A MICROPOLITICA NUMA ESCOLA BÁSICA: INTERAÇÕES NO COTIDIANO ESCOLAR Cristiane Cavalcante de Lima Universidade do Minho - Portugal INTRODUÇÃO O estudo que ora apresentamos é o resultado de uma investigação realizada no mestrado em Educação, com o objetivo de estudar uma escola pública brasileira. Numa perspectiva micropolitica (sem perder de vista os aspectos burocráticos) na busca de compreender a organização escolar como um sistema de interação individual e grupal, como uma rede com diferentes interesses, conflitos, poder e estratégia na dinamização do cotidiano escolar nos aspectos administrativo e pedagógico. Estamos na era das incertezas, onde a escola necessita ser (re)analisada e (re)estruturar sua função, pois percebemos que a escola não é apenas uma a agência formadora de profissionais, ela tem a capacidade de formar o ser humano no seu intelecto, um individuo cidadão que saiba respeitar e ser respeitado, num mundo cada vez mais globalizado. É uma era em que cada vez mais a economia, o mercado de trabalho interfere nos procedimentos escolares em nome da eficácia e eficiência, da competitividade e produtividade e da qualidade do ensino. A educação brasileira neste começo de século XXI apresenta-se em duplo sentido: de um lado está a não universalização do atendimento do ensino com qualidade, sobretudo no que se refere à educação básica, e do outro, as novas matrizes teóricas não apresentam consistência global necessária para indicar caminhos realmente seguros em uma época de profundas e rápidas mudanças. A atual política educacional brasileira é atrelada à política econômica, em que se evidencia a ‘racionalidade financeira’, enfatizando os custos e o retorno dos investimentos, ou seja, a educação é planejada em termos econômicos. E segue praticamente todas as diretrizes que os organismos multilaterais, particularmente do Banco Mundial recomendam. Desse modo, procuramos analisar as relações de poder na era das incertezas, onde a influência do sistema educacional na escola interfere no desenvolvimento das interações dos atores internos (professores, funcionários e equipe gestora), uma vez que, são estes diferentes atores na escola como organização, que realmente implementam as 2 políticas nas escolas, tornando se executores finais, no sentido de “poder” reformular ou resistir ou ainda, se submeter às políticas adaptadas nos níveis centrais. PROBLEMAS E QUESTÕES Identificar a influência das políticas educativas na escola? Como os atores escolares investigados agem e reagem, que conflitos são gerados, que interesses e jogos de poder são efetivados, ou seja, como as ações da política educativa são refletidas na praticidade das decisões administrativas e pedagógicas? Como o diretor se posiciona diante do grupo interno( professores e funcionários) e da política educacional do governo? Como são formadas as estratégias de alianças entre grupos? Analisar que grupo interno detém maior poder de influência e de decisões nas ações da escola sejam administrativas ou pedagógicas. Que tipo de interesses estão presentes nas relações?Como se posicionam a favor ou contra a direção da escola? OBJETIVO Estudar uma escola pública de educação básica no Brasil numa perspectiva micropolítica (sem perder de vista os aspectos burocráticos), buscando compreender as interações pessoais no seu cotidiano e sua influência no desenvolvimento do trabalho administrativo e pedagógico. METODOLOGIA Optamos por uma investigação qualitativa, na tradição fenomenológica e hermenêutica. Aproximamos o trabalho a um estudo de caso, em que selecionamos uma escola pública. Como técnica de recolha de dados privilegiamos: a análise documental de arquivos e atas dos órgãos de gestão da escola, conversas informais, a observação não participante e direta das reuniões pedagógicas e do conselho de escola, a observação direta não sistemática da vida cotidiana da escola e as entrevistas gravadas e não gravadas. 3 No período de setembro de 2001 a janeiro de 2003 realizamos a investigação em uma escola no município de Jaboatão dos Guararapes – Pernambuco. Fizemos cerca de 200 deslocações ao campo de pesquisa, produzimos um diário de campo com 48 páginas com notas dos principais acontecimentos do dia, como as pessoas agem e reagiam diante de cada circunstância organizada de maneira a perceber a relações organizacionais, a gestão e o pedagógico da escola, e as relações interpessoais. No universo de 44 funcionários foram entrevistados 33 professores e 08 funcionários. Os objetivos principais das entrevistas semi-estruturadas foram de analisar as opiniões dos entrevistados sobre o cotidiano escolar nas questões referentes a seus posicionamentos diante: da gestão educacional do governo e seu reflexo no cotidiano escolar nos aspectos administrativos e pedagógicos, conjuntura dos grupos internos, tipos de controle, pontos de consenso e de conflitos. Ressaltamos que nossa pesquisa assentou nas seguintes abordagens de análise: burocrática, política, e especialmente a micropolítica. Esta opção pela abordagem burocrática compreende-se na medida em que a escola possui alguns aspectos característicos da referida abordagem no seu cotidiano, tais como: a rotina, o regimento (normas abstratas), a carreira hierárquica, conjunto de objetivos claros de funcionamento, o consenso, entre outros, presentes em maior ou menor dimensão. Contudo, a abordagem burocrática negligência o lado informal da organização, ou seja, as relações informais que se desenvolvem no quotidiano da organização. Por outro lado, analisamos a abordagem política e optamos, sobretudo, por privilegiar a abordagem micropolítica a fim de compreender o desenvolvimento das interações interpessoais no interior da escola sem, no entanto, esquecemos o poder analítico de outras abordagens. Vale salientar que o presente trabalho surge também da seqüência de outros estudos focalizados na