1 DAVID HUME Filósofo e historiador britânico. Juntamente com Francis Bacon e John Locke, David Hume é considerado um dos maiores filósofos ingleses e uma das maiores figuras do seu século. Sua mais próxima influência pode ter sido sobre o amigo Adam Smith, se bem que, excluído o que concerne à sua teoria do conhecimento, a semelhança de pontos de vista entre os dois não permite sequer discernir quem mais influiu sobre quem. Hume vê fundamento da moral apenas no sentimento e Adam Smith que fala da "moral da simpatia". Hume no entanto não construiu um sistema, como fez Adam Smith. David Hume nasceu na Escócia, em Edimburgo em 1711. Hume pertencia a uma família abastada. Fez bons estudos no colégio de Edimburgo - um dos melhores da Escócia, em seguida transformado em universidade, cujo professor de "filosofia", isto é, de física e ciências naturais, Stewart, era um cientista discípulo de Newton. O jovem Hume, que sonha tornar-se homem de letras e filósofo célebre, rapidamente renuncia aos estudos jurídicos e comerciais, passa alguns anos na França, notadamente em La Flèche, onde compõe, aos vinte e três anos, seu Tratado da Natureza Humana, editado em Londres, em 1739. A obra, diz-nos o autor, "já nasceu morta para a imprensa". Esse fracasso deu a Hume a idéia de escrever livros curtos, brilhantes, acessíveis ao público mundano. Seus Ensaios Morais e Políticos (1742) conhecem vivo sucesso. Hume se esforça por simplificar e vulgarizar a filosofia de seu tratado e publica então os Ensaios Filosóficos sobre o Entendimento Humano (1748), cujo título definitivo surgirá em edição seguinte (1758): Investigação (Inquiry) sobre o Entendimento Humano. A obra obtém sucesso, mas não deixa de inquietar os cristãos, e Hume vê lhe recusarem uma cadeira de filosofia na Universidade de Glasgow. Ele acabará por fazer uma bela carreira na diplomacia. De 1763 a 1765 ele é secretário da Embaixada em Paris e festejado no mundo dos filósofos. Em 1766 ele hospeda Rosseau na Inglaterra, indispondo-se com ele em seguida. Em 1768, ele é Secretário de Estado em Londres. Nesse meio tempo, publicou uma Investigação sobre os Princípios Morais (1751), uma volumosa História da Inglaterra (1754-1759) e Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 2 uma História Natural da Religião (1757). Somente após sua morte (1776) é que foram publicados, em 1779, seus Diálogos sobre a Religião Natural. Com Locke criou o empirismo moderno, e como tal defendia que todo o conhecimento provém da experiência. Nasceu em Edimburgo de uma grande proprietário escocês. Dedicou-se de inicio ao comércio, mas não tardou a abandonar esta actividade familiar para se dedicar às letras e à filosofia. Foi durante uma das suas estadias em França que escreveu o seu célebre Tratado sobre a Natureza Humana. Devido à acusação de ateismo, foi impedido de ensinar na Universidade de Edimburgo entre 1746 e 1748 foi enviado para missões diplomáticas. Enquanto esteve na Embaixada da Grã-Bretanha em Paris (1763-1765), tornou-se amigo de Jean Jacques Rousseau. O seu principal objectivo filosófico era introduzir o método experimental nas ciências do homem. Baseando-se em pressupostos empiristas negou o conhecimento de relações causais entre os fenómenos. Estas não passavam de simples associações provocadas pelo hábito. A influência de Hume foi enorme na filosofia de Kant, despertando-o, como este afirma, do seu "sono dogmático". Desenvolveu uma teoria moral sem recurso à religião. Combateu a ideia de fundar a religião na necessidade do Universo ter um criador. As suas ideias políticas influenciaram profundamente a Constituição dos EUA. Suas Obras principais são: Filosofia e Religião: A Treatise of Human Nature ("Tratado da Natureza Humana"), 1739-40; Philosophical Essays Concerning Human Understanding (1748) mudado para An Enquiry Concerning Human Understanding ("Uma Investigação Concernente ao Entendimento Humano"), 1758, principalmente uma revisão do Livro I do "Tratado"; Four Dissertations ("Quatro Dissertações"), 1757, incluindo a revisão do Livro II do "Tratado"; Dialogues Concerning Natural Religion ("Diálogos Concernentes à Religião Natural"), 1779. Política e Moral: Essay, Moral and Poltical (Ensaio, Política e Moral), 2 vol., 1741-42 e um posterior Three Essays, Moral and Political, 1748; An Enquiry Concerning the Principles of Morals ("Uma investigação concernente aos princípios morais"), 1751, uma revisão do Livro III do "Tratado", e; Politícal Discourses ("Discrusos Políticos"), 1752. História: The History ot England ("História da Inglaterra"), 6 Yol., 1754-62. Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 3 AS ORIGENS DAS IDÉIAS DE ACORDO COM DAVID HUME Para David Hume (1711 – 1776), considerado o maior filosofo empirista de todos os tempos, as nossas idéias não passam de simples copias de impressões, ou seja, é impossível pensar alguma coisa sem primeiro sentir. Todas as nossas idéias são cópias de impressões ou, em outras palavras, énos impossível pensar em algo que antes não tivéramos sentido, quer pelos nossos sentidos externos quer pelos internos. Tenho intentado3 explicar e provar esta proposição, e tenho também manifestado minhas expectativas de que, mediante sua adequada aplicação, se possa alcançar mais clareza e exatidão nos raciocínios filosóficos do que até agora se tem podido obter.(HUME, 1999,P. 75) Segundo Hume, em sua obra investigações sobre o entendimento humano, todos nós admitimos sem problema nenhum que há uma diferença considerável entre as percepções do espírito e quando depois recorda em sua memória esta sensação ou a antecipa por meio de sua imaginação. Uma pessoa sente a dor do calor excessivo ou o prazer do calor moderado. Estas faculdades podem imitar ou copiar as percepções dos sentidos, porém nunca podem alcançar integralmente a força e a vivacidade da sensação original. O máximo que podemos dizer delas, mesmo quando atuam com seu maior vigor, é que representam seu objeto de um modo tão vivo que quase podemos dizer que o vemos ou que o sentimos. Mas, a menos que o espírito esteja perturbado por doença ou loucura, nunca chegam a tal grau de vivacidade que não seja possível discernir as percepções dos objetos. Todas as cores da poesia, apesar de esplêndidas, nunca podem pintar os objetos naturais de tal modo que se tome a descrição pela paisagem real. O pensamento mais vivo é sempre inferior à sensação mais embaçada. (HUME, 1999, p.35) E Hume prossegue afirmando em sua obra que podemos observar distinções semelhantes nas percepções do espírito. E o exemplo que ele cita é o de um homem a mercê de um ataque de cólera que é diferente de um outro que apenas pensa nessa emoção. "Se vós me dizeis que certa pessoa está amando, compreendo facilmente o que quereis dizer-me e formo uma concepção precisa de sua situação, porém nunca posso confundir esta idéia com as desordens e as agitações reais da paixão". (HUME, Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 4 1999, p. 35). O nosso pensamento é um reflexo fiel e copia dos objetos afirma Hume. Quando refletimos sobre nossas sensações e impressões que as cores são fracas embaraçada se comparadas se comparada comas que reveste as nossas percepções originais. "Não é necessário possuir discernimento sutil nem predisposição metafísica para assinalar a diferença que há entre elas". (HUME, 1999, p. 35). Hume divide as idéias e percepções do espírito em duas classes distintas levando em conta o grau de forca e vivacidade. As menos fortes e menos vivas são geralmente denominadas pensamentos ou idéias. A outra espécie não possui um nome em nosso idioma e na maioria dos outros, porque, suponho, somente com fins filosóficos era necessário compreendê-las sob um termo ou nomenclatura geral. Deixe-nos, portanto, usar um pouco de liberdade e denominá-las impressões, empregando esta palavra num sentido de algum modo diferente do usual. Pelo termo impressão entendo, pois, todas as nossas percepções mais vivas, quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou queremos. (HUME, 1999, p. 35;36). Podemos então usar um pouco de liberdade para denominar estas impressões empregando num sentido diferente e usual. "As impressões diferenciam-se das idéias, que são as percepções menos vivas, das quais temos consciência, quando refletimos