Capítulo 2 Conhecimento O problema do conhecimento. Formas de

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Capítulo 2
Conhecimento
O problema do conhecimento. Formas de
conhecimento. Crise da razão.
1.1 O problema do conhecimento
Você já se perguntou se a realidade é
de fato aquilo que seus sentidos informam que
é? Será que aquilo que você julga conhecer não
sofre uma distorção como na imagem abaixo,
onde temos a impressão de que as pessoas estão
subindo a escada continuamente?
As respostas dadas as questões sobre o
conhecimento tem sido as mais variadas,
dependendo da cultura, período histórico, do
próprio saber acumulado, da estrutura social,
econômica e política da sociedade, do aparato
tecnológico, etc.
A história do pensamento ocidental
testemunha a atenção que as especulações
filosóficas têm concentrado sobre determinados
temas. Esses temas, discutidos em diversos
períodos, tornaram-se o que chamamos
problemas filosóficos. Entre os principais
problemas filosóficos está o conhecimento.
Para que investigar o conhecimento?
Diante do caos (desordem), todos têm o objetivo
de conhecer algum aspecto da realidade, se
situar no mundo, a fim de se posicionar e poder
agir sobre ele. O intelecto se abre ao ser
humano, como a melhor forma de sobreviver
em meio às adversidades, trazendo-lhe uma
vantagem sobre os demais seres. O intelecto, é o
meio pelo qual o indivíduo consegue se manter,
se conservar na natureza, pois não possui outro
artifício como os de animais que se utilizam de
garras e dentes afiados.
O ser humano desde seus primórdios
até nossos dias, vive uma busca incessante por
compreender a si mesmo e o mundo à sua volta.
Isso levou a que muitos pensadores sentissem
que era necessário entender primeiro sua própria
capacidade de entender, antes de confiar
plenamente na percepção e compreensão que
alcançamos das coisas.
>Conhecimento: processo pelo qual o sujeito
se coloca no mundo, e com ele estabelece
alguma relação. É a apropriação intelectual de
objetos, com a finalidade de dominá-los e
utilizá-los para o entendimento e elucidação da
realidade. É representar cuidadosamente o que é
exterior à mente.
Representar é tornar presente diante de si a
imagem conceito ou idéia de algum objeto.
A Condição humana (1935) -René Magritte.
“O conhecimento perfeito seria
aquele em que a representação fosse a
própria realidade”. (René Magritte)
Sempre que tratamos o problema do
conhecimento, estamos tratando do problema da
verdade. A história da busca do conhecimento é
a própria história da busca da verdade.
Relação entre sujeito e objeto
O sujeito apreende um objeto e torna-o
presente aos sentidos ou à inteligência. Dessa
forma o sujeito vai conhecendo melhor a
realidade que o circunda. Só haverá
conhecimento se o sujeito conseguir representar
o objeto mentalmente.
Para que haja conhecimento é necessária a
relação entre um sujeito conhecedor ou
cognoscente (nossa consciência)
e um objeto conhecido ou cognoscível (nossa
realidade, o mundo).
Dessa relação entre sujeito-objeto , temos
como produto o conhecimento ou saber
acumulado que pode ser transmitido através das
gerações. Essa relação também implica em uma
transformação do sujeito que se se modifica
mediante o novo saber, e do objeto , pois o
conhecimento lhe dá sentido.
Só há saber para o sujeito cognoscente, se
houver um mundo a conhecer, mundo este do
qual ele é parte, uma vez que o próprio sujeito
pode ser objeto de conhecimento.
Realismo
De acordo com as teorias realistas de
conhecimento, as percepções que temos dos
objetos são reais, ou seja, correspondem de fato
às características presentes nesses objetos, na
realidade. Por exemplo: as formas e cores que o
sujeito percebe no pássaro são cores e formas
que o pássaro realmente tem em si.
No realismo mais ingênuo, isto é,
menos crítico, o conhecimento ocorre por uma
apreensão imediata das características dos
objetos, isto é, os objetos se mostram como
realmente são ao sujeito que o percebe,
determinando o conhecimento que então se
estabelece.
Há, no entanto, outras formas mais
críticas de realismo, que problematizam a
relação sujeito-objeto, mas que mantêm a idéia
básica de que o objeto é determinante no
processo de conhecimento.
