5. A Moeda e a Inflaçäo 5.1. A Inflação 5.2. A Evidência Empírica 5.3. Os Déficits Governamentais e a Inflação 5.4. O Imposto Inflacionário e a Seigniorage 5.5. A Hiperinflaçäo 5. A Moeda e a Inflação Neste texto focalizaremos o efeito do crescimento monetário sobre a inflaçäo e as taxas de juros. Consideraremos quatro tópicos. Primeiro, examinaremos a proposta monetarista de que a inflaçäo é um fenômeno monetário, o que significa que a inflaçäo é inteiramente ou, no mínimo primordialmente, devida ao crescimento monetário excessivo. Segundo, estudaremos as ligaçöes entre as taxas de juros, a inflaçäo e o crescimento monetário. A questäo é se o crescimento monetário maior aumenta ou diminui as taxas de juros. Terceiro, veremos as ligaçöes entre os déficits orçamentários e o crescimento monetário, perguntando se ou sob quais circunstâncias os déficits orçamentários geram crescimento monetário. Finalmente, descreveremos as hiperinflaçöes e o papel do crescimento monetário nelas. (Dornbusch) 5.1. A Inflação A inflação é definida como a alteração percentual do nível de preços. Portanto, (…), precisamos identificar adequadamente o nível de preços. No modelo que desenvolvemos até agora, o nível de preços P é usado no único produto da economia. (…) Na prática, a inflação normalmente é medida pela variação do índice de preços ao consumidor (IPC), que é o preço médio da cesta de bens e serviços consumidos por uma família representativa. (Sachs & Larrain, p.365) Nosso objetivo é apresentar a visäo monetarista de que a inflaçäo é, sempre e em qualquer lugar, um fenômeno monetário. Para uma compreensäo firme, duas distinçöes devem ser mantidas em mente: a primeira é entre o curto e o longo prazo; a segunda é a distinçäo entre os distúrbios monetários e outros distúrbios (fiscais, por exemplo, ou choques do petróleo) relativos à economia. Os monetaristas tendem a se concentrar no longo prazo e nas economias onde as variaçöes no crescimento monetário säo distúrbios primários. No curto prazo outros distúrbios, além das variaçöes no estoque monetário, afetam a inflaçäo e, por outro lado, variaçöes no estoque monetário têm efeitos reais. Um ponto chave na distinçäo entre o curto prazo e o longo prazo e na determinaçäo da dinâmica da inflaçäo é o papel das expectativas. O crescimento monetário maior terá efeitos reais enquanto as expectativas inflacionárias näo tenham sido totalmente adaptadas. Milton Friedman colocou seu ponto de vista como se segue: "A análise monetarista vem para dizer que quaisquer variaçöes na quantidade nominal de moeda que sejam antecipadas seräo totalmente incorporadas nas expectativas inflacionárias e em outras, mas que as variaçöes näo-antecipadas na quantidade de moeda näo seräo. Um aumento ou decréscimo näo-antecipado na quantidade de moeda tende a afetar o gasto nominal total de 6 a 9 meses depois, em países como os Estados Unidos, o Japäo e a Grä-Bretanha. O efeito inicial é primordialmente sobre a produçäo, em vez de sobre os preços. Os preços tendem a ser afetados somente 18 meses ou dois anos mais tarde. (Friedman, "Monetarism in Rhetoric and Practice", Bank of Japan, Monetary and Economic Studies, 1983). Existem quatro características do processo de ajustamento e do novo equilíbrio de longo prazo que säo importantes para se manter em mente: Um aumento sustentado na taxa de crescimento da moeda irá, no longo prazo, quando todos os ajustamentos tiverem ocorrido, levar a um igual aumento na taxa de inflaçäo. Se o crescimento monetário aumentar 5%, entäo, também assim aumentará, em última instância, a taxa de inflaçäo. Uma variaçäo sustentada no crescimento monetário näo terá efeitos de longo prazo sobre o nível da produçäo. (…) No curto prazo, durante o processo de ajustamento, o crescimento monetário maior afetará a taxa de juros real, a demanda agregada e a produçäo. Especificamente, nos estágios iniciais haverá uma expansäo na produçäo enquanto a inflaçäo aumentará. No curto prazo, o crescimento monetário maior reduzirá a taxa de juros real. Porém, no longo prazo, a taxa de juros real retornará ao seu nível inicial. (Dornbusch) Desde o começo, precisamos distinguir o aumento de preços de uma vez só do aumento persistente de preços. O primeiro é conseqüência de determinados choques, tal como aumento do preço internacional do petróleo, e o segundo, geralmente, é conseqüência de algum problema econômico crônico, como, por exemplo, um déficit orçamentário grave e persistente. Também precisamos diferenciar a inflação de acordo com a sua severidade. Em certas nações, como a Alemanha e a Suiça, a inflação tem estado abaixo dos 10% a décadas. Em outras, os aumentos de preços ultrapassam os 20% anuais há muitos anos. Num terceiro grupo de nações, entre as quais estão Argentina, Brasil e Peru, a inflação ultrapassou os 100% ao ano na maior parte da década de 1980. (Sachs & Larrain, p.366) Estabeleceremos alguns resultados básicos neste texto. O mais importante é que realmente a inflaçäo alta é, sem dúvida, primordialmente um fenômeno monetário, no sentido de que a inflaçäo näo poderia continuar sem que houvesse crescimento monetário. Porém, normalmente, em condiçöes de inflaçäo alta, existem também grandes déficits orçamentários, que determinam o rápido crescimento monetário. Entretanto, quando as taxas de inflaçäo säo mais baixas, na média de um único dígito ou dois dígitos baixos, os distúrbios reais, como choques de oferta, podem muito bem estar desempenhando um papel relativamente maior e o papel da moeda torna-se menos dominante. (Dornbusch) Em certos casos extremos, a inflação atingiu mais de 50% ao mês (uma taxa anual de cerca de 13.000% ao ano) e, neste caso, é denominada hiperinflação. Entre os casos recentes de hiperinflação, temos o da Bolívia, entre 1984-1985, e o do Peru, Argentina, Brasil, Nicarágua, Polônia e Iugoslávia, em 1989. (…) Na América Latina, podemos atribuir a alta inflação aos grandes e persistentes déficits orçamentários monetizados pelo banco central - ou seja, são pagos com a emissão de moeda. (Sachs & Larrain, p.367) 5.2. A Evidência Empírica Focalizaremos agora a evidência sobre as ligaçöes entre o crescimento monetário e a inflaçäo e entre o crescimento monetário e as taxas de juros. A Ligaçäo Moeda-Inflaçäo Para começar notamos a afirmaçäo sempre feita de que a inflaçäo é um fenômeno monetário. O argumento de que a inflaçäo é um fenômeno monetário significa que altas taxas sustentadas de crescimento monetário produzem altas taxas de inflaçäo. Além disso, a afirmaçäo de que a inflaçäo é um fenômeno monetário significa que altas taxas de inflaçäo näo podem continuar por muito tempo sem altas taxas de crescimento monetário. Esta é uma implicaçäo da teoria quantitativa da moeda e é a base da macroeconomia monetarista. A teoria quantitativa relaciona o nível de renda nominal, PY, o estoque monetário, M, e a velocidade da moeda, V: MV = PY e pode ser escrita em termos da variaçäo percentual ao longo do tempo de cada uma das quatro variáveis: m+v=+y central: =m-y+v ou, passando a inflaçäo para a esquerda, obtemos o resultado onde: = taxa de inflaçäo m = crescimento monetário y = taxa de crescimento da produçäo v = variaçäo percentual na velocidade Esta equaçäo acima pode ser usada para calcular as fontes de inflaçäo, isto é, a parte devida às variaçöes na velocidade, ao crescimento monetário ou ao crescimento da produçäo. A posiçäo monetarista defende que a inflaçäo é predominantemente um fenômeno monetário, o que implica que as variaçöes da velocidade näo säo significantes. A taxa de inflaçäo e a taxa de crescimento da moeda têm mais ou menos se movido juntas desde 1960, nos Estados Unidos. Porém, a relaçäo é muito instável, especialmente na primeira parte da década de 70. A equaçäo anterior sugere que a relaçäo näo precisa ser exata, porque tanto o crescimento da produçäo como as variaçöes da velocidade aparecem como fatores adicionais. Especificamente, se a velocidade estiver aumentando, outras coisas permanecendo iguais, a inflaçäo será mais alta do que o crescimento monetário, e, se a produçäo estiver crescendo, a inflaçäo será menor do que o crescimento monetário. A tabela que se segue também explora a ligaçäo entre o crescimento monetário e a inflaçäo nos EUA, bem como considera o crescimento na produçäo. Ao mesmo tempo, deslocamos para um horizonte de tempo mais longo (uma década), nominalmente, as respectivas taxas médias anuais. A Moeda, a Inflaçäo e o Crescimento (porcentagem anual) ------------------------------------------------------------------------------------------------período M1 M2 Inflaçäo Crescimento do PNB -----------------------------------------------------------------------------------------------1960-69 3.8 7.1 2.7 4.0 1970-79 6.5 9.8 7.1 2.8 1980-89 8.4 8.0 5.0 2.6 1960-89 6.1 8.2 4.9 3.2 -------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Dornbush, 5o.ed.,cap.17.,pg.750 Aqui a relaçäo fica muito mais restrita quando olhamos o M2. Em capítulo anterior vimos que a demanda por ativos monetários reais (M2) tem uma elasticidade-renda de cerca de 1. Portanto, a relaçäo de longo prazo entre o crescimento monetário e a inflaçäo deve ser de aproximadamente 1:1, exceto para variaçöes na velocidade näo-relacionadas ao crescimento da renda. Nota-se que a relaçäo se sustenta firmemente. Por exemplo, na década de 60, o crescimento monetário menos o crescimento real foi de 3,1% e a inflaçäo real ficou na média de 2.7%, näo muito longe da esperada. Da mesma forma, na década de 70, a equaçäo considerada previa 7%, enquanto a inflaçäo observada foi de 7.1%. E a mesma previsäo quase exata mais uma vez aconteceu na década de 80, com uma taxa de inflaçäo prevista de 5.2% versus uma taxa real de 5%. Nota-se que a relaçäo entre o crescimento monetário, ajustada ao crescimento na demanda