sobre quaisquer das sensações ou dos movimentos acima mencionados". (HUME, 1999, p. 36). Nada pode parecer mais ilimitado do que o pensamento humano, afirma Hume, e na escapada autoridade e do poder do homem e que nem sempre é reprimido dentro dos limites da natureza. Formar monstros e juntar formas e aparências incongruentes não causam à imaginação mais embaraço do que conceber os objetos mais naturais e mais familiares. Apesar de o corpo confinar-se num só planeta, sobre o qual se arrasta com sofrimento e dificuldade, o pensamento pode transportar-nos num instante às regiões mais distantes do Universo, ou mesmo, além do Universo, para o caos indeterminado, onde se supõe que a Natureza se encontra em total confusão. Pode-se conceber o que ainda não foi visto ou ouvido, porque não há nada que esteja fora do poder do pensamento, exceto o que implica absoluta contradição. (HUME, 1999, p. 36). Dar ênfase a alguns temas fundamentais, isto é necessário para melhor compreender o pensamento de Hume. Ele divide as percepções da mente em impressões e idéias. As impressões são fortes, vivas; tenho agora a impressão de um livro aberto na minha frente, mas quando troco ou simplesmente de lugar ou simplesmente tiro-o da minha frente, tenho apenas a lembrança, ou seja a idéia dele. Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 5 "O pensamento mais vivo é sempre inferior à sensação mais embaçada".(HUME, 1999, p. 36). Mas Hume não concorda com o fato de as idéias ser transformadas em percepção atual. Justifica-se então, a divisão das percepções da mente em impressões e idéias é uma distinção qualitativa. Na seção dedicada a origem das idéias, Hume confirma o seu empirismo. O movimento do nosso pensamento é derivado da sensibilidade. Sendo assim recebemos impressões através destas idéias. No nosso penssamento não há nada de tão absurdo. Tudo o que pensamos está dentro dos limites da sensibilidade. Aqui Hume nos dá o exemplo de uma montanha de ouro, na qual não existe nada de extraordinário basta termos a impressão da montanha e do ouro, são duas idéias unidas (montanha e ouro). Quando pensamos numa montanha de ouro, apenas unimos duas idéias compatíveis, ouro e montanha, que outrora conhecêramos. Podemos conceber um cavalo virtuoso, pois o sentimento que temos de nós mesmos nos permite conceber a virtude e podemos uni-la à figura e forma de um cavalo, que é um animal bem conhecido. Em resumo, todos os materiais do pensamento derivam de nossas sensações externas ou internas; mas a mistura e composição deles dependem do espírito e da vontade. Ou melhor, para expressar-me em linguagem filosófica: todas as nossas idéias ou percepções mais fracas são cópias de nossas impressões ou percepções mais vivas. (HUME, 1999, p. 36,37). Hume não é um realista mas também não é um Berkeley idealista de seu tempo. Analisando primeiramente a influência da vontade sobre os órgãos do corpo, ele conclui que o eu berkeliano não existe. De acordo com o conhecimento não somos apenas um, ou seja somos corpo e alma, observar o filosofo. De acordo com o movimento do nosso corpo temos então a consciência, que não pode ser prevista somente a partir da aparente energia ou poder. Em primeiro lugar, indagamos se há em toda a natureza algum princípio mais misterioso que o da união da alma com o corpo, pelo qual uma suposta substância espiritual adquire influência sobre uma substância material, de tal modo que o pensamento mais refinado é capaz de mover a matéria mais grosseira? Se tivéssemos o poder, por um desejo secreto, de mover montanhas ou controlar os planetas em sua órbita, esta ampla autoridade não seria mais extraordinária e não ultrapassaria demais nossa compreensão. Mas, se a consciência nos fizesse perceber um poder ou uma energia na vontade, deveríamos apreender este poder; deveríamos entender sua conexão com o efeito; deveríamos conhecer a união oculta da alma e do corpo e a natureza destas duas substâncias, por meio da qual uma é capaz de agir, de tantos modos, sobre a outra. (HUME, 1999, p. 77). Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 6 O termo idéia nada mais é do que um recurso retórico de Hume, ou seja parece não haver fundamentação ontológica. “Pode-se conceber o que ainda não foi visto ou ouvido, porque não há nada que esteja fora do poder do pensamento, exceto o que implica absoluta contradição”. (HUME, 1999, p. 35). Quando Hume afirma uma espécie de idealismo, ou seja, penso numa montanha de ouro, é uma impressão que se real. E como ele mesmo afirma idéias são copias. “Segundo, se ocorre (...)um cego não pode ter noção das cores nem um surdo dos sons”, afirma HUME. “Um lapão ou um negro, por exemplo, não têm nenhuma noção do sabor do vinho”. (1999, p. 35). Seguindo a lógica de Hume fazemos a seguinte pergunta para afirmar o empirismo: De que impressão deriva esta idéia? Estamos aqui preparando o caminho para o empirismo. A idéia de conexão necessária de Hume Todas as idéias derivam de impressões externas ou internas correspondentes, ou seja, todos os nossos pensamentos derivam das sensações, Hume demonstra que existem idéias que são abstratas por não possuírem suas respectivas impressões. Tais idéias são as de poder, força, energia ou conexão necessária entre dois eventos sucessivos. Não há idéias mais obscuras e incertas em metafísica do que as de poder, força, energia ou conexão necessária, às quais necessitamos reportar-nos constantemente em todas as nossas inquirições. Tentaremos, portanto, nesta seção, estabelecer e, por este meio, remover parte da obscuridade tão lamentada neste gênero de filosofia. (HUME, 1999, p. 75). Hume afirma não haver conhecimento quando não há uma impressão correspondente a uma idéia, torna-se impossível descobrir a conexão necessária existente entre uma relação de causa e efeito através da razão. Parece que esta proposição não admitirá muita controvérsia: todas as nossas idéias são cópias de impressões ou, em outras palavras, é-nos impossível pensar em algo que antes não tivéramos sentido, quer pelos nossos sentidos externos quer pelos internos. (HUME. 1999, p. 75) O filósofo demonstra que de um único evento jamais poderemos descobrir o poder ou a conexão necessária que ligue a causa ao efeito, pois a partir da experiência Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 7 sabemos que um objeto acompanha o outro em sucessão ininterrupta, porém não podemos conhecer a conexão responsável por este evento. O impulso de uma bola de bilhar é acompanhado pelo movimento de segunda. Eis tudo que se manifesta aos sentidos externos. O espírito não sente nenhuma sensação ou impressão interna em virtude desta sucessão de objetos; por conseguinte, não há, num só caso isolado e particular de causa e efeito, nada que possa sugerir a idéia de poder ou de conexão necessária. (HUME, 1999, p. 76). HUME exemplifica este fato dizendo que o calor é um acompanhante constante do fogo e que podemos perceber esta conjunção entre eles, mas jamais poderemos imaginar a conexão entre tal evento. ”Adquirimos assim a idéia de poder ou de energia e certificamo-nos que tanto nós como todos os outros seres inteligentes são dotados deste poder” (1999, p. 77). Ele admite a ignorância humana em relação à conexão entre sucessivos objetos ou eventos mas, segundo ele, os homens não encontram obstáculos para explicar tal conexão, afirmando perceber com exatidão a força da causa que a põe em conexão com o seu efeito. As cenas do universo variam continuamente; e um objeto acompanha outro em sucessão ininterrupta; porém, o poder ou a força que move toda a máquina está completamente oculto de nós e nunca se revela em nenhuma das qualidades sensíveis dos corpos. Sabemos que, de fato, o calor é um acompanhante constante de chama, mas não temos ensejo para conjeturar ou imaginar qual é a sua conexão. (HUME, 1999, p. 77). Para Hume temos procurado em vão uma idéia de poder ou de conexão necessária em todas as fontes de onde pudesse originar. Em toda a natureza não aparece um único exemplo de conexão passível de nossa concepção. Todos os eventos parecem inteiramente soltos e separados. Um evento segue o outro, porém jamais podemos observar um laço entre eles. Parecem estar em conjunção, mas jamais em conexão. Esta influência, devemos observar, é um fato que, como