Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Psicologia Curso de Graduação em Psicologia Departamento de Psicanálise e Psicopatologia O DISCURSO DO PACIENTE DEPRESSIVO E DO PACIENTE MANÍACO Lúcia Martins Costa Bohmgahren Disciplina: Psicopatologia II Professora: Marta D’Agord Dezembro / 2005 2 Introdução No presente trabalho, busquei trazer a forma como se encontra o discurso dos pacientes depressivos e dos pacientes maníacos. Ambos os discursos podem ser ricamente observados, de forma alternante, em portadores do Transtorno de Humor Bipolar. Trouxe também algumas questões relativas à diferenciação do discurso melancólico e do discurso depressivo. O interesse por este tema foi ampliado com o fato de eu ter entrado em contato com alguns pacientes que são portadores dos discursos que citei. Ao longo do estágio de Psicopatologia que realizei em uma unidade psiquiátrica foi possível escutar estes pacientes e perceber as especificidades de seus discursos. O discurso do depressivo Os quadros depressivos têm como fator central o humor triste. No entanto, há um grande número de sintomas que devem estar presentes para o fechamento de um diagnóstico de depressão: sintomas afetivos, instintivos e neurovegetativos, ideativos e cognitivos, relativos à autovaloração, à volição e à psicomotricidade. Sintomas psicóticos e fenômenos biológicos podem ainda estar associados. (Dalgalarrondo, 2000). Quando falo do discurso do paciente depressivo, me refiro, especificamente àquelas pessoas que têm (ou teriam) o diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior (DSM-IV-TR, 2003), ou Transtorno Depressivo Recorrente Grave (CID-10, 1993). Este tipo de transtorno depressivo é caracterizado pelo humor deprimido, anedonia, fadigabilidade, diminuição da concentração, da auto-estima, idéias de culpa, de inutilidade, transtornos do sono e do apetite (Dalgalarrondo, 2000). Em crianças e adolescentes com TDM o humor deprimido pode aparecer pela via da irritabilidade ou do isolamento social (Kay, Tasman & Liberman, 2002). Para Kaplan, Sadock & Grebb (1997), o humor deprimido e a perda de interesse ou prazer são os sintomas básicos da depressão. Os pacientes podem dizer que se sentem tristes, sem esperanças, “na fossa” ou inúteis. Há também, segundo estes autores, na fala dos pacientes deprimidos, a descrição do sintoma de depressão como sendo de dor emocional lancinante. Alguns se queixam, ocasionalmente, de serem incapazes de chorar. O risco de suicídio entre pacientes depressivos é igualmente elevado: cerca de dois terços 3 pensa em se matar e 10 a 15% cometem o suicídio (Kaplan, Sadock & Grebb, 1997). A queixa em relação à dificuldade de terminar tarefas, comprometimento na escola e no trabalho e motivação diminuída para assumir novos projetos é também bastante freqüente nestes pacientes. Eles atribuem estes problemas a uma diminuição da energia (Kaplan, Sadock &.Grebb, 1997). Kay, Tasman & Liberman (2002) trazem um potencial contínuo para mudança de humor de eutimia para depressão, para recuperação e algumas vezes para hipomania presente nos pacientes com Transtorno Depressivo Maior. Para estes autores no quadro depressivo pode constar ainda a irritabilidade e os níveis de energia da libido e da atividade psicomotora diminuídos. Todos estes sintomas são evidenciados no discurso empobrecido do paciente depressivo, que estabelece geralmente uma contratransferência com seu terapeuta (ou com aqueles que estão ao seu redor) que envolve um sentimento de pena, pesar ou de extrema impaciência e descrença na melhora do paciente (principalmente porque é de caráter insolúvel o discurso do depressivo, ele quase convence as pessoas de que anda pode ser feito por ele). Isto eu pude notar durante o estágio de Psicopatologia que realizei. Certa vez, foi internada uma paciente, com cerca de 40 anos, que teve um diagnóstico de Depressão Maior dado pelo psiquiatra da unidade psiquiátrica. Esta mulher tinha uma postura física extremamente encurvada, a face tomada por uma imensa tristeza e um grande desânimo pela vida ou por qualquer atividade