11 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ____ VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CURITIBA/PR O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio da Procuradora da República adiante assinada, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro nos artigos 127 e 129, incisos II e III, da Constituição Federal; bem como nos dispositivos pertinentes da Lei n. 7.347/85 e da Lei Complementar n. 75/93, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA em face: da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua Munhoz da Rocha, n.1247, Cabral, Curitiba/PR, CEP 80.035-000, podendo ser citada na pessoa da Procuradora-Chefe da Advocacia da União no Paraná, Doutora Biaobock Peres de Oliveira; do ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua Conselheiro Laurindo, n. 561, Centro, Curitiba PR, CEP 80.060-100, podendo ser citado na pessoa do Procurador Geral do Estado do Paraná, Doutor Carlos Frederico Marés de Souza Filho; e Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 21 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ do MUNICÍPIO DE CURITIBA, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua Álvaro Ramos, n.150, 11º andar, Centro Cívico, Curitiba/PR, CEP 80.530-190, podendo ser citado na pessoa do ProcuradorGeral do Município, Doutor Ivan Lelis Bonilha; pelos fundamentos de fato e de direito que passa adiante a expor (a indicação de fls. é relativa à numeração dos procedimentos administrativos): Pretende-se com a presente ação civil pública a prestação da tutela I – DO OBJETO DA AÇÃO jurisdicional para garantir aos cidadãos, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), residentes no Estado do Paraná ou, alternativamente, nos municípios abarcados pela Subseção Judiciária de Curitiba – PR, em especial aos pacientes que apresentarem diagnóstico de HEPATITE B, o acesso a remédios, nos casos em que for indicado o tratamento medicamentoso com ADEFOVIR (HEPSERA) 10mg, em regime de gratuidade, tudo em consonância com a Constituição Federal, a Lei n. 8.080/90 e a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS/SUS n. 01/2002. II – DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL D entre as funções institucionais do Ministério Público Federal previstas na Constituição Federal, destaca-se: Art. 129 São funções institucionais do Ministério Público: [...] II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia. Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 31 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ III – promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Pela análise do texto normativo transcrito, verifica-se que o constituinte incumbiu especificamente ao Ministério Público a relevante missão de garantir a efetividade dos serviços de relevância pública e a defesa e proteção do patrimônio público, do meio ambiente e qualquer outro interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo socialmente relevante. No mesmo sentido da Carta Federal, como não poderia deixar de ser, preceitua a Lei Complementar n. 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União: Art. 5°. São funções institucionais do Ministério Público da União: [...] V – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto: a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação. [...] Art. 6°. Compete ao Ministério Público da União: [...] VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para: [...] Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 41 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ c) a proteção dos interesses, individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor. Destarte, afigura-se legítima a atuação do Ministério Público Federal para a defesa de direitos e interesses difusos, entre os quais se insere o direito à saúde, exteriorizada, nesse caso, na busca de provimento judicial que assegure aos pacientes que apresentarem diagnóstico de Hepatite B, nos casos em que for indicado o tratamento medicamentoso com ADEFOVIR (HEPSERA) 10 mg, ainda que não constante da lista oficial do Ministério da Saúde, a entrega gratuita do medicamento pelo Poder Público. De outro lado, a relação que todos os indivíduos têm com o Sistema Único de Saúde os torna portadores do direito coletivo ao tratamento de saúde adequado, consubstanciado, in casu, no recebimento do medicamento ADEFOVIR (HEPSERA). Portanto, é inequívoca a legitimidade ativa do Parquet Federal na lide em tela. III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA A legitimidade passiva dos réus decorre, inicialmente, da Constituição Federal: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 51 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A Lei n. 8.080/90, por sua vez, disciplina a organização, direção e gestão do Sistema Único de Saúde, nos seguintes moldes: Art. 9°. A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I – no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II – no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e III – no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente. Depreende-se, desse modo, que o Sistema Único de Saúde ramifica-se, sem, contudo, perder sua unicidade, de modo que de quaisquer de seus gestores podem/devem ser exigidas “ações e serviços” necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde pública. Por fim, destaca-se, também, que embora a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS-SUS – 01/2002 preceitue ser responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos Estados a garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade, ela também determina que Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 61 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ “(...) a regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontrar-se na condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações”. Assim, em razão de encontrar-se o Município de Curitiba na situação de gestão plena do sistema municipal de saúde, deve o mesmo ser responsável solidariamente pelas demandas relacionadas ao direito à saúde. No caso, o Município de Curitiba deve também ser obrigado solidariamente com a União e o Estado do Paraná a garantir os remédios necessários para o tratamento em questão. Nesse sentido é o posicionamento do Egrégio Tribunal Federal da 4ª Região: AGRAVO DE TUTELA. INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO MEDICAMENTOS. DE FORNECIMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO PARANÁ. DEVER DO ESTADO. 1) Nas causas que versem sobre fornecimento de medicamentos, em razão da solidariedade decorrente do fato de comporem o SUS, são legitimados para o pólo passivo da demanda a União, os Estados-membros e os Municípios. 2) O fornecimento gratuito de remédios a pessoas carentes é um dever do Estado, nos termos da Constituição Federal. (TRF4, AG 2007.04.00.020459-1, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, D.E. 22/08/2007) AÇÃO DECLARATÓRIA. MEDICAMENTOS. SUS. FORNECIMENTO LEGITIMIDADE Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 DE PASSIVA. 71 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ SAÚDE. DEVER DO ESTADO. CONSTITUIÇÃO. NORMA PROGRAMÁTICA. O presente caso versa acerca do direito do autor em receber do Estado medicamentos necessários ao tratamento de "GOTA", doença que o acomete. Sendo o SUS composto Municípios, é pela de União, Estados-membros reconhecer-se, em função e da solidariedade, a legitimidade passiva de quaisquer deles no pólo passivo da demanda. A Constituição Federal de 1988 tem a saúde como um direito de todos e dever do Estado, consoante disposto no art. 196. É obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura e tratamento de suas doenças. (TRF4, AC 2006.72.00.008870-2, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, D.E. 11/04/2007). Tal entendimento também já se encontra firmado perante a Corte Especial, verbis: ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). FORNECIMENTO DE RESPONSABILIDADE MEDICAMENTOS. SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS.RECURSO QUE NÃO LOGRA INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA.1. Sendo o Sistema Único de Saúde (SUS) composto pela União, Estados-Membros, impõe-se o Distrito Federal reconhecimento da e Municípios, responsabilidade solidária dos aludidos entes federativos, de modo que qualquer um deles tem legitimidade para figurar no pólo passivo das demandas que objetivam assegurar o acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros.2. Mantém-se na íntegra a decisão agravada quando não infirmados seus fundamentos.3. Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 81 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ Agravo regimental improvido.(AgRg no Ag 886.974/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 20.09.2007, DJ 29.10.2007 p. 208) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SUS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO, DO ESTADO E DO MUNICÍPIO. PRECEDENTES. 1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento. 2. O acórdão a quo determinou à União fornecer ao recorrido o medicamento postulado, tendo em vista a sua legitimidade para figurar no pólo passivo da ação. 3. A CF/1988 erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196). Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe-se a solidariedade dos três entes federativos no pólo passivo da demanda. 4. Agravo regimental não-provido. (AgRg no Ag 858.899/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 30.08.2007 p. 219) Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 26.06.2007, DJ 91 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ IV – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL O artigo 109, inciso I, da Constituição Federal assim dispõe: Art. 109 Aos juízes federais compete processar e julgar: I – As causa que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés assistentes ou oponentes, exceto as de falências, as de acidente de trabalho, e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; [...] §2°. As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. Os recursos destinados à aquisição dos medicamentos a serem, posteriormente, fornecidos às pessoas são provenientes do Sistema Único de Saúde, cujo financiamento participam, dentre outras fontes, a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, consoante dispõe a Constituição Federal: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 10 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade. Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Por conseguinte, a União, em cumprimento ao seu dever de participar do financiamento do Sistema Único de Saúde, repassa ao Estado do Paraná e ao Município de Curitiba recursos para a finalidade apontada. Ante o exposto, figurando a União como parte ré, justificada está, nos termos do artigo 109, inciso I, da Magna Carta, a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento da presente demanda. V – DOS FATOS Foi instaurado em 30 de maio de 2007, na Procuradoria da República no Paraná, em Curitiba, o procedimento administrativo n. 1.25.000.001559/2007-15, na forma da parte final do artigo 7º, inciso I, a partir de Requerimento formulado pela Senhora Terezinha da Silva, noticiando que seu filho, Luiz Antônio da Silva, necessita do medicamento ADEVOFIR (HEPSERA) para tratamento de doença diagnosticada como Hepatite B, em virtude de possuir resistência ao uso do medicamento LAMIDUVINA e contraindicação à utilização de INTERFERON, ambos fornecidos pela Rede Publica de Saúde. Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 11 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ O medicamento foi pleiteado junto à Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, por meio da Solicitação de Medicamento SME 10, em data de 28 de maio de 2007. A solicitação do requerente, todavia, não foi atendida pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, sob a alegação de que “o medicamento não é atendido pelo Programa de Medicamentos Excepcionais da Secretaria Estadual de Saúde do Paraná” ( fl.05). Instada a se manifestar, a Secretaria de Saúde do Estado do Paraná esclareceu que o tratamento para Hepatite B encontra-se previsto no Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional, regulamentado pela Portaria GM/SM 2577, de outubro de 2006. Informou, ainda, que os medicamentos de dispensação excepcional são fornecidos com arrimo no Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas, (PCDT), estabelecido pelo Ministério da Saúde. O Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas concernente ao tratamento de Hepatite B, publicado pela Portaria MS/SAS 860, de 04 de novembro de 2002, todavia, prevê apenas o fornecimento dos medicamentos LAMIVUDINA e INTERFERON. Desta feita, o remédio prescrito ao paciente, qual seja, ADEFOVIR, não integra a listagem dos medicamentos padronizados pelo Programa de Medicamentos Excepcionais, motivo pelo qual não poderia ser fornecido. Os documentos juntados ao procedimento administrativo esclarecem, por intermédio das informações prestadas pela Doutora Maria Lúcia Alves Pedroso, inscrita no Conselho Regional de Medicina sob n. 9.425, médica do Serviço de Gastroenterologia do Hospital de Clínicas do Paraná, que o paciente Luiz Antônio necessita “receber o medicamento Adefovir visto que apresenta cirrose hepática e sinais de resistência ao tratamento isolado com lamivudina. ” (fl. 09). Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 12 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ Posteriormente, ressalta a médica que “ há contra – indicação absoluta para uso de Interferon nos casos de cirrose por vírus B (...). Não há qualquer dúvida quanto a indicação do Adeferon.”. (fl. 28). Impende destacar que o caso de Luiz Antônio da Silva não é isolado. Há diversos outros pacientes, na mesma situação, que a esta Procuradoria vieram na esperança de ver respeitado o mais básico direito assegurado ao cidadão pela Constituição Federal: a saúde. A esses pacientes foi negado o direito de receber do Sistema Único de Saúde o medicamento necessário ao tratamento da moléstia que ameaça as suas vidas. Noticia-se, portanto, a instauração perante a Procuradoria da República no Paraná, dos seguintes procedimentos administrativos referentes à recusa do fornecimento do medicamento ADEVOFIR (HEPSERA) 10mg, pela Secretaria Estadual de Saúde do Paraná: MPF PR/PR 1.25.000.001677/2007-15, por requerimento João Maria Gequelin; MPF PR/PR 1.25.000.002442/2007-41, por requerimento de Iguatemy Martins; MPF PR/PR 1.25.000.002422/2007-70, por requerimento de Claudiano Cavalcanti da Silva; MPF PR/PR 1.25.000.00 MARIDO DA ELIANE DO ELEVADOR Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 13 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ A documentação colacionada aos procedimentos administrativos instaurados perante o órgão ministerial, que agora passa a integrar esta petição inicial, aponta a necessidade premente dos pacientes acometidos pela Hepatite B de dispor do medicamento ADEVOFIR (HEPSERA). A procrastinação no fornecimento do medicamento necessário ao tratamento dos pacientes resulta no agravamento da doença, trazendo conseqüências perniciosas à sua saúde, podendo inclusive levá-los a óbito. Deste modo, diante da situação desesperadora suportada por Luiz Antônio da Silva e por muitos outros pacientes que se encontram na mesma situação, alternativa não resta, senão o ajuizamento da presente ação civil pública. VI – DO MEDICAMENTO ADEFOVIR (HEPSERA) Inicialmente, convêm esclarecer que o medicamento em questão é antiviral com ação contra o vírus do HIV, herpes e hepatite B, indicado, em especial, para os casos em que há resistência à utilização do medicamento LAMIVUDINA, em decorrência do tratamento prolongado, bem como contra– indicação ao uso de INTERFERON. Atente-se para o fato de que o ADEFOVIR encontra-se autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, tendo sido seu fornecimento implementado pelo Estado de São Paulo, mediante a Resolução SS n. 40, de 31 de março de 2006, da lavra da Secretaria de saúde do Estado de São Paulo. Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 14 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ Conforme informações prestadas pelo Doutor Júlio Cezar Uili Coelho, Chefe do Serviço de Transplante Hepático do Hospital das Clínicas, e pela Doutora Mônica Beatriz Parolin, hepatologista da mesma instituição, “a emergência de cepas do vírus da Hepatite B resistentes à Lamivudina é um fenômeno comum, que se torna mais freqüente com o passar dos anos, alcançando índices de até 70% cinco anos após o início da terapia. Uma vez instalada a resistência ao anti- viral, o efeito benéfico da Lamiduvina se desfaz e há forte risco de descompensação grave em pacientes portadores de cirrose”. (MPF PR/PR 1.25.000.002442/2007-41, fl. 05). O remédio ADEFOVIR, no entanto, não se encontra previsto pelos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas publicados pela Portaria MS/SAS 860 de 04 de novembro de 2002. Diante da necessidade de inclusão de novos medicamentos ao Componente de Medicamentos de Disposição Excepcionais, instituiu-se a Comissão de Incorporação de Tecnologia, por meio da Portaria GM/SM n. 152, atualizada pela Portaria GM/SM n. 3.232, a quem incumbe a instauração de criterioso processo de avaliação, devendo atentar tanto para os benefícios concedidos pelo medicamento aos usuários, quanto para o impacto que sua inclusão pode acarretar ao Serviço de Saúde Pública. Noticia-se que a inclusão do remédio em questão à lista padronizada pelo Ministério da Saúde já se encontra em discussão perante a Comissão. Ressalta-se, todavia, como a seguir se passará a demonstrar, que o recebimento gratuito dos medicamentos necessários ao correto tratamento de Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 15 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ saúde configura direito difuso e transindividual garantido pela Constituição Federal, sendo dever do Estado fornecê-lo, estando ele incluso ou não à listagem oficial do Ministério da Saúde. Neste ponto, cabe destacar não restar dúvidas quanto à efetividade do ADEFOVIR. Consoante parecer técnico da lavra do Hospital das Clínicas, em anexo, a principal diferença entre o medicamento ADEFOVIR e os demais remédios fornecidos pelo Sistema Único de Saúde para o tratamento de Hepatite B “consiste no espectro da ação do medicamento, mais amplo que o oferecido pela Lamivudina, sendo capaz de suprimir a replicação das cepas virais selvagens resistentes à Lamivudina”. Ainda de acordo com o parecer elaborado pelo Hospital das Clínicas, “conforme demonstrado na literatura médica especializada, a não supressão da replicação do vírus da Hepatite B associa-se a risco considerável de progressão da doença hepática,com possibilidade de evolução para cirrose, insuficiência hepática e aumento da incidência de neoplasia hepática”. Comprova-se, assim, que a necessidade do medicamento ADEFOVIR não se configura como mero capricho dos pacientes acometidos pela Hepatite B. Representa, antes de tudo, condição de sobrevivência, ante a ineficácia do tratamento tradicional. Diante do exposto, e tendo como certo que o Senhor Luiz Antônio da Silva, assim como inúmeros outros brasileiros, necessita com urgência de ADEFOVIR, aguardar a inclusão deste medicamento ao Componente de Medicamentos de Disposição Excepcionais poderá significar violação ao direito constitucional à saúde e, em última análise, ao direito à vida. Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 16 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ Destarte, questões meramente formais e burocráticas não devem se sobrepor a um direito constitucionalmente tutelado. Na mesma toada, seria inconcebível que a Portaria/MS n. 863/02, a qual regula a listagem de medicamentos fornecidos para o tratamento de Hepatite B, pudesse prevalecer sobre a Carta Magna. A mais disso, a eventual ineficiência do Poder Público em acompanhar os avanços da medicina não pode ser alegada como escusa para a violação ao direito à saúde e à existência digna. 7 – DO DIREITO Ainda que os pacientes acometidos de Hepatite B, aos quais seja indicado o medicamento ADEVOFIR 10mg, não estejam amparados por legislação específica, como é o caso daqueles que sofrem de enfermidades como a AIDS, os quais contam com o devido suporte da Lei n. 9.313/96, é certo que estão, pelo menos em tese, protegidos pela Carta Magna. É sabido e consabido que a Lei n. 9.313/96, a qual dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS, foi aprovada mediante grande lobby promovido perante o Congresso Nacional, uma vez que tal afecção saiu do anonimato ao deixar de atingir apenas as camadas populares mais baixas, vindo a alcançar também as castas mais altas da sociedade, afetando inclusive o mundo artístico, fazendo com que o tema surtisse grandes impactos e que rapidamente fossem adotadas medidas. Contudo, tal diploma legal deve ser aplicado analogicamente às demais doenças como um todo, a fim de se preservar o mais sublime dos direitos constitucionalmente garantidos: o direito à vida, sob pena de que a garantia constitucional do direito à saúde se converta em vã promessa. Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 17 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ Aliás, é inaceitável que a União, o Estado do Paraná e o Município de Curitiba possa alegar impossibilidade de arcar com os custos da medicação que deve ser ministrada aos Senhores Luiz Antônio da Silva, Claudiano Cavalcanti da Silva, Iguatemy Martins e João Maria Gequelin e (MARIDO DA ELIANE), pois os valores são menores que as dotações orçamentárias de várias rubricas bem menos importantes que a aquisição de medicamentos. Note-se que não são exorbitantes os valores a serem gastos, quando comparados aos gastos com campanhas institucionais da União, do Estado e do Município, quantias superiores ao montante que constitucionalmente estão obrigados a investir para a preservação da saúde e da própria vida, não apenas de Luiz Atonio da Silva, mas de todo e qualquer cidadão que não disponha de recursos para adquirir mencionados medicamentos. A Suprema Corte, por intermédio de uma de suas dignas vozes, Excelentíssimo Ministro Celso de Mello, apresenta inteligente orientação no seguinte sentido, verbis: Não deixo de conferir... significativo relevo ao tema pertinente à ‘reserva do possível’ (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Righs”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadas de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 18 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade (ADPF 45 MC/DF – Informativo do STF nº 345). Saliente-se, inclusive, que as demais doenças, ao contrário da AIDS que está agasalhada pela Lei n. 9.313/96, em conjunto matam muito mais do que esta, justificando a aplicação analógica da Lei retromencionada: Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 19 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ Art. 1. Os portadores imunodeficiência humana) do HIV (vírus e doentes de da aids (síndrome da Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação necessária a seu tratamento. §1º. O Poder Executivo, através do Ministério da Saúde, padronizará os medicamentos a serem utilizados em cada estágio evolutivo da infecção e da doença, com vistas a orientar a aquisição dos mesmos pelos gestores do Sistema Único de Saúde. §2º. A padronização de terapias deverá ser revista e republicada anualmente, ou sempre que se fizer necessário, para se adequar ao conhecimento científico atualizado e à disponibilidade de novos medicamentos no mercado. Art. 2º. As despesas decorrentes da implementação desta Lei serão financiadas com recursos do orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme regulamento”. Assim, certo é que o artigo 1º da Lei n. 9.313/96 assegura aos portadores do HIV o recebimento, pelo Sistema Único de Saúde, gratuitamente, da medicação necessária ao seu tratamento de acordo com a padronização de medicamentos a ser feita pelo Ministério da Saúde (§§ 1º e 2º). Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 20 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ Necessário é, pois, que se estenda tal benefício a todas as outras pessoas igualmente portadoras de alguma patologia. Apesar do exposto, o Sistema Único de Saúde, em suas diversas áreas de atuação – Federal, Estadual e Municipal – tem negado o fornecimento de determinados medicamentos imprescindíveis para o correto tratamento de enfermidades como a do caso concreto, violando, destarte, o direito constitucional e legal à saúde e, em última análise, o próprio direito à vida. Ressalte-se, novamente, que o ocorrido com o Senhor Luiz Antônio da Silva não configura um caso isolado, haja vista que todas as pessoas acometidas pela mesma enfermidade, que já necessitam ou que venham a necessitar de novos medicamentos para o tratamento de Hepatite B, caso os solicitem ao Sistema Único de Saúde, deparar-se-ão com a sua recusa em fornecê-los, vendo-se, cada uma delas, obrigada a recorrer ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, para que possam continuar vivendo, para que tenham sua própria vida e incolumidade resguardadas. O recebimento gratuito, pelos portadores de tal enfermidade, de “toda a medicação necessária a seu tratamento” se afigura, então, direito coletivo, difuso, transindividual, de natureza indivisível, do qual são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato ou, ainda, pela relação jurídica que mantém com a rede pública de saúde. Ora, nítido está que o objetivo primordial da presente demanda, para a qual está devidamente legitimado a figurar no pólo ativo o Ministério Público Federal, é a proteção de um dos direitos individuais e coletivos mais relevantes e que restou violado com o não-fornecimento, pelo Sistema Único de Saúde, da medicação necessária ao tratamento das pessoas portadoras de Hepatite B: o direito à vida. Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 21 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ Aliás, configura-se com tal negativa a subsunção ao tipo penal do artigo 135 do Código Penal - OMISSÃO DE SOCORRO - na modalidade qualificada prevista no parágrafo único, caso demonstrada a lesão corporal de natureza grave, quando não no tipo da lesão corporal grave, ou gravíssima, conforme venha o paciente a sofrer prejuízos oriundos da falta da referida medicação. Não menos maculada restou a garantia constitucional da Saúde, como direito de todos e dever do Estado, que se não possuísse acepção de valor/interesse social, não mereceria tratamento individualizado pela Carta Magna de 1988, no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo II (Da Seguridade Social), Seção II. Neste sentido, os tribunais pátrios têm decidido: FORNECIMENTO GARANTIA DE MEDICAMENTO. CONSTITUCIONAL. SUS. ATENDIMENTO PELO SISTEMA ÚNICO. CACON. NECESSIDADE. Para o fornecimento da medicação, basta que o médico integrante do sistema único de saúde entenda por necessário determinada medicação, cuja comercialização território nacional, e esteja essa autorizada haverá de em ser providenciada, sendo necessário, nos casos de pacientes portadores de câncer, que o tratamento se dê no âmbito dos Centros de Alta Complexidade em Oncologia, órgãos responsáveis pela administração dos recursos do SUS na área oncológica. (TRF4, AG 2007.04.00.041404-4, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 17/03/2008) AGRAVO DE INSTRUMENTO. REALIZAÇÃO DE EXAMES. DIREITO ESTADO. 1. À Como SAÚDE. bem Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 DEVER DO assentado na 22 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ Constituição da República, o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas. Traduz constitucionalmente bem tutelado, jurídico por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem garantir, aos cidadãos o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. 2. Demonstrado o precário estado de saúde, não há como se afastar a responsabilidade dos réus em realizar os exames necessários para avaliar o quadro clínico da parte autora, para fins de troca de medicamentos ou realização de cirurgia. (TRF4, AG 2007.04.00.020896-1, Terceira Turma, Relator Carla Evelise Justino Hendges, D.E. 05/03/2008) AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MEDICAMENTOS. A jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que é dever constitucional da União, do Estado, do Distrito Federal e dos Municípios o fornecimento gratuito e imediato de medicamentos essenciais à saúde e à vida dos pacientes carentes. (TRF4, AG 2007.04.00.008563-2, Terceira Turma, Relator Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 05/09/2007) PROCESSUAL SEGURANÇA. MEDICAÇÃO. CIVIL. AIDS. MANDADO FORNECIMENTO AUSÊNCIA ANVISA. Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 DE REGISTRO DE DE NA 23 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ - Sendo dever do Estado a prestação de assistência farmacêutica aos necessitados, inclusive medicamentos para tratamento de doenças graves que não estejam registrados na Agência Nacional de Segurança Sanitária - ANVISA, resta presente a verossimilhança das alegações. - Inocorre, no caso, qualquer tratamento privilegiado, assegurado simplesmente o direito à vida através das atividades que são inerentes ao Estado e financiadas pelo conjunto da sociedade por meio dos impostos pagos pelo próprio cidadão. - Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. -Apelações e remessa oficial improvidas. (TRF4, AMS 200270000715590, Terceira Turma, Relator José Paulo Baltazar Junior, julgado em 01/06/2004). CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE COM HEPATITE “C”. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. 1. Delegado de polícia que contraiu Hepatite “C” ao socorrer um Necessidade preso de que tentara medicamento suicídio. para cuja aquisição o servidor não dispõe de meios sem o sacrifício do seu sustento e de sua família. 2. O Sistema Único de Saúde – SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 que, restando 24 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. 3. O direito á vida e a disseminação das desigualdades impõe o fornecimento pelo Estado do tratamento compatível à doença adquirida no exercício da função. Efetivação da cláusula pétrea constitucional. 4. Configurada a necessidade do recorrente de ver atendida a sua pretensão, legítima e constitucionalmente garantida, posto assegurado o direito à saúde e, sem última instância, à vida [...] 5. Recurso especial provido. (STJ, RESP 200200447996, Primeira Turma, Relator Luiz Fux, julgado em 01/10/2002). Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados os artigos 196 a 200 da Constituição da República Federativa do Brasil. Especificamente, o artigo 196 dispõe que: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Assim, conforme esclarece José Afonso da Silva Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 25 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ “a saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos”.( SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. ed. São Paulo: Malheiros). O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988, configura direito fundamental de segunda geração. Nesta geração, estão os direitos sociais, culturais e econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se trata mais, como nos direitos de primeira geração, de apenas impedir a intervenção do Estado em desfavor das liberdades individuais. Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o direito de exigir do Estado prestações sociais (positivas) nos campos da saúde, alimentação, educação, habitação, trabalho, etc. Cumpre ressaltar, outrossim, que baliza nosso ordenamento jurídico o princípio da dignidade da pessoa humana, esculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e que se apresenta como fundamento da República Federativa do Brasil. Nesta toada, merece destaque a seguinte decisão, proferida pelo Colendo Superior Tribunal Federal: O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 26 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular — e implementar — políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médicohospitalar. O direito à saúde — além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas — representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política — que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro — não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (...) O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos àquelas a pessoas portadoras do carentes, vírus Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 inclusive HIV/AIDS, dá 27 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (artigos 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF." (STJ, RE 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-00,DJ de 24-11-00 ). Visando a concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Neste sentido, a Lei n. 8.212/91 dispõe que: Art. 1. A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social. [...]. 2º. A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância pública e sua organização obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes: a) acesso universal e igualitário; b) provimento das ações e serviços através de rede regionalizada e hierarquizada, integrados em sistema único; Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 28 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ c) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; Assim, corroborando o mandamento constitucional, a Lei Orgânica da Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da própria sociedade no sentido de “assegurar o direito relativo à saúde”. A Lei n. 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, estabelece: Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. §1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. [...] Art. 4º. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das funções mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS. O artigo 7º da citada Lei estabelece que as ações e serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde serão desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198, da CF, obedecendo, ainda, aos seguintes princípios: Art. 7. [...] Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 29 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II – integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado. III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; [...] XI – conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população. Verifica-se, destarte, que a própria norma disciplinadora do Sistema Único de Saúde elenca como princípio a integralidade de assistência, definindo-a como um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. É dever do Sistema Único de Saúde fornecer não só os remédios da lista oficial do Ministério da Saúde, mas, tendo em vista as particularidades do caso concreto e a comprovada necessidade de utilização de outros medicamentos, impõe-se a obrigatória conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população, de modo a prover os doentes acometidos pela Hepatite B Crônica com os meios existentes para seu tratamento. Por fim, a Lei n. 9.313/96 estabeleceu a gratuidade do fornecimento de toda a medicação necessária ao tratamento da AIDS, sendo perfeitamente cabível seu emprego analógico às demais doenças de um modo geral, Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 30 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ sobretudo à Hepatite B, que demanda a utilização de um medicamento antiviral também indicado a pacientes de HIV. Ao dispor sobre A POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO do Sistema Único de Saúde, a Norma Operacional de Assistência à Saúde n. 01/2002, no item 23, fixa o elenco de atribuições do Ministério da Saúde: 1.5. DA POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS 23. A responsabilidade do Ministério da Saúde sobre a política de alta complexidade/custo se traduz nas seguintes atribuições: a – definição de normas nacionais; b – controle do cadastro nacional de prestadores de serviços; c – vistoria de serviços, quando lhe couber, de acordo com as normas de cadastramento estabelecidas pelo próprio Ministério da Saúde; d – definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população pelo SUS; e – estabelecimento de estratégias que possibilitem o acesso mais equânime diminuindo as diferenças regionais na alocação dos serviços; f – definição de mecanismos de garantia de acesso para as referências interestaduais, através da Central Nacional de Regulamentação para Procedimentos de Alta Complexidade; g – formulação de mecanismos voltados à melhoria da qualidade dos serviços prestados; i – financiamento das ações. No item 23.1, exsurge, de forma inequívoca, a responsabilidade solidária da União e dos Estados-membros, por intermédio, respectivamente, Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 31 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde, para a garantia de acesso da população aos procedimentos de alta complexidade, verbis: 23.1. A garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade é de responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal. Ao Município incumbe, por sua vez, de acordo com o item 25.1, a regulação dos serviços de alta complexidade quando se encontrar na condição de Gestão Plena do Sistema Municipal: 25.1. A regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontra-se na condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais condições. Em norma dirigente, conceito de José Joaquim Gomes Canotilho, de conteúdo programático, os itens 26 e 27 prescrevem que: 26. As ações de alta complexidade e as ações estratégicas serão financiadas de acordo com a Portaria do Ministério da Saúde. 27. O Ministério da Saúde definirá os valores de recursos destinados ao custeio da assistência de alta complexidade para cada estado. O item 44.2 da Nota Operacional multicitada admite expressamente a contratação de serviços na rede privada sempre que não estiverem Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 32 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ disponíveis na rede pública, ou mesmo quando, ainda que existentes na rede pública, sejam insuficientes para o atendimento da população: 44.2. O interesse público e a identificação de necessidades assistenciais devem pautar o processo de compra de serviços na rede privada, que deve seguir a legislação, as normas administrativas específicas e os fluxos de aprovação definidos na Comissão Intergestores Bipartite, quando a disponibilidade da rede pública for insuficiente para o atendimento da população. Verifica-se, do teor desta novel Norma Operacional de Assistência à Saúde, que, no atendimento dos serviços de saúde, a União, por intermédio do Ministério da Saúde, abandonou a antiga posição de mero órgão de supervisão e distribuição de recursos, passando à condição de responsável solidária, nos serviços de média e alta complexidade. Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Estado de fornecer os medicamentos necessários para o tratamento da AIDS e de toda e qualquer outra enfermidade, ainda que não constem da listagem oficial do Ministério da Saúde e/ou não sejam, atualmente, fornecidos pelo Sistema Único de Saúde, porque não há como, limitando-se ao texto constitucional, estabelecer que a obrigação de fornecer medicamentos esteja adstrita a uma lista oficial padronizada. Note-se, por fim, que semelhante questão foi levada à apreciação do Poder Judiciário. O Douto Desembargador Oswaldo Rodrigues de Melo, do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, deferiu o pedido de fornecimento de ADEFOVIR ao paciente portador de Hepatite B nos seguintes termos: Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 33 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ “Cuida-se de mandado de segurança preventivo impetrado por Manoel Sérgio de Souza, com pedido de liminar, figurando como autoridades coatoras o Governador de Estado de Mato Grosso do Sul e o Secretário de Estado de Saúde de Mato Grosso do Sul, para determinar fornecimento do medicamento Adefovir 10mg. Consta dos autos que o impetrante é portador da patologia qualificada como hepatite viral crônica “B”, tendo sido recomendado pelo médico a submissão do requerente ao tratamento com o medicamento Adefovir 10mg, visto que aquele já fizera uso de vários medicamentos (Interferon convencional e Lamividine) sem que houvesse melhora em seu quadro clínico (f. 17). (...) Dispõe o artigo 196 da CF, in verbis: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Analisando a regra constitucional supracitada, constata-se que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Esse dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 34 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ promoção, proteção e recuperação (artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 8.080/1990). Dessa forma, constata-se que o Sistema Único de Saúde (SUS) visa à integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, precisando de certo medicamento ou de ser submetido a determinado tratamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna e que tem como direito-meio, o direito à saúde. (...) Dessa forma, por ter o Estado o dever de garantir a saúde a todos, não é crível que vise o Estado, por meio de uma Portaria, restringir o alcance de uma norma constitucional (artigo 196), a ponto de vedar um direito garantido. Soma-se ao fato, outrossim, que, com a progressão da doença, os pacientes desenvolvem incapacidade para realização de suas atividades tanto de vida diária como profissional, com impacto econômico significativo para o paciente e para a sociedade De asseverar, ainda, que em razão de o paciente ser avaliado de apresentado acordo no com momento o estado clínico do tratamento, é indiscutível a capacidade do médico de prescrever os medicamentos imprescindíveis para a sua imediata recuperação, não pairando dúvidas, por conseguinte, quanto à imprescindibilidade de que a Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 35 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ avaliação daquele prevaleça sobre eventuais convenções do Ministério da Saúde. Tendo o profissional de saúde, devidamente cadastrado no Sistema Único de Saúde (SUS), receitado o medicamento Adefovir 10mg, inclusive ressaltando que o impetrante já fora submetido a outros tratamentos (uso de Interferon convencional e Lamividine) sem que houvesse melhora em seu quadro clínico (f. 17), para tratamento da doença hepatite viral crônica “B” do impetrante, há conceder a segurança para que as autoridades coatoras disponibilizem o referido remédio. A subserviência a meras formalidades e previsões burocráticas, não pode prevalecer em detrimento de um direito constitucionalmente garantido. Nesta acepção, o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente se manifestado, in verbis: CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE FUNDAMENTAL SEGURANÇA. À VIDA E DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. HEPATITE C. RESTRIÇÃO. PORTARIA/MS N.º 863/02. 1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não “qualquer tratamento”, mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. 2. O medicamento reclamado pela impetrante nesta sede recursal não objetiva permitir-lhe, apenas, uma maior comodidade em seu tratamento. O laudo Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 36 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ médico, colacionado aos autos, sinaliza para uma resposta curativa e terapêutica “comprovadamente mais eficaz”, além de propiciar ao paciente uma redução dos efeitos colaterais. A substituição do medicamento anteriormente utilizado não representa mero capricho da impetrante, mas se apresenta como condição de sobrevivência diante da ineficácia da terapêutica tradicional. 3. Assim sendo, uma simples restrição contida em norma de inferior hierarquia (Portaria/MS n.º 863/02) não pode fazer tábula rasa do direito constitucional à saúde e à vida, especialmente, diante da prova concreta trazida aos autos pela impetrante e à mingua de qualquer comprovação por parte do recorrido que venha a ilidir os fundamentos lançados no único laudo médico anexado aos autos. 4. As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte do cidadão carente, em especial, quando comprovado que a medicação anteriormente aplicada não surte o efeito desejado, apresentando o paciente agravamento em seu quadro clínico. 5. Recurso provido. (RMS n.° 17.903/MG, Órgão Julgador 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 20 de setembro de 2004, p. 215). Há ressaltar, ainda, que, conforme bem ressalvado no parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, embora não conste da lista de medicamentos excepcionais da Casa de Saúde (f. 27), verifica-se que o Adefovir vem se mostrando eficaz no tratamento, dentre outras moléstias, da hepatite crônica “B”, estando, inclusive, já autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 37 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ ANVISA e já implementado o tratamento no Estado de São Paulo: ADEFOVIR O Adefovir tem ação contra o HIV, herpesvírus e HBV. O Adefovir dipivoxil (a pró-droga oral do Adefovir) já está aprovado pela ANVISA para o tratamento da co-infecção do HIV/HBV, Hepatite B crônica e doença descompensada. O hepática compensada medicamento possui e ação antiviral contra o HBV selvagem e também contra o vírus mutante, resistente à Lamivudina. O Adefovir diminui a carga viral, melhora a histologia hepática, e pode ser utilizado no tratamento de longo prazo, apresentando baixas taxas de resistência. A possibilidade de induzir mutações resistentes ao tratamento existe, porém em escala muito menor que a Lamivudina. Após três anos de tratamento o Adefovir induziu 3,9% de mutações contra 53% com a Lamivudina. O Adefovir também já foi aprovado nos Estados Unidos e vários outros países para o tratamento da Hepatite B. – destacamos – Outro exemplo, é a Resolução SS n.º 40, de 31 de março de 2006, baixada pela Secretaria de saúde do Estado de São Paulo, que Aprova Norma Técnica expedida pela Coordenadoria de Controle de Doenças – Centro de Vigilância Epidemiológica, para o tratamento de Hepatite B Crônica no âmbito do Sistema Único de Saúde do Estado de São Paulo, cujo artigo 1º dispõe que: Artigo 1º - Aprovar a Norma Técnica constante no Anexo I que integra esta Resolução, expedida pela Coordenadoria de Controle de Doenças – Centro de Vigilância Epidemiológica, com indicações para a Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 38 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ utilização do Medicamento Adefovir em pacientes portadores de Hepatite B Crônica, no âmbito do Sistema Único de Saúde do Estado de São Paulo. (f. 70-71).Ante o exposto, concedo a ordem pugnada na inicial, tornando definitiva a medida liminar concedida, que determinou às autoridades coatoras que forneçam o medicamento Adefovir 10mg, na forma como prescrito no supracitado laudo médico, cuja retirada deverá ser realizada junto à Casa da Saúde, mês a mês, com a respectiva receita médica atualizada, como forma de efetivo controle do uso do medicamento. Conforme o parecer. Sem custas e honorários advocatícios.” ( TJ/MS, Mandado de Segurança Oswaldo 2006.012321-0/0000-00, Rodrigues de Melo, Relator julgado em 27/09/2006). VIII – DA NECESSIDADE DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA A Constituição Federal evidencia em seu artigo 5°, inciso XXXIV: Art. 5 [...] XXXIV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; O artigo 12 da Lei n. 7.347/85, a qual regula a ação civil pública, expressamente prevê a possibilidade de concessão de mandado liminar. O artigo 19 da mesma lei, por sua vez, determina a aplicação do Código de Processo Civil á Ação Civil Pública “naquilo em que não contrarie suas disposições”. Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 39 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ Nesta toada, dispõe o artigo 273 do Código de Processo Civil que: Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Justifica-se, in casu, o pedido de antecipação da tutela em relação a Luiz Antonio da Silva, Claudiano Cavalcanti da Silva, Iguatemy Martins, João Maria Gequelin e MARIDO DA ELIANE pelo fato de estarem caracterizados, à lume do artigo 273, do Código de Processo Civil, todos os pressupostos autorizadores de sua concessão, a saber: Assim sendo, conclui-se que o primeiro requisito para a concessão da tutela antecipatória é a probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante. Esta probabilidade de existência nada mais é, registre-se, do que o fumus boni iuris, o qual se afigura como requisito de todas as modalidades de tutela sumária, e não apenas da tutela cautelar. Assim sendo, deve verificar o julgador se é provável a existência do direito afirmado pelo autor, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional. Não basta, porém, este requisito. À probabilidade de existência do direito do autor deverá aderir outro requisito, sendo certo que a lei processual criou dois outros (incisos I e II do art. 273). Estes dois Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 40 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ requisitos, porém, são alternativos, bastando a presença de um deles, ao lado da probabilidade de existência do direito, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional. Assim é que, na primeira hipótese, ter-se-á a concessão da tutela antecipatória porque, além de ser provável a existência do direito afirmado pelo autor, existe o risco de que tal direito sofra um dano de difícil ou impossível reparação (art. 273, I, CPC). Este requisito nada mais é do que o periculum in mora, tradicionalmente considerado pela doutrina como pressuposto de concessão da tutela jurisdicional de urgência (não só na modalidade que aqui se estuda, tutela antecipada, mas também em sua outra espécie: a tutela cautelar)” (CÂMARA, Alexandre, Lições de Direito Processual Civil. Lúmen Iuris: São Paulo, 2000. pp. 390-1). Assim, acrescente-se que: Qualificar um dado direito como fundamental não significa apenas meramente conseqüência atribuir-lhe retórica, uma destituída jurídica. Pelo importância de qualquer contrário, a constitucionalização do direito à saúde acarretou um aumento formal e material de sua força normativa, com inúmeras conseqüências práticas daí advindas, sobretudo no que se refere à sua efetividade, aqui considerada como a materialização da norma no mundo dos fatos, a realização do direito, o desempenho concreto de Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 sua função social, 41 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. (BARROSO, Luís Roberto. O direito Constitucional e a Efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 3 ed. São Paulo: Renovar, 1996, p. 83). O fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado, consubstancia-se no relatório e laudo médicos e demais documentos apresentados e que atestam, de forma inequívoca, que Luiz Atonio da Silva, Claudiano Cavalcanti da Silva, Iguatemy Martins, João Maria Gequelin e MARIDO DA ELIANE apresentaram diagnóstico de HEPATITE B, necessitando de tratamento médico com ADEFOVIR, que lhes é negado pelo Sistema Único de Saúde, cujo fornecimento é vital. Nessa condição, é direito garantido pela legislação já invocada, o recebimento gratuito dessa medicação necessária ao tratamento, de acordo com a Constituição Federal e demais leis aplicáveis à matéria. O periculum in mora é notório e decorre do risco da ocorrência de agravamento do quadro clínico dos pacientes, em decorrência da falta de tratamento médico adequado. O receio de lesão consubstancia-se na possibilidade dos referidos pacientes experimentarem prejuízo irreparável ou de difícil reparação, se tiverem de aguardar o tempo necessário para decisão definitiva da lide. Eis recentes julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região quanto ao cabimento de antecipação da tutela no caso de tratamento de saúde: Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 42 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ANTECIPAÇÃO PASSIVA DE TUTELA. DA UNIÃO. MULTA DIÁRIA. FAZENDA PÚBLICA. Reconhecida a legitimidade passiva da União, Estados-membros e municípios em causas sobre o fornecimento de medicamentos, por fazerem parte da composição do SUS. O fornecimento gratuito de remédios a pessoas carentes é um dever do Estado. Deve ser afastada a vedação à concessão de antecipação de tutela em ações contra a União quando se tratar de assegurar à parte a garantia de seus direitos fundamentais. O Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que é possível a fixação de multa diária contra a fazenda pública, no caso de descumprimento da obrigação de fazer. (TRF4, AG 2007.04.00.004705-9, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, D.E. 25/04/2007) ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO MEDICAMENTOS. DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. POSSIBILIDADE. 1. É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo, as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estadosmembros e Municípios, é de reconhecer-se, em Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 43 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ função da solidariedade, a legitimidade passiva de quaisquer deles no pólo passivo da demanda. 2. É firme o entendimento nesta Corte de que é possível a fixação pelo juízo, de ofício ou a requerimento da parte, de multa contra a Fazenda Pública pelo inadimplemento de obrigação de fazer. 3. A proibição da antecipação de tutela contra o Poder Público deve ser abrandada, diante da supremacia do direito à vida, à igualdade e à justiça assegurados pela Constituição Federal. (TRF4, AG 2006.04.00.026262-8, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, DJ 22/11/2006) Também o Egrégio Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da possibilidade de concessão de tutela antecipada em desfavor da União nos casos de tratamento de saúde. Senão, veja-se: ADMINISTRATIVO. TUTELA ANTECIPADA. FAZENDA PÚBLICA. ESTADO DE NECESSIDADE. VIDA HUMANA. Conquanto o colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento em plenário da medida liminar na ADC nº 4, tenha entendido pela impossibilidade da antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, tal restrição deve ser considerada com temperamentos. A vedação, assim já entendeu esta Corte, não tem cabimento em situações especialíssimas, nas quais resta evidente o estado de necessidade e a exigência da preservação da vida humana, sendo, pois, imperiosa a antecipação da tutela como condição, até mesmo, de sobrevivência para o jurisdicionado. Precedentes. Recurso não conhecido. (REsp 409172/RS, Rel. Ministro FELIX Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 44 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04.04.2002, DJ 29.04.2002 p. 320) PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO TRANSPLANTE DE RIM MALSUCEDIDO - TUTELA ANTECIPADA - APELAÇÃO RECEBIDA EM AMBOS OS EFEITOS - EXCEPCIONALIDADE DOS EFEITOS DA ANTECIPAÇÃO PARA GARANTIR PAGAMENTO DE PENSÃO INDISPENSÁVEL À SOBREVIVÊNCIA DO APELADO - INAPLICABILIDADE, NO CASO, DO ARTIGO 1º DA LEI Nº 9.494 DE 1.997.A Lei nº 9.494/97 (artigo 1º) deve ser interpretada de forma restritiva, não cabendo sua aplicação em hipótese especialíssima, na qual resta caracterizado o estado de necessidade e a exigência de preservação da vida humana, sendo de se impor a antecipação da tutela, no caso, para garantir ao apelado o sobrevivência. precedentes tratamento necessário Decisão jurisprudenciais consonante do à sua com STJ.Recurso improvido.