade, mães judias e palestinas, as de todas as regiões em guerra, as viúvas ou as idosas esquecidas pelos seus filhos... é uma longa suposição de mulheres que testemunham num mundo árido e impiedoso o dom da ternura e da comoção, como fizeram pelo filho de Maria no final daquela manhã de Jerusalém. Elas nos ensinam a beleza dos sentimentos: não nos devemos envergonhar se o coração acelera suas batidas na compaixão, se por vezes afloram lágrimas dos olhos, se se sente necessidade de uma carícia e de um conforto. Jesus não ignora as intenções caritativas daquelas mulheres como outrora acolheu outros gestos delicados. Mas, paradoxalmente, é ele agora quem se interessa pelos iminentes sofrimentos daquelas «filhas de Jerusalém»: «Não choreis por Mim, mas por vós mesmas e pelos vossos filhos». De fato, há no horizonte um incêndio que está para abater-se sobre o povo e sobre a cidade santa, «um lenho seco» pronto para pegar fogo. O olhar de Jesus vai em direção ao futuro julgamento divino sobre o mal, a injustiça, o ódio que estão alimentando aquela chama. Cristo se comove com a dor que está caindo sobre aquelas mães quando irromperá na história a intervenção justa de Deus. Mas as suas frementes palavras não selam um êxito desesperado pois a sua voz é a dos profetas, uma voz que não gera agonia e morte, mas conversão e vida: «Buscai o Senhor e vivereis... Então a jovem executará danças alegres; jovens e velhos partilharão do júbilo comum. Converterei o seu pranto em gozo, e consolá-los-ei, passada a sua dor, e os alegrarei» (32). Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Eia, mater, fons amoris, me sentire vim doloris fac, ut tecum lugeam. DÉCIMA ESTAÇÃO Jesus é crucificado V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 23, 33-38 Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, crucificaram-n’O a Ele e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: «Perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem». Depois, deitaram sortes para dividirem entre si as Suas vestes. O povo permanecia ali, a observar e os chefes zombavam, dizendo: «Salvou os outros; salve-Se a Si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito». Os soldados também troçavam d’Ele, aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre. Diziam: «Se és o rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo». E por cima d’Ele havia uma inscrição: «Este é o rei dos judeus». MEDITAÇÃO Era apenas uma formação rochosa denominada em aramaico Gólgota, em latim, Calvário, isto é «crânio», talvez devido à sua configuração física. Sobre aquele monte se elevam três cruzes de condenados à morte, dois «malfeitores», provavelmente revolucionários anti-romanos e Jesus. Aproximavam-se as últimas horas da vida terrena de Cristo, horas assinaladas pela dilaceração das carnes, pela desconjunção dos ossos, pela progressiva asfixia, pela desolação interior. São as horas que testemunham a plena fraternidade do Filho de Deus com o homem que padece, agoniza e morre. Cantava um poeta (33): «O ladrão da esquerda e o ladrão da direita/ não sentiam senão os cravos nas mãos/ Cristo, porém, sentia a dor dada pela salvação/ o lado aberto, o coração trespassado/ É o coração que lhe queimava. / Um coração devorado pelo amor». Sim, porque ao redor daquele patíbulo parecia ressoar a voz de Isaias: «Mas foi castigado pelos nossos crimes, esmagado pelas nossas iniquidades; o castigo que nos salva pesou sobre ele, fomos curados pelas suas chagas [...] oferecendo a sua vida em sacrifício expiatório » (34). Os braços abertos daquele corpo martirizado querem estreitar a si todo o horizonte, abraçando a humanidade quase «como uma galinha a sua ninhada debaixo das asas» (35). De fato, era esta a sua missão: «E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a Mim» (36). Sob aquele corpo agonizante, desfila a multidão que quer «ver» um espetáculo macabro. É o retrato da superficialidade, da curiosidade banal, da busca de emoções fortes. Um retrato no qual se pode identificar também uma sociedade como a nossa que escolhe a provocação e o excesso quase como uma droga para excitar uma alma já entorpecida, um coração insensível, uma mente ofuscada. Sob aquela cruz há também a crueldade pura e dura, a dos chefes e dos soldados que não conhecem piedade e conseguem profanar até mesmo o sofrimento e a morte com zombaria: «Se és o rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo!». Eles não sabem que exatamente as suas palavras sarcásticas e a escrita oficial colocada sobre a cruz - «Este é o rei dos judeus» - dizem uma verdade. Certo, Jesus não desce da cruz com um espetáculo surpreendente: ele não quer adesões servis fundadas no prodigioso, mas uma fé livre e um amor autêntico. No entanto, exatamente através da derrota da sua humilhação e da impotência da morte, ele abre a porta da glória e da vida, revelando-se o verdadeiro Senhor e Rei da história. Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Fac ut ardeat cor meum in amando Christum Deum, ut sibi complaceam. DÉCIMA PRIMEIRA ESTAÇÃO Jesus promete o seu Reino ao bom ladrão V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 23, 39-43 Ora, um dos malfeitores que tinham sido crucificados insultava-O: «Não és Tu o Messias? SalvaTe a Ti mesmo e a nós também». Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o: «Nem sequer temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? Quanto a nós, fez-se justiça pois recebemos o castigo que as nossas ações mereciam, mas Ele nada praticou de condenável». E acrescentou: «Jesus, lembra-Te de mim quando estiveres no Teu reino». Ele respondeu-lhe: «Em verdade te digo: Hoje estarás Comigo no Paraíso». MEDITAÇÃO Passam os minutos da agonia e a energia vital de Jesus crucificado lentamente se está diminuindo. Mas, naqueles momentos trágicos, ele ainda tem a força para um último ato de amor, em relação a um dos dois condenados à pena capital que estão ao lado. Entre Cristo e aquele homem transcorre um tênue diálogo, reduzido a duas frases essenciais. Por um lado, há o apelo do malfeitor, que se tornou, na tradição, o «bom ladrão», convertido na extrema hora da sua vida: «Jesus, lembra-Te de mim quando estiveres no Teu reino!». Num certo sentido é como se o homem recitasse uma versão pessoal do «Pai nosso» e da invocação: «Venha a nós o vosso Reino!». Ele, porém, o endereça diretamente a Jesus, chamando-o pelo nome, um nome de significado iluminador naquele instante: «O Senhor salva». Há, ainda, aquele imperativo: «Lembra-Te de mim». Na linguagem bíblica este verbo tem uma força particular que não corresponde ao nosso pálido «lembrar». É uma palavra de certeza e de confiança, quase querendo dizer: «Toma conta de mim, não me abandone, seja como o amigo que apoia e ampara. Por outro lado, eis a resposta de Jesus, brevíssima, como um sopro: «Hoje estarás Comigo no paraíso». Esta palavra «paraíso», tão rara na Sagrada Escritura que aparece apenas outras duas vezes no Novo Testamento (37), no seu significado original evoca um jardim fértil e florido. É uma imagem perfumada daquele Reino de luz e de paz que Jesus tinha anunciado na sua pregação inaugurada com os seus milagres que logo terá uma epifania gloriosa na Páscoa. É a meta do nosso caminho cansativo na história, é a plenitude da vida, é a intimidade do abraço com Deus. É o último dom que Cristo faz, exatamente através do sacrifício da sua morte que se abre à glória da ressurreição. Nada mais disseram aqueles dois crucificados naquele dia de angústia e de dor, mas aquelas poucas palavras pronunciadas com dificuldade das suas gargantas abrasada e ecoam sempre como um sinal de confiança e de salvação para quem pecou, mas também acreditou e esperou, mesmo que tenha sido no extremo limite da vida. Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Sancta Mater, istud agas, Crucifixi fige plagas cordi meo valide. DÉCIMA SEGUNDA ESTAÇÃO Jesus na cruz, a Mãe e o Discípulo V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São João 19, 25-27 Junto da cruz de Jesus estavam Sua mãe, a irmã de Sua mãe, Maria, mulher de Cléofas e Maria de Magdala. Ao ver Sua mãe e junto dela, o discípulo que Ele amava, Jesus disse à Sua mãe: «Mulher, eis aí o teu filho». Depois disse ao discípulo: «Eis aí a tua mãe». E, desde aquela hora, o discípulo recebeu-A em sua casa. MEDITAÇÃO Tinha começado a separar-se daquele Filho desde o dia em que, aos doze anos, ele lhe comunicara que tinha outra casa e outra missão para cumprir, em nome do seu Pai celestial. Agora, porém, chegou para Maria o momento da suprema separação. Naquela hora há a aflição de toda mãe que vê soçobrar até mesmo a lógica da natureza pela qual são as mães a morrer antes das suas criaturas. Mas o evangelista João cancela toda lágrima daquele rosto de dores, cala qualquer grito dos lábios, não prostra Maria no desespero. Antes, há um halo de silêncio que é quebrado por uma voz que desce da cruz e do rosto torturado do Filho agonizante. É muito mais do que um momento familiar: é uma revelação que marca uma mudança na vida da Mãe. A extrema separação na morte não é estéril mas há uma fecundidade inesperada semelhante ao parto de uma mãe. Exatamente como tinha anunciado o mesmo Jesus, algumas horas antes, na última noite da sua existência terrena: «A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque é chegada a sua hora; mas depois de ter dado à luz o menino, já se não lembra mais da aflição, pelo prazer de ter vindo ao mundo um homem» (38). Maria volta a ser mãe: não é por acaso que nas poucas linhas desta narração evangélica por cinco vezes ressoa a palavra «mãe». Maria, portanto, é mãe e serão seus filhos todos aqueles que forem como «o discípulo amado», ou seja, todos aqueles que colocam sob o manto salvador da salvadora graça divina e que seguem a Cristo na fé e no amor. A partir daquele momento, Maria não estará mais sozinha, tornar-se-á mãe da Igreja, um imenso povo de todas as línguas, povos e raças que nos séculos se juntarão a ela em torno à cruz de Cristo, o seu primogênito. Desde então também nós caminhamos com ela na estrada da fé, encontramo-nos com ela na casa onde sopra o Espírito de Pentecostes, nos sentamo-nos à mesa onde se parte o pão da Eucaristia e esperamos o dia em que o seu Filho voltará para nos conduzir, como ela, na eternidade da sua glória. Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Fac me tecum pie flere Crucifixo condolere donec ego vixero. DÉCIMA TERCEIRA ESTAÇÃO Jesus morre na cruz V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 23, 44-47 Por volta da hora sexta, as trevas cobriram toda a terra, até à hora nona, por o Sol se haver eclipsado. O véu do Templo rasgou-se no meio, e Jesus exclamou, dando um grande grito: «Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito». Dito isto, expirou. MEDITAÇÃO No início do nosso itinerário era o véu da noite que envolvia o Getsémani; agora é a escuridão de um eclipse que se estende como um sudário sobre o Gólgota. O «império das trevas» (39) parece, portanto, dominar a terra onde Deus morre. Sim, o Filho de Deus, por ser verdadeiramente homem e nosso irmão, deve beber também o cálice da morte, da morte que é o real bilhete de identidade de todos os filhos de Adão. É assim que Cristo « teve de assemelhar-Se em tudo aos Seus irmãos», (40) torna-se plenamente um de nós também na extrema agonia entre a vida e a morte. Uma agonia que se repete talvez nestes minutos para um homem ou uma mulher aqui em Roma e em tantas outras cidades e lugares do mundo. Não é mais o Deus greco-romano impassível e remoto como um imperador relegado aos céus dourados do seu Olimpo. No Cristo que morre se revela ora o Deus apaixonado, enamorado pelas suas criaturas até ao ponto de aprisionar-se livremente nos seus limites de dor e de morte. É por isso que o Crucifixo é um sinal humano universal da solidão da morte e também da injustiça e do mal. Mas é igualmente um sinal divino universal de esperança pela expectativa de cada centurião, isto é, de cada pessoa inquieta e em busca. De fato, mesmo quando está morrendo no alto daquele patíbulo, enquanto a sua respiração se extingue Jesus não deixa de ser o Filho de Deus. Naquele momento, todos os sofrimentos e as mortes são atravessados e possuídos pela divindade, são irradiados de eternidade, neles é deposta uma semente de vida imortal, brilha um raio de luz divina. Portanto, a morte mesmo não perdendo a sua tragicidade, revela um aspecto inesperado, tem o mesmo olhar do Pai Celeste. É por isto que Jesus naquela hora extrema reza com ternura: «Pai, nas tuas mãos eu entrego o meu espírito». Àquela invocação nos associamos também nós através da voz poética e orante de uma mulher escritora (41): «Pai, teus dedos também fechem os meus olhos. / Tu que me és Pai, olha para mim como terna Mãe, / na cabeceira do seu filhinho que sonha. / Pai, olha para mim e acolhe-me nos teus braços». Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Vidit suum dulcem Natum morientem desolatum cum emisit spiritum. DÉCIMA TERCEIRA ESTAÇÃO Jesus morre na cruz V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 23, 44-47 Por volta da hora sexta, as trevas cobriram toda a terra, até à hora nona, por o Sol se haver eclipsado. O véu do Templo rasgou-se no meio, e Jesus exclamou, dando um grande grito: «Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito». Dito isto, expirou. MEDITAÇÃO No início do nosso itinerário era o véu da noite que envolvia o Getsémani; agora é a escuridão de um eclipse que se estende como um sudário sobre o Gólgota. O «império das trevas» (39) parece, portanto, dominar a terra onde Deus morre. Sim, o Filho de Deus, por ser verdadeiramente homem e nosso irmão, deve beber também o cálice da morte, da morte que é o real bilhete de identidade de todos os filhos de Adão. É assim que Cristo « teve de assemelhar-Se em tudo aos Seus irmãos», (40) torna-se plenamente um de nós também na extrema agonia entre a vida