6Terceira parte do curso – Reflexões sobre a linguagem (Chomsky, 1975) 1) Sobre a capacidade cognitiva Chomsky começa dizendo que, para ele, e sem desmerecer outros vieses e interesses a respeito do assunto, o que é mais interessante a respeito do estudo da linguagem é que esta pode ser vista como uma espécie de “espelho da mente”. Para Chomsky, o que é fascinante é a possibilidade que este estudo permite de alcançar os princípios abstratos que regem a estrutura da mente e seu uso, princípios que são universais por necessidade biológica. Note-se que os princípios que regem o conhecimento e parte do comportamento linguístico não podem ser alcançados pela consciência ou pela vontade, e isso sugere que compreendê-los significa atingir algum nível profundo da mente. As questões que surgiram na antiguidade, desde Platão, permanecem: como sabemos tanto se nossa experiência é limitada no tempo e no espaço, individual e fragmentária? Para a tradição aristotélica, a realidade é ricamente estruturada e o homem é dotado de uma capacidade para chegar a essa estrutura partindo do individual e fazendo generalizações, alcançando os universais através dos sentidos e da percepção do individual. Outra tradição, que vem de Platão, mas toma forma no século XVII, tira o peso da estrutura do mundo e o transfere para a estrutura da mente. Para os pensadores do período, a mente traz princípios e concepções que constituem nosso conhecimento das coisas, os quais são deflagrados pelos sentidos. Chomsky menciona diversos estudos que mostram que existe, por exemplo, uma estrutura do sistema visual que é deflagrada pela experiência. Esses trabalhos, portanto, mostram evidências para os pressupostos assumidos pela segunda tradição. O pensamento ocidental separa mente e corpo, sendo o desenvolvimento do último predominantemente determinado por fatores biológicos e físicos (afinal, ninguém acha que uma criança possa desenvolver asas ao invés de braços por conta de um conjunto específico de experiências), mas não o da primeira. E Chomsky se pergunta: por que não podemos estudar a aquisição de uma estrutura complexa como a de uma língua como estudamos um órgão complexo do corpo? O autor aproveita e faz uma dura crítica ao que ele chama de doutrina empirista, que não se justifica cientificamente, e se torna uma barreira para a investigação frutífera. Sobre a “hipótese inatista” (termo que Chomsky afirma nunca ter usado) em linguagem – assume-se que a faculdade da linguagem serve a duas funções: fornece um sistema sensorial para a análise preliminar dos dados linguísticos e um esquematismo que determina, de modo bem restrito, uma certa classe de gramáticas (adquiríveis). Podemos pensar esquematicamente do seguinte modo: dado um organismo qualquer O (por exemplo, a espécie humana: H) e um domínio cognitivo bem delimitado D (por exemplo, a linguagem: L), a teoria de aprendizado dos princípios daquele domínio pelo organismo em questão pode ser esquematizada por LT (O, D) – no caso da linguagem: LT (H, L). Para se determinar LT (O, D), é preciso caracterizar D, determinar como O caracteriza os dados de D pré-teoricamente e determinar o que é adquirido por O relativamente a D. LT (O, D) é o sistema que relaciona a experiência com o que é aprendido. A ordem apresentada não é necessariamente essa. Por exemplo, o último passo, determinar LT, pode revelar que o D assumido não está bem delimitado. Mais adiante, Chomsky considera completamente sem esperança a tentativa de estudar a relação entre experiência e ação, sem qualquer menção a estados internos do organismo. Seria preciso quebrar o problema em dois: estabelecer LT, que relaciona a experiência com um estado cognitivo CS; então, um mecanismo M que relaciona os estímulos com o comportamento, dado o estado cognitivo CS. Discussão a seguir trata de questões relacionadas a (1) a possibilidade de haver uma LT que valha para qualquer organismo e qualquer domínio, e a (2) a possibilidade de haver propriedades comuns entre diferentes LT(O, D). Chomsky descarta a primeira, comparando a LT(H, L) – teoria de aprendizagem da linguagem pelo homem – e a LT(R, M) – teoria de aprendizagem sobre labirintos pelos ratos. Note-se que enquanto