excelentíssimo senhor doutor juiz de direito da vara cível da

Propaganda
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA
COMARCA
DE
TIBAGI
–
PARANÁ
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARANÁ, por seu Promotor de Justiça adiante assinado, vem à presença de Vossa Excelência,
com fundamento nos artigos 1º, inciso IV, da Lei Federal nº 7.347/1985; 1º, inciso III; 5°, caput
e incisos XXXV, LXIX; 6°, caput; 196, caput; 197, caput, da Constituição Federal; 120, inciso
II, da Constituição do Estado do Paraná; 1º, 27 e 32, inciso II, da Lei Federal nº 8.625/1993; 1º e
67, § 1º, inciso III, da Lei Complementar nº 85/1999 (Lei Orgânica do Ministério Público do
Estado do Paraná); 2°, 4°, 5°, 6º, inciso I, alínea d, 7°, 15 e 43 da Lei Federal n° 8.080/1990; 2º,
parágrafo único, alínea d, da Lei Federal nº 8.212/1991, agindo no interesse de
NIUSE
APARECIDA
FERREIRA
CAPOTE,
brasileira, portadora da cédula de identidade RG nº 7.060.124-9/PR, CPF nº 023.386.489-00,
nascida aos 24.12.1973 (34 anos de idade), filha de ROSNEI DE JESUS FERREIRA e de DINA DA
COSTA FERREIRA, residente e domiciliada nesta cidade e Comarca de Tibagi, atualmente em
tratamento no Hospital das Clínicas da cidade de Curitiba-PR, ajuizar a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
DE CUNHO CONDENATÓRIO
COM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em face de
I – ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito
público interno, na pessoa do Chefe do Órgão de Representação Judicial do Estado, o
Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral do Estado do Paraná, Doutor Carlos Frederico Marés
de Souza Filho, com endereço no Edifício Sede da PGE: Rua Conselheiro Laurindo nº 561, 13º
andar – CEP: 80060-100, telefones: (41) 3221-8795 e 3221-8796 – Fax: 3221-8764, na cidade
de Curitiba – PR; e,
II – MUNICÍPIO DE TIBAGI, pessoa jurídica de direito
público interno, representado pelo Sr. Prefeito Municipal SINVAL FERREIRA DA SILVA,
pelas razões que passa a enunciar.
1. BREVE HISTÓRICO DOS FATOS
Consta da documentação enviada a esta Promotoria de
Justiça pela Secretaria Municipal de Saúde que a interessada NIUSE APARECIDA
FERREIRA CAPOTE, acima qualificada, foi diagnosticada como portadora de Leucemia
Mielóide Crônica em fase blástica – ofício nº 229/2008-DA, nos seguintes termos:
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
“Pelo presente, vimos informá-lo que veio a esta
Secretaria Municipal de Saúde a solicitação de compra do medicamento Sprycell para a
Senhora Niuse Capote, a mesma está em tratamento de Leucemia no Hospital das
Clínicas Curitiba - Pr.
Salientamos que o valor deste medicamento é de
R$18.904,95 (dezoito mil, novecentos e quatro reais e noventa e cinco centavos).
Ressaltamos que este medicamento não está incluso à lista
de medicamentos oferecidos pelos órgãos Municipais, Estaduais incluindo a União.
Pedimos sua colaboração e atenção para os procedimentos
necessários para aquisição deste medicamento. Segundo laudo médico o Dr. Jefferson
Ruiz (CRM 20305), Sprycell é a única forma de manter a Senhora Niuse Capote viva na
atualidade”.
Conforme informações do Doutor Jefferson Ruiz, do
Serviço de Transplantes de Medula Óssea do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do
Paraná, de Curitiba e responsável pelo tratamento e acompanhamento da interessada, esta
necessita fazer uso do medicamento SPRYCELL (DASATINIBE), da “BRYSTOL MEYES
SQUIB” por tempo indeterminado, conforme consta de seu ofício enviado à Secretaria de Saúde
do Município de Tibagi (anexo), como “única forma de mantê-la [a interessada] viva na
atualidade”, informando, ainda, haver “iniciado Aracetin Subcutâneo por 15 dias na tentativa de
conter a doença por 15 dias até a chegada do seu novo tratamento (Sprycell)”.
Juntou-se aos documentos enviados pela Secretaria
Municipal de Saúde um Laudo Médico, emitido pelo Doutor EUGÊNIO RODRIGUES
CARNEIRO, com seguinte teor:
“Segundo orientação do Dr. Jefferson Ruiz, do Serviço de
Transplante de Medula óssea HC/UFPR, a paciente Niuse Capote apresenta Leucemia
Mielóide Crônica. E que a mesma já realizou transplante de medula óssea com resultado
negativo.