monetária real por causa do crescimento da renda, e a taxa de inflaçäo se mantém bem para o M2, mas näo se mantém da mesma forma para o M1. Para obter uma relaçäo estável entre o crescimento monetário e a inflaçäo precisamos de uma demanda real por moeda estável. Este parece ser o caso para M2, no mínimo no decorrer da década de 80. Flutuaçöes na Velocidade Agora podemos voltar a perguntar por que ano a ano a relaçäo é täo pobre, enquanto a relaçäo média de 10 anos entre inflaçäo-moeda opera muito melhor? Uma razäo, é claro, é a que ajustou-se a relaçäo com a consideraçäo do crescimento da produçäo, conforme mostra a tabela anterior. Mas a razäo mais importante säo as flutuaçöes na velocidade. A figura abaixo mostra a variaçäo percentual, ano a ano, na velocidade de M2 - o termo v na equaçäo considerada. Fica claro que há muito movimento e que, como resultado, näo pode haver uma ligaçäo plausivelmente estreita entre a moeda e a inflaçäo no curto prazo. % 5 4 3 2 1 0 -1 -2 -3 -4 -5 -6 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80 82 84 86 88 ano No curto prazo, como mostra a figura acima, a velocidade movimenta-se muito. No curto prazo, as variaçöes na produçäo e nas taxas de juros afetam a velocidade de M2. O papel do crescimento monetário na determinaçäo da inflaçäo é bem resumido em uma passagem de 1986 do "Economic Report of the President": Existe uma ligaçäo casual bem estabelecida entre o crescimento monetário e a inflaçäo no longo prazo, que tem sido apoiada pela evidência empírica para os Estados Unidos, assim como para muitos outros países. A natureza exata desta relaçäo varia com o tempo e as instituiçöes, mas a relaçäo de longo prazo entre o crescimento monetário apropriadamente definido e a inflaçäo é difícil de refutar. Existem inúmeras razöes que explicam porque a taxa de inflaçäo näo pode acompanhar o crescimento monetário logo no curto prazo. O impacto de curto prazo de uma variaçäo no crescimento monetário pode diferir, dependendo do estado das expectativas de inflaçäo. Se, por exemplo, um aumento no crescimento monetário ocorre quando as taxas de inflaçäo correntes já estäo altas ou quando açöes monetárias ou fiscais já säo percebidas como inflacionárias, é provável que o aumento no crescimento monetário se reflita mais rapidamente na taxa de inflaçäo. O efeito imediato de uma dada variaçäo no crescimento monetário depende também de se ela é percebida como um movimento permanente em direçäo a uma política inflacionária que se traduzirá provavelmente mais imediatamente em uma taxa de inflaçäo mais alta. Outras possíveis causas de inflaçäo no curto prazo provém de deslocamentos nas curvas de oferta ou de demanda agregada, que causaräo variaçöes tanto na produçäo como na inflaçäo. Na década de 70, a causa principal da inflaçäo foram os choques de oferta, especificamente os aumentos do preço do petróleo, que deslocaram a curva de oferta agregada para cima, causando inflaçäo mais rápida e recessöes. Na década de 80, o declínio do preço do petróleo e das mercadorias e o fortalecimento do dólar ajudaram a trazer a inflaçäo para baixo. Uma advertência é necessária: Näo há nenhuma regra econômica que diga que a velocidade no longo prazo tenda a ser constante. De fato, se a elasticidade-renda da demanda real por moeda näo é = 1, a velocidade variará por esta única razäo. Com uma elasticidade-renda de, por exemplo, 0.5, a velocidade estaria aumentando com a renda real. O outro fator crítico é a inovaçäo financeira. Se a inovaçäo introduz substitutos para um agregado monetário específico, cuja velocidade estudamos, esperamos uma queda na demanda real por moeda e, portanto, um aumento na velocidade. Por outro lado, se traços dos agregados (pagamentos de juros, liquidez) tornarem-se mais atrativos, esperamos uma queda na velocidade. No decorrer e longos períodos de tempo uma velocidade constante é, portanto, algo surpreendente. Tendências Históricas e Estrangeiras A tabela abaixo mostra as taxas de crescimento para longos períodos para inúmeros países industrializados. Enquanto é claramente verdadeiro que os países com crescimento monetário mais alto (ajustado ao crescimento da renda real) também têm inflaçäo mais alta, mais uma vez a relaçäo näo é 1:1. Entre as razöes para os escapes da relaçäo 1:1 está, mais uma vez, o efeito da desregulamentaçäo financeira sobre a velocidade, variaçöes nas taxas de juros que afetam a velocidade e as elasticidadesrenda da demanda por moeda que säo diferentes do que a unidade. A Moeda e a Inflaçäo na Perspectiva Internacional, 1973-1987 (porcentagem anual) ------------------------------------------------------------------------------------------------------------País Crescimento Monetário(*) Crescimento da Produçäo Inflaçäo ------------------------------------------------------------------------------------------------------------Canadá 11.0 2.6 5.0 EUA 9.9 2.5 6.7 Japäo 10.5 3.7 5.3 Alemanha 6.7 1.9 2.7 França 9.1 1.7 8.1 Itália 16.9 3.6 15.3 Reino Unido 13.4 1.6 13.6 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------(*) M1 + quase-moeda/Fonte: Dornbusch A tabela anterior confirma que, outras coisas permanecendo iguais, o crescimento monetário mais alto implica taxas de inflaçäo mais altas. Mas, por trás deste prognóstico, a relaçäo é quase solta. Para o Canadá (como nos Estados Unidos) o crescimento monetário muito alto na década näo levou à alta inflaçäo porque a desregulamentaçäo financeira ajudou a aumentar a demanda real por moeda. Por outro lado, em alguns países, como o Reino Unido e a França, a inflaçäo excedeu o prognóstico da equaçäo considerada. Em outros, notavelmente o Canadá, Estados Unidos e o Japäo, a inflaçäo caiu abaixo daquilo que a equaçäo do crescimento monetário ajustado ao crescimento da produçäo havia previsto. A Inflaçäo é um Fenômeno Monetário? A resposta à questäo se a inflaçäo é um fenômeno monetário, no longo prazo, é sim. Nenhuma inflaçäo significativa pode ocorrer sem um rápido crescimento monetário. Além disso, qualquer política que determinadamente mantenha a taxa de crescimento da moeda baixa levará eventualmente a uma taxa de inflaçäo baixa. Porém, ao mesmo tempo, a ligaçäo de longo prazo entre o crescimento monetário e a inflaçäo näo é precisa. Existem três razöes para isto. Aumentos na produçäo aumentam a demanda por encaixes reais e reduzem a taxa de inflaçäo correspondente a uma dada taxa de crescimento monetário. Variaçöes nas taxas de juros modificam o custo alternativo de se deter moeda e, portanto, afetam a proporçäo desejada de moeda relativa à renda. As instituiçöes financeiras mudam, a definiçäo de moeda se modifica e a demanda por moeda pode se deslocar ao longo do tempo. As duas primeiras razöes explicam a instabilidade de curto prazo da relaçäo moedainflaçäo. O terceiro fator, a inovaçäo financeira, se tornou muito importante na década de 80 na maior parte dos países industrializados. O pagamento de juros competitivos sobre um grande número de itens do M2 aumentou a demanda pelo M2 e reduziu a inflaçäo em período de transiçäo associada com um dado crescimento monetário. A Inflaçäo e as Taxas de Juros A equaçäo de Fisher defende uma ligaçäo positiva entre as taxas de juros nominais e a inflaçäo. Com a taxa de juros real aproximadamente constante no longo prazo, e com as expectativas a inflaçäo se ajustando à inflaçäo real, a taxa de juros nominal ajusta-se à taxa de inflaçäo prevalecente. A Equação de Fisher Notamos em vários pontos deste curso a relaçäo entre a taxa de juros nominal, as taxas de juros reais e a taxa esperada de inflaçäo. A taxa real (esperada) de juros é a taxa nominal, menos a taxa esperada de inflaçäo: re = i - e (equaçäo de Fisher) onde: re = taxa real (esperada) de juros i = taxa de juros nominal e = taxa esperada de inflaçäo A equação acima é a equação de Fischer, assim denominada depois que Irving Fischer (1867-1947), o mais famoso economista americano do primeiro terço deste século, chamou a atenção para a ligação inflação-taxa de juros (também foi um dos que desenvolveram de maneira efetiva e sofisticada a teoria quantitativa da moeda). No longo prazo, quando todos os ajustamentos já ocorreram, um aumento na inflaçäo se reflete totalmente na taxa de juros nominal. As taxas de juros nominais aumentam uma a uma com o aumento da inflaçäo. A razäo para termos uma relaçäo täo forte entre inflaçäo e taxa de juros nominal é que, no longo prazo, a taxa de juros real näo é afetada por distúrbios puramente monetários. (…) O meio pelo qual as expectativas da inflaçäo se formam vai influenciar a trajetória do ajustamento da taxa de juros, real e nominal, a uma variaçäo no crescimento monetário, apesar da implicaçäo de longo prazo da equaçäo de Fisher. Dependendo das expectativas, existem diferentes trajetórias para as taxas de juros. A taxa nominal pode começar sem aumentar e pode primeiro declinar e entäo mais tarde aumentar. (Dornbusch) A taxa de juros real ocorrida, entäo, é a diferença entre a taxa de juros nominal e a taxa de inflaçäo real, ou (…): r = i - A tabela abaixo mostra a evidência internacional sobre a ligaçäo taxa de juros-inflaçäo. A tabela transmite claramente a noçäo de uma relaçäo positiva entre a taxa de juros nominal e a inflaçäo. A ligaçäo fica especialmente clara para países como México, Argentina e Brasil, os quais tem apresentado taxas de inflaçäo excepcionalmente altas e taxas de juros extremamente altas. Se este näo fosse o caso, as taxas de juros seriam espetacularmente baixas. As taxas de juros e a inflaçäo, 1988 --------------------------------------------------------------------------------------------País Taxas de Juros(% a.a.) Taxa de Inflaçäo(% a.a.) --------------------------------------------------------------------------------------------Austrália 11.9 7.7 Canadá 9.4 4.0 França 