Capítulo 2 Conhecimento O problema do conhecimento. Formas de conhecimento. Crise da razão. 1.1 O problema do conhecimento Você já se perguntou se a realidade é de fato aquilo que seus sentidos informam que é? Será que aquilo que você julga conhecer não sofre uma distorção como na imagem abaixo, onde temos a impressão de que as pessoas estão subindo a escada continuamente? As respostas dadas as questões sobre o conhecimento tem sido as mais variadas, dependendo da cultura, período histórico, do próprio saber acumulado, da estrutura social, econômica e política da sociedade, do aparato tecnológico, etc. A história do pensamento ocidental testemunha a atenção que as especulações filosóficas têm concentrado sobre determinados temas. Esses temas, discutidos em diversos períodos, tornaram-se o que chamamos problemas filosóficos. Entre os principais problemas filosóficos está o conhecimento. Para que investigar o conhecimento? Diante do caos (desordem), todos têm o objetivo de conhecer algum aspecto da realidade, se situar no mundo, a fim de se posicionar e poder agir sobre ele. O intelecto se abre ao ser humano, como a melhor forma de sobreviver em meio às adversidades, trazendo-lhe uma vantagem sobre os demais seres. O intelecto, é o meio pelo qual o indivíduo consegue se manter, se conservar na natureza, pois não possui outro artifício como os de animais que se utilizam de garras e dentes afiados. O ser humano desde seus primórdios até nossos dias, vive uma busca incessante por compreender a si mesmo e o mundo à sua volta. Isso levou a que muitos pensadores sentissem que era necessário entender primeiro sua própria capacidade de entender, antes de confiar plenamente na percepção e compreensão que alcançamos das coisas. >Conhecimento: processo pelo qual o sujeito se coloca no mundo, e com ele estabelece alguma relação. É a apropriação intelectual de objetos, com a finalidade de dominá-los e utilizá-los para o entendimento e elucidação da realidade. É representar cuidadosamente o que é exterior à mente. Representar é tornar presente diante de si a imagem conceito ou idéia de algum objeto. A Condição humana (1935) -René Magritte. “O conhecimento perfeito seria aquele em que a representação fosse a própria realidade”. (René Magritte) Sempre que tratamos o problema do conhecimento, estamos tratando do problema da verdade. A história da busca do conhecimento é a própria história da busca da verdade. Relação entre sujeito e objeto O sujeito apreende um objeto e torna-o presente aos sentidos ou à inteligência. Dessa forma o sujeito vai conhecendo melhor a realidade que o circunda. Só haverá conhecimento se o sujeito conseguir representar o objeto mentalmente. Para que haja conhecimento é necessária a relação entre um sujeito conhecedor ou cognoscente (nossa consciência) e um objeto conhecido ou cognoscível (nossa realidade, o mundo). Dessa relação entre sujeito-objeto , temos como produto o conhecimento ou saber acumulado que pode ser transmitido através das gerações. Essa relação também implica em uma transformação do sujeito que se se modifica mediante o novo saber, e do objeto , pois o conhecimento lhe dá sentido. Só há saber para o sujeito cognoscente, se houver um mundo a conhecer, mundo este do qual ele é parte, uma vez que o próprio sujeito pode ser objeto de conhecimento. Realismo De acordo com as teorias realistas de conhecimento, as percepções que temos dos objetos são reais, ou seja, correspondem de fato às características presentes nesses objetos, na realidade. Por exemplo: as formas e cores que o sujeito percebe no pássaro são cores e formas que o pássaro realmente tem em si. No realismo mais ingênuo, isto é, menos crítico, o conhecimento ocorre por uma apreensão imediata das características dos objetos, isto é, os objetos se mostram como realmente são ao sujeito que o percebe, determinando o conhecimento que então se estabelece. Há, no entanto, outras formas mais críticas de realismo, que problematizam