problemática da escola e dos seus atores, considerados em nossa pesquisa. Como podemos destacar alguns autores que se dedicaram a este campo de investigação, entre outros: Steve Ball, Eric Hoyle, John Blase, Maria González y González, Natércio Afonso, Licínio Lima, Vitor Paro e Guiomar N. Melo. RESULTADOS /CONCLUSÕES A figura do diretor como ator principal de nossa investigação, uma vez que seu papel é fundamental para a compreensão da micropolítica na escola, em que as responsabilidades contratuais do diretor e suas reais ações procuram manter o equilíbrio 4 dentro da organização. Ou seja, a organização requer um diretor que mantenha um grau mínimo de consenso entre seus atores para que ela funcione, pois as interações interpessoais exigem um maior ou menor grau de apoio mútuo entre o líder e os seus subordinados, na ação conjunta, no ajuste mútuo, nos acordos e nas negociações emergentes do cotidiano. A legitimidade da intervenção do diretor junto aos professores e funcionários depende da sua capacidade de influenciar essa intervenção dentro dos procedimentos reconhecidos como adequados para o cargo. Como também na sua competência do domínio técnico das tarefas condizentes ao cargo. Os interesses presentes nas estratégias usados pelos atores que apóiam o diretor consistem mais como forma de se proteger, de não se chamado atenção, de ter acesso às informações da direção, de conseguir algumas trocas a seu favor, como por exemplo: dispensa de faltas, escolha de turmas e horários, remanejamento de alunos problemáticos, ou mesmo ser ouvido as suas reivindicações ou como conselheiros também, ou seja, estes atores quase sempre apresentam algum tipo de interesse pessoal ou material no apoio ao diretor. Como também há indivíduos que a presença da concepção burocrática é bastante presente, tais como: obediências ao chefe, respeito à hierarquia, as normas, em que o indivíduo entende que o diretor tem sempre razão, pois ele é o representante legal, e que os indivíduos não devem se posicionar contra a chefia. E procuram cumprir de modo tradicional com os deveres pedagógicos. Os atores se posicionam contra o diretor, a partir do momento em que seus interesses não são atendidos, ou seja, os seus argumentos não são ouvidos, seus pedidos são indeferidos, não há correspondência entre o que o indivíduo pretende e o que a direção oferece. Assim, o individuo procura usar diferentes estratégias como forma de conseguir o que deseja. Usam táticas mais ofensivas para atrair aliados na defesa de seus interesses, através de seu poder de influência relacional e outras vezes usam táticas mais defensivas como: de isolamentos, ou não cumprindo suas tarefas eficientemente. Os atores investigados salientaram que os conflitos decorrem também pela falta de união, de entrosamento, de cooperação, entre os indivíduos, que também há diferenças de tratamento entre os grupos, assim o indivíduo que não faz parte de nenhum grupo ou que faça parte de outro grupo, é desprezado ou excluído das conversas. É uma forma de diminuir o poder de influência do grupo ou ator sobre a informação e táticas de acordo com grupos. 5 As principais estratégias de formação de grupos recaem sobre os interesses pessoais, podendo ser na realização de um projeto, numa troca de experiência, por idade e por turnos, pela mesma função, pela mesma concepção de apoio a direção ou contrários a direção, são momentâneos, até a consumação de interesses comuns ou fixos. A antiguidade do tempo de serviços desempenhados pelos indivíduos, ainda é considerada como uma fonte de poder e quando esta argumentação não é vista a favor deles, eles recriminam e gera conflitos com os mais novos. A influência política da Secretaria de Educação freqüentemente presente no cotidiano escolar interfere negativamente ou positivamente nas interações desenvolvidas na escola, visto que essa tem que seguir as orientações vindas desta instituição, as reformas educativas deram uma pseudo-autonomia a escola. A Secretaria de educação influi mais negativamente nas ações dos indivíduos e grupos, uma vez que seus interesses pessoais e até comunitários são prejudicados. Os educadores terminam por utilizar algumas estratégias defensivas no dia a dia da escola, através de suas posturas, comentários, e até uma “certa greve”, como o não o preenchimento de cadernetas e elaboração de planejamentos. Ou ainda, chegam a usar estratégias ofensivas como: culpar abertamente a Secretaria de educação seja nas reuniões ou nas conversas com alunos, pais e população, com meio de conscientizar e reverter suas opiniões, pois acreditam que os governantes não têm compromisso e responsabilidade com a educação. Influi positivamente naqueles indivíduos que possuem uma concepção burocrática e concordam com as diretrizes vindas da secretaria de educação. A interação dos educadores com os pais transita entre culparem um ao outro pelo fracasso escolar. Os educadores culpam os pais pela ausência de uma efetiva participação pedagógica na vida escolar de seus filhos, como também pela falta de educação doméstica ofertada pela família. E os pais reclamam que os professores já não ensinam como antigamente. Mas, os educadores salientam que a crise na educação é um problema social, e procuram minimizar a responsabilidade dos pais no processo de aprendizagem de seus filhos, eles passam a culpar o governo pela questão social a qual passa o país. Enfim, há um grande desafio a vencer na busca de uma educação mais eqüitativa, inclusiva e de qualidade, onde todos nos somos responsáveis pelo sucesso da organização escolar. 6 Desde já, temos a consciência de reconhecer as limitações que o nosso trabalho possui, e que as conclusões que aqui chegamos são transitórias, uma leitura possível, entre muitas outras. Acreditamos, no entanto, ter dado alguma contribuição teórica, na complexidade do desenvolvimento das interações na escola.