MESTRADO SOBRATI Kátia Freitas Jaber ASPECTOS SOCIAIS QUE INTERFEREM NO ATENDIMENTO À GRANDE EMERGÊNCIA CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ FEVEREIRO/2012 0 Kátia Freitas Jaber ASPECTOS SOCIAIS QUE INTERFEREM NO ATENDIMENTO À GRANDE EMERGÊNCIA Dissertação apresentado Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva – SOBRATI – como parte do requisito para obtenção do título de Mestre em Terapia Intensiva. Orientadora: MSc. Dolores Fernandes CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ FEVEREIRO/2012 1 DEDICATÓRIA Aos meus colegas de trabalho, por terem me estimulado no estudo deste Mestrado terem me mostrado a necessidade de manter continuamente aprendendo, a fim de valorizar o ideal da minha profissão. 2 “Age sempre de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na do outro, como fim e não apenas como meio”. Kant 3 DECLARAÇÃO DE AUTORIA Eu, Kátia Freitas Jaber, RG 03930322-7 IFP/RJ, declaro para os devidos fins, sob as penas da lei, que o trabalho intitulado: Aspectos Sociais que interferem no atendimento à Grande Emergência é de minha autoria, estando o Mestrado de Terapia intensiva autorizada a divulgá-lo, mantendo cópia em biblioteca, podendo inclusive publicá-lo em revista e boletim da instituição, indicando a devida autoria supracitada, sem ônus referentes a direitos autorais. Campos dos Goytacazes, 30 de janeiro de 2011 _________________________________________ Kátia Freitas Jaber 4 RESUMO Este estudo surgiu perante meus questionamentos frente à realidade do setor de emergência que passa por situações sociais que interferem no atendimento. Esta realidade agride as condições de cidadania do indivíduo. Trata-se de um fenômeno não esporádico no nosso país. Ao assistir ao paciente, o enfermeiro é capaz de visualizar quais são as principais necessidades básicas. No entanto, os aspectos sociais vêm levando um grande número de pessoas a procurar o setor de emergência. De forma que esta literatura será mais uma fonte para discutir a condição de trabalho do enfermeiro no tratamento dos doentes e procurar contribuir para a sensibilização da equipe de saúde em condições adversas. Palavras-chave: Emergência; Atendimento; Aspectos Sociais. 5 ABSTRACT This study front to the reality of the emergency sector appeared before my questionings that passes for social situations that intervene with the attendance. This reality attacks the conditions of citizenship of the individual. One is about a not sporadical phenomenon in our country. When attending the patient, the nurse is capable to visualize which is the main basic necessities. However, the social aspects come taking a great number of people to look the emergency sector. Of form that this literature will be plus a source for nursing academics, that argue the condition of work of the nurse in the treatment of the sick people and to look for to contribute for the sensitization of the team of health in adverse conditions. Key-words: Emergency; Attendance; Social Aspects 6 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................................09 2. FATORES RELACIONADOS À SAÚDE DE UMA POPULAÇÃO................................10 3. ASPECTOS ECONÔMICOS E FINANCEIROS QUE DIFICULTAM O ACESSO DA POPULAÇÃO À SAÚDE.......................................................................................................22 4. CONCLUSÃO.........................................................................................................................42 5. REFERÊNCIAS......................................................................................................................44 7 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Atendimento por especialidade............................................................................. 38 Gráfico 2 – Procedência dos clientes......................................................................................... 