a relação sujeito-objeto, mas que mantêm a idéia básica de que o objeto é determinante no processo de conhecimento. Idealismo Segundo as teorias idealistas do conhecimento, o sujeito é que predomina em relação ao objeto, isto é, a percepção da realidade é construída pelas nossas idéias, pela nossa consciência. Assim, os objetos seriam, ‘construídos’ de acordo com a capacidade de percepção do sujeito. Conseqüentemente, o que existiria como realidade seria a representação que o sujeito faz do objeto. Por exemplo: as formas e cores que o sujeito percebe no pássaro são apenas idéias ou representações desses atributos; não entra em questão se elas realmente estão no pássaro. Também no idealismo, há posições mais ou menos radicais em relação à afirmação do sujeito como elemento determinante na relação de conhecimento. Dogmatismo Dogmatikós = o que se funda em princípios, o que é relativo à alguma doutrina. Defende de forma categórica, a possibilidade de atingir a verdade. Posições rígidas, impermeáveis às mudanças ou às críticas. Dogmatismo ingênuo: Predominante no senso comum, acredita plenamente nas possibilidades do nosso conhecimento. Não vê problema na relação sujeito conhecedor e objeto conhecido. Crê que, sem grandes dificuldades, percebemos o mundo tal qual ele é; Dogmatismo crítico: Defende a capacidade de conhecer a verdade mediante esforço conjugado de nossos sentidos e de nossa inteligência. Confia que, através de um trabalho metódico, racional e científico, o ser humano se torna capaz de conhecer a realidade do mundo. Ceticismo Sképsis = investigação, procura: a sabedoria não consiste em alcançar a verdade, mas somente em procurá-la. O cético tanto observa que conclui na impossibilidade do conhecimento. Um cético é aquele que coloca suas crenças e as dos outros sob exame, a fim de verificar se elas são realmente dignas de crédito ou não. Ceticismo absoluto – tudo é ilusório: nega de forma total nossa possibilidade de conhecer a verdade. Para o ceticismo absoluto o homem nada pode afirmar, pois nada conhece com total certeza. O sofista grego Górgias é considerado por muitos como o fundador do ceticismo absoluto. O filosofo grego Pirro também é apontado como pai do ceticismo. Ele afirmava ser impossível ao homem conhecer a verdade devido a duas fontes principais de erro: Os sentidos – Segundo Pirro, nossos conhecimentos são provenientes dos sentidos, mas estes podem nos induzir ao erro. A razão – Para Pirro, as diferentes e contraditórias opiniões sobre os mesmo assuntos revelam os limites de nossa inteligência. Jamais alcançaremos certeza de qualquer coisa. Os críticos do ceticismo absoluto consideram-no uma doutrina radical, estéril e contraditória. Radical porque nega totalmente a possibilidade de conhecer. Estéril porque não leva a nada. Contraditória porque, ao dizer que nada é verdadeiro, acaba afirmando que pelo menos existe algo de verdadeiro, isto é, o conhecimento de que nada é verdadeiro. Ceticismo relativo – o domínio do provável: nega apenas parcialmente nossa capacidade de conhecer a verdade, ou seja, apresenta uma posição moderada em relação às possibilidades de conhecimento, comparada ao ceticismo absoluto. Das doutrinas que manifestam o ceticismo relativo, podemos destacar: Subjetivismo: considera o conhecimento uma relação subjetiva e pessoal entre o sujeito e a realidade percebida. O conhecimento limita-se às idéias e representações elaboradas pelo sujeito pensante, sendo impossível alcançar a objetividade. O subjetivismo nasce com Protágoras, sofista do século V a.C., que dizia que a verdade é uma construção humana, ela não está nas coisas. Relativismo: entende que não existem verdades absolutas, mas apenas verdades relativas, que têm uma validade limitada a um certo tempo, a um determinado espaço social, enfim, a um contexto histórico etc; Probabilismo: propõe que nosso conhecimento é incapaz de atingir a certeza plena. O que podemos alcançar é uma verdade provável. Essa probabilidade