Atualmente a Sra. Niuse necessita tomar com urgência o
medicamento Sprycell 50mg e Sprycell 20mg, com única maneira de evitar a morte da
paciente.
Ela necessita tomar 1 comprimido de 50mg e 1
comprimido de 20mg, por tempo indeterminado”.
Ressalte-se: em sua informação, o Município de Tibagi
não afirma que o medicamento é desnecessário ou supérfluo, ou que existe algum similar ou
genérico suficiente à espécie. Pura e simplesmente limita-se a afirmar que o medicamento “não
está incluso à lista de medicamentos oferecidos pelos órgãos Municipais, Estaduais incluindo a
União”.
Destarte, a medicação necessária à integral proteção da
saúde da interessada, ao que consta, não estão disponível na rede pública, sendo certo que é
obrigação do Estado lato sensu disponibilizá-la para atendimento desse caso concreto, conforme
adiante veremos quando da análise do direito aplicado ao caso em tela.
Ação civil pública – fls. 2
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
De se ressaltar que há extremada urgência no
fornecimento da medicação, eis que o médico responsável – Doutor JEFFERSON RUIZ –
afirma haver iniciado tratamento para conter a doença da interessada por apenas 15 dias antes do
início do tratamento com a medicação SPRYCELL.
2. A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A Magna Carta em vigor, ampliando o campo de atuação
do Ministério Público, atribuiu-lhe a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput), ao mesmo
tempo em que, dentre outras funções institucionais, confiou-lhe o zelo pelo efetivo respeito dos
poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos nela assegurados, promovendo
as medidas necessárias à sua garantia (art. 129, inciso II). No mesmo sentido é o art. 120, inciso
II, da Constituição Estadual.
Ora, a saúde é o único bem dito de relevância pública
expresso na Carta Magna.1 Para melhor elucidação, faz-se pertinente a consideração dos
ensinamentos dos Promotores de Justiça ANTONIO AUGUSTO MELLO DE CAMARGO
FERRAZ e ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, a respeito do
significado da expressão supra:2
“a) A qualidade de ‘função pública’, como verdadeiro
dever-poder, que regra a garantia da saúde pelo Estado;
b) a natureza jurídica de direito público subjetivo da
saúde, criando uma série de interesses na sua realização – públicos, difusos, coletivos e
individuais homogêneos;
c) limite da indisponibilidade, tanto pelo prisma do
Estado como do próprio indivíduo, do direito à saúde;
d) a idéia de que, em sede do art. 197, o interesse
primário do Estado corresponde à garantia plena do direito à saúde e as suas ações e
serviços, sempre secundários, só serão legítimas quando imbuídas de tal espírito;
e) o traço de essencialidade que marca as ações e
serviços de saúde.”
Tais observações convergem para um mesmo ponto, qual
seja, o de considerar o direito à saúde como um direito subjetivo público e indisponível.
Diante desse contexto constitucional, extrai-se que o
Parquet, de modo genérico, pode e deve promover todas as medidas necessárias –
administrativas e/ou judiciais – para a restauração do respeito dos poderes públicos aos direitos
constitucionalmente assegurados aos cidadãos – mormente os direitos fundamentais – mesmo
que no plano individual, desde que se trate de direito indisponível.
1 Art. 197, da Constituição Federal.
2 in O Conceito Constitucional de Relevância Pública, série Direito e Saúde nº 1,
Organização Panamericana da Saúde e Escritório Regional da Organização Mundial da
Saúde, representação do Brasil – Brasília 1992, Organização: Profª Sueli Gandolfi Dallari,
pág. 36.
Ação civil pública – fls. 3
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
Sobre o assunto, leciona HUGO NIGRO MAZZILLI:3
“O Ministério Público atua quando: a) haja
indisponibilidade parcial ou absoluta do interesse; b) convenha à coletividade como um
todo a defesa de qualquer interesse, disponível ou não.
O interesse público é usualmente visto como o interesse
de que é titular o Estado, em contraposição ao interesse privado, cujo titular é o
indivíduo. Contudo, em sentido lato, distingue-se interesse público primário (o bem
geral) do secundário (interesse da administração). Este último é apenas o modo como os
órgãos governamentais vêem o interesse público, o que nem sempre coincide com o
interesse público primário, mas é somente por este que deve zelar o Ministério Público:
o interesse social ou o interesse de toda a sociedade.
Num sentido lato, portanto, até o interesse individual, se
indisponível, é interesse público e seu zelo é cometido ao Ministério Público (…)”.