38 Gráfico 3 – Atendimento pela equipe multiprofissional.............................................................39 8 1. INTRODUÇÃO Subitamente, uma doença ou agravo coloca uma pessoa em situação de risco imediato de morte ou incapacidade. Nos grandes centros urbanos, este parece ser um risco crescente, gerando na população um sentimento de risco constante, ou seja, de vir a sofrer um dano à saúde capaz de ameaçar a sua vida, ou a de alguém querido. A necessidade de manutenção de uma porta de entrada qualificada e integrada na atenção de urgência e emergência tem causado uma discussão em torno da regulação, como conceito atrelado à capacidade de resposta frente às demandas de saúde, e como instrumento de ordenação e orientação da assistência, em seus diversos níveis. Desse modo, a recente estruturação de centrais de regulação nos estados apresentam-se como ferramenta importante para a implementação de regionalização da saúde, otimizando a busca pela melhor alternativa terapêutica do momento, de acordo com as necessidades do usuário. No Brasil, o processo regulador da atenção suplementar em saúde tem se construído dentro da perspectiva de regulação das condições contratuais, sobretudo para a correção das falhas de mercado (BRASIL/ANS, 2003). Fica limitada ao universo de cobertura e abrangência de cada empresa, cooperativa ou seguro, balizada pelas regulamentações específicas – Lei 9.656 e Resoluções CONSU números 10 e 13 a regulação específica da atenção de urgência e emergência. Para o usuário, a Lei trouxe a garantia legal do cumprimento dos itens contratuais quanto à cobertura de procedimentos, incluído-se os de urgência e emergência, que passam a constar obrigatoriamente no elenco de ações a serem ofertadas pelo contrato. 9 2. FATORES RELACIONADOS À SAÚDE DE UMA POPULAÇÃO 2.1 Fatores sociais, econômicos e culturais A saúde de uma população está relacionada com diversos fatores sociais, econômicos e culturais. No país em desenvolvimento, agrega-se a isso um fator de maior relevância, quando se analisa a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, as políticas de ajuste estrutural, que foram aplicadas no final da década de 70 e o início dos anos 80. Estas políticas estão baseadas na diminuição dos gastos públicos como forma de reduzir os deficits dos Governos, no pagamento dos serviços de saúde e outros serviços sociais pelos usuários, no congelamento dos salários e na redução do setor público. A aplicação destas políticas contribuiu para a quebra do sistema de saúde pública e para a deteriorização da sua capacidade preventiva e curativa. Uma das conseqüências foi o aumento da vulnerabilidade dos setores mais pobres da sociedade, causada pelo aumento dos preços dos alimentos, maiores custos do atendimento à saúde, diminuição dos salários reais e a elevação do desemprego. Podemos afirmar que as políticas de ajuste estrutural causaram um considerável atraso no setor de saúde do país e uma piora dos indicadores de saúde, acompanhados de aumento de doenças que já haviam sido erradicadas em muitas regiões, como a desnutrição, tuberculose e enfermidades de transmissão sexual. Quando os governos responsáveis por tomar decisões nas áreas sociais fazem com que os mais pobres tenham de pagar em maior proporção os custos relacionados com a saúde, significa que ela não é mais um direito básico para aqueles que mais necessitam. Segundo o princípio das políticas de ajuste, a possibilidade dos cidadãos de acederem à saúde e de poder ou não curar torna-se uma função direta e explícita do dinheiro. Está-se afirmando com este princípio, na prática e no direito, uma cidadania que poderíamos chamar 10 de monetária, já que o acesso à atenção à saúde e à cura depende do pertencimento ou não a uma classe social que permita o exercício deste direito. A saúde de uma população está intimamente relacionada ao modo de produção da sociedade. Além de bens e serviços, são produzidas relações sociais constituídas históricas e socialmente, que se expressam em diferentes condições de vida e trabalho, de saúde, adoecimento e morte. É um contexto de profundas diferenças sociais que atuam os determinantes dos processos de saúde-doença, cujo enfrentamento não é possível apenas no âmbito do setor saúde, passando necessariamente por articulações intersetoriais e por políticas sociais gestadas a partir da sociedade civil. Esta profunda desigualdade nas condições de vida e trabalho expressa-se também no modo como se dá a distribuição, apropriação e ocupação do espaço urbano e de sua infraestrutura, serviços e equipamentos sociais como escolas, creches, parques, serviços de saúde, saneamento básico, entre outros. Há diferenças profundas no que diz respeito à qualidade dos serviços e no direito ao acesso a esses mesmos serviços. Quase, sem que a opinião pública se dê conta, vem acontecendo nos últimos anos sérias mudanças nas estratégias sanitárias globais, traduzidas na prática por um distanciamento do Estado de suas responsabilidades de proporcionar atenção à saúde para todas as pessoas ou pelo menos para aquelas mais carentes. 