7.5 3.1 Alemanha 4.0 1.6 México 66.3 51.7 Itália 11.3 4.8 Suíça 2.2 2.0 Reino Unido 10.3 6.8 EUA 7.6 4.4 ---------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Dornbusch, 5o.Ed.,cap.17 Mas a evidência realmente näo apóia a equaçäo muito restrita de Fisher. As variaçöes ano a ano na inflaçäo näo se refletem 1:1 nas taxas de juros nominais. A taxa de juros real move-se e, portanto, a equaçäo de Fisher é primordialmente um guia para as taxas de juros, quando distúrbios inflacionários säo grandes em relaçäo a outros fatores que determinam as taxas de juros. (Dornbusch) 5.4. Os Déficits Governamentais e a Inflação Vamos supor que o setor público gaste mais do que arrecada. (…) O déficit pode ser saldado de três formas: tomando empréstimos no setor privado, reduzindo as reservas estrangeiras ou emitindo moeda. Se um governo está com uma dívida pesada por ter tomado grandes empréstimos, terá dificuldade para conseguir novos, internos ou externos, pois não haverá certeza de que terá condições para servir a dívida. Em geral, esse tipo de governo terá acabado com o estoque de reservas em moeda estrangeira depois de um período prolongado de grandes déficits orçamentários. Por essas razões, com o passar do tempo, um governo com déficits orçamentários crônicos provavelmente acaba sendo obrigado a emitir dinheiro. (Sachs & Larrain, p.368) Déficits Orçamentários com Taxas Cambiais Fixas Vamos considerar uma economia com déficit orçamentário, em que as taxas de câmbio são fixas, em que o governo não tem acesso a empréstimos diretos da população nem do exterior e em que também exauriu suas reservas em moeda estrangeira. Portanto, a única alternativa restante é tomar um empréstimo do banco central. Para colocar tudo isto num esquema formal, vamos começar com a restrição orçamentária consolidada do governo. (DgP - DgP-1) + (Mh - Mh-1) - E(B*C - B*C-1) = P(G + Ig - T) + iDgP-1 - E(i*B*C-1) (1) onde “*”, como sempre, representa uma variável estrangeira, e (B* C) é o estoque de ativos líquidos estrangeiros em poder do banco central. O lado direito da equação é o déficit fiscal: o valor do gasto governamental (gastos correntes, investimentos e pagamentos de juros sobre a dívida interna) que excede a rxeceita governamental (impostos mais recebimentos de juros sobre reservas em moeda estrangeira). Se o governo não consegue tomar empréstimos, então (DgP - DgP-1) = 0. Para simplificar, vamos dizer que a base monetária (Mh) é igual à oferta monetária (M). Finalmente, vamos definir DEF como o déficit orçamentário nominal, deflacionado pelo nível de preços: DEF = (G + Ig - T) + (iDgP-1 - Ei*B*C-1) / P Nestas condições, a equação (1) passa a ser: (M - M-1) - E(B*C - B*C-1) = P(DEF) (2) Com taxas de câmbio fixas, o estoque de moeda é determinado unicamente pela demanda por moeda, (…). Lembre-se que, neste tipo de regime cambial, a quantidade de moeda de equilíbrio é determinada, a partir da equação MV(i*) = EP*Y, como: M = EP*Y / V(i*) Da mesma forma, M-1 = E-1P*-1Y-1 / V(i*-1) Mas, se a taxa cambial é fixa, então E = E-1; com pleno emprego (e sem crescimento), Y = Y-1; e como as variáveis mundiais são dadas e constantes na nossa análise, P* = P*-1 e i* = i*-1. Com todas essas hipóteses, M será simplesmente igual a M-1. Usando este resultado em (2), obtemos: - E(B*C - B*C-1) = P(DEF) Essa equação nos diz algo fundamental: se a demanda por moeda for constante, e se o governo só puder tomar empréstimos no exterior ou do banco central, a bem da verdade todo o empréstimo será externo, mesmo que o governo tente tomar um empréstimo do banco central! Qualquer tentativa de tomar um empréstimo do banco central simplesmente gera um aumento da base monetária, o que, por sua vez, resulta em perda de reservas e posterior inversão do aumento da oferta monetária. Portanto, um ministro das finanças que decida cobrir um déficit tomando empréstimo no banco central estará financiando indiretamente o déficit por meio de redução nas reservas internacionais. (…) O que isto nos ensina sobre a inflação? Enquanto as reservas estrangeiras estiverem disponíveis, a nação poderá evitar a inflação. A taxa de câmbio permanece fixa no nível escolhido e o nível de preços externos é dado. Com a paridade do poder de compra, os preços internos também permanecem estáveis. Contudo, se o déficit fiscal persistir, o governo vai acabar ficando sem reservas. Neste ponto, quando so residentes tentarem trocar a moeda nacional por moeda estrangeira, o governo não vai poder continuar a intervir no mercado. O banco central não terá outra opção além de permitir a depreciação da taxa cambial, ou pela desvalorização da moeda local ou permitindo que a moeda nacional flutue. O colapso de um sistema de taxa ancorada, quando o banco central está sem reservas, é chamado crise do balanço de pagamentos. (Sachs & Larrain, p.370) Déficits Orçamentários com Taxas de Câmbio Flutuantes Vamos continuar juntos com o infeliz ministro que está administrando constantes déficits fiscais depois do banco central ficar sem reservas. Mas, desta vez, o sistema de câmbio muda de fixo para flutuante. Nessas circunstâncias, o governo não pode tomar empréstimos e não tem mais reservas estrangeiras e, portanto, a única forma de financiar o déficit é a criação de dinheiro. Com (B*C - B*C-1) = 0, a equação (2) passa a ser: (M - M-1) / P = DEF (3) O valor real do déficit agora é igual ao valor real da alteração da oferta monetária. Essa variação da oferta monetária vai causar inflação. Manipulando a equação (3), podemos traçar uma relação entre o déficit orçamentário e a taxa de inflação. Primeiro, reescrevemos a equação (3) como: DEF = {(M - M-1) / M} (M / P) (4) Depois, (…), pegamos o fato de que M = (PY/V). Se supusermos que o DEF seja constante de período para período e que Y também seja constante, essas hipóteses garantem que a velocidade (V) também será constante. Portanto, M -1 = (P-1Y/V). Substituindo M e M-1 no primeiro termo do lado direito da equação (4) e cancelando os termos comuns, obtemos: DEF = {(P - P-1) / P} (M / P)} (5) Multiplicando o lado direito por P-1 /P-1, teremos: DEF = {(P - P-1) / P-1)} (P-1/P) (M/P) (6) Finalmente, podemos usar a definição da inflação = (P - P-1)/P-1, e o fato de que P/P-1 = 1 + , para reescrever (6) na forma pela qual queremos usá-la aqui: DEF = { / (1 + )} (M/P) (7) A expressão (7) tem implicações importantíssimas. Num sistema de taxas flutuantes, o déficit causa inflação e há um elo definido entre o tamanho do déficit e a taxa de inflação, ou seja, cada déficit leva a uma certa taxa de inflação. (Sachs & Larrain, p.373) O Imposto Inflacionário e a Receita Fiscal Inflacionária Uma forma de descrever (7) é dizer que o déficit orçamentário está sendo financiado por meio de um imposto inflacionário sobre os saldos monetários reais. A taxa de impostos é / (1 + ), onde é a taxa de inflação. A base de impostos é o nível de saldos monetários reais, M/P. O produto da alíquota de impostos pela base de impostos é a receita tributária total (ou receita fiscal inflacionária), usada para financiar o déficit orçamentário. Por que caracterizamos a parte direita da equação (7) como “imposto inflacionário”? Como o governo obtém receita desse imposto? Em essência, o governo está pagando suas despesas emitindo dinheiro. Os bens e serviços reais que o governo compra com o dinheiro emitido em cada período é a receita do “imposto” recolhido em decorrência da política inflacionária. O aumento da oferta monetária no período está gerando inflação. Ou seja, a emissão de dinheiro é a forma pela qual o governo está recolhendo o imposto inflacionário. Vamos pensar, agora, num exemplo numérico para a equação DEF = { / (1 + )} (M/P), em que as magnitudes serão expressas como proporção do PIB. (Para isso, simplesmente dividimos os dois lados da equação pelo PIB). Vamos supor que uma nação cujo estoque monetário é 30% do PIB está com déficit fiscal de 5% do PIB. Qual a inflação que seria necessária para financiar este déficit? A resposta é 20%, como se pode constatar fazendo os cálculos na equação anterior. (Sachs & Larrain, p.373) 0.5 = / (1 + ) 0.3 0.05 = 0.25 0.05 + 0.05 = 0.3 = 0.05/0.25 0.05 = 0.3 - 0.05 = 0.2 = 20% Note que, com o mesmo déficit, mas com um estoque monetário de apenas 15% do PIB, a taxa de inflação necessária é de 50%. O que aconteceu? A base do imposto inflacionário caiu, o que significa que o recolhimento da mesma receita (os 5% necessários para financiar o déficit) agora exige uma taxa maior de impostos. (Sachs & Larrain, p.373) -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------O financiamento dos gastos do governo através da criaçäo de base monetária é uma alternativa para a taxaçäo explícita. Os governos podem - e alguns o fazem - obter volumes significantes de recursos, ano após ano, pela emissäo de moeda, isto é, aumentando a base monetária. Esta moeda é absorvida pela populaçäo. Mas por que a populaçäo aumentaria sua detençäo de ativos monetários nominais período após período? A única razäo seria a de compensar os efeitos da inflaçäo, para manter constante o poder de compra de seus encaixes monetários. Quando o governo financia seu déficit pela emissäo de moeda, que a populaçäo adiciona a sua detençäo de encaixes nominais para manter o valor real do ativos monetários constante, dizemos que o governo está se financiando através do imposto inflacionário. Quanto de receita o governo pode coletar através do imposto inflacionário? O montante de receita produzido é o produto da alíquota do imposto (taxa de inflaçäo) e do objeto de taxaçäo (a base monetária real). Quando a produçäo real é constante, a receita fiscal inflacionária é dada por: Receita fiscal inflacionária = taxa de inflaçäo x base monetária real Quando a taxa de inflaçäo aumenta, o volume de imposto inflacionário recebido