ratos e homens podem ser mais ou menos equivalentes em relação a aprender a orientar-se dentro de um labirinto (e parece que ratos brancos são melhores do que pessoas nessa tarefa), os homens são incomensuravelmente melhores na tarefa de aprender uma língua. A segunda questão é interessante, mas há ainda pouca evidência de que existam essas características comuns entre diferentes LTs para diferentes organismos e domínios. Um exercício importante é variar os domínios considerando um mesmo organismo. Chomsky então diz que até o momento não há razão para crer que exista uma LT(H, D) equivalente à LT(H, L), onde D é diferente de L – ou seja, o que se sabe sobre língua é específico. O que é LT(H, L)? “LT(H, L) é o sistema de mecanismos e princípios postos em ação na aquisição do conhecimento da linguagem – aquisição da estrutura cognitiva específica que estamos chamando de ‘gramática’ – considerando os dados que são uma amostra adequada e justa dessa língua. A gramática é um sistema de regras e princípios que determinam as propriedades formais e semânticas das sentenças. A gramática é posta em uso interagindo com outros mecanismos da mente, na fala e no entendimento da língua” (p. 28). O comportamento linguístico só poderá ser estudado (se isso de fato for possível) com a intermediação da CS associada à linguagem, a saber, uma gramática. O que é a GU? “Vamos definir ‘gramática universal’ (GU) como o sistema de princípios, condições e regras que são elementos ou propriedades de todas as línguas humanas não por mero acidente, mas por necessidade – é claro, me refiro à necessidade biológica, não necessidade lógica. Assim a GU pode ser tomada como a expressão da ‘essência da linguagem humana’. A GU será invariante entre humanos. Especificará o que o aprendizado da linguagem pode alcançar, se for bem-sucedido. Assim, a GU será uma componente importante de LT(H, L)” (p. 29). Chomsky apresenta um exemplo interessante, relacionado à inversão do auxiliar em inglês. Supondo que sentenças como “is the book on the table?” são relacionadas por alguma regra com “the book is on the table”, Chomsky propõe o seguinte: (1) rastreie todas as palavras até encontrar a primeira ocorrência de “is” e o coloque na frente de tudo. A regra (1) é simples e dá conta de muitos casos, mas gerará o resultado errado se a afirmativa correspondente for “the man who is tall is in the room”. Curiosamente, as crianças não produzem frases como “is the man who tall is in the room?”. A regra verdadeira, (2), envolve estrutura (as sequências de palavras são analisadas em sintagmas abstratos), e é mais complexa do que a apresentada acima. Segundo Chomsky, não há explicação em termos de eficiência comunicativa para que a criança não escolha a regra (2) ao invés da regra (1). “De fato, o problema nunca aparece no aprendizado da língua. Uma pessoa pode passar considerável parte de sua vida sem jamais ter contato com a evidência relevante, mas ela não hesitará em usar a regra dependente de estrutura, mesmo que toda a sua experiência seja consistente com a [regra] (1)” (p. 32). A GU (ou a LT(H, L)) teria então um princípio do tipo “[c]onstrua uma regra dependente de estrutura, ignorando todas as regras independentes de estrutura” (p. 33). 2) O objeto de investigação Chomsky começa dizendo que talvez no futuro, com o desenvolvimento da ciência, encontrem-se correlatos físicos ou uma representação física da gramática e da faculdade da linguagem. No momento, contudo, só possuímos a representação abstrata que a teoria linguística fornece. O fato de não ser possível escapar das representações puramente abstratas no momento leva alguns a afirmarem que a teoria linguística carece de conteúdo empírico; o que, segundo Chomsky, é incorreto. Note-se que as hipóteses até aqui – como o fato de as regras da gramática serem dependentes de estrutura sempre – são perfeitamente falseáveis, inclusive toda a teoria linguística pode ser revista com base em descobertas científicas das neurociências. Afirma que não há nada similar à GU em outras espécies. Assim como um homem pode pular mais alto e cada vez mais longe com treino, mas não consegue voar, alguns animais podem avançar em manifestar algum tipo de