2.2 O homem e a saúde Ao final do século XVIII e início do século XIX é que a ordem econômica capitalista se consolida, e a desintegração social de comunidades de pequenos produtores teve papel fundamental, pois ocorreu a liberação dos vínculos de dependência com a soberania feudal. 11 Com o passar do tempo, foi-se perceber do que o capitalismo liberal mantinha as pessoas sob pressão e com ansiedades. A desigualdade de condições sócio-econômicas associadas à exploração da força de trabalho começou a gerar conflitos que demonstram o descontentamento e a sensação de impotência para mudança, bem como uma forma de expressar a fragmentação do sistema. No capitalismo baseado no Calvinismo, o trabalho é demasiadamente valorizado e gerador de riquezas, pois ela deve ser criada e reinvestida na produção de novas riquezas, sendo condenado seu uso para o prazer da vadiagem e de aproveitamento pecaminoso da vida. Nesta época, a saúde era vista com os olhos da classe dominante, que necessitava da força de trabalho para a manutenção do sistema e passava a legitimar a relação dominador/dominado. A Revolução Industrial aumentou os domínios nos campos de atividade econômica. Os burgueses em ascensão tornam-se patrões de vizinhos empobrecidos no momento em que injetam capital nas fabriquetas a fim de que sejam inseridas no novo sistema. As mudanças ocorreram, como cita Deane (1975, p. 11): na aplicação sistematizada e generalizada do conhecimento científico ao processo de produção nacional; atividade econômica com vistas ao mercado internacional; o êxodo rural; a exposição da produção que antes era realizada pela família e agora pela empresa; alteração entre o uso de instrumentos e trabalho humano; surgimento de novas classes sociais. Hoje, o trabalho está cada vez mais direcionado à busca da satisfação das necessidades básicas, de realização dos sonhos e das fantasias. O indivíduo produtivo torna-se integrado ao que culturalmente representa boas condições de saúde, pois participa da elaboração necessária ao bom desenvolvimento da organização, da família, da comunidade em que vive e de sua própria vida enquanto responsável por si próprio. 12 2.3 Instituição hospitalar: uma visão sócio-cultural O processo evolutivo da instituição hospitalar, segundo Pitta (1991), iniciou tendo a função de esconder os pobres, doentes e vadios do convívio social cuidando-os até a morte. Hoje sua função principal é salvar vidas, buscar técnicas capazes e adequadas ao tratamento bem como facilitar a pronta recuperação. No processo evolutivo, o aspecto saúde-doença é guiado pela ideologia dominante nos contextos social, político, econômico e cultural das mais diferentes épocas históricas e seus contextos, o que faz ser vista como uma condição relativa e dinâmica. Segundo Rezende (1986) nas três últimas décadas, enquanto instituição, a saúde tem preenchido espaços no setor econômico, nos meios de comunicação, nas políticas públicas e enquanto necessidade social. Hoje, também a enfermagem engloba uma história progressiva com caráter científico e um desenvolvimento linear. O dinamismo da assistência de enfermagem está incorporado às novas tecnologias e procedimentos no trabalho com objetivo de aprimorar o ato de cuidar. Conforme Pitta (1991), apesar de toda transformação e progresso, falar em hospital, doença, possibilidade de perda, sofrimento, dependência e rompimento do processo produtivo causa ansiedade e desconforto às pessoas. Parece que dificilmente a imparcialidade sobrepõem-se ao profissionalismo puro. Torna-se explícito que o paciente internado carrega consigo a patologia a ser tratada, todos os problemas conseqüentes, suas crenças, a própria percepção de seu estado e suas fantasias. 13 O paciente é despojado de si mesmo e inserido ao todo. A ameaça dos seus sonhos,as conquistas, aos objetivos de vida torna-se constante. Ela abre mão, muitas vezes, de seus valores, suas ambições, e até mesmo de sua identidade. 