pode ser digna de maior ou menor credibilidade, mas nunca chegará ao nível da certeza completa, da verdade absoluta; Pragmatismo: propõe uma concepção dos homens como seres práticos, ativos, e não apenas como seres pensantes. Por isso, abandonam a pretensão de alcançar a verdade, entendida como a correspondência entre o pensamento e a realidade. O conceito de verdade é o seguinte: verdadeiro é aquilo que é útil, que dá certo, que serve aos interesses das pessoas na sua vida prática. Nesse sentido, a verdade não seria correspondência do pensamento com o objeto, mas a correspondência do pensamento com o objetivo a ser atingido. Criticismo Criado por Kant, é a tentativa de superação do ceticismo e dogmatismo. Se pergunta quais as condições possíveis para o conhecimento. É uma posição crítica diante da possibilidade de conhecer. Admite a possibilidade de conhecer, mas esse conhecimento é limitado, ocorrendo em condições específicas. Todo conhecimento precisa ser constantemente revisado pela crítica, com a construção de novas teorias filosóficas ou científicas, a fim de se prevenir contra as opiniões prontas. 1.2 Primeiras formas de conhecimento Desde seus primórdios, a filosofia se ocupou com o problema do conhecimento. Antes mesmo do nascimento da filosofia na Grécia antiga do séc. V a.C, já havia uma cultura estabelecida, sobretudo nos textos épicos de Hesíodo e Homero, também na poesia lírica e nos conhecimentos rudimentares que os gregos do século VI a.C. tinham sobre astronomia. O homem grego inicialmente recorria a explicações míticas que eram criadas para interpretar a vida e entender o mundo. Relacionava-se com a vida aceitando-a como algo desconhecido, e que estivesse em uma constante mudança. Oráculos Pythia – Sacerdotisa do templo de Apolo, que tinha visões ao entrar em transe inalando gases que saiam de rochas. Na Grécia antiga, algumas pessoas recorriam ao oráculo para perguntar sobre problemas cotidianos, questões de guerra, vida sentimental, previsões de tempo, etc. Os gregos acreditavam que os deuses ficavam no oráculo orientando as pessoas. por volta da metade do século V a.C. em Atenas, que podemos situar o nascimento de uma preocupação com as condições em que se dá o conhecimento. Os primeiros filósofos gregos, os présocráticos iniciaram o processo de desligamento entre filosofia e mito. Estavam preocupados em encontrar a verdade em um princípio único, o fundamento (arké) de todas as coisas. Indagavam racionalmente sobre a natureza, o mundo (cosmos), sobre o homem etc. A filosofia era uma cosmologia (origem do Kosmos). Heráclito por exemplo, questionava sobre nossas percepções. Como explicar que nossa percepção nos ofereça as coisas como se fossem estáveis, duradouras e permanentes? Com essa pergunta o filósofo indicava a diferença entre o conhecimento que nossos sentidos nos oferecem e o conhecimento que nosso pensamento alcança, pois nossos sentidos nos oferecem a imagem da estabilidade e nosso pensamento alcança a verdade como mudança contínua. Com Sócrates há uma mudança significativa no rumo das discussões filosóficas, ele as coloca na via da verdade. Surge um tipo de homem em que há predominância da razão em detrimento dos instintos, levando a civilização ocidental a uma nova visão de mundo. A filosofia se torna uma metafísica ou “filosofia do ser”. Oráculo de Delfos : Local sagrado da Grécia Antiga, dedicado ao deus Apolo. Localizado no Monte Parnaso (região central da Grécia). Os filósofos gregos e o conhecimento Em certo momento, os gregos começaram a se perguntar como seria possível o erro, falsidade, ilusão. Precisaram estabelecer distinção entre o opinar e o conhecer verdadeiro. Ao se constituir, a filosofia provoca um afastamento gradual e doloroso da tradição mítica. Os heróis e os valores presentes nas histórias de Homero e Hesíodo são questionados pelos primeiros filósofos. Esta tradição entra em crise e a filosofia passa a observar questões como a origem do universo, o