comportamento simbólico, mas não chegam a adquirir uma língua. “O lugar da faculdade da linguagem dentro da capacidade cognitiva é tópico de descoberta, não de estipulação. O mesmo é verdadeiro para o lugar da gramática dentro do sistema de estruturas cognitivas adquiridas. Minha crença, ainda tateante, é que há um sistema autônomo de gramática formal, determinado a princípio pela faculdade da linguagem e sua componente GU. Essa gramática formal gera estruturas formais abstratas que são associadas com ‘formas lógicas’ (...) por princípios gramaticais ulteriores” (p. 43). Tratando da relação entre categorias e seus significados, Chomsky faz uma extensa discussão sobre a questão da referencialidade e dos sentidos: um nome, por exemplo, nomeia propriedades inerentes das coisas ou capta algum tipo de entendimento comum que leva em consideração coisas como finalidade, uso, etc., para classificar entidades segundo esses nomes? Chomsky defende o segundo tipo de abordagem. O resto do capítulo é dedicado a uma discussão sobre (1) se a língua só pode ser estudada adequadamente levando-se em conta sua função comunicativa e (2) se o significado pode ser identificado com as intenções de produzir efeitos sobre uma audiência. Chomsky defende que a língua tem funções outras além da comunicativa e pode ser estudada autonomamente; também apresenta exemplos em que fica claro que o significado não pode ser reduzido às intenções do falante em relação à determinada audiência, particularmente porque muitas vezes não há audiência. 3) Traços gerais da linguagem Uma das propriedades que podem ser atribuídas à faculdade da linguagem é o princípio de dependência de estrutura das regras gramaticais. Até aqui vimos basicamente isso e mais algumas coisas gerais sobre semântica. Neste momento, então, Chomsky pretende avançar em três frentes: (a) adicionar estrutura à explicação da faculdade da linguagem; (b) tratar da assunção simplificadora de que a aquisição é instantânea; (c) retomar alguns pontos sobre uma possível teoria da natureza humana e suas implicações. “Meu primeiro propósito é oferecer uma ideia dos tipos de princípios e do grau de complexidade da estrutura que parece plausível atribuir à faculdade da linguagem enquanto propriedade específica da espécie e geneticamente determinada” (p. 79). A gramática tem um componente transformacional, que converte estruturas sintagmáticas em estruturas sintagmáticas – e cujas regras necessariamente levam em conta a estrutura. Para que se apliquem, existe uma componente de base que gera as estruturas sintagmáticas sobre as quais as transformações se aplicam. A base é composta pelo léxico e a componente categorial, que contém as regras de reescrita. Os itens do léxico são inseridos nos indicadores sintagmáticos através de transformações. O que é gerado pelas regras de reescrita e pelas transformações de inserção lexical é chamado de estrutura profunda; o que é gerado pela componente transformacional é chamado de estrutura de superfície. Isso tudo já foi visto. Aqui há uma mudança, contudo: “Na teoria padrão, as estruturas profundas eram caracterizadas em termos de duas propriedades: seu papel na sintaxe, iniciando as derivações transformacionais; e seu papel na interpretação semântica. No que diz respeito à última propriedade, postulou-se que as estruturas profundas fornecem toda a informação exigida para determinar o significado da sentença. Claramente, essas caracterizações são independentes; pode ser que as estruturas que iniciam as derivações transformacionais não sejam aquelas que determinam a interpretação semântica. Acredito que seja esse o caso. A teoria padrão estendida postula que as estruturas de superfície contribuam de maneira definitiva para a interpretação semântica. Na versão que delinearei aqui, sugiro que talvez toda a informação semântica seja determinada por uma noção algo enriquecida da estrutura de superfície” (p. 81). Para evitar as confusões, Chomsky vai abandonar o uso da expressão “estrutura profunda” e substituí-la por “marcador sintagmático inicial”, mantendo a expressão “estrutura de superfície” para o que resulta de transformações. Com relação à componente transformacional, Chomsky trata da separação