2.4 O contexto psicossocial de pacientes internados na Unidade de Emergência Família é a instituição que funciona como base de convívio social das pessoas. São elas que preparam o ser humano para enfrentar o mundo exterior, inserindo-o definitivamente em uma comunidade, na qual interagirá e formará novas famílias. Quando o enfermeiro não se relaciona com seus pacientes e familiares, não procurando compreendê-los para solucionar ou minimizar seus problemas, promove a inviabilização da interelação terapêutica, perdendo, consequentemente, um poderoso instrumento de cuidado de enfermagem. Cada parente reage de uma forma perante a internação de seu paciente na unidade de emergência, o que dificulta o manejo. Cada membro da família também tem sua singularidade, mas que não pode ser ignorado ou até mesmo excluído durante o processo terapêutico. A influência dos valores e costumes de uma comunidade humana sobre a percepção dos sintomas, da enfermidade, sua interpretação e técnicas de tratamento. Enfim, não se pode compreender as reações das pessoas frente às questões ligadas ao binômino saúde-doença sem considerar a cultura em que foram educados e formas culturais específicas de organização social nessa área. Franco e Jorge (2002) colocam que as instituições hospitalares não estão preparadas para trabalhar com o familiar, ou seja, não existe sua institucionalização, ficando o doente 14 longe de seu parente, induzindo-o ao padecer psíquico. Citam que a enfermagem tem dado uma importância em especial para a abordagem holística, mas a prática, muitas vezes, tem-se encarregado de contrair essas expectativas. Papp (1992) afirma que o terapeuta deve centrar sua atenção na compreensão do comportamento de um indivíduo e não primeiramente, na causa que o levou ao comportamento, além de como pode afetar o dos demais integrantes, no intuito de reestabelecer a homeostase familiar. Essa forma de interação é chamada por ele de organização circular. Ao reportarmos-nos ao paciente internado na unidade de emergência, é importante lembrar que este requer cuidados imediatos. Essa situação pode provocar, na família, sentimentos de importância, fraqueza e despreparo, como explicita Papp (1992). Assim, é nessa hora, na qual a família pode não ter condições de enfrentar os conflitos internos sozinha, que o enfermeiro deve tornar-se co-participe desse processo, já que seu potencial terapêutico pode amenizar o sofrimento psíquico causado por essas transformações. Em um hospital, a prioridade da equipe de saúde é o tratamento do doente, e, da família, é o cuidado do familiar paciente, às vezes, em detrimento do próprio cuidado individual de cada um dos membros, tendo, em conseqüência, toda a sua vida e dinâmica diária modificada. Se a doença é considerada como um momento de crise, que exige atenção, solidariedade e apoio incondicionais dos membros familiares, a família exige, então, a permanência ao lado de seu parente querido como modo de mostrar interesse e dedicação (MOTTA; FRANCO e JORGE; HENCKEMAIER, 2002). No entanto, ao se falar de unidade de emergência, esses valores perpetuados pela família muitas vezes são deixados em segundo plano, já que nela os familiares não podem acompanhar totalmente o familiar-paciente, mas em horários predeterminados pela equipe de saúde e pela instituição para a realização de visitas. 15 O sofrimento vai além do saber físico. Caracteriza-se por uma função de conotações culturais, subjetivas, sociais e espirituais, ou seja, é a ansiedade, a depressão, a solidão e o sentimento de não sentido da vida. Em função disso, o sofrer acentua o processo de desestruturação da família porque invade toda a sua integridade enquanto grupo social, alterando todas as perspectivas futuras (PESSINI, 2002). O profissional de saúde que desvaloriza as contribuições culturais da família no processo de adoecimento enriquece a postura etnocêntrica das relações, o que só aumenta o grau de distanciamento entre profissionais e família do paciente, já que os conhecimentos biomédicos muitas vezes podem se sobrepor às visões de mundo e experiências de familiares. 2.5 A unidade de emergência Define-se unidades de emergência como locais apropriados para o atendimento de pacientes com afecções agudas específicas onde existe um trabalho de equipe especializado e podem ser divididas em pronto atendimento, pronto socorro e emergência (WEHBE e GALVÃO, 2001). Para o Ministério da Saúde (1985), pronto atendimento é a "unidade destinada a prestar, dentro do horário de funcionamento do estabelecimento de saúde, assistência a doentes com ou sem risco de vida, cujos agravos a saúde necessitam de atendimento imediato"; pronto socorro é o "estabelecimento de saúde destinado a prestar assistência a doentes, com ou sem risco de vida, cujos agravos a saúde necessitam de atendimento imediato. Funciona durante às 24 horas do dia e dispõe apenas de leitos de observação"; e emergência é a "unidade destinada a assistência de doentes, com ou sem risco de vida, cujos agravos a saúde necessitam de atendimento imediato". 