que era proposta a ela, mesmo as que anteriormente lhes eram prazerosas. Ao conversar com esta paciente, fui tomada por um sentimento de pena e algo da ordem de um cansaço por falar com ela. A paciente criava no ambiente, uma atmosfera de desesperança, e assim, uma aparente falta de desejo de sua parte. Isso chegava inclusive a “contaminar” alguns pacientes presentes. Trago a seguir, um exemplo do relato de um paciente depressivo para que possa se pensar o que há de específico neste discurso: “Eu duvido completamente da minha habilidade de fazer qualquer coisa bem. Parece que a minha mente está lentificada ao ponto de se tornar virtualmente inútil...Eu estou como que assombrado...com a desesperança mais intensa. Outras pessoas dizem ‘É só temporário, isso passará, você irá melhorar’, mas, naturalmente, eles não têm a mínima 4 idéia de como me sinto, embora tenham certeza disso. Se eu não posso sentir, me mover, pensar ou me importar, qual o sentido de tudo?” Nota-se neste discurso uma impotência frente á vida, uma descrença em si mesmo. O paciente parece tomado por idéias de desvalia. Melancolia e Depressão Há ainda uma diferenciação que alguns autores fazem, que diz respeito à melancolia e à depressão. Esta diferenciação é percebida também no discurso de cada paciente. Em relação à depressão e à melancolia, Lambotte (2001) fala de especificidades observadas no discurso destas duas patologias. No discurso do depressivo, a pessoa fala de sua inibição, de sua tristeza, mas ela tem condições de contar a sua história, sendo assim, a pessoa tem condições de narrar algum fato que fez com que ela iniciasse a entrar em estado depressivo. Este paciente faz um pedido ao analista de que este o ajude a “sair do buraco”. Na transferência, então, o depressivo estabelece um laço com o analista, que manifesta a necessidade de sua ajuda e desta forma, o coloca em um lugar de sujeito-suposto-saber. Por outro lado, no discurso melancólico, de que a autora fala, há uma quase que total ausência do eu. O paciente relata que sua vida sempre foi o que é e que não poderá ser modificada. O melancólico usa artifícios lógicos que solidificam a sua certeza de que nada poderá ser feito para mudar seu destino. O discurso então, revela uma “negação mesma da demanda” como diz Lambotte (2001). É interessante notar, que os pacientes, quando se apresentam para a consulta, inicialmente, mostram sintomas muito semelhantes: sua aparência, enorme prostração e inibição total são as mesmas. No entanto, o curso do tratamento destes dois tipos de pacientes enfocará diferentes aspectos: enquanto na depressão se buscará a retomada do investimento nos objetos exteriores, do lado da melancolia não seria isso o que se busca. Lambotte deixa em suspensão este caminho da cura para o melancólico, mas afirma que este se estrutura de uma forma diferente da forma que faz o psicótico. O melancólico vinha se iniciando no campo do desejo quando o outro desaparece bruscamente, então o que fica para servir de objeto identificatório é a marca do outro, ou seja, o nada. Lambotte (2001) sugere que o nada não é pouca coisa, mas sim, a marca do outro! Daí advém o discurso do 5 melancólico “Eu não sou nada”. Para Lambotte (2001), essa seria basicamente a diferenciação entre a psicose e a melancolia. É interessante se pensar na mãe do melancólico: será que esta não foi capaz de emprestar seu desejo suficientemente bem ao filho? A autora traz o fato de ser esta uma mãe que projeta sobre seu filho um olhar desvalorizador, uma mãe que tem dificuldade de falar, de colocar em palavras, e mais ainda uma dificuldade de revestir este falar de afeto. Uma mãe que não pôde significar a imagem do filho, fazendo com que o estágio do espelho ficasse defasado. Assim, criança e, posteriormente, o adulto não pode falar da sua imagem de outra forma senão aquela que foi dita pelos seus pais, e o que acontece com o melancólico é que ele pode falar apenas do nada, do vazio especular (falta de representação) que ficou para ele como marca! Kristeva (1989) vem corroborar com esta hipótese quando diz