todos os outros eventos naturais, unicamente pode ser conhecida pela experiência e jamais pode ser prevista a partir da aparente energia ou poder situado na causa, unindo-a ao efeito e fazendo de um a conseqüência infalível da outra. O movimento de nosso corpo obedece à ordem da vontade. Disto temos sempre consciência. Mas o modo pelo qual isto se realiza, a energia conferida à vontade no desempenho deste processo tão Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 8 extraordinário, distanciam-se de nossa consciência imediata e devem excluir-se para sempre de nossa mais diligente investigação. (HUME, 1999, p. 77; 78). Segundo David Hume a indução por repetição não tem nenhum fundamento racional, uma vez que a conexão entre os sucessivos eventos nos é desconhecida. Mas, de onde surge a idéia de conexão necessária que permite inferir indutivamente? HUME responde que após a repetição de casos semelhantes, o espírito é impelido pelo hábito ou costume a aguardar um evento quando surge o outro, sendo que esta transição costumeira de um objeto ao outro é a impressão que origina a idéia de conexão necessária e que permite uma inferência indutiva. “Se tivéssemos o poder, por um desejo secreto, de mover montanhas ou controlar os planetas em sua órbita, esta ampla autoridade não seria mais extraordinária e não ultrapassaria demais nossa compreensão”. (1999, p. 78). Para HUME se não conhecemos o efeito, não conhecemos e nem sentimos o poder: Como, em verdade, poderíamos ser conscientes de um poder de mover nossos membros quando não temos um tal poder; mas apenas aquele de mover certos espíritos animais que, embora produzam em definitivo o movimento de nossos membros, agem de uma maneira que ultrapassa totalmente nossa compreensão? (1999, p. 79). Reassumindo, todas as nossas idéias são copias de uma impressão ou sensação. Se não podemos localizá-la, podemos assegurar que não há idéia: Em todos os casos isolados da atividade dos corpos ou espíritos, não há nada que produza uma impressão, nem, por conseguinte, que possa sugerir uma idéia de poder ou de conexão necessária. Mas quando aparecem vários casos uniformes, e o mesmo objeto é sempre seguido pelo mesmo evento, então começamos a admitir a noção de causa e de conexão. (HUME, p. 88). Sentindo um novo sentimento ou uma nova impressão, uma conexão costumeira no nosso pensamento. Este sentimento é a origem da idéia que procuramos. Como esta idéia nasce de vários casos semelhantes, por isso é necessário que seja individual. Ora, esta conexão ou transição costumeira da imaginação é a única circunstância que os faz diferir. Em todos os outros aspectos eles são semelhantes. O primeiro caso que vimos do movimento comunicado pelo Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 9 choque de duas bolas de bilhar – para retomar este exemplo evidente – é exatamente semelhante a não importa que caso que pode, no presente, se apresentar a nós; excetuando apenas que, a princípio, não podíamos inferir um evento do outro, o que somos capazes de fazer agora, depois de tão extensa série de experiências uniformes. Não sei se o leitor apreenderá facilmente este raciocínio. Temeria tomá-lo mais obscuro e complicado se multiplicasse as palavras e o considerasse sob vários aspectos. Em todos os raciocínios abstratos há um ponto de vista que, se afortunadamente o alcançamos, nos ilustra mais acerca do assunto que mediante toda a eloqüência do mundo. Devemos aspirar a este ponto de vista e reservar os floreios da retórica para oportunidade mais adequada. (HUME, 1999, p. 88). Percepções da mente humana Para David Hume as percepções da mente humana estão divididas em dois gêneros distintos, os quais chamam de impressões e idéias. Idéia de causa Para Hume, a noção de causalidade é muito enigmática porque, em nome desse princípio de causalidade, a todo momento afirmamos mais do que vemos, não cessamos de ultrapassar a experiência imediata. Por exemplo, em nome do princípio de causalidade (as mesmas causas produzem os mesmos efeitos ou o aquecimento da água é causa da ebulição). "Todas as causas e efeitos é igualmente necessária, e que sua aparente incerteza em certos casos decorre da desconhecida oposição de causas contrárias".