entre transformações-raiz e as transformações-não-raiz. As primeiras se aplicam às orações menos encaixadas. Por exemplo, a regra de anteposição do auxiliar se aplica sobre a oração principal, mas não sobre a oração subordinada, mesmo que ela seja uma pergunta indireta: “Who is John visiting?” “*I want to know who is John visiting.” “I want to know who John is visiting.” As transformações-não-raiz podem se aplicar a coisas que não são sentenças, como sintagmas nominais. Chomsky vai chamar as categorias que podem ser o domínio de uma transformação de categorias cíclicas. Isso quer dizer que as transformações operam ciclicamente. A ideia é que as transformações comecem se aplicando ao que está mais profundamente encaixado, indo para as menos encaixadas em ciclos. As transformações também não podem pular ciclos: isso quer dizer que, por exemplo, se uma transformação move um elemento, ela não pode movê-lo de um ciclo para outro diretamente pulando um ciclo intermediário. Exemplos: [[the only one t] of Tolstoy’s novels] is out of print [that I like]t Pulamos um ciclo intermediário – o movimento é muito longo. Aqui pela primeira vez surge um símbolo que indica a posição de partida do constituinte extraposto. Possíveis contraexemplos: John seems to be certain to win [Johnt seems to be certain [t to win]] Compare-se com “John is certain to win” e “I want John to win”. Solução: o deslocamento não é direto, tendo um ciclo pelo qual “John” passa antes de atingir seu alvo: [Y seems [Johnt to be certain [t to win]]] Note-se que se substituímos “certain” por um item que não aceita a anteposição de um NP, como “probable”, a frase fica agramatical: *John seems to be probable to win – isso porque o ciclo intermediário não fornece uma posição para o movimento do NP. Raciocínio semelhante vale para o alçamento de QUs. Essas transformações não são transformações-raiz, pois aplicam-se ciclicamente a constituintes encaixados. Considerando vários casos em que o elemento “that” ocorre convertendo sentenças em complementos de verbos, Chomsky propõe uma regra de reescrita: S → COMP Sred. A regra de movimento do QU vai colocar o pronome interrogativo no lugar de COMP, desde que esta posição não esteja ocupada por outro QU. Justamente o fato de sintagmas nominais não terem complementizadores faz com que coisas como COMP John discovered who pictures of não sejam aceitáveis: não há posição dentro do sintagma nominal para a alocação do QU – mas a frase who did John discover pictures of? é boa. Nesse caso um movimento direto é permitido. Mas observe-se que isso não ocorre em *who did John believe the claim that Tom saw? Por quê? O elemento QU sai do complemento de “saw” e se move para o primeiro COMP disponível, ocupado por “that” na sentença. Mas para chegar ao segundo COMP teria que passar por uma posição intermediária que não está disponível: não há COMP na periferia de NP encabeçado por “claim”, e, por isso, a sentença é agramatical. A ciclicidade dessas operações é o que Chomsky chama de princípio da subjacência. O princípio da subjacência, assim como o princípio da dependência de estrutura devem pertencer à GU e são inatos. O princípio da subjacência generaliza fatos observados por Ross sobre ilhas e restrições sobre aplicações de regras. Por exemplo, o movimento de QU era considerado uma regra ilimitada, enquanto a anteposição do sujeito era uma regra limitada (bounded). Com o princípio da subjacência essa diferença não é mais necessária, e vemos que o movimento de QU só parece ilimitado porque tem estágios intermediários que não se manifestam visivelmente. A ideia é que todas as regras transformacionais sejam submetidas ao princípio da subjacência. Mais adiante, Chomsky sugere que os QUs sejam interpretados como quantificadores que tomam uma variável: “The police know who the FBI discovered that Bill shot” – the police know for which person x, the FBI discovered that Bill shot x. A variável vai ser identificada com o vestígio t deixado pelo movimento. Veja-se que esse mecanismo está possibilitando a interpretação da estrutura de superfície, considerando-se que o vestígio é interpretado como uma variável ligada pelo quantificador (QU) que foi movido para