A vida e a saúde são os direitos mais elementares do ser
humano, pressupostos de existência dos demais direitos, adequando-se na categoria de direitos
individuais indisponíveis, razão pela qual merece especial cuidado, sobretudo no caso sub judice
– quando se trata de recusa de fornecimento de medicamento – que atinge diretamente a saúde
de NIUSE APARECIDA FERREIRA CAPOTE.
3. O MODERNO CONCEITO DE SAÚDE E SUA INCORPORAÇÃO AO SISTEMA
JURÍDICO NACIONAL
O referencial teórico e hodierno acerca do conceito de
saúde surgiu no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), órgão da
ONU, em 26 de julho de 1946, no qual restou estabelecido que:
“A saúde é o completo bem-estar físico, mental e social e
não apenas a ausência de doenças”.
Pode-se extrair da determinação supra que a OMS
ampliou o entendimento, até então preponderante, de enfocar a saúde apenas como uma
conseqüência natural de ausência de doenças, seja no plano preventivo, seja no plano curativo.
Abarca o conceito, atualmente, o que se chama de “promoção da saúde”, referindo-se ao
completo bem-estar físico, mental e social do indivíduo.
Assim, absorvido no conceito pela nossa Constituição
Federal, preocupou-se ela (inovadoramente) com o tema, em seu artigo 196, dizendo ser “a
saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Doutrinariamente,
nas
observações
de
GERMANO
3 in Introdução ao Ministério Público, 4ª ed. São Paulo:Saraiva, 2002, p. 61.
Ação civil pública – fls. 4
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
SCHWARTZ, compreende-se a saúde, em consonância com o citado artigo 196, como sendo:
4
“um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura
de doenças, ao mesmo tempo que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como
instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a
possibilidade de esse mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu
particular estado de bem-estar”.
No mesmo diapasão, o conteúdo do art. 3º, parágrafo
único, da Lei Orgânica da Saúde:
A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes,
entre outros, alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho,
a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os
níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.
4. A SAÚDE E A DIGNIDADE HUMANA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DO PARANÁ
A Constituição Federal buscou dar ampla proteção ao
direito à saúde, tanto que, logo no artigo 1º, elege como fundamento da República Federativa do
Brasil a dignidade da pessoa humana e, no artigo 3º, institui como objetivo do país a promoção
do bem de todos.
O princípio da dignidade humana está evidenciado pela
expressão de valor da pessoa humana, o qual impõe o dever de ser reconhecida a intangibilidade
da vida, sem a possibilidade de concessões por parte de seu titular, dado se tratar de preceito
absoluto e fundamental de todo indivíduo.
A dignidade revela-se, portanto, como uma qualidade
integrante e irrenunciável de toda pessoa, expressando seu valor absoluto. Com efeito, engloba,
necessariamente, o respeito e proteção de sua integridade física e emocional (psíquica) tanto por
parte do Poder Público como dos particulares.
Diante disso, não há dificuldade em se detectar a afronta a
este princípio com a negativa infundada do Poder Público quanto ao fornecimento do
medicamento SPRYCELL à interessada NIUSE APARECIDA FERREIRA CAPOTE.
A mera leitura de dispositivos a respeito na Carta de 88
apresenta forte contraste com a hipótese dos autos, revelando de pronto a lesão em causa.
Art. 1°. A República Federativa do Brasil (…) constitui-se
em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
(…)
II- a dignidade da pessoa humana.
4 In Direito à Saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica – Porto Alegre – 2001,
Editora Livraria do Advogado, pág. 43.4
Ação civil pública – fls. 5
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida.
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de
saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de
terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram
uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera
do governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação da comunidade.
Ademais, a Constituição Estadual, em disposições abaixo
descritas, reproduz, a seu modo, os conteúdos da Carta Maior:
Art. 1º. O Estado do Paraná, integrado de forma
indissolúvel à República Federativa do Brasil, proclama e assegura o Estado
democrático, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais, do
trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e tem por princípios e objetivos:
I – o respeito à unidade da Federação, a esta
Constituição, à Constituição Federal e à inviolabilidade dos direitos e garantias
fundamentais por ela estabelecidos;
(…)
IX – a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida.
Art. 167. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à prevenção, redução e
eliminação de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços de saúde para a sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 168. As ações e serviços de saúde são de relevância
pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,
Ação civil pública – fls. 6
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita, preferencialmente, através de
serviços de terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.