Idealismo
Segundo as teorias idealistas do
conhecimento, o sujeito é que predomina em
relação ao objeto, isto é, a percepção da
realidade é construída pelas nossas idéias, pela
nossa consciência. Assim, os objetos seriam,
‘construídos’ de acordo com a capacidade de
percepção do sujeito.
Conseqüentemente, o que existiria
como realidade seria a representação que o
sujeito faz do objeto. Por exemplo: as formas e
cores que o sujeito percebe no pássaro são
apenas idéias ou representações desses
atributos; não entra em questão se elas
realmente estão no pássaro.
Também no idealismo, há posições
mais ou menos radicais em relação à afirmação
do sujeito como elemento determinante na
relação de conhecimento.
Dogmatismo
Dogmatikós = o que se funda em
princípios, o que é relativo à alguma doutrina.
Defende de forma categórica, a possibilidade de
atingir
a
verdade.
Posições
rígidas,
impermeáveis às mudanças ou às críticas.
Dogmatismo ingênuo: Predominante no senso
comum, acredita plenamente nas possibilidades
do nosso conhecimento. Não vê problema na
relação sujeito conhecedor e objeto conhecido.
Crê que, sem grandes dificuldades, percebemos
o mundo tal qual ele é;
Dogmatismo crítico: Defende a capacidade de
conhecer a verdade mediante esforço conjugado
de nossos sentidos e de nossa inteligência.
Confia que, através de um trabalho metódico,
racional e científico, o ser humano se torna
capaz de conhecer a realidade do mundo.
Ceticismo
Sképsis = investigação, procura: a
sabedoria não consiste em alcançar a verdade,
mas somente em procurá-la. O cético tanto
observa que conclui na impossibilidade do
conhecimento. Um cético é aquele que coloca
suas crenças e as dos outros sob exame, a fim de
verificar se elas são realmente dignas de crédito
ou não.
Ceticismo absoluto – tudo é ilusório: nega de
forma total nossa possibilidade de conhecer a
verdade. Para o ceticismo absoluto o homem
nada pode afirmar, pois nada conhece com total
certeza.
O sofista grego Górgias é considerado por
muitos como o fundador do ceticismo absoluto.
O filosofo grego Pirro também é apontado
como pai do ceticismo. Ele afirmava ser
impossível ao homem conhecer a verdade
devido a duas fontes principais de erro:
Os sentidos – Segundo Pirro, nossos
conhecimentos são provenientes dos sentidos,
mas estes podem nos induzir ao erro.
A razão – Para Pirro, as diferentes e
contraditórias opiniões sobre os mesmo assuntos
revelam os limites de nossa inteligência. Jamais
alcançaremos certeza de qualquer coisa.
Os críticos do ceticismo absoluto
consideram-no uma doutrina radical, estéril e
contraditória. Radical porque nega totalmente a
possibilidade de conhecer. Estéril porque não
leva a nada. Contraditória porque, ao dizer que
nada é verdadeiro, acaba afirmando que pelo
menos existe algo de verdadeiro, isto é, o
conhecimento de que nada é verdadeiro.
Ceticismo relativo – o domínio do provável:
nega apenas parcialmente nossa capacidade de
conhecer a verdade, ou seja, apresenta uma
posição moderada em relação às possibilidades
de conhecimento, comparada ao ceticismo
absoluto. Das doutrinas que manifestam o
ceticismo relativo, podemos destacar:
Subjetivismo:
considera
o
conhecimento uma relação subjetiva e pessoal
entre o sujeito e a realidade percebida. O
conhecimento
limita-se
às
idéias
e
representações elaboradas pelo sujeito pensante,
sendo impossível alcançar a objetividade. O
subjetivismo nasce com Protágoras, sofista do
século V a.C., que dizia que a verdade é uma
construção humana, ela não está nas coisas.