bem universal, o que é o ser, a organização política de uma cidade, etc. É provavelmente neste momento, Sócrates com o cálice de Cicuta Segundo Aristóteles, Sócrates contribuiu para a teoria do conhecimento com a definição de universal e com o uso do raciocínio indutivo. Definir é marcar limites, é dizer o que uma coisa é, ou seja, descobrir a essência das coisas. Portanto, a procura da verdade empreendida por Sócrates está centrada no ponto de vista do ser. Voltando sua atenção para o problema do homem, ele faz uma análise detalhada das qualidades e virtudes humanas, determinando e definindo essas qualidades como sendo a bondade, justiça, a temperança, a coragem etc. Quando pergunta o que é cada uma das virtudes, está querendo defini-la, saber qual é sua essência. A partir daí filosofia tornou-se o conhecimento do ser, ou seja, uma ontologia. Sócrates, entretanto, não define o próprio ser humano. Por que? Porque, ao contrário da natureza, o ser humano não pode ser definido em termos de propriedades objetivas, só em termos da sua consciência. E para alcançarmos uma visão clara do seu caráter, pra compreendê-lo, precisamos examiná-lo, frente a frente, através do diálogo. O método de Sócrates, que é um método indutivo envolve duas fases. A ironia (fazer perguntas) e maiêutica (construção de novos conceitos). Assim Sócrates com suas perguntas aniquila o saber constituído para, depois, ainda através de perguntas, reconstruí-lo a partir de uma base mais sólida e de um raciocínio coerente e rigoroso. Platão dando continuidade ao processo de compreensão do real, faz distinção entre o mundo sensível e o inteligível ou as idéias. Retomando a questão da definição, ele descobre que, para dizer o que uma coisa é, é necessário afirmar dois princípios fundamentais: o da identidade e o da permanência, ou seja, uma coisa é aquilo que é e não outra (identidade) e deve sempre ser do mesmo modo (permanência). Ora, nenhum desses princípios pode se aplicar às coisas concretas que existem no mundo sensível, pois elas são múltiplas (há muitas casas e uma casa não é igual à outra) e não permanentes (esta casa não existia há dez anos e pode deixar de existir no próximo ano). Platão pensa, então, na existência do mundo das idéias, unos, idênticos a si mesmos e permanentes porque não estão sujeitos a mudanças. O mundo sensível é acessível aos sentidos, mas, sendo o mundo da multiplicidade e do movimento, é ilusório, é sombra, é cópia do verdadeiro mundo. Acima dele, o mundo das idéias gerais e das essências imutáveis pode ser atingido através da contemplação e da depuração dos enganos dos sentidos. O mundo dos sentidos é regido pela opinião e o das idéias pela ciência. Nosso espírito se eleva das coisas múltiplas e sensíveis para as idéias unas e imutáveis por meio de um movimento dialético, que consiste no vencer a crença nos dados do mundo sensível e na utilização sistemática do discurso para chegar à ordem da verdade. Aristóteles critica a teoria das idéias de Platão, principalmente a divisão entre mundo sensível e mundo inteligível. Ao retomar a problemática do conhecimento, distingue três tipos de saber: >A experiência ou conhecimento sensível, dado pelo contato direto com a própria coisa, é um conhecimento que se forma por familiaridade com cada coisa, é imediato e concreto e só nos permite chegar ao conhecimento do individual. Não é transmissível; só se podem oferecer as condições para que as pessoas adquiram a mesma experiência, ou tenham as mesmas sensações. Portanto, o conhecimento sensível é o conhecimento do particular. >A técnica ou saber fazer é o conhecimento dos meios a serem usados para se chegar aos fins desejados. A técnica não é mais o conhecimento do particular, pois já encerra uma idéia das coisas, participando do universal. Uma vez que encerra uma idéia, pode ser ensinada. A técnica dá o quê e o porquê das coisas. >A sabedoria (sofia) é o único tipo de conhecimento a determinar as causas e princípios primeiros; a