Art. 169. As ações e serviços públicos de saúde integram
uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema estadual de saúde,
organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I – municipalização dos recursos, serviços e ações, com
posterior regionalização dos mesmos, de forma a apoiar os Municípios;
II – integralidade na prestação das ações, preventivas e
curativas, adequadas às realidades epidemiológicas;
III – integração da comunidade, através da constituição
do Conselho Estadual de Saúde, com caráter deliberativo, garantida a participação dos
usuários, prestadores de serviços e gestores, na forma da lei.
5. ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO
ORDINÁRIA EM FACE DA ESPÉCIE
À
SAÚDE
NA
LEGISLAÇÃO
A Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal n° 8.080, de 19 de
setembro de 1990) estabelece:
Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na
formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos
de doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso
universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação.
Art. 6°. Estão incluídas ainda no campo de atuação do
Sistema Único de Saúde – SUS:
I – a execução de ações:
[…]
d) de assistência terapêutica integral, inclusive
farmacêutica.
Art. 7°. As ações e serviços públicos de saúde e os
serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde –
SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da
Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em
todos os níveis de assistência;
II – integralidade de assistência, entendida como um
conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema.
Art. 43. A gratuidade das ações e serviços de saúde fica
preservada nos serviços públicos e privados contratados, ressalvando-se as cláusulas ou
convênios estabelecidos com as entidades privadas.
Ação civil pública – fls. 7
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
Logo, sendo a saúde um direito público subjetivo do
cidadão e dever do Estado, cuja efetivação constitui interesse primário, há de ser ele satisfeito de
modo integral, resolutivo e gratuito (artigos 198, inciso II, da Constituição Federal, artigos 7º,
inc. XII e 43, ambos da Lei Orgânica da Saúde – LOS), inclusive com a adequada assistência
farmacêutica – artigo 6º, inciso I, alínea d, da LOS.
A “integralidade da assistência terapêutica, inclusive
farmacêutica” abarca como se sabe, de forma harmônica e igualitária, as ações e serviços de
saúde preventivos e curativos (ou assistenciais), implicando em atenção individualizada, para
cada caso, segundo as suas exigências, em todos os níveis de complexidade do sistema (federal,
estadual, e municipal). Diz-se assistência farmacêutica na lei, pois é evidentemente impossível
ao Estado dar saúde diretamente aos seus cidadãos, cabendo-lhe, assim, fornecer-lhes todos os
insumos medicamentosos para que seja ela recuperada.
Desse princípio é possível confirmar-se, uma vez mais, o
direito da favorecida NIUSE APARECIDA FERREIRA CAPOTE na obtenção do
medicamento SPRYCELL das mãos do Estado, único modo adequado à preservação de sua
saúde, direito este que encontra guarida, inclusive, na Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei
Federal nº 8.212/1991):
Art. 2º. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.
Parágrafo único. As atividades de saúde são de
relevância pública e sua organização obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes:
(…)
d) atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas;
O artigo 7º, inciso XII, da LOS, prevê expressamente o
princípio resolutivo, conforme se vislumbra da transcrição abaixo:
Art. 7. As ações e serviços públicos de saúde e os serviços
privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde – SUS são
desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição
Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
(…)
XII – capacidade de resolução dos serviços em todos os
níveis de assistência.
Na lição de GUIDO IVAN DE CARVALHO e LENIR
SANTOS:5
5 in Comentários à Lei Orgânica de Saúde, 2ª edição, atualizada e ampliada. Editora Hucitec
– São Paulo, 1995, pág.88.
Ação civil pública – fls. 8
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
“(…) o ‘princípio resolutivo’ das ações e serviços de
saúde ‘é aquele que resolve o problema trazido ou apresentado pelo paciente, seja
mediante a aplicação, no ato, de um medicamento resolutivo, seja mediante a prescrição
terapêutica que vai resolver, gradualmente, o problema, ou seja ainda mediante a
indicação de uma cirurgia, a recomendação de uma órtese ou de mudança de estilo de
vida’”.
Vale repisar, portanto, que a saúde não é apenas uma
contraprestação de serviços devida pelo Estado ao cidadão, mas sim um direito fundamental do
ser humano, devendo, por isso mesmo, ser universal, igualitário e integral, não se podendo
prestar soluções parciais, como pretendem alguns, sem com isso negar o direito à saúde.
Frise-se, assim, que o direito de NIUSE APARECIDA
FERREIRA CAPOTE aqui defendido não se limita simplesmente à obtenção de qualquer
remédio. É necessário, portanto, que seja exatamente aquele que venha a solucionar a
enfermidade apresentada, ou mesmo a estabilizá-la, proporcionando-lhe uma melhor qualidade
de vida.