16 Devem ser considerados na implantação e desenvolvimento de unidades de emergência: área geográfica, recursos humanos e materiais disponíveis. Na organização de um serviço de emergência eficiente e eficaz, são imprescindíveis as figuras do diretor e o coordenador do serviço de trauma. O primeiro, em geral, é um médico; o cargo de coordenador deve ser ocupado por enfermeiro que tenha extenso conhecimento dos aspectos que envolvem o cuidado do paciente com trauma (WEHBE e GALVÃO, 2001). Conforme definição do Conselho Federal de Medicina - CFM, pela Resolução 1451/95,URGÊNCIA, é “a ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de via, cujo portador necessita de assistência médica imediata”, e EMERGÊNCIA, é “a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, o tratamento médico imediato”. Assim, o balizamento é dado pela irreversibilidade da morte ou de uma condição de dano permanente à saúde. Conforme a Resolução, o médico enfeixa total autonomia para a definição do que é ou não condição de urgência/emergência. O conceito de soberania do ato médico, do ponto de vista jurídico, confirma a situação de autonomia inquestionável, e não pode sofrer influência ou constrangimento por parte de nenhum outro profissional, nem mesmo outro médico (BRAGA, 2003). O atendimento de urgência/emergência, no Estado do Rio de Janeiro, não se encontra limitado à demanda que chega aos serviços assim classificados, e nem à especialidade médica de socorrista. O Parecer 35/95, do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro – CREMERJ afirma que a especialidade não deve se constituir em entrave ao atendimento à população. Apenas em condições classificadas como de urgência e emergência, e sem a presença de outro médico, é que a responsabilidade para a prestação do primeiro atendimento é colocada. Contudo, contrapõe-se a esta responsabilização o fato de que o médico poderá 17 recusar-se a prestar seus cuidados se avaliar que a situação requer conhecimento além do seu alcance, ou seja, insuficiente ou inadequado. 2.6 A enfermagem e a situação de emergência frente a humanização da emergência Profissionais atuantes na unidade de emergência precisam receber treinamento específico, seja técnico e científico, seja uma educação continuada que esteja voltada para o autoconhecimento, para que tenham domínio de suas próprias emoções e conhecimento de seus limites e de suas possibilidades. Contudo, a angústia e a ausência de informações aos familiares são fontes de tensão nesse ambiente (TACSI e VENDUSCOLO, 2004). Nos grandes centros urbanos, os serviços de pronto atendimento recebem uma demanda de pacientes bastante alta. Sendo assim, a tendência da equipe é trabalhar com rapidez e eficácia a fim de minimizar as situações de risco de vida. Em face de um paciente em situação de risco iminente, ocorre nos profissionais e, sobretudo, na equipe de enfermagem, uma diversidade de respostas subjetivas, as quais são produto de uma reação intensa a essas experiências, bem como das relações que se estabelecem com o paciente e sua família. Trata-se de conseqüência da sensibilidade característica dos seres humanos (TACSI e VENDUSCOLO, 2004). Ademais, o papel do enfermeiro na unidade de emergência consiste em obter a história do paciente, fazer exame físico, executar tratamento, aconselhando e ensinando a manutenção da saúde e orientando os enfermos para uma continuidade do tratamento e medidas vitais. É de responsabilidade do enfermeiro desta unidade a coordenação da equipe de enfermagem enquanto parte vital e integrante da equipe de emergência (WEHBE e GALVÃO, 2001). 