Relativismo: entende que não existem
verdades absolutas, mas apenas verdades
relativas, que têm uma validade limitada a um
certo tempo, a um determinado espaço social,
enfim, a um contexto histórico etc;
Probabilismo: propõe que nosso
conhecimento é incapaz de atingir a certeza
plena. O que podemos alcançar é uma verdade
provável. Essa probabilidade pode ser digna de
maior ou menor credibilidade, mas nunca
chegará ao nível da certeza completa, da
verdade absoluta;
Pragmatismo: propõe uma concepção
dos homens como seres práticos, ativos, e não
apenas como seres pensantes. Por isso,
abandonam a pretensão de alcançar a verdade,
entendida como a correspondência entre o
pensamento e a realidade. O conceito de
verdade é o seguinte: verdadeiro é aquilo que é
útil, que dá certo, que serve aos interesses das
pessoas na sua vida prática. Nesse sentido, a
verdade não seria correspondência do
pensamento
com
o
objeto,
mas
a
correspondência do pensamento com o objetivo
a ser atingido.
Criticismo
Criado por Kant, é a tentativa de
superação do ceticismo e dogmatismo. Se
pergunta quais as condições possíveis para o
conhecimento.
É uma posição crítica diante da
possibilidade de conhecer. Admite a
possibilidade
de
conhecer,
mas
esse
conhecimento é limitado, ocorrendo em
condições específicas.
Todo conhecimento precisa ser
constantemente revisado pela crítica, com a
construção de novas teorias filosóficas ou
científicas, a fim de se prevenir contra as
opiniões prontas.
1.2 Primeiras formas de conhecimento
Desde seus primórdios, a filosofia se
ocupou com o problema do conhecimento.
Antes mesmo do nascimento da filosofia na
Grécia antiga do séc. V a.C, já havia uma
cultura estabelecida, sobretudo nos textos épicos
de Hesíodo e Homero, também na poesia lírica e
nos conhecimentos rudimentares que os gregos
do século VI a.C. tinham sobre astronomia.
O homem grego inicialmente recorria a
explicações míticas que eram criadas para
interpretar a vida e entender o mundo.
Relacionava-se com a vida aceitando-a como
algo desconhecido, e que estivesse em uma
constante mudança.
Oráculos
Pythia – Sacerdotisa do templo de Apolo, que
tinha visões ao entrar em transe inalando gases
que saiam de rochas.
Na Grécia antiga, algumas pessoas
recorriam ao oráculo para perguntar sobre
problemas cotidianos, questões de guerra, vida
sentimental, previsões de tempo, etc. Os gregos
acreditavam que os deuses ficavam no oráculo
orientando as pessoas.
por volta da metade do século V a.C. em
Atenas, que podemos situar o nascimento de
uma preocupação com as condições em que se
dá o conhecimento.
Os primeiros filósofos gregos, os présocráticos iniciaram o processo de desligamento
entre filosofia e mito. Estavam preocupados em
encontrar a verdade em um princípio único, o
fundamento (arké) de todas as coisas.
Indagavam racionalmente sobre a natureza, o
mundo (cosmos), sobre o homem etc. A
filosofia era uma cosmologia (origem do
Kosmos).
Heráclito por exemplo, questionava
sobre nossas percepções. Como explicar que
nossa percepção nos ofereça as coisas como se
fossem estáveis, duradouras e permanentes?
Com essa pergunta o filósofo indicava a
diferença entre o conhecimento que nossos
sentidos nos oferecem e o conhecimento que
nosso pensamento alcança, pois nossos sentidos
nos oferecem a imagem da estabilidade e nosso
pensamento alcança a verdade como mudança
contínua.
Com Sócrates há uma mudança
significativa no rumo das discussões filosóficas,
ele as coloca na via da verdade. Surge um tipo
de homem em que há predominância da razão
em detrimento dos instintos, levando a
civilização ocidental a uma nova visão de
mundo. A filosofia se torna uma metafísica ou
“filosofia do ser”.
Oráculo de Delfos : Local sagrado da Grécia
Antiga, dedicado ao deus Apolo. Localizado no
Monte Parnaso (região central da Grécia).

Os filósofos gregos e o conhecimento
Em certo momento, os gregos
começaram a se perguntar como seria possível o
erro, falsidade, ilusão. Precisaram estabelecer
distinção entre o opinar e o conhecer
verdadeiro.