pelo governo aumenta. Porém, é claro, quando a taxa de inflaçäo aumenta, as pessoas reduzem suas detençöes reais de moeda, porque a moeda está se tornando cada vez mais cara para se deter. As pessoas detém menos moeda e os bancos detém o mínimo de reservas possível. Eventualmente, a quantidade de moeda real cai tanto que o volume total de retorno do imposto inflacionário recebido pelo governo também cai. Isto significa que existe um volume máximo de receita que o governo pode obter através do imposto inflacionário. (Dornbusch) -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Quanto de receita os governos podem obter na prática pela emissäo de moeda? O montante é relativamente pequeno em economias desenvolvidas, nas quais a base monetária real é pequena, em relaçäo ao tamanho da economia. Por exemplo, nos Estados Unidos a base está levemente acima de 5% do PNB, mesmo com as baixas taxas correntes de inflaçäo. Na taxa de inflaçäo de 10%, o governo, pela equaçäo da receita fiscal inflacionária, estaria coletando cerca de 0.5% do PNB. Este näo é um montante trivial, mas também näo é uma fonte importante de receita governamental. Em países onde o sistema bancário é menos desenvolvido e onde as pessoas, por conseguinte, detém grandes volumes de moeda, o governo obtém mais receita da inflaçäo e provavelmente dá um peso maior aos aspectos da receita da inflaçäo na determinaçäo da política econômica. Têm havido casos nos quais o governo obtém cerca de 10% do PNB em receitas via criaçäo de base monetária. E, em condiçöes de inflaçäo alta, onde o sistema fiscal convencional quebra, a receita fiscal inflacionária pode ser o último recurso do governo para manter o pagamento de suas contas. Mas sempre que o imposto inflacionário for usado em larga escala, a inflaçäo invariavelmente torna-se extrema. (Dornbusch) A inflaçäo e o Imposto Inflacionário, 1983-1988 (percentagem) -----------------------------------------------------------------------------------------------País Média 1983-1988 ------------------------------Imposto/PNL(*) Inflaçäo Imposto Pico do Ano/PNL ------------------------------------------------------------------------------------------------Argentina 3.7 359 5.2 Bolívia 3.5 1.797 7.2 Brasil 3.5 341 4.3 Chile 0.9 21 1.1 Colômbia 1.9 22 2.0 México 2.6 87 3.5 Peru 4.7 382 4.5 -------------------------------------------------------------------------------------------------(*)Imposto Inflacionário Fonte: Dornbusch, 5o.Ed., cap.17. Conclusão Agora temos uma visão especial do processo inflacionário. Nos regimes de câmbio fixo, o governo pode administrar um déficit fiscal sem gerar inflação, mesmo que o financie por meio da compra da dívida governamental pelo banco central. Isto acontece porque, com taxas de câmbio fixas, os agentes se livram do excesso de dinheiro comprando ativos estrangeiros, e o déficit acaba sendo financiado pela perda de reservas do banco central. Com o passar do tempo, as reservas vão acabando, o banco central já não poderá defender a paridade da moeda e não haverá alternativa além de permitir a depreciação da taxa cambial. Daí em diante, os déficits continuados traduzem-se numa taxa cambial flutuante, com uma depreciação persistente da taxa de câmbio. Portanto, o financiamento do déficit vem do imposto inflacionário. (…) Portanto, há uma importante ligação entre déficits orçamentários e a escolha de um sistema cambial. As nações cujos déficits orçamentários são grandes e crônicos têm dificuldade para manter uma taxa cambial fixa, e precisam passar para o regime flutuante; no mínimo, precisam ajustar freqüentemente a paridade. (Sachs & Larrain, p.374) Crise no Balanço de Pagamentos: A Passagem das Taxas Fixas para as Flutuantes Agora, podemos observar melhor o período exato de uma crise do balanço de pagamentos, ou seja, quando o banco central fica sem reservas e é obrigado a abandonar a paridade fixa da taxa cambial. Como antes, o ponto inicial é um déficit fiscal com taxas fixas de câmbio, que lentamente reduz a quantidade de reservas em poder do banco central. Como a quantidade de reservas é finita, é claro que as autoridades não conseguirão fixar a taxa cambial indefinidamente. Além disso, o público pode enxergar o colapso em andamento e tomar atitudes que acabam ajudando a acelerar a redução das reservas estrangeiras, fazendo uma conversão em massa de moeda nacional em moeda estrangeira às vésperas da crise cambial. Vamos analisar o que acontece com a demanda por saldos reais durante a transição, desde inflação baixa sob taxas cambiais fixas até alta inflação com taxas flutuantes. Quando começa a depreciação cambial, a taxa de juros doméstica aumenta. Lembre-se que a movimentação perfeita do capital exige que: (1 + i) = (E+1/E) (1 + i) Portanto, assim que a depreciação está em andamento (de modo que E+1 > E), a taxa doméstica de juros (i) aumenta e isso faz com que a demanda por saldos reais diminua, pois M/P = Y/V(i). Durante a passagem de uma taxa fixa para flutuante, a demanda por saldos reais diminui. Enquanto isso, o público pode compreender o funcionamento da economia a ponto de saber que a taxa cambial está prestes a entrar em colapso. À medida em que a população tenta diminuir a quantidade de moeda nacional em seu poder, a perda de reservas vai-se transformando numa avalancha. De fato, a atitude das familías trocarem moeda por ativos externos, no que é chamado de ataque especulativo contra as reservas do banco central, acaba com as reservas restantes do banco e empurra a economia das taxas fixas para as taxas flutuantes e para uma inflação alta. O processo geral de colapso da taxa de câmbio fixa é chamado crise do balanço de pagamentos. A dinâmica da crise do balanço de pagamentos é mostrada na figura seguinte. Reservas R*0 redução paulatina de reservas R*1 ataque especulativo 0 Taxa Cambial fixa Tempo Taxa Cambial Flutuante Figura - O colapso de um regime de taxa fixa de câmbio. Com taxas fixas de câmbio, o banco central começa no tempo 0 com um nível de reservas B*0. Conforme o tempo vai passando, o déficit fiscal gera uma redução das reservas estrangeiras oficiais. Quando o nível de reservas atinge R1, no tempo 1, um ataque especulativo contra a moeda exaure as reservas (as reservas, na realidade, não precisam chegar a zero; em vez disso, caem para um nível a partir do qual o banco central se recusa a intervir no mercado de câmbio; esse nível ainda pode ser positivo, mas o banco central pode achar que estas “últimas reservas” precisam ser mantidas para proteger a nação em caso de desastre natural, guerra ou outra eventualidade, em vez de serem usadas para defender a taxa cambial). Daí em diante, o banco central já não pode mais intervir no mercado de câmbio e a economia entra no regime de taxas flutuantes. Os Empréstimos Domésticos Podem Ser Usados para Evitar a Inflação? Até aqui, observamos os casos em que o déficit fiscal é financiado pela redução das reservas internacionais ou por meio de uma inflação aberta. Naturalmente, há outras formas de financiar um déficit, pelo menos no curto prazo. O problema do empréstimo doméstico é que, apesar de fornecer recursos hoje, é uma dívida a ser saldada amanhã. O pagamento de juros sobre a dívida governamental aumenta as despesas fiscais e portanto aumenta o déficit no tempo. (…) Em outras palavras, tomar um empréstimo hoje pode adiar a inflação, mas com o risco de uma inflação maior mais tarde. (…) Vamos supor que no começo um governo não tenha dívida e que seu orçamento esteja equilibrado. Aí ele decide reduzir os impostos ou aumentar as despesas, e começa a ter um déficit. Se esse déficit for financiado com dinheiro (num sistema de taxas de câmbio flutuantes) as pessoas vão cobrir o déficit pagando um imposto inflacionário hoje e o governo não vai acumular obrigações para o futuro. Se, em vez disso, o déficit for coberto pela venda da dívida doméstica para o público, o passivo do governo vai aumentar. Se o déficit primário, ou seja, o déficit que exclui o pagamento de juros, permanecer inalterado conforme a dívida doméstica estiver aumentando, o déficit geral vai aumentar por causa da carga crescente de juros sobre a dívida. Se o governo tentar pagar a conta crescente dos juros por meio de mais empréstimos domésticos, a proporção entre dívida e PNB vai aumentar com o correr do tempo. (Sachs & Larrain, p.377) Déficit total = déficit primário + pagamento de juros Num certo momento, os compradores de títulos não vão mais querer manter a dívida pública em suas carteiras, porque duvidam que o governo vai conseguir arcar com qualquer dívida adicional. Neste caso, o governo não tem outra opção a não ser usar o financiamento monetário. Mas agora, os aumentos da oferta monetária em cada período também precisarão cobrir o maior pagamento de juros sobre a dívida interna. (…) No entanto, note que o crescimento futuro da inflação não é conseqüência inevitável dos déficits financiados por títulos públicos. O financiamento da dívida na realidade pode dar ao governo tempo para implementar os cortes de despesas ou aumento de impostos que eventualmente acabem com o déficit. Portanto, o governo pode ter uma razão racional, não-inflacionária, para manter um déficit orçamentário. (Sachs & Larrain, p.378) Thomas Sargent e Neil Wallace, da Universidade de Minnesota, apontaram para uma importante implicaçäo da restriçäo orçamentária do governo. Especificamente, o financiamento de um déficit por criaçäo de dívida pode, no longo prazo, ser mais inflacionário do que o financiamento por emissäo de moeda. O argumento se apóia no fato de que, quando um governo financia um déficit corrente através da dívida, ele incorre na obrigaçäo de pagar juro sobre esta dívida no futuro. (Dornbusch) A questäo crucial que surge é se o governo será eventualmente forçado para um financiamento