única a poder dizer o quê as coisas são, por que são e demonstrá-las. As noções universais, pertencentes ao âmbito da sabedoria, são as mais difíceis de se adquirir porque estão muito longe da sensação. Quem escolhe o saber por si mesmo escolhe a ciência dos primeiros princípios e das causas, pois é isso que dá a finalidade a todo o trabalho. A sabedoria inclui as ciências particulares – que se circunscrevem ao estudo de um certo ser (de um gênero), demonstrando pelo raciocínio indutivo ou dedutivo as propriedades inerentes ao gênero do qual se ocupa – e a filosofia primeira posteriormente chamada de metafísica, que considera o ser em geral, livre de toda determinação particular, buscando as causas e os princípios universais. O conhecimento, para Aristóteles, é uma somatória de todos esses modos de conhecer, sem haver ruptura ou descontinuidade entre eles. Na verdade, um não invalida o outro. Ao contrário, enriquece-o e, neste ponto, contradiz Platão. A contribuição dos filósofos gregos Os filósofos gregos deixaram um importante legado para a teoria do conhecimento, que exerceu grande influência na construção posterior do pensamento ocidental. Esses filósofos estabeleceram a diferença entre >conhecimento sensível e intelectual; > opinião e saber; >aparência e essência Ele também deram as regras da lógica, ou seja, de como passar de um juízo para outro de forma coerente e correta para se chegar à verdade. Para esse filósofos, não existia oposição entre homem e natureza. Ao contrário, ele é parte integrante da natureza, feito dos mesmos elementos, o que lhe permite conhecêla como ela é. A inteligência humana reconhece e compreende a inteligibilidade do real. A teoria do conhecimento na idade média Para o pensamento medieval o problema principal era a conciliação entre a fé e razão. Embora o cristianismo não seja uma filosofia, ele afeta de forma profunda o pensamento filosófico da época, uma vez que o filósofo cristão se depara com o problema da sua realidade diante da de Deus. A Patrística - filosofia desenvolvida pelos padres da igreja Os primeiros séculos da era cristã são os da constituição dos dogmas cristãos, isto é, das verdades reveladas que exigem a aceitação incondicional por parte dos fiéis. Alguns desses dogmas desafiam a razão humana como, o da Trindade de Deus: Deus é ao mesmo tempo: Pai, Filho e Espírito Santo. A tarefa da patrística é de encontrar justificativas racionais para as verdades reveladas, ou seja, conciliar razão e fé. O cristianismo introduziu a noção de pecado original, em função do qual o ser humano, imperfeito, finito e pervertido, se separa radicalmente de Deus, ser perfeito e infinito. Como, pois a razão humana pode compreender a verdade divina? Santo Agostinho (354-430), principal representante da patrística, adapta seu pensamento ao platônico. Utiliza a dicotomia (separação) entre mundo sensível e mundo das idéias, afirmando que as idéias estão na mente de Deus, como modelos exemplares a partir dos quais Ele cria as coisas. Em vez de partir das coisas concretas, como Platão, Santo Agostinho parte da alma, da realidade íntima do homem, que se eleva à razão e, por fim, a Deus, que a ilumina, dando-lhe o conhecimento das verdades eternas e permitindo-lhe que pense corretamente. “Existe uma luz interior que é a verdadeira fonte da verdade, e os objetos sensíveis, bem como as palavras – como vemos no texto abaixo – são ocasiões para que se manifeste tal iluminação. Isso significa que a verdade, enquanto forma de perfeição, deriva da própria Perfeição - ou de Deus – embora possa se manifestar pela via das coisas imperfeitas.” Desse modo a razão, fica subordinada à fé e à verdade revelada. A necessidade da revelação e da intermediação de Deus para que o homem possa conhecer indica que aquela harmonia entre natureza e homem, postulada pela filosofia grega, desapareceu. O homem, sem fé, sem revelação divina, está condenado ao erro e à ilusão; o conhecimento da verdade só se dá por