Ao se constituir, a filosofia provoca um
afastamento gradual e doloroso da tradição
mítica. Os heróis e os valores presentes nas
histórias de Homero e Hesíodo são questionados
pelos primeiros filósofos. Esta tradição entra em
crise e a filosofia passa a observar questões
como a origem do universo, o bem universal, o
que é o ser, a organização política de uma
cidade, etc. É provavelmente neste momento,
Sócrates com o cálice de Cicuta
Segundo
Aristóteles,
Sócrates
contribuiu para a teoria do conhecimento com a
definição de universal e com o uso do raciocínio
indutivo.
Definir é marcar limites, é dizer o que
uma coisa é, ou seja, descobrir a essência das
coisas. Portanto, a procura da verdade
empreendida por Sócrates está centrada no
ponto de vista do ser. Voltando sua atenção para
o problema do homem, ele faz uma análise
detalhada das qualidades e virtudes humanas,
determinando e definindo essas qualidades
como sendo a bondade, justiça, a temperança, a
coragem etc. Quando pergunta o que é cada uma
das virtudes, está querendo defini-la, saber qual
é sua essência. A partir daí filosofia tornou-se o
conhecimento do ser, ou seja, uma ontologia.
Sócrates, entretanto, não define o
próprio ser humano. Por que? Porque, ao
contrário da natureza, o ser humano não pode
ser definido em termos de propriedades
objetivas, só em termos da sua consciência. E
para alcançarmos uma visão clara do seu
caráter,
pra
compreendê-lo,
precisamos
examiná-lo, frente a frente, através do diálogo.
O método de Sócrates, que é um
método indutivo envolve duas fases. A ironia
(fazer perguntas) e maiêutica (construção de
novos conceitos). Assim Sócrates com suas
perguntas aniquila o saber constituído para,
depois, ainda através de perguntas, reconstruí-lo
a partir de uma base mais sólida e de um
raciocínio coerente e rigoroso.
Platão dando continuidade ao processo
de compreensão do real, faz distinção entre o
mundo sensível e o inteligível ou as idéias.
Retomando a questão da definição, ele descobre
que, para dizer o que uma coisa é, é necessário
afirmar dois princípios fundamentais: o da
identidade e o da permanência, ou seja, uma
coisa é aquilo que é e não outra (identidade) e
deve sempre ser do mesmo modo
(permanência).
Ora, nenhum desses princípios pode se
aplicar às coisas concretas que existem no
mundo sensível, pois elas são múltiplas (há
muitas casas e uma casa não é igual à outra) e
não permanentes (esta casa não existia há dez
anos e pode deixar de existir no próximo ano).
Platão pensa, então, na existência do mundo das
idéias, unos, idênticos a si mesmos e
permanentes porque não estão sujeitos a
mudanças.
O mundo sensível é acessível aos
sentidos, mas, sendo o mundo da multiplicidade
e do movimento, é ilusório, é sombra, é cópia
do verdadeiro mundo. Acima dele, o mundo das
idéias gerais e das essências imutáveis pode ser
atingido através da contemplação e da
depuração dos enganos dos sentidos. O mundo
dos sentidos é regido pela opinião e o das idéias
pela ciência. Nosso espírito se eleva das coisas
múltiplas e sensíveis para as idéias unas e
imutáveis por meio de um movimento dialético,
que consiste no vencer a crença nos dados do
mundo sensível e na utilização sistemática do
discurso para chegar à ordem da verdade.
Aristóteles critica a teoria das idéias de
Platão, principalmente a divisão entre mundo
sensível e mundo inteligível. Ao retomar a
problemática do conhecimento, distingue três
tipos de saber:
>A experiência ou conhecimento
sensível, dado pelo contato direto com a própria
coisa, é um conhecimento que se forma por
familiaridade com cada coisa, é imediato e
concreto e só nos permite chegar ao
conhecimento
do
individual.
Não
é
transmissível; só se podem oferecer as
condições para que as pessoas adquiram a
mesma experiência, ou tenham as mesmas
sensações. Portanto, o conhecimento sensível é
o conhecimento do particular.
>A técnica ou saber fazer é o
conhecimento dos meios a serem usados para se
chegar aos fins desejados. A técnica não é mais
o conhecimento do particular, pois já encerra
uma idéia das coisas, participando do universal.
Uma vez que encerra uma idéia, pode ser
ensinada. A técnica dá o quê e o porquê das
coisas.