Desta forma, por se tratar de um direito líquido e certo que
está sendo violado, expondo sua titular a risco de vida pela evolução da doença da qual é
portadora (leucemia mielóide crônica), é que se busca a garantia da devida prestação por parte
do Poder Público, obrigação esta definida no Sistema Único de Saúde, consoante prevê a NOAS
– SUS nº 01/2002, nº 57, Responsabilidades, h e i e reforçada pelo inciso XVIII do art. 12, do
Código de Saúde do Estado (Lei Estadual nº 13.331/2001).
Diante disso, a disponibilização do medicamento Sprycell
para garantia de vida à NIUSE APARECIDA FERREIRA CAPOTE deve se dar de modo
imediato, sem que seja admitida qualquer espécie de escusa ou justificativa.
6. DA LESÃO AO DIREITO
A documentação anexa deixa claro a necessidade da
favorecida NIUSE APARECIDA FERREIRA CAPOTE quanto aos medicamentos
necessários à sua saúde.
O Município de Tibagi, por intermédio da Sra. Secretaria
Municipal de Saúde, informa que não é possível o fornecimento, pois não consta da lista de
medicamentos disponíveis oferecidos pelo Poder Público estadual, municipal ou federal.
Está demonstrada, portanto, a necessidade da favorecida,
como a negativa do Estado (lato sensu), através de seus órgãos competentes, em fornecer a
medicação solicitada.
Em vários momentos os Tribunais pátrios manifestaram
decisões favoráveis a pessoas em situações semelhantes:
“MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRANTE O
MINISTÉRIO PÚBLICO, COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL. FAVORECIDO
Ação civil pública – fls. 9
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
CIDADÃO PORTADOR DE HIPERTENSÃO ARTERIAL, DOENÇA CARDÍACA
HIPERTENSIVA, ARRITMIA CARDÍACA E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
ESQUERDA. PACIENTE CARENTE E SEM RECURSOS ECONÔMICOS PARA
ADQUIRIR OS REMÉDIOS INDISPENSÁVEIS À MANUTENÇÃO DE SUA VIDA.
OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. SEGURANÇA
CONCEDIDA. SENTENÇA CONFIRMADA EM GRAU DE REEXAME
NECESSÁRIO” (TJPR – Acórdão nº 9.521 – 6ª Câmara Cível – Rel. Ramos Braga –
julg: 02/10/2002).
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA –
FORNECIMENTO DE REMÉDIO PELO ESTADO – DOENÇA MENTAL – CID 10 –
F 20.3 – PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA – 1. Preliminarmente:
Em sendo juridicamente possível o pedido do autor, não há falar em carência de ação.
Prefacial afastada. 2. Do mérito: Em sendo dever do estado garantir a saúde física e
mental dos indivíduos e, em restando satisfatoriamente comprovado aos autos a
necessidade do demandante em receber o medicamento requerido, correta a sentença que
determinou o fornecimento do medicamento que tal pelo estado. Exegese que se faz do
disposto nos arts. 196 e 200 da Constituição Federal, art. 241, X, da Constituição Federal
e Lei nº 9908/93. Apelo improvido. Mantida a sentença em reexame. (TJRS – APC
70002412088 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Carlos Roberto Lofego Canibal – J. 10.10.2001)
CONSTITUCIONAL – DIREITO À VIDA –
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – FALTA DE PROVA IDÔNEA QUANTO
AO RISCO DE VIDA – IMPOSSIBILIDADE – 1. O fornecimento gratuito de
medicamentos pelo Estado, exige que o remédio seja excepcional e indispensável à vida
do paciente. 2. Apelação provida. (TJRS – APC 70002213270 – 4ª C.Cív. – Rel. Des.
Araken de Assis – J. 19.02.2001)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LIMINAR – CONCESSÃO
INAUDITA ALTERA PARS. POSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS
12, DA LEI 7347/85 E 2º, DA LEI 8437/92 – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO
– DEVER DO ESTADO DE PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE, INCLUSIVE
FARMACOLÓGICA – IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA DE AQUISIÇÃO
COMPROVADA PELA BENEFICIADA – DESNECESSIDADE DE ESTAR A
PACIENTE CORRENDO RISCO DE MORTE – PRESCRIÇÃO MÉDICA
COMPROVADA – QUESTÕES SOBRE O CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL
PÚBLICA E A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE AINDA NÃO
FORAM OBJETO DE ANÁLISE EM PRIMEIRO GRAU – PRINCÍPIO DO DUPLO
GRAU DE JURISDIÇÃO – AGRAVO CONHECIDO E IMPROVIDO – É certo que a
Lei nº 8.437/92, no seu art. 2º, determina que a liminar, na Ação Civil Pública e no
Mandado de Segurança Coletivo, será concedida, quando cabível, após a audiência do
representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no
prazo de setenta e duas horas. Entretanto, há que se analisar quanto a urgência da medida,
pois que na iminência da ocorrência de dano, estando demonstrados os requisitos legais
para a sua concessão, não pode o magistrado aguardar seja cumprida tal diligência, para
daí então, deferir ou não a liminar. Os requisitos à concessão da liminar estão presentes
haja vista que há norma constitucional que impõe ao Estado a assistência à saúde dos
cidadãos; há uma cidadã que comprovadamente padece de moléstia cujo medicamento
Ação civil pública – fls. 10
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
para seu tratamento custa mais do que a metade de sua renda mensal e, ainda, há prova de
que a Secretaria de Estado da Saúde não fornece aquele remédio à população carente, não
sendo necessário esperar que o indivíduo corra risco de morte para a concessão da tutela.