(HUME, 1999, p. 94). Afirmo que a água que acabo de pôr no fogo vai ferver; prevejo a ebulição dessa água, portanto, tiro "de um objeto uma conclusão que o ultrapassa". "Quando lanço ao fogo um pedaço de lenha seca, meu espírito se vê obrigado imediatamente a conceber que ela aviva em vez de extinguir a chama". (HUME, 1999, p. 70). Todo raciocínio experimental, pelo qual do presente se conclui o futuro (a água vai ferver, a barra de metal vai se dilatar, amanhã fará dia etc.), repousa nesse princípio de causalidade. De onde me vem esse princípio? A qual impressão corresponde essa idéia? A "investigação" filosófica vai se apresentar aqui como uma pesquisa em todas as direções. Devemos proceder como essas pessoas que, ao procurarem um objeto que lhes está oculto e quando não o encontram no lugar que esperavam, vasculham todos Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 10 os lugares vizinhos sem visão nem propósitos determinados, na esperança de que sua boa sorte irá orientá-las no sentido do objeto de suas buscas. Vejamos para onde nos conduzirá essa busca filosófica. Hume não encontrará, em nenhum setor da experiência, uma impressão concreta de causalidade que torne legítima essa idéia de causa que pretendemos ter. Consideremos, de início, a experiência externa: vejo que o movimento de uma bola de bilhar é seguido do movimento de outra bola com que a primeira se chocou, assim como vejo que o aquecimento é seguido da ebulição: vejo, então, que o fenômeno M é seguido do fenômeno N. Mas o que não vejo é o porquê dessa sucessão. É certo que posso repetir a experiência e que, cada vez em que a repito, o fenômeno N se segue ao fenômeno M. Mas isto não esclarece nada. A repetição constante de um enigma não é o mesmo que sua solução. Vejo bem que, entre os fenômenos M e N, há uma conjunção constante, mas não vejo conexão necessária. Constato que M se mostra e que, depois, N aparece. Mas não constato que N aparece porque M se mostra. A experiência externa apenas me fornece o e depois, não me dá a origem do porquê. O impulso de uma bola de bilhar é acompanhado pelo movimento de segunda. Eis tudo que se manifesta aos sentidos externos. O espírito não sente nenhuma sensação ou impressão interna em virtude desta sucessão de objetos; por conseguinte, não há, num só caso isolado e particular de causa e efeito, nada que possa sugerir a idéia de poder ou de conexão necessária. (HUME, 1999, p. 76). Examinemos agora essa experiência, simultaneamente interna e externa, que faço a todo momento em que sinto o poder da minha consciência sobre meu corpo. Não terei aqui a chave do princípio de causalidade. Se quero levantar o braço, levantoo. Não é evidente que minha vontade é a causa do movimento de meu corpo? "um conhecimento exato da estrutura interna do corpo, das operações do entendimento, do funcionamento das paixões e das diversas espécies de sentimentos que distinguem o vício e a virtude". (HUME, 1999, p. 28). Mas, se refletirmos bem, essa experiência não é menos clara do que a precedente. Constato duas coisas: inicialmente, que quero levantar o braço, em seguida, que ele se levanta. Não sei absolutamente por meio de que engrenagem neuromuscular complexa se opera o movimento de meu braço. Um Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 11 paralítico, como eu, quer levantar o braço e, para surpresa sua, constata que nenhum movimento se segue ao seu desejo. Um homem subitamente atacado por uma paralisia da perna ou do braço ou que tenha recentemente perdido esses membros tende a princípio e com freqüência a movê-los e usá-los em suas funções habituais. Neste caso, está tão consciente do poder que governa estes membros como um homem de saúde perfeita é consciente do poder que move qualquer membro que permanece em sua condição e estado naturais. Mas a consciência nunca ilude. Por conseguinte nem num caso como no outro jamais temos consciência de um poder. Somente a experiência nos ensina a ação de nossa vontade. (HUME, 1999, p. 78). E eu, cuja língua ou cujos dedos se movem segundo minha vontade, não