>A sabedoria (sofia) é o único tipo de
conhecimento a determinar as causas e
princípios primeiros; a única a poder dizer o quê
as coisas são, por que são e demonstrá-las.
As noções universais, pertencentes ao
âmbito da sabedoria, são as mais difíceis de se
adquirir porque estão muito longe da sensação.
Quem escolhe o saber por si mesmo escolhe a
ciência dos primeiros princípios e das causas,
pois é isso que dá a finalidade a todo o trabalho.
A sabedoria inclui as ciências
particulares – que se circunscrevem ao estudo
de um certo ser (de um gênero), demonstrando
pelo raciocínio indutivo
ou dedutivo as
propriedades inerentes ao gênero do qual se
ocupa – e a filosofia primeira posteriormente
chamada de metafísica, que considera o ser em
geral, livre de toda determinação particular,
buscando as causas e os princípios universais.
O conhecimento, para Aristóteles, é
uma somatória de todos esses modos de
conhecer, sem haver ruptura ou descontinuidade
entre eles. Na verdade, um não invalida o outro.
Ao contrário, enriquece-o e, neste ponto,
contradiz Platão.
A contribuição dos filósofos gregos
Os filósofos gregos deixaram um
importante legado para a teoria do
conhecimento, que exerceu grande influência na
construção posterior do pensamento ocidental.
Esses filósofos estabeleceram a diferença entre
>conhecimento sensível e intelectual;
> opinião e saber;
>aparência e essência
Ele também deram as regras da lógica, ou seja,
de como passar de um juízo para outro de forma
coerente e correta para se chegar à verdade.
Para esse filósofos, não existia
oposição entre homem e natureza. Ao contrário,
ele é parte integrante da natureza, feito dos
mesmos elementos, o que lhe permite conhecêla como ela é. A inteligência humana reconhece
e compreende a inteligibilidade do real.
A teoria do conhecimento na idade média
Para o pensamento medieval o
problema principal era a conciliação entre a fé e
razão. Embora o cristianismo não seja uma
filosofia, ele afeta de forma profunda o
pensamento filosófico da época, uma vez que o
filósofo cristão se depara com o problema da
sua realidade diante da de Deus.
A Patrística - filosofia desenvolvida pelos
padres da igreja
Os primeiros séculos da era cristã são
os da constituição dos dogmas cristãos, isto é,
das verdades reveladas que exigem a aceitação
incondicional por parte dos fiéis. Alguns desses
dogmas desafiam a razão humana como, o da
Trindade de Deus: Deus é ao mesmo tempo:
Pai, Filho e Espírito Santo.
A tarefa da patrística é de encontrar
justificativas racionais para as verdades
reveladas, ou seja, conciliar razão e fé.
O cristianismo introduziu a noção de
pecado original, em função do qual o ser
humano, imperfeito, finito e pervertido, se
separa radicalmente de Deus, ser perfeito e
infinito. Como, pois a razão humana pode
compreender a verdade divina?
Santo Agostinho (354-430), principal
representante da patrística, adapta seu
pensamento ao platônico. Utiliza a dicotomia
(separação) entre mundo sensível e mundo das
idéias, afirmando que as idéias estão na mente
de Deus, como modelos exemplares a partir dos
quais Ele cria as coisas. Em vez de partir das
coisas concretas, como Platão, Santo Agostinho
parte da alma, da realidade íntima do homem,
que se eleva à razão e, por fim, a Deus, que a
ilumina, dando-lhe o conhecimento das
verdades eternas e permitindo-lhe que pense
corretamente.
“Existe uma luz interior que é a
verdadeira fonte da verdade, e os objetos
sensíveis, bem como as palavras – como vemos
no texto abaixo – são ocasiões para que se
manifeste tal iluminação. Isso significa que a
verdade, enquanto forma de perfeição, deriva da
própria Perfeição - ou de Deus – embora possa
se manifestar pela via das coisas imperfeitas.”
Desse modo a razão, fica subordinada à fé e à
verdade revelada.