outra posição. Chomsky sugere, ainda, que os complementizadores possam indicar força (declarativa ou interrogativa), e que determinados verbos selecionem determinados tipos de força. A proposta dos vestígios como recurso para interpretar estruturas de superfície (e não mais as estruturas profundas) é usado em outros ambientes. Por exemplo, anteposição do NP em “John seems to be a nice fellow”. Ao que tudo indica, “John” é o sujeito da oração encaixada, mas a estrutura de superfície não parece mostrar isso, uma vez que “John” não está na posição em que é interpretado. Esse tipo de exemplo motivou a ideia da teoria padrão de interpretar as estruturas profundas, pois assumia-se que a estrutura “Y seems [John to be a nice fellow]” fosse o indicador sintagmático de fato interpretado. Mas observe-se que com os vestígios esse tipo de coisa não é mais necessário, pois a posição em que o NP é interpretado é ocupada pelo vestígio do NP movido: “John seems [t to be a nice fellow]”. E essa motivação para a interpretação da estrutura profunda desaparece. A teoria baseada em vestígios também explica casos como as assimetrias entre: “who said Mary kissed him?” e “who did he say Mary kissed?” No primeiro caso o pronome “him” pode ser correferente com o quem quer seja o referente da resposta à sentença; mas isso não acontece entre “who” e “he” na outra frase. Por quê? Se imaginarmos que o vestígio deixado por “who” tem as propriedades referenciais de um nome, mostramos que o comportamento desses casos é semelhante ao comportamento de pares como “John said Mary kissed him” e “he said Mary kissed John”. A teoria baseada em vestígio não precisa assumir a implausível ideia de que os pronomes interrogativos tenham propriedades referenciais de nomes na estrutura profunda, bloqueando a correferência entre o pronome e a resposta para “who”. Chomsky ainda acrescenta evidências para a teoria dos vestígios na relação de antecedência entre expressões recíprocas e outros elementos sentenciais. Qual é a forma geral da estrutura da gramática com o que vimos até aqui? Regras da componente categorial e léxico fornecem os marcadores sintagmáticos iniciais. As transformações aplicadas a esses indicadores geram a estrutura de superfície, que sofrem a interpretação semântica. As regras semânticas atribuem escopo aos operadores lógicos, fixa seus significados, atribuem antecedentes a expressões anafóricas, etc. O resultado da aplicação dessas regras pode ser chamado de Forma Lógica (LF). Estrutura: B T SR-1 Gramática sentencial: → IPM → SS → LF SR-2 outros sistemas : LF → “significado” Mais adiante Chomsky observa que os deslocamentos discutidos até aqui eram alçamentos, não conduziam os constituintes para posições mais encaixadas. Explica isso a partir de um princípio que estabelece que os antecedentes devem ser “superiores” – ou seja, mais próximos da raiz da sentença –, que define como deve ser a relação estrutural entre um antecedente e sua anáfora – no caso, um vestígio. O fato de a teoria dos vestígios ser capaz de eliminar inúmeras noções necessárias para explicar diversos fenômenos – que agora recebem um tratamento unificado – contribui para que a adequação explicativa da teoria linguística seja alcançada. “Por um lado, podemos dizer que esses princípios fornecem explicações para o fato de que os dados são assim ou assado, e assim vão além das descrições dos fatos em gramáticas particulares. Por outro lado, os mesmos princípios servem para explicar um importante aspecto do aprendizado humano, isto é, para a construção de certas estruturas cognitivas que têm um papel essencial no pensamento e em sua expressão (e, de forma derivada, na comunicação)” (p. 111). Os princípios, se confirmados, também podem diminuir drasticamente o número de gramáticas potenciais, pois reduz significativamente o número de regras potenciais. Diminui também o poder expressivo das regras gramaticais. “Poderíamos inclusive estabelecer a meta, ainda distante mas talvez atingível, de restringir tanto o aparato da teoria das transformações que as regras sejam somente da forma “mova NP”, com outras condições sobre sua aplicação expressas ou como condições gerais sobre regras, ou como propriedades dos