tenho o menor poder sobre meu coração ou sobre meu fígado. Lembramo-nos como a sucessão de meu querer e de meus movimentos espantava Malebranche a tal ponto que ele via em minha vontade apenas uma ocasião a partir da qual Deus produzia o movimento de meu corpo. Aos olhos de Hume, filósofo do século XVIII, essa hipótese é extravagante, mas ele retém a análise psicológica do grande filósofo francês. Ainda aqui, constato com surpresa que quero efetuar certos movimentos e depois que esses movimentos se realizam. Mas não constato o porquê, não tenho experiência de uma conexão necessária. Permanece enigmática a ação da alma sobre o corpo: Indagamos se há em toda a natureza algum princípio mais misterioso que o da união da alma com o corpo, pelo qual uma suposta substância espiritual adquire influência sobre uma substância material, de tal modo que o pensamento mais refinado é capaz de mover a matéria mais grosseira? Se tivéssemos o poder, por um desejo secreto, de mover montanhas ou controlar os planetas em sua órbita, esta ampla autoridade não seria mais extraordinária e não ultrapassaria demais nossa compreensão. Mas, se a consciência nos fizesse perceber um poder ou uma energia na vontade, deveríamos apreender este poder; deveríamos entender sua conexão com o efeito; deveríamos conhecer a união oculta da alma e do corpo e a natureza destas duas substâncias, por meio da qual uma é capaz de agir, de tantos modos, sobre a outra. (HUME, 1999, p. 78). Quer dizer enfim da esperiência puramente interior da sucessão de minhas próprias idéias? Deve admitir que minha reflexão atenta é causa das idéias que me ocorrem? Mas, de saída, segundo os casos ou os momentos, as idéias ocorrem ou Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 12 não. Pela manhã, elas ocorrem melhor do que à tarde (em alguns) e melhor antes da refeição do que após. Ainda aqui constato a existência de uma sucessão entre meu esforço de atenção e minhas idéias, mas não vejo conexão necessária entre os dois fatos. Por conseguinte, a conclusão se impõe. Não existe nenhuma impressão autêntica da causalidade. O que acontece é que eu acredito na causalidade e Hume explica essa crença, partindo do hábito e da associação das idéias. Crença é o nome verdadeiro e próprio desta maneira de sentir; ninguém jamais se encontra em dificuldade para saber o significado daquele termo, porque cada um está, em todo momento, consciente do sentimento que representa. Sem dúvida, não seria impróprio tentar uma descrição deste sentimento esperando chegar, por este meio, a algumas analogias que poderiam fornecer uma explicação mais perfeita. Digo, pois, que a crença não é nada senão uma concepção de um objeto mais vivo, mais vivido, mais forte, mais firme e mais estável que aquela que a imaginação, por si só, seria capaz de obter. (HUME, 1999, p. 66). Por que será que espero ver a água ferver quando a aqueço? É porque, responde Hume, aquecimento e ebulição sempre estiveram associados em minha experiência e essa associação determinou um hábito em mim. Coloco a água no fogo e afirmo, em virtude de poderoso hábito: vai ferver. Se estabeleço "uma conclusão que projeta no futuro os casos passados de que tive experiência", é porque a imaginação, irresistivelmente arrastada pelo peso do costume, resvala de um evento dado àquele que comumente o acompanha. Aparento antecipar a experiência quando, na verdade, cedo a uma tendência criada pelo hábito. Por conseguinte, a necessidade causal não existe realmente nas coisas. Referencias bibliográfica HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano: Ensaios morais, políticos e literários. São Paulo: Nova Cultural, 1999. HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano: Ensaios morais, políticos e literários. São Paulo: Nova Cultural, 1973. HUME, David. Tratado da Natureza Humana, Ed. Unesp São Paulo, 2001. Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M 13 http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Hume http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&ie=UTF-8&oe=UTF8&q=hume&btnG=Pesquisar&meta=lr%3Dlang_pt Benedito Maurílio Fagundes – Filosofia – 7ºP-M