A necessidade da revelação e da
intermediação de Deus para que o homem possa
conhecer indica que aquela harmonia entre
natureza e homem, postulada pela filosofia
grega, desapareceu. O homem, sem fé, sem
revelação divina, está condenado ao erro e à
ilusão; o conhecimento da verdade só se dá por
meio da fé que ilumina o intelecto e guia a
vontade, de modo que a razão chegue ao
conhecimento do que está ao seu alcance e a
alma receba a revelação do que não está AP
alcance da razão.
Escolástica
Durante quatro séculos, do V ao IX,
praticamente não há filosofia, com exceção de
alguns enciclopedistas influentes pelas obras
dos Padres da igreja. Outros pensadores se
dedicam a salvar o que resta da cultura da
Antiguidade das invasões bárbaras que afligem
a Europa, compilando os textos do melhor jeito
possível.
A partir do século IX surgem as escolas
que cultivam o saber teológico e filosófico,
inserido num trabalho coletivo e cooperativo. O
ensino se faz por meio da leitura e comentários
dos textos de teólogos e filósofos, relacionando
problemas, argumentos e soluções. As sínteses
doutrinais do final da Idade Média são
chamadas de Sumas a mais famosa entre elas é a
Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino.
A filosofia continua mantendo relação
com a religião: são ainda os problemas
teológicos que levam a questões filosóficas.
No período pré-tomista, o principal
problema tratado é o dos universais, isto é, do
valor dos conceitos, das idéias para o
conhecimento. Constitui-se em uma retomada
do problema da unidade e da multiplicidade.
São três as soluções oferecidas:
>Realismo transcendente – o universal, ou
idéia de uma realidade, tem existência fora da
mente e do objeto (existe antes das coisas). Esta
é a posição platônica, incorporada pelos
primeiros pensadores escolásticos. A forma
branda do realismo é o realismo moderado, para
o qual o universal tem uma realidade objetiva,
fora da mente, mas é imanente nos objetos
singulares do qual é essência, forma ou
princípio ativo (existe no objeto). Corresponde à
posição aristotélica, que será a adotada por São
Tomás.
>Nominalismo – o universal não tem existência
objetiva, só nominal, ou seja, existe só como
nome do objeto, como palavra (existe depois da
coisa).
>Conceptualismo – O universal é o conceito,
entidade mental, sem existência objetiva. Esta
seria uma posição que se poderia considerar
intermediária entre as duas primeiras.
Santo Tomás de Aquino, século XIII,
adapta a filosofia de Aristóteles ao pensamento
cristão da Escolástica. Admite o conhecimento
sensível e o intelectual, sendo que o intelectual
pressupões o sensível. O objeto que está fora de
nós, deixa uma impressão ou uma forma na
nossa alma, que é chamada conhecimento
sensível. O conhecimento intelectual abstrai
(separa, isola) as suas características
individuais, para considerar apenas, o que é
comum, e assim elabora o conceito, o
julgamento, o raciocínio. O nosso intelecto é
capaz de conhecer as coisas e não as idéias
sobre as coisas. Por isso mesmo, dentro dessa
concepção realista, a verdade lógica está na
adequação entre a coisa e o intelecto.
A respeito das relações entre filosofia e
teologia, entre razão e revelação, Santo Tomás
distingue essas duas ordens de conhecimento,
afirmando que a filosofia é conhecimento e
demonstração racionais, que parte de princípios
evidentes e chega à conclusões inteligíveis; e a
teologia é fundada sobre a revelação divina, da
qual não se pode duvidar. São, portanto, ordens
diferentes do saber do saber. Entretanto, a
revelação continua sendo o critério de verdade:
se houver contradição entre revelação e
filosofia, esta será falsa, fruto de uma razão que
perdeu o caminho. Caberá ao filosofo
reencontrar o caminho racional para chegar à
verdade.
Enfim, vê-se que a filosofia cristã
desenvolveu-se durante a Idade Média e seu
principal objetivo era reconciliar a fé, a verdade
revelada por Deus, com a razão humana. A
reflexão filosófica era alimentada pelos
problemas teológicos. Mesmo assim, o
problema do um e do múltiplo, ou seja, da
unidade dada pelo conceito da multiplicidade
das coisas reais, continua sendo discutido,
levando à questão dos universais. Durante esse
período, embora a harmonia entre natureza e ser
humano tenha sido quebrada, não se coloca em
dúvida a possibilidade do conhecimento.