18 Segundo Gomes (1994), os "enfermeiros das unidades de emergência aliam à fundamentação teórica (imprescindível) a capacidade de liderança, o trabalho, o discernimento, a iniciativa, a habilidade de ensino, a maturidade e a estabilidade emocional". Então, é preciso constante atualização destes profissionais, eis que desenvolvem com a equipe médica e de enfermagem habilidades para que atuem em situações inesperadas de forma objetiva e sincrônica. Desse modo, o enfermeiro que atua nesta unidade deve ter "conhecimento científico, prático e técnico, afim de que possa tomar decisões rápidas e concretas, transmitindo segurança a toda equipe e principalmente diminuindo os riscos que ameaçam a vida do paciente" (MARTIN, 1988). A humanização no contexto hospitalar, face às situações sociais de internação na unidade de emergência parece-nos ainda apenas presente na teoria e na literatura, já que a premissa básica desses setores continua sendo o tratamento da doença grave, ou seja, do físico, do patológico, escanteando o tratamento do ser humano e de sua família que o acompanha. Pensamos que somente poderemos humanizar nossa assistência prestada quando passarmos a incluir no ambiente terapêutico as vivências e relações sociais dos nossos pacientes. Sendo a emergência uma porta aberta para as emergências clínicas e traumáticas; associadas aos fatos sociais da região caracterizados pelo desemprego, desnível social, falta de estrutura em outras áreas de saúde no município, que vem sobrecarregando os leitos da emergência, fazendo com que o enfermeiro por muitas vezes exilem os familiares do paciente, esquecendo-se que este também é formado de emoções, vínculos e motivações; ao mesmo tempo a enfermagem de um modo geral o tecnicismo assume um papel relevante na prestação da assistência de enfermagem e o imediatismo das atividades determina a sua qualificação. Dessa forma, o comportamento puramente técnico, muitas vezes, leva a equipe a sobrepor 19 seus conhecimentos aos do paciente e de sua família, contribuindo ainda mais para o desmantelamento das relações interpessoais equipe de enfermagem-família do paciente. Deve-se recordar que cada pessoa, sendo única, responde às condições adversas com sua vida de maneiras totalmente distintas. O acometimento de uma doença, mesmo tendo à mesma etiologia, pode desencadear insegurança, dúvidas, contradições e ansiedades dos mais variados estilos possíveis. E, logicamente, assim reagirá a família, enquanto instituição social e também exclusiva em suas peculiaridades. Por mais breve que seja, um olhar, um diálogo, são formas de humanização que dificilmente serão esquecidas pelos pacientes e por seus familiares. A enfermagem deve aproveitar os seus momentos de assistência e trabalhar neste contato as necessidades biopsicossociais abalados do paciente, pois este é o novo paradigma da enfermagem. Diante das características específicas da unidade de emergência, o trabalho em equipe torna-se fundamental. Logo, o enfermeiro "deve ser uma pessoa tranqüila, ágil, de raciocínio rápido, de forma a adaptar-se, de imediato, à cada situação que se apresente à sua frente", ou seja, preparado para o enfrentamento de intercorrências emergentes. Para isso, necessita de conhecimento científico e competência clínica (experiência) (WEHBE e GALVÃO, 2001). Mas, isso não é tudo. Wehbe e Galvão (2001), ao descreverem um conjunto das atividades desenvolvidas pelos enfermeiros de emergência de um hospital em que atuaram, afirmam que, embora os profissionais estivessem envolvidos na prestação de cuidados diretos ao paciente, em muitos momentos houve “uma sobrecarga das atividades administrativas em detrimento das atividades assistências e de ensino”. Dada esta realidade vivenciada pelos enfermeiros, a literatura analisa a função administrativa do enfermeiro no contexto hospitalar, enfatizando que este profissional "tem se limitado a solucionar problemas de outros profissionais e a atender às expectativas da 20 instituição hospitalar, relegando a plano secundário a concretização dos objetivos do seu próprio serviço" (TREVIZAN, 1988). Assim, enfermeiros precisam repensar sua prática profissional porque "quando o enfermeiro assume sua função primordial de coordenador da assistência de enfermagem, implementando-a por meio de esquema de planejamento, está garantido o desenvolvimento de suas atividades básicas (administrativas, assistências e de ensino) e promovendo, conseqüentemente, a melhor organização do trabalho da equipe, que passa a direcionar seus esforços em busca de um objetivo comum que é o de prestar assistência de qualidade, atendendo às reais necessidades apresentadas pelos pacientes sob seus cuidados" (PEIXOTO apud WEHBE e GALVÃO, 2001). 