Entrevista com Fernando Costa Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista. São Paulo, Makron Books, 1999. Instituto de Economia: Por que você escreveu este livro? Fernando Costa: Sou professor dessa matéria há mais de 10 anos, no Instituto de Economia da Unicamp, tanto na graduação, quanto na pós-graduação. Praticamente, fui autodidata em matéria de teoria monetária. Por minha formação básica, os livros-didáticos, sejam os brasileiros, sejam os estrangeiros, não me satisfaziam. Optei então por começar lendo, em Marx e em Schumpeter, sobre as diversas teorias monetárias desde os primórdios da economia política. Hoje, acho que foi uma sorte ter começado a estudar teoria monetária pela história da análise monetária. Daí foi um passo trilhar o caminho natural da heterodoxia em matéria de teoria monetária. Permitiu-me reconstruí-lo, organizando o núcleo central de uma Teoria Alternativa da Moeda, isto é, uma opção à Teoria Quantitativa da Moeda. Defendi-o, como tese de livre-docência, perante uma banca julgadora composta de professores titulares da USP, da FGV-SP, da FGV-RJ, do IE-UFRJ e da UNICAMP. O livro-texto que estou publicando é derivado dessa tese, porém, com maior abrangência e apuro didático. Em termos pessoais, respondendo diretamente tua pergunta, diria que este livro representa, para mim, a concretização de um sonho – real –, de uma alternativa – viável – e de uma utopia – necessária. IE: Em que sentido o senhor diz que é uma utopia? FC: Antes de escrevê-lo e publicá-lo achava que era um projeto irrealizável, uma fantasia. Mas utopia pode ser vista também como uma crítica à realidade, no caso, aos livros disponíveis para o ensino de economia monetária, que apresentam somente a teoria quantitativa. Eu ressentia, assim como meus colegas professores de outras Universidades, da indisponibilidade de um livro-texto com abordagem pluralista, útil para a formação de estudantes e reciclagem de profissionais, dentro da nossa realidade institucional, em que fossem apresentados os principais temas da teoria monetária, de acordo com a ortodoxia e a heterodoxia. Senão, o estudante é formado dentro do monismo. O monismo prega que toda a realidade monetário-financeira pode ser reduzida a um único modelo explicativo - no caso, o construído a partir da tradicional Teoria Quantitativa da Moeda. O pluralismo constitui uma doutrina cujos defensores combatem a segregação de qualquer espécie, o sectarismo, as práticas discriminatórias em geral. Em suma, pluralismo é sinônimo de liberdade de expressão, direito de discordar da opinião dominante, respeito à divergência, ou seja, é uma doutrina que é avessa ao dogmatismo dos modelos únicos. IE: A quem se destina este livro? Somente a estudantes da graduação de Economia? FC: Este livro se destina aos cursos de graduação, pós-graduação e extensão universitária que abordam Economia Monetária e Financeira. Apresenta um texto próprio para instruir não só iniciantes no estudo dessa disciplina, mas também destinado a complementar, atualizar e/ou reciclar a formação de profissionais que atuam, no mercado financeiro, com negócios monetários envolvendo tempo, incerteza, opções e informações. Busca tornar o ensino dessa matéria eficiente, com os debates da fronteira teórica sendo explicados em uma linguagem acessível. Mas minha ambição é que ele também alcance um público mais amplo. Todo leitor que se interessar sobre temas práticos como inflação, desemprego, mercado financeiro, bancos, a crise financeira atual... pode encontrar um apoio analítico nele. 1 IE: O que o livro tem a dizer sobre a atual conjuntura econômica? FC: Evidentemente, ele possui uma permanência maior do que as conjunturas econômicas, que se alteram continuamente. Acho que ele oferece o conhecimento dos fundamentos teóricos, das informações institucionais e da operacionalidade da política monetária, que dota seu leitor de capacidade analítica de conjunturas mutantes. O livro examina o funcionamento das instituições financeiras contemporâneas, oferecendo inclusive um conhecimento básico sobre o funcionamento das operações no mercado de futuros e derivativos. Discute o fenômeno da desintermediação