meio da fé que ilumina o intelecto e guia a vontade, de modo que a razão chegue ao conhecimento do que está ao seu alcance e a alma receba a revelação do que não está AP alcance da razão. Escolástica Durante quatro séculos, do V ao IX, praticamente não há filosofia, com exceção de alguns enciclopedistas influentes pelas obras dos Padres da igreja. Outros pensadores se dedicam a salvar o que resta da cultura da Antiguidade das invasões bárbaras que afligem a Europa, compilando os textos do melhor jeito possível. A partir do século IX surgem as escolas que cultivam o saber teológico e filosófico, inserido num trabalho coletivo e cooperativo. O ensino se faz por meio da leitura e comentários dos textos de teólogos e filósofos, relacionando problemas, argumentos e soluções. As sínteses doutrinais do final da Idade Média são chamadas de Sumas a mais famosa entre elas é a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. A filosofia continua mantendo relação com a religião: são ainda os problemas teológicos que levam a questões filosóficas. No período pré-tomista, o principal problema tratado é o dos universais, isto é, do valor dos conceitos, das idéias para o conhecimento. Constitui-se em uma retomada do problema da unidade e da multiplicidade. São três as soluções oferecidas: >Realismo transcendente – o universal, ou idéia de uma realidade, tem existência fora da mente e do objeto (existe antes das coisas). Esta é a posição platônica, incorporada pelos primeiros pensadores escolásticos. A forma branda do realismo é o realismo moderado, para o qual o universal tem uma realidade objetiva, fora da mente, mas é imanente nos objetos singulares do qual é essência, forma ou princípio ativo (existe no objeto). Corresponde à posição aristotélica, que será a adotada por São Tomás. >Nominalismo – o universal não tem existência objetiva, só nominal, ou seja, existe só como nome do objeto, como palavra (existe depois da coisa). >Conceptualismo – O universal é o conceito, entidade mental, sem existência objetiva. Esta seria uma posição que se poderia considerar intermediária entre as duas primeiras. Santo Tomás de Aquino, século XIII, adapta a filosofia de Aristóteles ao pensamento cristão da Escolástica. Admite o conhecimento sensível e o intelectual, sendo que o intelectual pressupões o sensível. O objeto que está fora de nós, deixa uma impressão ou uma forma na nossa alma, que é chamada conhecimento sensível. O conhecimento intelectual abstrai (separa, isola) as suas características individuais, para considerar apenas, o que é comum, e assim elabora o conceito, o julgamento, o raciocínio. O nosso intelecto é capaz de conhecer as coisas e não as idéias sobre as coisas. Por isso mesmo, dentro dessa concepção realista, a verdade lógica está na adequação entre a coisa e o intelecto. A respeito das relações entre filosofia e teologia, entre razão e revelação, Santo Tomás distingue essas duas ordens de conhecimento, afirmando que a filosofia é conhecimento e demonstração racionais, que parte de princípios evidentes e chega à conclusões inteligíveis; e a teologia é fundada sobre a revelação divina, da qual não se pode duvidar. São, portanto, ordens diferentes do saber do saber. Entretanto, a revelação continua sendo o critério de verdade: se houver contradição entre revelação e filosofia, esta será falsa, fruto de uma razão que perdeu o caminho. Caberá ao filosofo reencontrar o caminho racional para chegar à verdade. Enfim, vê-se que a filosofia cristã desenvolveu-se durante a Idade Média e seu principal objetivo era reconciliar a fé, a verdade revelada por Deus, com a razão humana. A reflexão filosófica era alimentada pelos problemas teológicos. Mesmo assim, o problema do um e do múltiplo, ou seja, da unidade dada pelo conceito da multiplicidade das coisas reais, continua sendo discutido, levando à questão dos universais. Durante esse período, embora a harmonia entre natureza e ser humano tenha sido quebrada, não se