Licenciatura em matemática - Maxwell - PUC-Rio

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Io Colóquio em Epistemologia e Pedagogia das Ciências - 2005
Licenciatura em matemática – algumas dificuldades
Carlos Tomei
PUC-Rio
A seguir, os tópicos que expus na mesa redonda Há algo de errado
nas licenciaturas, que tratava de dificuldades nas licenciaturas em
ciências. A brevidade do tempo induziu a apresentação esquemática.
Começando pelo profundamente óbvio, matemática é difícil: se
matemática fosse óbvia, deveria ser jogada fora. É grave esquecer sua
dificuldade, e o estudo de sua história pode ajudar a reviver a sensação
pessoal de ignorância diante de fatos elementares. Igualmente grave é
convencer-se de que só vale a pena ensinar o óbvio: o aluno é
infantilizado. Na imagem tradicional, ele trata de sexo, usa a Internet,
estuda as causas da Revolução Francesa e aprende que as diagonais de
um retângulo se cortam no meio. A comunidade matemática pelo menos
já tem consciência de que não é a alteração de currículo que vai salvar a
licenciatura nacional: qualquer currículo é difícil demais para o professor
típico
disponível,
como
comprova
a
literatura
sobre
ensino
da
matemática.
A legislação não considera a diversidade dos alunos e de suas
possíveis metas além da escola. O primeiro curso de cálculo da PUC-Rio
é oferecido em três níveis diferentes, para conciliar preparações
diferentes em uma amostra já suficentemente homogeneizada de
alunos. Na Suíça, como apresentou o Prof. Ducommon, os alunos que
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visam a entrada em escolas técnicas e em universidades seguem
programas distintos já nas escolas médias.
A
preocupação
com
uma
solução
ótima
para
o
ensino
é
característica da ansiedade e de uma certa imaturidade diante de
problemas complexos, que não têm solução única, nem ótima. Não é
por isso que devemos nos manter inertes.
Ninguém sabe ao certo porque ensinar o conteúdo habitual de
matemática. Se for para desenvolver disciplina ou concentração, um
instrumento ou um esporte poderia ser mais produtivo. A auto-crítica
seria mais natural, diminuindo desgaste entre aluno e didata.
Para treinar argumentação, geometria sobreviveu por 2000 anos
porque não era polêmica como política ou teologia, mas certamente
existem alternativas. Para enriquecer a cidadania do aluno, existe
material mais relevante do que somar frações. Os próprios professores
em geral não sabem porque ensinam frações. Cálculo é para calcular, e
um aluno moderno não calcula nada, o que pode ser uma pena, mas
que só pode mudar se seu professor também se puser a calcular – o
quê?
A contextualização típica dos livros didáticos é paupérrima. Em um
livro prestigiado de geometria, o capítulo sobre retângulos e quadrados
começa com um convite ao aluno para procurar à sua volta exemplos de
retângulos e quadrados. Depois, retoma-se a trilha habitual: as
diagonais de um retângulo se cortam no meio – nunca mais voltaremos
ao mundo real, nunca saberemos se isso é de interesse para o mundo
real. O conceito de número não começou quando o homem pré-histórico
associou pedras a ovelhas, até porque cada ovelha era individualíssima:
o pouco caso com o contexto é constrangedor. Outro livro didático bem
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conceituado, no capítulo dedicado a dinheiro (isto é, num capítulo de
conhecimento contextualizado), convida o leitor, entre dois mapas do
Brasil, um usando um cinto apertado, outro mais gordinho, a verificar se
as contas do país estão no vermelho ou não. O texto aliás é para alunos
que em dois anos estarão na universidade. Não conheço um livro que
apresente dados explicitamente (melhor, indique também como obtêlos) para depois tirar alguma conclusão interessante, como o argumento
malthusiano, ou o fato que andamos a 30 km/s pelo espaço. Aliás, o
fato que 100 Rio-São Paulo = uma volta pelo equador terrestre já seria
informativo.
O fato é que matemática está sozinha. Como é difícil montar
laboratórios, sobra aos abstratos professores de matemática ‘ensinar’
toda uma vivência científica. E tudo conspira contra essa abstração
desmotivada. Misturar matemática com outras coisas é modelar. Gregos
não modelaram e tiveram razões profundas para isso. Um objeto em
movimento não anda em movimento uniforme, os ângulos de um
triângulo não somam 180 graus. Para que ciência nascesse, os gregos
precisaram de dois vôos de imaginação delirantes: eles olharam para
longe - o movimento planetário, por si já dificílimo de equacionar – e o
universo das coisas abstratas, onde os triângulos de fato somam 180
graus. Quase todas as idéias que apresentamos como banais a nossos
alunos em física não eram conhecidas por Aristóteles, que não era
trouxa.
A moral é que para motivar/contextualizar adequadamente, os
matemáticos precisam da companhia de colegas de outras áreas que
usam a linguagem matemática e gastam tempo em sala de aula
empregando-a. Os exemplos que conheço apontam para o oposto: ao
chegar em algo um pouco mais matemático, um professor de biologia
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corre o risco de trivializar o assunto, afirmando que ‘isso são só contas’.
Sobra para o matemático o proselitismo de um vocabulário pedante
empregado
para
tornar
confusos
assuntos
corriqueiros
como
o
movimento dos trens. Como competir pela atenção de um adolescente
confrontado com um professor de história que encontra explicações para
os grandes movimentos sociais? Como submeter um aluno a um cenário
em que ele pode ser desmentido como uma simples conta, se ele pode
argumentar indefinidamente sobre temas transcendentes?
Com quem mais o professor de matemática conta ao induzir um
aluno a treinar abstração? O mundo do computador está disponível, com
sua análise combinatória, seus algoritmos, a necessidade de descrições
mais cuidadosas. Mas isso parece tão difícil quando pedir um laboratório
de ciências para todas as escolas brasileiras.
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