(TAPR – AI 0162085-1 – 6ª C.Cív. – Rel. Juiz Anny Mary Kuss – DJPR 16.03.2001)
Os Tribunais Superiores pátrios, de igual forma, já
decidiram no mesmo sentido:
“CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO.
MEDICAMENTOS: FORNECIMENTO A PACIENTES CARENTES: OBRIGAÇÃO
DO ESTADO. I.- Paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos
medicamentos de que necessita: obrigação do Estado em fornecê-los. Precedentes do
STF. II.- Negativa de seguimento ao RE. Agravo não provido” (STF – RE 273042. AgRRio Grande do Sul – Ag. Reg. no Recurso Extraordinário- Rel. Min. Carlos Velloso –
julg: 28.08.2001 – Segunda Turma).
“CONSTITUCIONAL
E
ADMINISTRATIVO.
MANDADO DE SEGURANÇA. OBJETIVO: RECONHECIMENTO DO DIREITO DE
OBTENÇÃO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO DE
RETARDO MENTAL, HEMIATROPIA, EPILEPSIA, TRICOTILOMANIA E
TRANSTORNO ORGÂNICO DA PERSONALIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM
RECURSO ORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL (ART. 6º E 196 DA CF). PROVIMENTO DO RECURSO E CONCESSÃO
DA SEGURANÇA. I – É direito de todos e dever do Estado assegurar aos cidadãos a
saúde, adotando políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
de outros agravos e permitindo o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação (arts. 6º e 196 da CF). II – Em obediência a tais
princípios constitucionais, cumpre ao Estado, através do seu órgão competente, fornecer
medicamentos indispensáveis ao tratamento de pessoa portadora de retardo mental,
hemiatropia, epilepsia, tricotilomania e transtorno orgânico da personalidade. III –
Recurso provido.” (STJ – ROMS 13452 – Rel. Min. Garcia Vieira – julg: 13.08.2002 –
Primeira Turma).
1 – A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da
Democracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A
eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser
óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma,
a garantia do maior de todos os bens, que é a própria vida. 2 – É dever do Estado
assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está
consagrado na Constituição da República nos artigos 6º e 196. 3 – Diante da
negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui
meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência
vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem
alcançar o benefício almejado (STF, AG nº 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ
11/05/99; STJ, REsp nº 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000). 4 –
Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos
arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra
hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, Constituição
Ação civil pública – fls. 11
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
Brasileira, de que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (art. 196). 5 – Tendo em
vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma
mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único
desfecho justo: decidir pela preservação da vida. 6 – Não se pode apegar, de forma rígida,
à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção
do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna
garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o
atendimento das necessidades básicas dos cidadãos. 7 – Recurso ordinário provido para o
fim de compelir o ente público (Estado do Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol
(Rilutek) indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente.” (STJ – AC ROMS
11183/PR; RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
1999/0083884-0, DJ 04/09/2000, PG: 00121, RSTJ vol. 00138, PG 00052, Rel. Min. José
Delgado).
Por fim, no que tange à negativa de medicamento não
especificado em norma que dispõe sobre o atendimento do Estado no fornecimento de
medicamentos excepcionais, cumpre destacar o seguinte julgado:
“MANDADO DE SEGURANÇA – FORNECIMENTO
DE MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO DE HEPATITE CRÔNICA PELO
ESTADO – ADMISSIBILIDADE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS QUE
GARANTEM O DIREITO À VIDA (ART. 196 DA CF) – DEVER DO ESTADO –
DIREITO FUNDAMENTAL DO CIDADÃO – SEGURANÇA CONCEDIDA. É
PACÍFICA A ORIENTAÇÃO DESTE ÓRGÃO JULGADOR NO SENTIDO DE QUE
“É DEVER DO ESTADO E DIREITO FUNDAMENTAL DO CIDADÃO
NECESSITADO O FORNECIMENTO, PELO SERVIÇO ÚNICO DE SAÚDE (SUS),
DE MEDICAMENTO INDISPENSÁVEL A SOBREVIVÊNCIA DESTE (CF/88.