monetário de um dado déficit ou se poderá continuar o financiamento pela dívida para sempre. Isto dependerá da relaçäo entre a taxa de crescimento da produçäo e a taxa de juros real. Se a taxa de juros real estiver acima da taxa de crescimento da produçäo, e dado um déficit primário igual a zero, o financiamento pela dívida näo pode continuar para sempre, porque a dívida torna-se uma parte cada vez maior do PNB e os pagamentos de juros se mantêm aumentando. Neste caso, o governo terá de passar para o financiamento monetário. O deslocamento para o financiamento monetário proverá receita, mas também inflaçäo. Se a taxa de juros real estiver abaixo da taxa de crescimento da produçäo, com um déficit primário igual a zero, entäo o governo pode continuar no financiamento pela dívida, sem um aumento resultante na razäo dívida-PNB. Neste caso, o financiamento pela dívida é viável para o longo prazo. Se o governo estiver disposto a aumentar os impostos em alguma data futura para pagar contas de juros mais altas, näo há uma ligaçäo necessária entre os déficits correntes e o crescimento monetário futuro. Se a dívida pública estiver crescendo em relaçäo ao PNB, entäo, definitivamente, o governo terá de aumentar os impostos ou aumentar a taxa de inflaçäo para cumprir suas obrigaçöes da dívida. Esta é a ameaça de longo prazo que leva as pessoas a se preocuparem com os déficits. Se o déficit total for constante como percentual do PNB, entäo definitivamente a razäo dívida-PNB se estabilizará, provando que a economia está crescendo em geral. Suponha que a taxa de juros real seja 5% e o déficit primário seja igual a zero. Entäo, com uma razäo dívida-PNB de 20%, o déficit orçamentário com uma taxa de inflaçäo igual a zero seria somente 1% do PNB. Quando a taxa de inflaçäo alcança 95%, com uma taxa de juros nominal de 100%, o déficit nominal calculado passa a ser de 20% do PNB, mas o déficit corrigido pela inflaçäo é ainda somente de 1% do PNB, na medida que a taxa de juros real permanece nos 5%. (Dornbusch) O Dilema do Bacen Diz-se que o Bacen está monetizando os déficits todas as vezes que ele compra uma parte da dívida vendida pelo Tesouro para financiar o déficit. O Bacen normalmente enfrenta um dilema ao decidir se monetiza um déficit. Se ele näo financiar o déficit, a expansäo fiscal, näo sendo acompanhada por uma política monetária acomodativa, aumenta as taxas de juros e, portanto, desloca os gastos privados. Há, da mesma forma, uma tentaçäo para o Bacen prevenir o efeito-deslocamento comprando títulos, aumentando a oferta monetária e permitindo uma expansäo na renda sem um aumento nas taxas de juros. Mas uma política de acomodaçäo como esta ou de monetizaçäo oferece um risco. Se a monetizaçäo levar a um crescimento monetário excessivo, entäo a política, em última instância, alimentará a inflaçäo. Eventualmente, a demanda agregada maior aumentará a taxa de juros real, e o efeito-deslocamento ocorrerá de qualquer modo. A maior parte da discussäo sobre a política do Bacen centra-se nesta questäo: o Bacen deve controlar os agregados monetários ou as taxas de juros? No contexto de um aumento nos déficits orçamentários, a resposta deve ser sempre que o Bacen näo deveria acomodar, isto é, deveria deixar a taxa de juros aumentar e manter a taxa de crescimento da moeda constante. Se a economia estiver próxima do pleno emprego, uma política acomodativa simplesmente alimentaria a inflaçäo. Uma expansäo fiscal imprudente se tornaria ainda mais forte pela alimentaçäo de uma expansäo monetária. Certamente, em uma recessäo profunda näo há nenhuma razäo para fugir de uma expansäo fiscal acomodativa com crescimento monetário mais alto. Em qualquer caso específico, o Bacen deve decidir se implanta uma política monetária acomodativa ou se, ao contrário, estabelece uma meta monetária fixa ou mesmo compensa uma expansäo fiscal através de uma política monetária restritiva. Para tomar esta decisäo, o Bacen deve decidir qual peso relativo ele dá à inflaçäo e ao desemprego, mesmo que a política expansionista ameaçe causar inflaçäo. (Dornbusch) O Imposto Inflacionário e a Seigniorage Neste ponto, precisamos esclarecer a diferença entre dois conceitos fortemente relacionados: o imposto inflacionário e a Seigniorage. O primeiro termo refere-se às perdas sofridas pela detenção de dinheiro em conseqüência da inflação. Como vimos anteriormente, o imposto inflacionário (IT) pode ser medido como: IT = {(P - P-1)/P} (M/P) Seigniorage (SE) é a receita colhida pelo governo como resultado do seu monopólio na impressão de dinheiro. Imprimir dinheiro praticamente não tem custo e as notas e moedas podem ser trocadas por bens e serviços. Portanto, a Seigniorage pode ser medida como o poder de compra do dinheiro colocado em circulação num determinado período: SE = (M - M-1)/P = {(M - M-1)/M} (M/P) Sob certas condições, especialmente quando as famílias querem manter um valor constante de saldos monetários reais, o imposto inflacionário e a seigniorage são iguais. Suponha que M/P = M-1/P-1. Como M-1/M é igual a P-1/P, podemos dizer que (M - M-1)/M é igual a (P - P-1)/P. Portanto, SE = IT quando M/P não se altera no tempo. Embora SE e IT possam ocasionalmente ser iguais, não são a mesma coisa. Um exemplo simples vai esclarecer a diferença. Vamos supor que a inflação é zero e que a taxa de câmbio é fixa. O imposto inflacionário evidentemente também é zero. Vamos supor agora que uma redução nas taxas mundiais de juros dá origem a uma redução na taxa interna de juros. A velocidade da moeda diminui e a demanda por saldos monetários reais, M/P, aumenta. De fato, as famílias vão aumentar seus saldos reais vendendo ativos externos ao banco central em troca de moeda nacional. O banco central ganha reservas internacionais ao custo de imprimir a moeda nominal que o público quer ter, e o governo pode usar estas reservas estrangeiras para financiar um déficit orçamentário maior. Em essência, este aumento na demanda por moeda deu ao governo alguns recursos “grátis”. Esse ganho no poder de compra é precisamente o que significa seigniorage e é medido pela equação anterior. (Sachs & Larrain, p.379) A Curva de Laffer do Imposto Inflacionário (…) Vimos a curva de Laffer para impostos, que tinha a forma de um U invertido (…). A idéia é que, a partir de uma taxa baixa de impostos, a receita fiscal aumenta à medida que a taxa de imposto aumenta, mas só até certo ponto. Há uma taxa em que se atinge o máximo de recolhimento e, além deste ponto, os aumentos geram um declínio na receita. O motivo é simples: a receita tributária é igual à taxa (alíquota) vezes a base tributária, onde a base é o que está sendo taxado. A receita de um imposto sobre a renda, por exemplo, é igual à taxa do imposto sobre a renda multiplicada pela renda familiar. À medida em que a renda aumenta, no entanto, a família talvez prefira trabalhar menos. Mesmo que a taxa de imposto aumente, a base diminui, e a receita geral pode diminuir. O mesmo raciocínio se aplica à taxa de inflação. Há uma taxa que maximiza o imposto inflacionário governamental, mas, depois dela, o governo passa a perder mais do que ganhar. Em outras palavras, há uma “curva Laffer” do imposto inflacionário, como vemos na figura seguinte. A curva OML representa o valor do imposto inflacionário para diferentes taxas de inflação, supondo-se que a economia esteja em equilíbrio e com uma taxa inalterada de inflação no período. Se a taxa de inflação for zero, a receita também será zero. À medida em que a inflação aumenta, a base tributária - neste caso, a demanda por saldos monetários reais - diminui. Há um imposto máximo de inflação representado por IT máx, na taxa máx. Os aumentos posteriores da inflação dão origem a uma queda na receita (fiscal inflacionária), porque a inflação maior é mais do que compensada pela queda nos saldos monetários reais que estão sendo taxados. Isto ocorre ao longo do segmento ML. Taxa de Inflação M ITmáx L 0 máx Inflação Figura - A curva Laffer para a inflação. Isso leva a uma conclusão importante. Supondo que a taxa de inflação seja estável, há um déficit máximo, igual a IT máx, que pode ser financiado pela emissão de dinheiro. É possível o governo financiar temporariamente um déficit superior a IT máx, mas ao custo de acelerar a inflação, em vez de conseguir uma taxa estável. Se o governo persistir em financiar o déficit superior a ITmáx, o resultado será a hiperinflação. 