coloca em dúvida a possibilidade do conhecimento. A teoria do conhecimento na idade moderna A partir da Idade Moderna e do renascimento por volta do século XVII, o campo da filosofia passa a se orientar pelo “conhecer”- é a fase da Gnoseologia (Gnosis = conhecimento), Epistemologia ("Epistemé": saber.) ou Teoria do conhecimento. A filosofia então tratará da realidade das coisas. Ela passa a investigar as origens, as possibilidades, os fundamentos, a extensão e o valor do conhecimento se transformando em uma “Filosofia do conhecer”. >Principais filósofos da teoria do conhecimento: René Descartes, John Locke e Immanuel Kant. O renascimento trará grandes modificações na forma de pensamento tais são elas: >Separação entre fé e razão, levando ao desenvolvimento do método científico, para o estuda das ciências naturais. >O antropocentrismo – que estabelece a razão humana como fundamento do saber. >Interesse pelo saber ativo, em oposição ao saber contemplativo, que leva à transformação da natureza e ao desenvolvimento das técnicas. Nos rastros dessas mudanças, os pensadores do século XVII abordam a temática do conhecimento de modo inteiramente novo, colocando em questão a própria possibilidade de conhecimento. Não se trata mais de saber qual é o objeto conhecido. Deve-se, agora, indagar sobre o sujeito do conhecimento: Quais as possibilidades de engano e acerto? Quais os métodos que podemos utilizar para garantir que o conhecimento seja verdadeiro? As respostas a essas indagações dão origem a duas correntes filosóficas diametralmente opostas, o racionalismo e o empirismo Empirismo – empeira = experiência sensorial. Defende que todas as nossas idéias são provenientes de nossas percepções sensoriais (visão, audição, tato, olfato). De acordo com John Locke: “nada vem à mente sem ter passado pelos sentidos”. Ele afirma que, ao nascermos nossa mente é como um papel em branco, desprovida de idéias, e que o vasto conjunto de idéias da mente humana provém da experiência. De acordo com Locke, a experiência supre nosso conhecimento por meio de duas operações: sensação e a reflexão. A sensação leva para a mente as várias e distintas percepções das coisas, sendo, por isso, bastante dependente dos sentidos. Já a reflexão consiste nas operações internas de nossa própria mente que, nesse caso, desenvolve as idéias primeiras fornecidas pelos sentidos. Assim, conclui Locke: Afirmo que estas duas, a saber, as coisas materiais externas, como objeto da sensação, e as operações de nossas próprias mentes, como objeto da reflexão, são, a meu ver, os únicos dados originais dos quais as idéias derivam. LOCKE, John Ensaio acerca do entendimento humano, p.160 Racionalismo – ratio =razão. Atribui exclusiva confiança na razão humana como instrumento capaz de conhecer a verdade. Ou como recomendou o filósofo racionalista: “nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidência de nossa razão”. Os racionalistas afirmam que a experiência sensorial é uma fonte permanente de erros e confusões sobre a complexa realidade do mundo. Somente a razão humana, trabalhando com os princípios lógicos, pode atingir o conhecimento verdadeiro, capaz de ser universalmente aceito. Os princípios lógico fundamentais seriam inatos (já estão na mente do homem desde seu nascimento). Daí porque a razão deve ser considerada como fonte básica do conhecimento. O maior expoente desse doutrina é Descartes. Apriorismo kantiano: entrea experiência e a razão Busca o meio termo para o racionalismo e empirismo. Kant afirma que todo conhecimento começa com a experiência, mas que a experiência sozinha não nos dá o conhecimento. Ou seja, é preciso um trabalho do sujeito para organizar os dados da experiência. Por isso, ele buscou saber como é o sujeito a priori, isto é, o sujeito antes de qualquer experiência, e concluiu que existem no homem certas faculdades ou estruturas (as quais ele denomina formas da sensibilidade e do entendimento) que possibilitam a experiência e determinam o conhecimento. Para Kant, portanto, a experiência forneceria a matéria do conhecimento (os seres do mundo), enquanto a razão organizaria essa matéria de acordo com suas formas próprias, estruturas existentes a priori no pensamento (daí o nome apriorismo). Depois de Kant, muitos outros pensadores se debruçaram sobre o problema do conhecimento e chegando a posições diversas do apriorismo kantiano. Como em tantos outros campos da filosofia, a questão do conhecimento é assunto que escapa a uma palavra final e definitiva. 