A teoria do conhecimento na idade moderna
A partir da Idade Moderna e do
renascimento por volta do século XVII, o
campo da filosofia passa a se orientar pelo
“conhecer”- é a fase da Gnoseologia (Gnosis =
conhecimento), Epistemologia ("Epistemé":
saber.) ou Teoria do conhecimento. A filosofia
então tratará da realidade das coisas. Ela passa a
investigar as origens, as possibilidades, os
fundamentos, a extensão e o valor do
conhecimento se transformando em uma
“Filosofia do conhecer”.
>Principais
filósofos
da
teoria
do
conhecimento: René Descartes, John Locke e
Immanuel Kant.
O
renascimento
trará
grandes
modificações na forma de pensamento tais são
elas:
>Separação entre fé e razão, levando ao
desenvolvimento do método científico, para o
estuda das ciências naturais.
>O antropocentrismo – que estabelece a razão
humana como fundamento do saber.
>Interesse pelo saber ativo, em oposição ao
saber contemplativo, que leva à transformação
da natureza e ao desenvolvimento das técnicas.
Nos rastros dessas mudanças, os
pensadores do século XVII abordam a temática
do conhecimento de modo inteiramente novo,
colocando em questão a própria possibilidade de
conhecimento. Não se trata mais de saber qual é
o objeto conhecido. Deve-se, agora, indagar
sobre o sujeito do conhecimento: Quais as
possibilidades de engano e acerto? Quais os
métodos que podemos utilizar para garantir que
o conhecimento seja verdadeiro?
As respostas a essas indagações dão
origem
a
duas
correntes
filosóficas
diametralmente opostas, o racionalismo e o
empirismo
Empirismo – empeira = experiência sensorial.
Defende que todas as nossas idéias são
provenientes de nossas percepções sensoriais
(visão, audição, tato, olfato). De acordo com
John Locke: “nada vem à mente sem ter passado
pelos sentidos”. Ele afirma que, ao nascermos
nossa mente é como um papel em branco,
desprovida de idéias, e que o vasto conjunto de
idéias da mente humana provém da experiência.
De acordo com Locke, a experiência supre
nosso conhecimento por meio de duas
operações: sensação e a reflexão. A sensação
leva para a mente as várias e distintas
percepções das coisas, sendo, por isso, bastante
dependente dos sentidos. Já a reflexão consiste
nas operações internas de nossa própria mente
que, nesse caso, desenvolve as idéias primeiras
fornecidas pelos sentidos. Assim, conclui
Locke:
Afirmo que estas duas, a saber, as coisas
materiais externas, como objeto da
sensação, e as operações de nossas próprias
mentes, como objeto da reflexão, são, a
meu ver, os únicos dados originais dos
quais as idéias derivam.
LOCKE, John
Ensaio acerca do entendimento humano,
p.160
Racionalismo – ratio =razão.
Atribui exclusiva confiança na razão
humana como instrumento capaz de conhecer a
verdade. Ou como recomendou o filósofo
racionalista: “nunca nos devemos deixar
persuadir senão pela evidência de nossa razão”.
Os racionalistas afirmam que a
experiência sensorial é uma fonte permanente
de erros e confusões sobre a complexa realidade
do mundo. Somente a razão humana,
trabalhando com os princípios lógicos, pode
atingir o conhecimento verdadeiro, capaz de ser
universalmente aceito. Os princípios lógico
fundamentais seriam inatos (já estão na mente
do homem desde seu nascimento). Daí porque a
razão deve ser considerada como fonte básica
do conhecimento. O maior expoente desse
doutrina é Descartes.
Apriorismo
kantiano:
entrea
experiência e a razão
Busca o meio termo para o
racionalismo e empirismo. Kant afirma que todo
conhecimento começa com a experiência, mas
que a experiência sozinha não nos dá o
conhecimento. Ou seja, é preciso um trabalho
do sujeito para organizar os dados da
experiência. Por isso, ele buscou saber como é o
sujeito a priori, isto é, o sujeito antes de
qualquer experiência, e concluiu que existem no
homem certas faculdades ou estruturas (as quais
ele denomina formas da sensibilidade e do
entendimento) que possibilitam a experiência e
determinam o conhecimento.