5.5. A Hiperinflaçäo Grandes déficits orçamentários säo invitavelmente parte de inflaçöes extremas, que ocorreram durante a década de 80 na América Latina e em Israel. Eles também fazem parte de casos ainda mais extremos de hiperinflaçöes. Em uma economia hiperinflacionária, a inflaçäo é täo penetrante e täo problemática que ela domina completamente a vida econômica diariamente. As pessoas tem de comprar sempre para formar estoques antes que os preços subam, sua principal preocupaçäo em poupar ou em investir é de como se protegerem contra a inflaçäo, elas reduzem ao mínimo a detençäo de encaixes reais, para evitar o imposto inflacionário, mas têm de compensar indo ao banco mais vezes, diariamente ou por hora, em vez de semanalmente, por exemplo, para retirar dinheiro. As economias hiperinflacionárias säo normalmente marcadas por uma indexaçäo generalizada, mais em relaçäo à taxa de câmbio estrangeira do que relativamente ao nível de preços. Isto acontece porque se torna difícil manter a medida dos preços com base na moeda corrente, quando ela varia täo rápido. Entäo os preços podem ser especificados em termos de dólares, e o volume real da moeda local que tem de ser pago em cada transaçäo é calculado pelo preço em dólar e pela taxa de câmbio. Os Déficits e a Hiperinflaçäo Todas as economias hiperinflacionárias sofriam de grandes déficits orçamentários e de rápida emissäo de moeda. Em inúmeros casos a origem do déficit no orçamento foram os gastos da época da guerra, que geraram grandes dívidas públicas e também destruiram o aparato de arrecadaçäo de impostos do país. Existem dois modos de interaçäo entre a inflaçäo e os déficits orçamentários. Taxas de inflaçäo mais altas aumentam o déficit pela reduçäo do valor real da coleta fiscal. Taxas de juros nominais mais altas aumentam o déficit medido, pelo aumento do valor dos pagamentos dos juros no orçamento. O déficit, corrigida a inflaçäo, ajusta-se a este último efeito. O Sistema de Coleta de Impostos Quando a inflaçäo aumenta, a receita real que vem da taxaçäo cai. A razäo é que existem intervalos tanto no cálculo como no pagamento dos impostos. Considere uma pessoa que ganhou $50.000 no ano passado e que tenha uma conta a pagar em impostos de $10.000 em 15 de abril. Se os preços subiram ao mesmo tempo por um fator 10, como pode acontecer em uma hiperinflaçäo, o valor real dos impostos é somente um décimo do que deveria ser. Este impacto da inflaçäo sobre o valor real das receitas fiscais é chamado de efeito Tanzi-Olivera, assim denominado depois que dois economistas o documentaram independentemente (Vito Tanzi, do FMI, e Julio Olivera, da Universidade de Buenos Aires). Em princípio, o sistema fiscal pode ser indexado, para ajustar-se à inflaçäo. Mas isto é difícil, especialmente para a taxaçäo de negócios, e em algumas situaçöes mesmo a indexaçäo traz intervalos de tempo que reduzem o valor real dos impostos. Neste capítulo, (...) vamos focalizar os países que tiveram inflações excepcionalmente altas, limitando-nos aos casos de inflação muito alta, definida como uma taxa anual superior a 100% e de hiperinflação, que definimos, de acordo com a definição clássica do economista da Universidade de Colúmbia, Philip Cagan, como uma inflação superior a 50% ao mês! (Embora 50% não pareça extraordinário, note que essa taxa leva a uma taxa anual de inflação de quase 13.000% ao ano). (Sachs & Larrain, p.818) 5.5.1. Uma Perspectiva Histórica das Inflações Muito Altas e das Hiperinflações É de fato interessante que todas as hiperinflações conhecidas na história mundial tenham ocorrido neste século. A história já registrou episódios de alta inflação, mas nenhum atingiu taxas extraordinariamente altas como as do século XX. (Sachs & Larrain, p.819) Casos Anteriores de Inflação Alta O caso mais conhecido de inflação alta no mundo antigo foi o do Império Romano no século III d.C. Na época, os métodos mais tradicionais de coleta de impostos e, às vezes, confisco, ficaram menos importantes como forma de financiar os gastos governamentais. Os imperadores romanos começaram a gostar de “desvalorizar” sua moeda, isto é, reduzir o conteúdo metálico das moedas que circulavam com um certo valor de face. Assim, o denarius de prata, que tinha mais de 90% de prata no século I, passou a ter apenas 28% de prata quando o imperador era Gordian, em 238 d.C., e 0,02% no governo de Claudius Victorinus, em 268 d.C. Isso levou ao famoso édito de Diocleciano (301 d.C.), o primeiro esquema elaborado de controle de preços e salários conhecido na história, que determinava o preço máximo de mais de 900 produtos e definia limites salariais para cerca de 130 tipos diferentes de serviços. Alguns historiadores concluíram que a instabilidade monetária e a alta inflação, na realiade, contribuíram para a queda do império romano. Por mais prejudicial que a inflação tenha sido, as melhores evidências mostram que a inflação nesse período era em média apenas 3 a 4% ao ano! Outra inflação famosa foi a da Espanha no século XVI, após a descoberta de grandes depósitos de metais preciosos na América, principalmente no México e no Peru. (...) A entrada de ouro e prata aumentou não só a oferta monetária como também os preços, mas, mais uma vez, as taxas anuais de inflação eram muito baixas, se comparadas a nossos padrões atuais. No auge da tendência inflacionária da segunda metade do século XVI, a taxa de inflação em Andaluzia, a região mais afetada, chegou 20% ao ano em 1561 e 1562. Contudo, a taxa média de inflação entre 1551 e 1600 provavelmente foi inferior a 2% ao ano. Só há três inflações realmente altas conhecidas antes do século atual, mas nenhuma atingiu o patamar hiperinflacionário definido por Cagan. Os três episódios estavam relacionados com gerras civis e revoluções que, como veremos, tendem a provocar altas inflações. O primeiro caso é a Guerra da Independência dos Estados Unidos (17751783). As colônias americanas recém-independentes não se apoiavam na taxação e em empréstimos externos ara financiar a guerra, mas imprimiam papel-moeda, o assim chamado “Continental” para cobrir cerca de 80% dos gastos totais. Os preços aumentaram cerca de 1.000% no período mais inflacionário, entre 1779 e 1780. Essa taxa de inflação, embora impressionante, montava a uma taxa mensal de cerca de 10%. A alta inflação seguinte ocorreu na Revolução Francesa. O governo pós-revolucionário que assumiu a França em 1789 precisava de dinheiro imediatamente, e recorreu à forma de financiamento mais fácil de que dispunha: imprimir dinheiro novo. O novo papelmoeda, chamado “Assignats”, entrou em circulação em massa, e os preços naturamente começaram a subir. Em 1794 a inflação atingiu 100%, mas o pior viria no ano seguinte, quando os preços aumentaram mais de 3.000%. Apesar de alta, essa inflação ainda estava longe do patamar da hiperinflação. O terceiro caso de inflação muito alta antes do século XX foi a Guerra Civil dos Estados Unidos (1861-1865). Tanto o Norte quanto o Sul recorreram à impressão de dinheiro, mas o governo Confederado do Sul foi mais inflacionário, pois se apoiava menos nos impostos e na venda de títulos públicos e mais na emissão de dinheiro. Entre outubro de 1861 e fevereiro de 1864, a inflação na Confederação estava estável em 10% ao mês. A maior taxa mensal de inflação, 40%, ocorreu em março de 1864. Os aumentos de preço no Norte foram menos dramáticos: durante 1863 e 1864, as taxas médias eram de 20% ao ano. (Sachs & Larrain, p.820) O Surgimento das Hiperinflações no Século XX O fato de que a hiperinflação só ocorreu neste século não deve ser uma grande surpresa em vista da história da moeda (...). As inflações altas sempre devem ser precedidas por grandes aumentos na oferta monetária, e tais aumentos só podem ocorrer em sistemas com moeda fiduciária. Nos sistemas de moeda metálica, a oferta de metais não aumenta nas taxas necessárias para provocar inflações altas e hiperinflações. Só quando o governo abandona o padrão metálico é que essas inflações são possíveis. Antes do Século XX, os sistemas de papel-moeda eram raros; na realidade, só eram introduzidos em circunstâncias excepcionais, como revoluções e guerras civis. Nos períodos normais a taxa de inflação era segurada pelo ele entre a moeda e a oferta de metais preciosos. No século XX, naturalmente, a moeda fiduciária passou a ser a regra, e não a exceção. Um efeito colateral foi o surgimento de hiperinflações, e a ocorrência mais comum de inflações altas. É interessante que as quinze hiperinflações deste século não ocorreram como casos isolados, e sim em surtos ligados a acontecimentos globais econômicos e políticos. Há três épocas identificáveis em que grupos de nações sucumbiram à hiperinflação: depois do fim da Primeira Guerra Mundial, depois do fim da Segunda Guerra Mundial e na crise da dívida externa dos anos oitenta. (Sachs & Larrain, p.821) (...) No final da Primeira Guerra Mundial, cinco países da Europa Central e Ásia caíram nas garras da hiperinlfação: Áustria, Alemanha, Hungria, Polônia e União Soviética. (...) A rodada seguinte de hiperinflação ocorreu no final da Segunda Guerra Mundial, quando a China, Grécia e Hungria entraram no caos monetário. (...) A terceira rodada de hiperinflações ocorreu na década de 1980, quando Argentina, Bolívia, Brasil, Nicarágua, Peru, Polônia e Iugoslávia se uniram a esse clube não tão exclusivo assim. (Sachs & Larrain, p.824) Casos Recentes de Alta Inflação Além dos quinze casos de hiperinflação, há outros casos de inflações muito altas que não se transformaram em hiperinflações. Se definirmos “inflações muito altas” como aumentos de 100% ou mais ao ano, o grupo de casos aumenta bastante. Foram vinte nações com inflação alta nesses quarenta anos, dos quais sete entraram em hiperinflação. (Sachs & Larrain, p.824) 5.5.2. Condições Básicas para a Hiperinflação A hiperinflação deste século teve vários elementos comuns. É claro que cada qual teve características singulares que dependem do país onde ocorreu, período de tempo e circunstâncias externas. Mas todas as hiperinflações têm elementos comuns, e isto permitiu que os economistas formulassem uma teoria geral do fenômeno. (...) Devemos lembrar que as hiperinflações só ocorreram em regimes com moeda fiduciária. Sob o padrão metálico ou ouro, o estoque do metal precioso simplesmente não pode subir numa taxa suficiente para apoiar oos aumentos de preço. O ato de imprimir papelmoeda de denominações cada vez mais altas é tecnologicamente possível e fácil demais. A existência de moeda fiduciária, portanto, é a única condição básica para a hiperinflação. Outros acontecimentos geralmente detonam o ímpeto inflacionário. (Sachs & Larrain, p.826) Guerras, Guerras Civis e Revoluções Uma visão tradicional relaciona as hiperinflações com as guerras. A tensão sobre o orçamento público gerada pelo financiamento da guerra provoca déficits públicos que acabam sendo monetizados. Forrest Capie, da City University de Londres, destacou que as hiperinflações não estavam fortemente relacionadas com as guerras de agressão entre dois países, e sim com guerras civis, revoluções ou estados de instabilidade social muito grande. Não é a própria guerra que é uma condição básica para que haja