(REsp 275649/SP, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07.08.2001, DJ 17.09.2001 p. 116) PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – SERVIÇO ÚNICO DE SAÚDE – SISTEMÁTICA DE ATENDIMENTO (LEI 8.080/90) 1. A jurisprudência do STJ caminha no sentido de admitir, em casos excepcionais como, por exemplo, na defesa dos direitos fundamentais, dentro do critério da razoabilidade, a outorga de tutela antecipada Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 45 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ contra o Poder Público, afastando a incidência do óbice constante no art. 1º da Lei 9.494/97. 2. Paciente tetraplégico, com possibilidade de bem sucedido tratamento em hospitais da rede do SUS, fora do seu domicílio, tem direito à realização por conta do Estado. 3. A CF, no art. 196, e a Lei 8.080/90 estabelecem um sistema integrado entre todas as pessoas jurídicas de Direito Público Interno, União, Estados e Municípios, responsabilizando-os em solidariedade pelos serviços de saúde, o chamado SUS. A divisão de atribuições não pode ser argüida em desfavor do cidadão, pois só tem validade internamente entre eles. 4. Recurso especial improvido. (REsp 661.821/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12.05.2005, DJ 13.06.2005 p. 258) Impõe-se, na espécie, a dispensa de intimação para os fins do artigo 2º da Lei n. 8.437/92, no tocante ao fornecimento do medicamento aos pacientes Luiz Atonio da Silva, Luiz Atonio da Silva, Claudiano Cavalcanti da Silva, Iguatemy Martins, João Maria Gequelin E MARIDO DA ELIANE em face da gravidade da enfermidade e da urgência que o caso requer, sob pena de se tornar inócua decisão posterior. Ademais, a garantia constitucional do direito à vida prevalece quando em confronto com as regras de direito processual. Cabe, a esta altura, destacar o pensamento do processualista Cândido Rangel Dinamarco: “O novo artigo 273 do Código de Processo Civil, ao instituir de modo explícito Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 e generalizado a 46 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ antecipação dos efeitos da tutela pretendida, veio com o objetivo de ser uma arma poderosíssima contra os males do tempo no processo” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do CPC. 2.ed. ver. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 1995). Insta frisar que na presente ação civil pública a antecipação de tutela ganha relevância ainda maior já que com ela visa-se tutelar interesses difusos e coletivos. No presente caso, deferir a tutela antecipada significa preservar a vida dos pacientes e respeitar a condição de seres humanos e cidadãos, que têm o direito de cobrar do Estado o atendimento integral à saúde. Não obstante o pedido de antecipação de tutela se refira especificamente ao de entrega de determinado remédio, o que levaria, em uma análise apressada, a se pensar que a obrigação que se pede se resumiria a uma prestação de dar, está-se, em verdade, diante de uma verdadeira obrigação de fazer, qual seja, a de prestar o tratamento necessário, suficiente e adequado à manutenção da saúde e preservação da vida de Luiz Atonio da Silva e demais pacientes constantes nos procedimentos administrativos em anexo. Todos os requisitos legalmente exigidos para o deferimento da antecipação do provimento jurisdicional se encontram presentes. Em razão do exposto, o Ministério Público Federal requer a Vossa Excelência: a) a concessão da antecipação da tutela, inaudita altera parte, a fim de que seja determinando à UNIÃO, ao ESTADO DO PARANÁ e ao MUNICÍPIO DE CURITIBA, de forma solidária, o fornecimento gratuito e ininterrupto, Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 47 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ em local disponível e de forma imediata, a Luiz Atonio da Silva, Claudiano Cavalcanti da Silva, Iguatemy Martins, João Maria Gequelin, MARIDO DA ELIANE e a todos os pacientes que, no curso da ação, comprovarem a necessidade do uso do medicamento ADEFOVIR (HEPSERA), por intermédio de receituário expedido por médico vinculado ao Sistema Único de Saúde, para o tratamento de HEPATITE B, ainda não constante da lista oficial do Ministério da Saúde, em prazo exíguo a ser estipulado pelo prudente arbítrio de Vossa Excelência, bem como seja assegurado o fornecimento mensal da quantidade de remédio necessário à continuidade e ao término do tratamento. Impende salientar que a relação obrigacional é solidária, devendo a União, se for o caso, repassar ao Estado do Paraná ou ao Município de Curitiba os recursos necessários a custeá-la; e b) a cominação de multa diária para caso de descumprimento da decisão liminar, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). IX – DO PEDIDO PRINCIPAL Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal vem requerer a Vossa Excelência: Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 48 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ 1 – a citação de todos os réus para, querendo, contestarem a presente ação, sob pena de revelia; 2 – a confirmação/ratificação, por sentença definitiva de mérito, dos pedidos de antecipação de tutela; 3 – a condenação definitiva da UNIÃO, do ESTADO DO PARANÁ, de forma solidária, ao fornecimento do medicamento ADEFOVIR (HEPSERA), necessário ao tratamento de Luiz Atonio da Silva Luiz Atonio da Silva, Claudiano Cavalcanti da Silva, Iguatemy Martins, João Maria Gequelin, MARIDO DA ELIANE e de todos os demais pacientes, usuários do Sistema Único de Saúde, residentes no Estado do Paraná, ou, sucessivamente, nos municípios que integram a Subseção Judiciária de Curitiba, que apresentarem diagnóstico de HEPATITE B, nos casos em que estiver indicado o tratamento medicamentoso acima referido, ainda que este não conste da lista oficial do Ministério da Saúde, bem como a condenação do MUNICÍPIO DE CURITIBA, solidariamente, a fornecer os medicamentos supracitados a todos os pacientes residentes na base territorial do município; 4 – a dispensa das custas, emolumentos e outros encargos, nos termos do artigo 18, da LACP; 5 – as publicações, às expensas das rés, da decisão liminar e da sentença de procedência em, no mínimo, dois jornais de grande circulação do Estado do Paraná, para possibilitar a ciência de todos os interessados. Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 49 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ 6 – Embora já tenha apresentado o Ministério Público Federal prova pré-constituída do alegado, requer, outrossim, produção de prova documental, testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias ao pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com a apresentação de contestação. Ante a impossibilidade de se mensurar o valor de cada vida daqueles que estão acometidos pela Hepatite B e que precisam do medicamento supracitado, dá-se à causa o valor de R$ 20.000,00 somente para fins legais. Curitiba, 03 de julho de 2008. ANTONIA LÉLIA NEVES SANCHES Procuradora da República DEBORAH AXELRUD ANDRÉ LUIZ DE ARAÚJO Acadêmicos de Direito Rol de documentos: Procedimentos Administrativos: MPF PR/PR 1.25.000.001677/2007-15, por requerimento Joao Maria Gequelin; Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793 50 1 M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ MPF PR/PR 1.25.000.002442/2007-41, por requerimento de Iguatemy Martins; MPF PR/PR 1.25.000.002422/2007-70, por requerimento de Claudiano Cavalcanti da Silva; MPF PR/PR 1.25.000.002422/2007-70, por requerimento de Claudiano Cavalcanti da Silva; MPF PRPR MARIDO DA ELIANEEEEEE Parecer elaborado pelo Hospital das Clínicas Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010 Fone (0xx41) 3219-8700 – Fax (0xx41) 3219-8793