marcadores sintagmáticos iniciais, ou como propriedades das estruturas de superfície” (p. 112). A versão da teoria que vemos neste livro é um pouco diferente da versão da teoria padrão estendida anterior, em que aspectos do significado ficavam codificados na estrutura profunda (ou nos marcadores sintagmáticos iniciais), como as relações temáticas, e outros aspectos ficavam codificados na estrutura de superfície, como escopo de quantificadores, relações anafóricas, etc. Com a teoria dos vestígios, essa divisão não é mais necessária, e temos uma vantagem em relação à versão anterior da teoria. Chomsky trata da hipótese simplificadora de que a aquisição é instantânea. Diz que, apesar de falsa, o fato de a aquisição não ser instantânea não afeta a concepção de GU defendida. Uma vez que a aquisição é uniforme, sem ser afetada por frequência ou ordem de exposição dos dados, não haveria gramáticas significativamente diferentes sendo atingidas ao longo do processo de aquisição – e principalmente no estado estável –, mas somente uma espécie de maturação do sistema. Chomsky admite que o assunto é controverso e que não tem como defender seu ponto com argumento menos frágeis, mas parece-lhe plausível que a hipótese em si não tenha a vantagem de ser simplificadora sem que o resultado seja uma falsa concepção do estado inicial da faculdade da linguagem. Chomsky termina o capítulo 3 com uma extensa discussão sobre os fundamentos históricos do empirismo, defendendo que a doutrina empirista surge como uma saudável maneira de escapar do obscurantismo religioso do pensamento do século XVII mas acaba criando uma doutrina, muito seguida pelos marxistas modernos, em que o homem é ilimitadamente maleável e um produto exclusivo da história. Além de isso não ter respaldo científico, Chomsky diz que essa concepção pode fazer-nos crer que, sendo moldado pela história, o homem possa aceitar regimes opressores, uma vez que não tem algo em sua natureza que o faça se revoltar contra circunstâncias que limitem drasticamente sua liberdade. 4) Problemas e mistérios no estudo da linguagem humana Problemas: questões que estão dentro do alcance de abordagens e conceitos moderadamente bem entendidos. Mistérios: questões que são tão obscuras hoje quanto eram quando foram originalmente formuladas. Problemas: que tipos de estruturas cognitivas são desenvolvidas com base em nossa experiência, especificamente, no caso da aquisição da linguagem? Qual é a base para a aquisição de tais estruturas e como elas se desenvolvem? Mistérios: causas do comportamento... “Grosso modo, onde lidamos com estruturas cognitivas, seja num estado maduro do conhecimento e das crenças ou em seu estado inicial, encaramos problemas, não mistérios. Quando perguntamos como os seres humanos usam essas estruturas cognitivas, como e por que fazem escolhas e se comportam de determinado modo, apesar de haver muito que possamos dizer como seres humanos com intuição e insights, há pouco, creio, que possamos dizer como cientistas” (p. 138). O resto do livro é dedicado a: (1) uma discussão sobre como um cientista deve estudar o conhecimento linguístico que os falantes têm e que tipo de explicação ele pode dar para o modo como o falante atingiu esse conhecimento (cognoscimento) – considerando-se, em particular, a questão de que capacidades gerais de aprendizado (analogia, abstração, generalização, etc.) não são suficientes para explicar o conhecimento que o falante atinge sobre determinados fatos gramaticais (alguns exemplos aparecem aqui, mas serão discutidos outros análogos no próximo livro que estudaremos neste curso, e portanto não os discuto agora); (2) um embate duro com alguns pensadores contemporâneos (entre eles ilustres como Quine, Searle, Austin, etc.) que se contrapunham totalmente ou em parte às posições racionalistas de Chomsky a respeito da linguagem e do que ele chama de senso comum, que envolve um conjunto de variado de capacidades específicas. Essas discussões são em si muitíssimo interessantes, mas fogem ao escopo do curso – que pretende fazer um percurso histórico da tradição gerativo-transformacional passando por algumas de suas obras mais conhecidas – e, portanto, não trataremos delas aqui.