hiperinflação, de acordo com a hipótese de Capie, porque a guerra desperta patriotismo e, portanto, facilita o financiamento do orçamento por meio de coleta de impostos e de empréstimos públicos. Mas, se a hostilidade ocorre entre diversos grupos dentro do país, a coleta de impostos se torna extremamente difícil, porque partes importantes da população não pagam impostos como parte da luta. (...) O ceticismo de Capie quanto ao papel da guerra isoladamente é compartilhado por muitos. Por exemplo, todas as hiperinflações da década de vinte aconteceram vários anos depois do fim da Primeira Guerra. (...) Por outro lado, a guerra civil, a revolução e a instabilidade social claramente são fatores de muitas das hiperinflações, especialmente as que ocorreram antes dos anos oitenta. (...) Nos anos oitenta, a guerra civil pode ter sido elemento importante apenas na Nicarágua. (Sachs & Larrain, p.827) Governos Fracos Entretanto, nem todas as revoluções e guerras civis provocaram hiperinflacões. A existência de governos fracos tem sido apontada como outra condição importante para o seu surgimento. Há, contudo, alguns problemas práticos para especificar esta hipótese. Em primeiro lugar, geralmente é difícil separar a fragilidade do governo da presença de instabilidade social ou guerra civil. Um governo fraco pode gerar instabilidade interna, o que, por sua vez, provoca mais fraqueza governamental. Em segundo lugar, é difícil medir a fraqueza. Em terceiro lugar, o argumento pode tornar-se meramente tautológico: sempre que há uma hiperinflação a população pode considerar o governo fraco. (...) Em geral, os governos fracos ou inexperientes não têm a habilidade de obrigar a coleta de impostos e de implementar as reformas orçamentárias necessárias. Além disso, são facilmente tentados a acalmar diferentes grupos da população com transferências e subsídios para construir uma base política. Nestas condições, portanto, é provável que recorram ao financiamento inflacionário, e isto cria o cenário para a alta inflação. (Sachs & Larrain, p.828) Choques Externos com Implicações Orçamentárias Um paralelo interessante entre as experiências da hiperinflações dos anos vinte e dos anos oitenta é o papel dos choques externos que tiveram consequências sobre o orçamento. Na década de vinte, o problema estava centrado nas indenizações de guerra que a Áustria, Hungria e especialmente a Alemanha tinham de pagar aos Aliados, pelos tratados de Trianon e Versailles. (...) Durante os anos oitenta, o choque externo que afetou o orçamento foi a crise da dívida externa (...). O problema da dívida certamente não foi o único fator para a explosão dos preços, mas em vários países foi um ingrediente muito importante. Todos os países em questão tinham um nível de dívida pública muito alto (em proporção ao PIB), quase que sempre em poder do governo. Na maior parte dos casos, esses governos pagavam a maioria dos juros sobre a dívida até que as consequências macroeconômicas ficaram intoleráveis. (Sachs & Larrain, p.829) 5.5.3. A Dinâmica Econômica da Hiperinflação Como vimos, uma característica comum em todas as hiperinflações é o aumento colossal da oferta monetária, decorrente da necessidade de o governo financiar um grande déficit orçamentário. Uma vez iniciada, a inflação alimenta a si mesma. A inflação mais alta provoca uma queda do valor real da coleta de impostos e isso, por sua vez, aumenta o déficit orçamentário ou então exige mais cortes dos gastos públicos para que eles fiquem no nível do déficit. Se o governo for fraco ou fragmentado, não consegue reagir ao déficit orçamentário inicial e ao crescimento do déficit orçamentário provocado pela redução da coleta tributária. (...) A semente da hiperinflação é um grande aumento do financiamento monetário do déficit fiscal. Tipicamente, há um choque externo ou interno que empurra o governol para um imenso déficit fiscal. Quando o déficit aumenta, o governo geralmente procura encontrar meios não-monetários para financiá-lo, se possível por meio de créditos estrangeiros ou, se isso não for possível, tenta tomar empréstimos internos no mercado financeiro dos bancos privados. Se o déficit for temporário e a política monetária permanecer sob controle, o governo pode evitar o início de uma alta inflação. Após um certo tempo, o estoque da dívida se acumula e os credores passam a relutar em continuar a financiar o déficit governamental. Ficam conscientes do risco de nãorecebimento (no caso de financiamento externo) ou do risco inflacionário (no caso de financiamento doméstico). Normalmente o governo recorre ao financiamento monetário quando não tem acesso a outras fontes de financiamento. Se ele tenta adiar ao máximo o surgimento da inflação, vai manter a taxa cambial fixa, mesmo depois do início do financiamento monetário. (...) O resultado é uma queda de reservas internacionais, que vai continuar até que ocorra um ataque especulativo sobre a moeda, que provoca o fim do câmbio fixo. Se o déficit que precisa ser coberto por meio de meios monetários for alto o suficiente, a inflação decorrente pode se transformar em hiperinflação. Com base nas evidências históricas disponíveis, aparentemente um déficit persistente financiado monetariamente precisa estar ao redor de 10 a 12% do PIB para gerar hiperinflação. (Sachs & Larrain, p.830) 5.5.4. Políticas de Estabilização para Acabar com as Hiperinflações Todas as hiperinflaçöes chegam a um final. O deslocamento da economia torna-se muito grande para o público suportar, e o governo encontra um modo de reformar seu processo orçamentário. Sempre uma nova moeda é introduzida, e o sistema fiscal é reformulado. Tipicamente, também a taxa de câmbio da nova moeda tem paridade com uma moeda estrangeira, como o objetivo de prover uma âncora para os preços e para as expectativas. Frequentemente, ocorrem inúmeras tentativas mal-sucedidas de estabilizaçäo, antes do sucesso final. A presença de tantos fatores desestabilizadores na inflaçäo, especificamente o colapso do sistema fiscal quando a inflaçäo prossegue, junto com uma economia que está extremamente deslocada pela inflaçäo, provoca uma possibilidade fascinante. Um ataque coordenado na inflaçäo pode estancá-la com um custo de desemprego relativamente pequeno. Esta abordagem foi usada na Argentina e em Israel em 1985 e no Brasil em 1986 (e em 1987, em 1988, em 1990, em 1991 e em 1994), quando os governos congelaram preços e salários e/ou fixaram suas taxas de câmbio, assim como ocorreram mudanças significativas na política fiscal, com o objetivo de colocar o orçamento mais próximo dos equilíbrios de longo prazo. Um aspecto mais importante das estabilizaçöes deve ser lembrado. As taxas de crescimento monetário que se seguem à estabilizaçäo säo muito altas. Por quê? Porque, como as pessoas esperam menos inflaçäo, as taxas de juros nominais declinam, e a demanda por encaixes reais aumenta. Com a demanda por encaixes reais aumentando, o governo pode criar mais moeda, sem criar inflaçäo. Portanto, no início de uma estabilizaçäo bem-sucedida, pode haver um bônus para o governo: ele pode financiar temporariamente parte do déficit pela emissäo de moeda, sem trazer de volta a inflaçäo. Mas certamente näo poderá fazê-lo por períodos muito longos, sem reavivar a inflaçäo. (Dornbusch) Para acabar com as inflações altas é necessário usar uma combinação especial de políticas econômicas que influam na taxa cambial, no orçamento público, na oferta monetária e, em alguns casos, medidas diretas visando salários e preços. Um elementochave para o sucesso de qualquer programa de estabilização é como as pessoas reagem ao mesmo. O papel fundamental das expectativas destaca a importância das políticas que podem dar confiabilidade ao programa. (Sachs & Larrain, p.838) Estabilização Cambial Durante a hiperinflação ocorre um processo de dolarização. Numa economia dolarizada, a paridade do poder de compra se mantém notavelmente. A maioria dos preços são cotados em dólar, P*, e depois convertidos em preços da moeda doméstica multiplicada pela taxa cambial prevalecente. Portanto, quase que em virtude dos preços serem cotados em dólares, mas pagos em moeda doméstica, encontramos a relação P = EP*. A taxa cambial, portanto, é o elo crucial entre os preços em dólar e os preços em moeda local para a maioria dos bens e serviços. Durante a hiperinflação, a taxa cambial é depreciada aproximadamente na mesma taxa do aumento dos preços domésticos. Se a taxa cambial pode ser estabilizada, os preços domésticos também podem ser estabilizados. Na maioria das hiperinflações, há pelo menos duas taxas cambiais: a oficial e a do mercado livre, que é bem superior à oficial. Uma estabilização bem-sucedida requer inicialmente uma grande desvalorização da taxa oficial para que ela se alinhe com a taxa de mercado livre e, depois, um valor estabilizado para a nova taxa cambial unificada. O programa de estabilização típico pretende fixar a taxa cambial num nível sustentável, isto é, num nível que possa ser defendido pelo banco central sem um ataque especulativo que acabe com as reservas de moeda estrangeira. Sabemos que uma taxa cambial estável requer uma política fiscal rígida. Se o governo tenta imprimir dinheiro e manter a taxa cambial fixa ao mesmo tempo, vai acabar perdendo reservas estrangeiras e sofrendo um ataque especulativo contra a moeda e uma crise do balanço de pagamentos. Políticas Orçamentárias Abrangentes Nenhuma taxa cambial pode permanecer estável a não ser que o déficit orçamentário - e a necessidade de seignoriage - seja controlado. Esta é a razão pela qual o passo mais fundamental para acabar com a hiperinflação é eliminar os problemas orçamentários básicos que a geram. Numa contribuição fundamental para a economia monetária, Thomas Sargent destacou que as hiperinflações terminam quando se