e a morte. Uma agonia que se repete talvez nestes minutos para um homem ou uma mulher aqui em Roma e em tantas outras cidades e lugares do mundo. Não é mais o Deus greco-romano impassível e remoto como um imperador relegado aos céus dourados do seu Olimpo. No Cristo que morre se revela ora o Deus apaixonado, enamorado pelas suas criaturas até ao ponto de aprisionar-se livremente nos seus limites de dor e de morte. É por isso que o Crucifixo é um sinal humano universal da solidão da morte e também da injustiça e do mal. Mas é igualmente um sinal divino universal de esperança pela expectativa de cada centurião, isto é, de cada pessoa inquieta e em busca. De fato, mesmo quando está morrendo no alto daquele patíbulo, enquanto a sua respiração se extingue Jesus não deixa de ser o Filho de Deus. Naquele momento, todos os sofrimentos e as mortes são atravessados e possuídos pela divindade, são irradiados de eternidade, neles é deposta uma semente de vida imortal, brilha um raio de luz divina. Portanto, a morte mesmo não perdendo a sua tragicidade, revela um aspecto inesperado, tem o mesmo olhar do Pai Celeste. É por isto que Jesus naquela hora extrema reza com ternura: «Pai, nas tuas mãos eu entrego o meu espírito». Àquela invocação nos associamos também nós através da voz poética e orante de uma mulher escritora (41): «Pai, teus dedos também fechem os meus olhos. / Tu que me és Pai, olha para mim como terna Mãe, / na cabeceira do seu filhinho que sonha. / Pai, olha para mim e acolhe-me nos teus braços». Todos: Pater noster, qui es in cælis; sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Vidit suum dulcem Natum morientem desolatum cum emisit spiritum. DÉCIMA QUARTA ESTAÇÃO Jesus é depositado no sepulcro V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi. R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. Evangelho segundo São Lucas 23, 50-54 Um membro do Conselho, chamado José, homem reto e justo, não tinha concordado com a decisão nem com o procedimento dos outros. Era natural de Arimateia, cidade da Judeia, e esperava o Reino de Deus. Foi ter com Pilatos, pediu-lhe o corpo de Jesus e, descendo-O da cruz, envolveu-O num lençol e depositou-O num sepulcro talhado na rocha, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. Era o dia da Preparação e já amanhecia o sábado. MEDITAÇÃO Envolto num lençol funerário, o «sudário», o corpo crucificado e martirizado de Jesus desliza lentamente das mãos piedosas e amorosas de José de Arimateia no sepulcro escavado na rocha. Nas horas de silêncio que se seguirão, Cristo estará verdadeiramente como todos os homens que entram no ventre escuro da morte, da rigidez cadavérica, do fim. No entanto, já existe naquele crepúsculo de Sexta-feira Santa, um tremor. O evangelista Lucas observa que «já brilhavam as luzes do sábado», das janelas das casas de Jerusalém. A vigília dos judeus nas suas casas se torna quase um símbolo de expectativa daquelas mulheres e daquele discípulo secreto de Jesus, José de Arimateia, e dos outros discípulos. Uma espera que agora domina com uma tonalidade nova todos os corações crentes quando se encontram diante de um sepulcro ou também quando sentem ramificar-se dentro de si a mão fria da doença ou da morte. É a espera de uma alvorada diferente, a que logo depois, passado o sábado, aparecerá diante dos nossos olhos de discípulos de Cristo. Naquela aurora, no caminho das sepulturas, virá ao nosso encontro o anjo e nos dirá: «Por que buscais entre os mortos Aquele que vive? Não está aqui; ressuscitou!» (42). E na estrada de regresso às nossas casas, será o Ressuscitado que se aproxima de nós, caminhando conosco, passando os nossos umbrais para ser hospedado nas nossas mesas e partir o pão conosco (43). Rezaremos, portanto, também nós com as palavras de fé de um trecho da mais admirável Paixão segundo São Mateus, musicada e cantada por um dos maiores músicos da humanidade: (44) «Mesmo que o meu coração esteja imerso em lágrimas porque Jesus se despede de mim, o seu testamento me dá alegria: ele deixa nas minhas mãos a sua carne e o seu sangue... Que preciosidade! Quero oferecer-te o meu coração. Desde nele, meu Salvador! Quero imergir-me em Ti! Se o mundo é pequeno demais ti, então tu deves ser unicamente para mim mais do que o mundo e mais do que o céu!». Todos: Pater noster, qui es in cælis: sanctificetur nomen tuum; adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra. Panem nostrum cotidianum da nobis hodie; et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris; et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Quando corpus morietur, fac ut animæ donetur paradisi gloria. Amen.