bancária, para revelar as formas alternativas de financiamento via securitização, factoring, leasing, ou lançamento de ações, debêntures, eurobônus. São vistas as instituições financeiras do atual sistema financeiro habitacional, o BNDES, e os investidores institucionais – fundos de pensão, seguradoras, fundos mútuos de investimento. No capítulo sobre bancos no Brasil, mostra-se não só os principais eventos de sua evolução histórica, desde 1964, mas também suas estratégias atuais, a crise bancária contemporânea e a onda desnacionalizadora de fusões e aquisições. IE: Possui uma perspectiva brasileira? FC: A maioria dos manuais, adotados nos cursos de graduação universitária, é constituída de traduções de livros-textos estrangeiros, geralmente, norteamericanos. Assim, nossos futuros economistas - profissionais que atuarão no sistema financeiro nacional - são formados conhecendo até a estrutura formal do Federal Reserve System, mas desconhecendo as especificidades da legislação e do funcionamento das instituições financeiras no Brasil. Por isso, acho saudável seu nacionalismo, quando se refere às instituições e à política monetária. No caso das teorias puras, não, elas têm de ser generalizáveis, para tempos e lugares diversos. IE: Só na teoria possui uma dimensão global? FC: Em uma época de globalização financeira, o estudo de economia monetária e financeira não pode deixar de lado o contexto internacional. Assim, o livro explica a seqüência boom-crash, que reiteradamente ocorre em uma economia de mercado de capitais aberta. Levanta o problema do risco sistêmico e do efeito contágio, como observamos recentemente. Face aos fenômenos de bolha e ataque especulativo, apresenta uma hipótese alternativa, para explicar o detonar do crash: a defesa especulativa. Discute tanto a inflação quanto a deflação de ativos. IE: Poderia explicar mais essa sua atualidade? FC: A deflação, não a inflação, é a grande ameaça atual. Com uma possível paralisação dos negócios - se a expectativa é que os preços caiam, os agentes econômicos adiam os gastos -, agrava-se o problema do desemprego. Portanto, o crescimento econômico deve ser a prioridade da política econômica. A inspiração dessa política macroeconômica não está na doutrina monetarista ou neoliberal, mas na ênfase keynesiana na necessidade de, em situação de deflação ou de armadilha de liquidez – tal como ocorre no Japão –, o Estado executar decisão autônoma de gastos. Assiste-se, então, em todo o mundo, uma volta a Keynes. A chamada onda rosa - vitórias eleitorais da centro-esquerda - desloca do poder a direita dogmática, substituindo-a pela esquerda pragmática. Ela se aconselha com economistas keynesianos, que preferem o ativismo à inércia dos monetaristas. Uma abordagem pragmática da política econômica sugere a execução de ajustes finos, o que não condiz com a doutrina monetarista. Esta só prega persistência na regra de controle monetário, o que mantém a estagnação. 2 IE: Como publicar um livro sobre economia monetária sem sequer uma moeda na capa? FC: Um livro sobre moeda que não possui uma capa em umismática é raro. Mas uma fila de cidadãos à porta do que parece ser um austero prédio de banco colocanos a dúvida: será uma corrida bancária? Uma fila em busca de emprego? O crédito da foto de 1932, tirada em Nova York, esclarece: trata-se de desempregados em fila, para receber comida. A abordagem monetária pluralista não se restringe aos temas do lado financeiro, abandonando o lado real. Tal como no realismo cru da foto da capa, desemprego e fome não são assuntos alheios ao conhecimento necessário em uma real economia monetária. IE: Por que no início de cada capítulo e mesmo ao longo do texto conta piadas sobre economistas? FC: Contra a aridez característica de muitos textos acadêmicos sisudos, parto do pensamento que só nos divertindo, aprendemos. Conto piadas sobre economistas e economia porque seriedade não deve ser confundida com mau humor. O problema é que, agora, não posso repeti-las, em sala-de-aula... Fonte INSTITUTO DE ECONOMIA. Entrevista com Fernando Costa. Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/artigos/artigo54.htm>. Acesso em: 04 jan. 2006. 3