faz uma alteração fundamental da política orçamentária, tanto no tamanho do déficit como na forma pela qual ele é financiado. Um elemento deste processo geralmente é um aumento da independência política do banco central, de modo que possa resistir às pressões para financiar o déficit orçamentário do governo por meio da impressão monetária. Naturalmente, não é suficiente que o banco central pare de financiar os déficits governamentais. Também é preciso melhorar a situação do orçamento. A austeridade fiscal geralmente envolve várias medidas. Em primeiro lugar, os preços dos bens e serviços fornecidos por empresas públicas normalmente caem para níveis muito baixos em termos reais durante a hiperinflação e, geralmente, precisam ser bastante elevados. O objetivo é eliminar os déficits das empresas estatais, fundamentalmente assimilados pelo governo central e que, portanto, constituem uma fonte básica de criação de dinheiro. Em segundo lugar, a receita tributária precisa aumentar. Em parte isto vai acontecer automaticamente quando os preços pararem de subir (depois da taxa cambial ser estabilizada). Em outras palavras, o efeito Olivera-Tanzi também funciona ao contrário: assim como a alta inflação baixa a receita tributária, o fim da inflação alta quase certamente eleva a receita tributária real. A queda do recolhimento real de impostos durante a hiperinflação geralmente enfraquece o sistema de administração tributária. Portanto, uma reforma fiscal abrangente é necessária logo depois ddo começo da estabilização. Outras medidas para melhorar a situação fiscal no curto prazo incluem a eliminação de subsídios diretos e isenções fiscais. Uma forma popular de subsídio governamental é o fornecimento de créditos ao setor privado a taxas de juros reais muito negativas. Os programas bem-sucedidos de estabilização eliminaram rapidamente este dreno de recursos. É uma ironia notável que muitas das medidas usadas para cortar o orçamento - fim dos subsídios, desvalorização cambial, aumento de preços do setor público, e mais impostos sobre consumo - provavelmente resultem num surto de inflação “corretiva” no curto prazo. Portanto, uma hiperinflação pode até mesmo se acelerar no primeiro mês do programa de estabilização. Se os ajustamentos acabarem com a diferença fiscal, contudo, há chances muito boas de a inflação parar depois do surto inicial. Política Monetária e de Crédito A estabilização da taxa cambial e dos preços provoca um aumento dos saldos monetários reais que o público deseja manter em seu poder. Uma questão política básica é como acomodar este aumento da demanda por moeda. Para satisfazer esta grande demanda por moeda, o governo tem três opções: o banco central pode comprar títulos do tesouro, reduzindo a dívida pública interna, o banco central pode fornecer mais crédito aos bancos privados, ou o banco central pode comprar divisas estrangeiras a uma taxa fixa. A estratégia mais segura para manter a inflação sob controle é a compra de divisas pelo banco central a uma taxa fixa, na medida que a confiança na moeda local aumenta conforme das pessoas observam que há reservas estrangeiras garantindo a base monetária doméstica. Se o governo tomasse o caminho da criação agressiva de crédito para remonetizar a economia, a população poderá vir a duvidar do sucesso do programa de estabilização. Reforma Monetária: A Introdução de uma Nova Moeda A introdução de uma nova moeda frequentemente acompanha a estabilização bemsucedida. No tipo mais simples de reforma monetária, uma nova moeda é introduzida para cortar o número de zeros de todos os preços, salários e ativos financeiros da economia. Isto é principalmente uma alteração cosmética, que não prejudica e pode propiciar algumas economias (de tinta, papel, tempo, espaço de calculadora etc). Num tipo mais complexo de reforma monetária, a nova moeda é introduzida não somente para cortar os zeros, mas também para criar um esquema especial de pagamentos de contratos antigos feitos na antiga moeda. Isto ocorre por que na economia inflacionária são feitos contratos com taxas de juros nominais muito altas e taxas reais baixas. Caso o governo surpreenda a todos com um programa de estabilização, as altas taxas nominais de juros passam a ser taxas reais estratosféricas. O tomador, por exemplo de um empréstimo, iria à falência se tivesse que pagar o empréstimo com a taxa original de juros, que passaria a ser uma taxa real de juros. Este tipo especial de reforma monetária introduz, normalmente, uma “tablita” ou cronograma para o pagamento de contratos a longo prazo, convertendo o valor na moeda antiga para um valor menor a ser pago na nova moeda. Finalmente, há a opção da reforma confiscatória, que troca a moeda antiga pela nova sem ajustar a conversão monetária às variaçòes de salários e preços. Por exemplo, sem variação nos preços e salários, a moeda antiga pode ser convertida na nova numa proporção de 10 para 1. Isto vai contrair os saldos monetários reais de modo a certamente provocar uma contração econômica significativa. Este é o tipo de reforma monetária feito na Alemanha, em 1948. Geralmente é mais útil numa situação de inflação reprimida, em que a oferta monetária aumentou muito, mas os controles de preço evitaram aumento de preços ao lado do crescimento da oferta monetária. Neste caso, a reforma monetária faz com que a oferta monetária esteja alinhada com os preços, em vez de permitir que os preços aumentem em linha com a oferta monetária. Aliviando a Pressão Externa Todas as nações que passam pela hiperinflação chegam a um nível extremamente baixo de reservas internacionais, o que dificulta defender a taxa cambial e estabilizar preços. De modo geral, as nações com frequência entram em hiperinflação por causa da carga pesada das obrigações internacionais sobre o orçamento (como, por exemplo, a dívida externa). Portanto, é da maior conveniência que o governo implante um programa de estabilização para conseguir um empréstimo de apoio ao balanço de pagamentos, que aumente as reservas internacionais e que negocie um pacote de apoio internacional para aliviar a carga financeira externa sobre o orçamento. Este apoio pode envolver a combinação de novos empréstimos e a renegociação da dívida existente. O Problema da Confiança Em todas as experiências de hiperinflação, as taxas reais de juros ficaram bastante altas, muito mais que as internacionais, mesmo depois de atingida uma estabilização. Por quê? A razão principal é que as pessoas ainda estavam céticas quanto ao sucesso do programa. Portanto, os agentes incorporam a possibilidade de desvalorização monetária na taxa de juros local, tornando a taxa nominal muito mais alta do que a taxa de inflação. Conforme aumenta a credibilidade no programa de estabilização, as taxas de juros vão cair. As taxas reais de juros no curto prazo possivelmente geram pressão para uma expansão do crédito doméstico. Todavia, a tentação de forçar as taxas para baixo por meio da expansão do crédito é muito perigosa. Uma volta ao dinheiro fácil no começo do programa de estabilização pode provocar uma perda de reservas internacionais e um subsequente ataque especulativo na moeda doméstica, seguidos por uma grande desvalorização e ressurgimento da inflação alta. Finalmente, é importante restaurar a confiança o mais rápido possível e, portanto, reduzir as taxas de juros domésticas. Caso contrário, os juros podem minar o programa de estabilização. Isto pode ocorrer de três maneiras. Em primeiro lugar, os juros altos podem provocar pressões para uma expansão rápida da moeda, ameaçando a taxa cambial recém-estabilizada. Em segundo lugar, os juros altos podem piorar a situação orçamentária se o governo tiver uma dívida interna alta. Em terceiro lugar, os juros altos podem provocar problemas financeiros para as empresas, provocando falências, desemprego e tensões políticas. Por Que o Governo Adia a Estabilização? Em vários casos de inflação alta, a estabilizacão foi adiada durante algum tempo antes de ser lançado um programa coerente para acabar com a inflação. Mesmo assim, há evidências de que, quanto mais se espera para atacar o problema, mais danos são causados à economia e maiores os custos das reformas políticas eventualmente necessárias para estabilizar a economia. Então, por que a demora? A resposta está no fato de que o problema de conseguir uma estabilização bem-sucedida é basicamente distribucional. O ponto inicial é o reconhecimento de que os diversos grupos da população não ficam indiferentes à forma pela qual se consegue a estabilização. Se, por exemplo, o governo equilibrar o orçamento cortando salários e empregos do setor público, isto afetará diretamente os trabalhadores. Se ele aumentar os impostos e as taxas de exportação, a carga vai ser sentida pelos capitalistas. Como então os custos da estabilização devem ser distribuídos? Cada um dos grupos vai lutar para que a carga recaia sobre os outros. Se o governo for “fraco”, não poderá impor uma solução à qual forças poderosas da sociedade se opõem. Assim, a guerra de atrito continua sem que se possa tentar a estabilização. Eventualmente, essa guerra termina e surgem vencedores por meio das eleições políticas, de negociações legislativas, de cessão de poder ou acordo político ou de alguma outra maneira. Os vencedores podem decidir agora a carga que será distribuída sobre os diversos grupos e podem começar o programa de estabilização. Numa quantidade razoável de casos, a estabilização só tem sucesso depois que um novo governo assume o poder, com a autoridade para “limpar a bagunça” deixada pelo governo anterior. Portanto, um dos mecanismos essenciais para romper o círculo vicioso são novas eleições e uma nova constelação de forças políticas. Bibliografia: Dornbusch, Fisher, Macroeconomia, 5.ed. cap. 17 Sachs, Larrain, Macroeconomia.