O Professor e os Economistas Chorões.

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Belluzzo, Luiz Gonzaga de Mello. "O Professor e os Economistas Chorões." São Paulo: Folha de
São Paulo, 25 de janeiro de 1998.
O Professor e os Economistas Chorões
Autor: Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo
Assunto: Economia Internacional
Publicado pela Folha de São Paulo em 25/01/98
O professor Jan Kregel, da universidade de Bolonha, escreveu em novembro do ano passado
um artigo sucinto e esclarecedor sobre a badalada e temida crise asiática. Despretensioso,
esse ilustre keynesiano não se entrega a lamúrias e lamentações por ter sido pego de surpresa
pelos acontecimentos. Sabedor das sérias deficiências e limitações dos prognósticos em
matéria econômica, Kregel preserva a paciência dos leitores, poupando-os de choramingos
tão ao gosto dos economistas contemporâneos: ''Eu não previ, mas ninguém foi capaz de
prever...''A empáfia da corrente dominante derrete-se num vale de lágrimas. Mas deixemos
os sabichões aturdidos com a precariedade de suas certezas. O professor Kregel,
modestamente, sugere que a crise asiática oferece algumas lições importantes: 1. São íntimas
as relações entre variações no curso das moedas e mudanças na trajetória dos preços dos
ativos reais e financeiros. 2. A situação da balança em transações correntes (déficits ou
superávits) parece não ter sido decisiva para o "enfraquecimento" das moedas. Países que
estavam melhorando sua posição em conta corrente foram igualmente atacados. 3. A crise
manifestou-se independentemente do tipo de financiamento do déficit em conta corrente. Os
países que se apoiaram no investimento direto foram vítimas de pressões especulativas tão
intensas quanto as observadas nas economias que se valeram dos capitais de ''curto prazo''. 4.
Há uma relação muito estreita entre a crise financeira e a instabilidade dos sistemas
bancários. Em muitos casos são fortes as conexões entre processo de estabilização (com
âncora cambial), rápido influxo de capitais externos e instabilidade dos sistemas bancários.
Os trabalhos anteriores do professor Kregel mostram que ele estava atento para as relações
entre abertura financeira, euforia especulativa com ativos denominados em moedas fracas e
sobrevalorizadas e possibilidade de ocorrência de crises cambiais e bancárias. Desde a
afirmação de sua supremacia nos anos 80, os mercados financeiros ''desregulamentados'' fora
protagonistas de episódios ''surpreendentes''. Entre eles estão o ''crash'' das Bolsas de Valores
em 1987; o colapso dos mercados imobiliários no Japão em 1989 e da Bolsa de Tóquio em
1990; dos ataques especulativos à lira italiana e à libra inglesa em 1992 e 1993; a crise no
mercado americano de bônus em 1994; o fiasco mexicano de 1995 e finalmente o ''contágio''
asiático ainda em curso, mas iniciado em meados em 1997 nos mercados imobiliários e de
ações da Tailândia. Trata-se, como se vê, de uma verdadeira procissão de ''falhas dos
mercados''. Todas elas foram corrigidas, no todo ou em parte, por ações de última instância
das autoridades monetárias nacionais e multilaterais. Os mercados, ditos eficientes na
circulação de informações e operados por agentes racionais, portam-se na realidade como o
garoto mimado e prodígio que torra a grana nos cassinos sabendo que o papai vem atrás e
paga as contas. Como já foi dito em outras ocasiões inclusive nesta coluna pelo professor
Luciano Coutinho, é ingenuidade supor que os mercados financeiros contemporâneos
atendam aos requisitos de eficiência, no sentido de que não podem existir estratégias
sistematicamente ganhadoras. Os protagonistas relevantes destes mercados são os grandes
bancos, os enormes fundos mútuos e de pensão, bem como a tesouraria das empresas que
decidiram ampliar a participação da riqueza financeira em seu porta-fólio. Em condições de
incerteza radical esses agentes são obrigados a formular estratégias com base em uma
avaliação ''convencionada'' sobre o comportamento do preço dos ativos. Dotados de grande
poder financeiro e de influência sobre a ''opinião dos mercados'', eles podem manter,
exacerbar ou inverter tendências. Suas estratégias são mimetizadas pelos investidores
contemplados com menor poder e informação, ensejando a formação de surtos altistas,
seguidas de colapso de preços dos ativos. É importante notar que as estratégias dominantes
são formuladas num ambiente de incerteza radical e irredutível. Essas condições, associadas
à simetria de poder e de informação e ao comportamento mimético dos investidores, dão
origem a processos especulativos auto-referenciais, instáveis e desgarrados dos
''fundamentos''. O resto é conversa para boi dormir.
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