que “se a dimensão simbólica se revela insuficiente, o sujeito se encontra de novo na situação sem saída da confusão, que desemboca na inação ou na morte”. No entanto, esta autora, diferentemente de Lambotte, parece falar da depressão e não da melancolia. Este é um ponto também a ser discutido: a questão do diagnóstico, pois hoje, muitos profissionais rejeitam esta classificação da melancolia em detrimento de usar apenas o termo depressão, o que pode denotar a perda de questões importantes para o tratamento de um paciente. A questão de a melancolia ser o negativo da psicose que bastante se discutiu em aula, parece estar presente no texto de Kristeva, quando ela diz: “Quanto ao discurso do deprimido, ele é a superfície “normal” de um risco psicótico: a tristeza que nos submerge, o retardamento que nos paralisa também são uma muralha- às vezes a última- contra a loucura.”, ou seja, o melancólico conseguiu se defender daquilo que não foi possível para o psicótico. Seguindo nesta linha, será então, que a mania não é uma defesa para a depressão ou para a melancolia? O discurso do maníaco As síndromes maníacas são caracterizadas por alguns sintomas centrais: euforia, ou alegria patológica e elação ou expansão do eu. Além disso, há a aceleração de todas as 6 funções psíquicas (taquipsiquismo), a qual se manifesta através da agitação psicomotora, exaltação, logorréia e pensamento acelerado (Dalgalarrondo, 2001). O “subtipo de mania” que aqui exponho é a mania franca ou grave, a mais intensa das manias, caracterizada por taquipsiquismo acentuadíssimo, agitação psicomotora importante, heteroagressividade, fuga de idéias e delírio de grandeza (Dalgalarrondo, 2001). O discurso destes pacientes pode ser considerado de extrema riqueza e, por vezes, chega ao delírio (principalmente de grandeza e poder). Kaplan, Sadock &.Grebb (1997) salientam o humor elevado, expansivo e irritável como marco característico do discurso maníaco. A irritabilidade surge, geralmente, quando o paciente maníaco tem seus planos exagerados e ambiciosos frustrados. A alteração de humor, para alguém desconhecido pode parecer normal, no entanto, aqueles que conhecem o paciente sempre percebem esta anormalidade. O seu discurso tende a se dirigir ao outro como que testando seus limites. Há uma tendência para transferir para outrem a responsabilidade por seus atos, explorar as fraquezas de outras pessoas e uma tendência a promover cisões nas equipes de tratamento e atendimento (Kaplan, Sadock &.Grebb 1997). A seguir um relato do discurso de uma paciente: “- Eu sou a menininha milagrosa. Eu estou internada aqui para ajudar as pessoas. Eu faço cirurgias espirituais durante a madrugada”. Considerações finais É importante, enfim, escutar o paciente para realizar um diagnóstico completo e bem específico. Nota-se que é através do discurso e assim, pela transferência, a qual o paciente estabelece com o profissional que o atende, que o diagnóstico pode ser concluído mais veementemente. É, às vezes, lamentável que alguns profissionais da saúde mental se abstenham da escuta ao paciente em detrimento de calá-lo diretamente, antes de escutá-lo e perceber nuances que são apagadas com a medicação. Referências 7 American Psychiatric Association. DSM-IV-TR – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. (2003). Porto Alegre: Artmed. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. (1993) (Coord. Organiz. Mund. da Saúde); trad. Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas. Dalgalarrondo, P. (2000). Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. Kaplan, H. I., Sadock, B. J. & Grebb, J. A. (1997). Compêndio de Psiquiatria: Ciências do Comportamento e Psiquiatria Clínica. Porto Alegra: Artmed. Kay, J., Tasman, A. & Liberman, J.A. (2002). Psiquiatria: Ciência Comportamental e Fundamentos Clínicos. São Paulo: Manole. Kristeva, J. (1989). Sol Negro: Depressão e Melancolia. Rio de Janeiro: Rocco. Lambotte, M. C. (2001). A Deserção do Outro. Em: A Clínica da Melancolia e das Depressões. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. n◦ 20, 2001.