Para Kant, portanto, a experiência
forneceria a matéria do conhecimento (os seres
do mundo), enquanto a razão organizaria essa
matéria de acordo com suas formas próprias,
estruturas existentes a priori no pensamento
(daí o nome apriorismo).
Depois de Kant, muitos outros
pensadores se debruçaram sobre o problema do
conhecimento e chegando a posições diversas
do apriorismo kantiano. Como em tantos outros
campos da filosofia, a questão do conhecimento
é assunto que escapa a uma palavra final e
definitiva.
1.3 Formas de conhecimento
Intuição: conhecimento imediato e claro.
Pensamento atingido sem intermediários, sem
recorrer ao raciocínio. Visão súbita, inefável,
inexprimível.
O ponto de partida do
conhecimento, a possibilidade da invenção da
descoberta.
Conhecimento discursivo: o que se dá por
meio de conceitos. É um tipo de pensamento
que se dá por etapas, encadeamento de idéias,
juízos e raciocínios.
Verdade
Existe verdade ou não, dependendo de
como a coisa aparece para o sujeito que
conhece. Algo é verdadeiro quando é o que
parece ser. O falso ou verdadeiro não estão na
coisa mesma, mas no juízo, portanto, no valor
de verdade da afirmação. Para os gregos
verdade é aletheia = não oculto, portanto o que
se desvela, o que é visto, evidente. Algo
verdadeiro seria o que corresponde à realidade,
tal qual ela se mostra a nós.
A razão histórica
No decorrer dos tempos, o que se
entende por conhecimento e verdade tem
assumido formas diferentes dependendo das
explicações de cada filósofo. Por isso podemos
dizer que nossa razão é histórica.
1.4 A Crise da razão
Chamamos modernidade ao período que se
esboça no Renascimento, desenvolve-se na
Idade Moderna e atinge seu auge na Ilustração
(Iluminismo), no século XVIII. O paradigma de
racionalidade que então se delineia é o da razão
que, liberta de crenças e superstições, funda-se
na própria subjetividade e não mais na
autoridade.
A esperança de encontrar na razão a
compreensão da realidade e do sujeito, bem
como a possibilidade de agir de forma eficaz
sobre a natureza, dominando-a, apresentou-se
como empreitada cada vez mais difícil, senão
inviável. Dessa desconfiança nutrem-se
pensadores que começam a colocar em xeque o
primado da razão e aquele modelo de
racionalidade, cuja crítica se delineia no final do
século XIX e início do XX.
No final do século XX, estamos
testemunhando o despertar de um movimento
irracionalista que critica o uso da razão como
arma do poder e agente da repressão, em vez de
ser instrumento da liberdade humana, como
proclamado pelo iluminismo do século XVIII.
Seguindo esta corrente, vemos florescer o
individualismo exacerbado, o narcisismo, o
vale-tudo, a dês-razão que leva ao
aniquilamento de todos os princípios e valores.
Mas será que podemos atribuir a culpa
pelos descaminhos ao uso da razão? Na
verdade, os conceitos de razão e de crítica
devem ser reexaminados.
Quando falamos em razão, não mais
acreditamos ingenuamente que, só pelo fato de
sermos humanos, sejamos automaticamente
racionais. Devemos, a partir dos estudos de
Marx e Freud, admitir que a razão pode também
ser deturpadora e pervertida, ou seja, admitir
que tanto a ideologia (ou falsa consciência)
quanto os impulsos do inconsciente são
responsáveis por distorções que colocam a razão
a serviço da mentira e do poder.
Exemplificando, quando a racionalidade
assume as vestes de razão de Estado ou de razão
econômica, estamos lidando com uma visão
parcial e instrumental da razão que tenta
adequar meios a fins. É a razão que observa e
normaliza, razão que calcula, classifica e
domina, em função de interesses de classes e
não dos interesses da sociedade como um todo.
E, se o poder que oprime fala em nome da
racionalidade,
para
combatê-lo
parece
necessário contestar a própria razão.
Esse tipo de racionalidade deve ser
contestado, mas não por meio do irracionalismo
e, sim, pela atividade crítica da razão mais
completa e mais rica, que dialoga e se exerce na
intersubjetividade.
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