ART.196), AINDA QUE NÃO PADRONIZADOS PELA POLÍTICA ESTADUAL DE
ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA, PODENDO A ADMINISTRAÇÃO, EM
SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS E DE EMERGÊNCIA VALER-SE DA
TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS (LEI 8.080/90, ART. 36, § 2º)”. (MS nº 84819-9,
AC. nº 674, UNÂNIME, Rel. Des. CORDEIRO CLEVE, p. 06/11/00).
7. DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
A antecipação da tutela é medida imprescindível para
salvaguardar a eficácia do pronunciamento judicial, tornando-se uma forma de providência
emergencial que encontra respaldo legal no art. 19 da Lei nº 7.347/1985, combinado com o
artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil.
A teor do disposto no art. 273, caput, e inciso I, do Código
de Processo Civil, poderá o Juiz, desde que instado pela parte, antecipar, total ou parcialmente,
os efeitos da tutela invocada no pedido contido na peça inaugural, sempre que, existindo prova
inequívoca, convença-se da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação.
A prova da doença que acomete a interessada NIUSE
APARECIDA FERREIRA CAPOTE, da necessidade do uso do medicamento e respectivos
Ação civil pública – fls. 12
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
insumos, das conseqüências da suspensão do tratamento e da omissão do Estado são
demonstrados de forma clara e incontestável pelos documentos que acompanham esta petição,
mostrando-se suficientes para que, no âmbito de cognição sumária existente nesta etapa, próprio
das medidas antecipatórias de tutela, o magistrado vislumbre a verossimilhança dos fatos
alegados.
De se ressaltar que a documentação foi encaminhada ao
Ministério Público pela própria Secretaria Municipal de Saúde de Tibagi e, seguindo orientações
desta Promotoria de Justiça, além do ofício enviado pelo médico responsável pelo tratamento da
interessada, juntou-se laudo médico confeccionado por um profissional da confiança do
Município de Tibagi, como forma de se evitar o indevido uso do Ministério Público e do Poder
Judiciário para aquisição de medicamentos desnecessários, conforme fatos atualmente noticiados
na imprensa.
O periculum in mora configura-se na possibilidade da
ocorrência de um dano irreparável ao direito fundamental da interessada beneficiada,
evidenciado pela resposta negativa do Estado ao fornecimento de medicamento essencial à sua
saúde e à manutenção de sua vida, eis que a droga que deve ela fazer uso consiste no
medicamento eficaz para a remissão ou controle dos sintomas que lhe acometem.
Por isso é que se postula, inclusive, a análise do pedido de
antecipação da tutela sem a observância da formalidade constante do art. 2º, da Lei nº
8.437/1992, ou seja, sem a notificação prévia do representante judicial da pessoa jurídica de
direito público. Os trâmites burocráticos do cumprimento de tal formalidade (que passam longe
de atrasarem a análise do pedido liminar em apenas 72 horas), aliado ao tempo decorrente da
comunicação da ordem ao Poder Público, da compra do medicamento e da sua entrega à paciente
fatalmente irão suspender o tratamento. Suprimindo esta etapa, maior é a chance do
medicamento chegar às mãos da paciente favorecida, logrando-se, assim, que a interessada veja
sua vida preservada.
Sobre a dispensa dessa restrição à concessão de liminar,
leciona MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:6
“Há que se observar que todas essas restrições às
medidas liminares ou acautelatórias são de valor relativo, pois não podem ser adotadas
pelo Poder Judiciário quando coloquem em risco os direitos das pessoas, sob pena de
ofensa ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que impede seja excluída da
apreciação judicial, não só a lesão, como também a ameaça a direito. Por outras
palavras, se devidamente demonstrado o periculum in mora, não poderá ser negada a
medida liminar para proteger o direito ameaçado, já que entre a norma constitucional
e a lei ordinária, a primeira tem que prevalecer”.
Diante das graves conseqüências que podem acometer a
paciente, especialmente por tratar-se de interessada, caso ela não continue o tratamento
consumindo a droga receitada por seu médico, é que se pleiteia a concessão da liminar sem a
6 in Direito Administrativo, 12ª, ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 600 – sem destaques no
original.