1.3 Formas de conhecimento Intuição: conhecimento imediato e claro. Pensamento atingido sem intermediários, sem recorrer ao raciocínio. Visão súbita, inefável, inexprimível. O ponto de partida do conhecimento, a possibilidade da invenção da descoberta. Conhecimento discursivo: o que se dá por meio de conceitos. É um tipo de pensamento que se dá por etapas, encadeamento de idéias, juízos e raciocínios. Verdade Existe verdade ou não, dependendo de como a coisa aparece para o sujeito que conhece. Algo é verdadeiro quando é o que parece ser. O falso ou verdadeiro não estão na coisa mesma, mas no juízo, portanto, no valor de verdade da afirmação. Para os gregos verdade é aletheia = não oculto, portanto o que se desvela, o que é visto, evidente. Algo verdadeiro seria o que corresponde à realidade, tal qual ela se mostra a nós. A razão histórica No decorrer dos tempos, o que se entende por conhecimento e verdade tem assumido formas diferentes dependendo das explicações de cada filósofo. Por isso podemos dizer que nossa razão é histórica. 1.4 A Crise da razão Chamamos modernidade ao período que se esboça no Renascimento, desenvolve-se na Idade Moderna e atinge seu auge na Ilustração (Iluminismo), no século XVIII. O paradigma de racionalidade que então se delineia é o da razão que, liberta de crenças e superstições, funda-se na própria subjetividade e não mais na autoridade. A esperança de encontrar na razão a compreensão da realidade e do sujeito, bem como a possibilidade de agir de forma eficaz sobre a natureza, dominando-a, apresentou-se como empreitada cada vez mais difícil, senão inviável. Dessa desconfiança nutrem-se pensadores que começam a colocar em xeque o primado da razão e aquele modelo de racionalidade, cuja crítica se delineia no final do século XIX e início do XX. No final do século XX, estamos testemunhando o despertar de um movimento irracionalista que critica o uso da razão como arma do poder e agente da repressão, em vez de ser instrumento da liberdade humana, como proclamado pelo iluminismo do século XVIII. Seguindo esta corrente, vemos florescer o individualismo exacerbado, o narcisismo, o vale-tudo, a dês-razão que leva ao aniquilamento de todos os princípios e valores. Mas será que podemos atribuir a culpa pelos descaminhos ao uso da razão? Na verdade, os conceitos de razão e de crítica devem ser reexaminados. Quando falamos em razão, não mais acreditamos ingenuamente que, só pelo fato de sermos humanos, sejamos automaticamente racionais. Devemos, a partir dos estudos de Marx e Freud, admitir que a razão pode também ser deturpadora e pervertida, ou seja, admitir que tanto a ideologia (ou falsa consciência) quanto os impulsos do inconsciente são responsáveis por distorções que colocam a razão a serviço da mentira e do poder. Exemplificando, quando a racionalidade assume as vestes de razão de Estado ou de razão econômica, estamos lidando com uma visão parcial e instrumental da razão que tenta adequar meios a fins. É a razão que observa e normaliza, razão que calcula, classifica e domina, em função de interesses de classes e não dos interesses da sociedade como um todo. E, se o poder que oprime fala em nome da racionalidade, para combatê-lo parece necessário contestar a própria razão. Esse tipo de racionalidade deve ser contestado, mas não por meio do irracionalismo e, sim, pela atividade crítica da razão mais completa e mais rica, que dialoga e se exerce na intersubjetividade.