Ação civil pública – fls. 13
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
prévia notificação do Poder Público, no sentido de se determinar ao ESTADO DO PARANÁ a
aquisição do medicamento SPRYCELL, e o seu fornecimento à interessada beneficiada
NIUSE APARECIDA FERREIRA CAPOTE DE OLIVEIRA VIEIRA durante o curso da
demanda, na quantidade que a mesma necessitar, de acordo com a prescrição médica.
Ainda, sendo notório que dificilmente se obteria a
cientificação do Estado do Paraná antes de 15 (quinze) dias, e que a saúde é dever do Estado
lato sensu, sendo o Sistema Único de Saúde mantido pelos Municípios, Estados, Distrito Federal
e União, impõe-se seja determinar ao MUNICÍPIO DE TIBAGI a imediata aquisição do
medicamento SPRYCELL, e o seu fornecimento à interessada beneficiada NIUSE
APARECIDA FERREIRA CAPOTE DE OLIVEIRA VIEIRA durante o curso da demanda,
na quantidade que a mesma necessitar, de acordo com a prescrição médica, até que o Estado
do Paraná passe a fornecê-lo com regularidade à interessada, ressalvado ao Município o
direito de regresso, na forma da legislação aplicável.
Portanto, embora se façam presentes os elementos
necessários para a antecipação da tutela no pleito em apreço, hábil à sua concessão, neste caso há
não só a aparência, mas sobretudo a evidência do direito subjetivo e público do favorecido,
demonstrada vastamente pelos princípios e dispositivos constitucionais e infraconstitucionais
transcritos no curso da exposição.
8. DO PEDIDO
Pelo exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO PARANÁ requer:
a) concessão da tutela antecipada no caso em espécie,
impondo ao ESTADO DO PARANÁ a obrigação de adquirir o medicamento SPRYCELL e
fornecê-lo, desde já, à interessada NIUSE APARECIDA FERREIRA CAPOTE, na
quantidade prescrita pelo médico;
b) concessão da tutela antecipada no caso em espécie,
impondo ao MUNICÍPIO DE TIBAGI a obrigação de adquirir o medicamento SPRYCELL e
fornecê-lo, desde já, à interessada NIUSE APARECIDA FERREIRA CAPOTE, na
quantidade prescrita pelo médico, até que este passe a ser regularmente fornecido pelo Estado
do Paraná;
c) a fixação de uma multa diária, para o caso do
descumprimento da decisão mandamental dada em sede de antecipação de tutela, em valor a ser
arbitrado por Vossa Excelência, em prol da beneficiada, pedido este feito com base no disposto
no art. 461, do Código de Processo Civil;
d) dispensa da observância da regra do art. 2º, da Lei nº
8.347/1992, referente à a intimação do Poder Público para se manifestar, no prazo de 72 (setenta
e duas) horas, acerca da liminar, em razão da já mencionada urgência do caso;
e) citação dos réus, para apresentar resposta no prazo
legal;
Ação civil pública – fls. 14
Promotoria de Justiça da Comarca de Tibagi
f) no final, seja reconhecida a total procedência do pedido
de condenação do ESTADO DO PARANÁ na obrigação de fornecer a NIUSE APARECIDA
FERREIRA CAPOTE o medicamento SPRYCELL, durante o período que, segundo prescrição
médica, ela tiver necessidade, sob pena de imposição de multa, a ser fixada consoante prudente
arbítrio do Juízo, observando-se, ainda, o ônus da sucumbência e demais cominações legais;
g) ainda, a condenação do MUNICÍPIO DE TIBAGI na
obrigação de fornecer a NIUSE APARECIDA FERREIRA CAPOTE o medicamento
SPRYCELL, enquanto não fornecido regularmente pelo ESTADO DO PARANÁ e durante o
período que, segundo prescrição médica, ela tiver necessidade, sob pena de imposição de multa,
a ser fixada consoante prudente arbítrio do Juízo, observando-se, ainda, o ônus da sucumbência e
demais cominações legais;
h) os benefícios da Justiça Gratuita.
i) protesta pela produção de todos os meios de prova em
direito admitidos, em especial a oitiva de testemunhas, a produção de prova pericial, além da
juntada de novos documentos.
j) requer-se, desde logo, seja a interessada NIUSE
APARECIDA FERREIRA CAPOTE submetida a perícia médica, a ser executada por
profissionais que poderão ser indicados pelos réus, para que se elabore minucioso laudo
informando a efetiva necessidade do medicamento SPRYCELL;
l) Dá-se à causa o valor de R$18.904,95, para fins de
alçada.
Termos em que,
Com os inclusos documentos,
Pede e Espera Deferimento.
Tibagi, 4 de setembro de 2008.
Osvaldo Luiz Simioni
Promotor de Justiça
Ação civil pública – fls. 15
Download