21 3. ASPECTOS ECONÔMICOS E FINANCEIROS QUE DIFICULTAM O ACESSO DA POPULAÇÃO À SAÚDE 3.1 A Regulamentação da Assistência Médico-Hospitalar No Brasil, segundo Mendes (2001), o sistema de saúde sempre foi limitado no que se refere ao acesso universal e igualitário. Foi a partir de 1985 que, seguindo a maior parte do mundo capitalista, verificou-se o embate entre as concepções de Estado de Bem-Estar Social e de Estado liberal. Então, as políticas de Bem-Estar Social promoveram relevantes avanços na elaboração de uma proposta de Reforma Sanitária, com fundamento no princípio da saúde enquanto direito de todos e dever do Estado. Durante a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, princípios e diretrizes da Reforma Sanitária foram sistematizados; a promulgação da Constituição de 1988 fez vigorar o SUS, que tinha como diretriz de organização o acesso universal, a eqüidade, o controle social, a gestão única, em cada nível de governo, e a responsabilidade do Estado pela saúde do cidadão (MENDES, 2001). No final dos anos 80, as iniciativas de reforma liberal do Estado brasileiro tornaram-se mais evidentes. Os procedimentos se transformaram em meta dos governos subseqüentes, mormente na gestão de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1994, inviabilizando o SUS pelas restrições ao seu financiamento (MENDES, 2001). Desse modo, afirma Mendes (2001): “[...]a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) vem sendo dificultada pelas restrições de financiamento do Sistema e pelo privilégio concedido aos modelos de saúde desenvolvidos pela iniciativa privada”. Desde o final dos anos 80, o tema Regulamentação da Assistência Médico-hospitalar suplementar vem integrando a agenda governamental, apesar da postergação, durante anos, da 22 votação de diversos projetos referentes à atuação das empresas que operaram neste setor (ALMEIDA, 1998). Além do abusivo de preços, a negação de atendimento, a exclusão de coberturas, atitudes antiéticas que ameaçam a situação de saúde e a vida de usuários, levaram a um crescente número de reclamação junto a entidades representantes do consumidor e do poder judiciário, provocando intensa repercussão nos meios de comunicação. No que diz respeito às clientelas que utilizam o serviço do setor público e do setor supletivo de saúde, não se pode considerar que existe uma divisão rígida entre elas. O que se observa é uma sobreposição da clientela, pois certamente uma parcela de beneficiários das empresas de planos e seguro de saúde também são usuários do SUS. A diferença dos valores per capita disponíveis para o SUS e para as operadoras de planos e seguros de saúde está relacionada as diferenças de conforto no acesso aos serviços de saúde que, por sua vez, supõe-se ser um dos fatores que estimula a procura pelos planos de saúde. Garantir à população o acesso a um serviço de qualidade que está instalado de forma heterogênea na região em estudo, onde há concentração de recursos instalados no local da pesquisa, inclusive de alta complexidade, opondo-se a regiões carentes de recursos, faz com que os usuários dos planos de saúde procurem a utilização dos serviços públicos, principalmente nas situações de atendimento de emergência. A emergência, por sua vez, cujo objetivo é atender a situação que implica risco imediato de vida ou lesões irreparáveis para o paciente, tornou-se resolução para a clientela com condições socioeconômicas melhores do que o próprio usuário do SUS, devido à burocracia do plano por eles eleito. Em situações extremamente graves, o SUS tem assumido quase que totalmente o ônus pela atenção de emergência enquanto que os problemas mais leves e corriqueiros são os que 23 com mais freqüência chegam ao setor de saúde suplementar. Segundo Bahia (1999), o serviço público assume os riscos “catastróficos”, enquanto que o setor dos planos e seguros prefere ficar com a fatia dos chamados riscos “menores”. Em pesquisa realizada pela ANS em março de 2002 sobre a satisfação do usuário, foram trazidos elementos novos para discussão sobre o tema. Segundo dados, 84% dos entrevistados declararam-se satisfeitos com o atendimento; porém, 30% destes mesmos usuários declararam que utilizavam o SUS em casos de emergência; seja pela proximidade do serviço em relação à residência, ou quando não há tempo de acionar o plano em acidentes, ou, ainda, para os primeiros socorros, sem correr o risco de sofismar, parece que estes detalhes apontam para uma certa fragilidade do nível de emergência e emergência do setor, na visão do usuário (FENASEG, 2003). De acordo com a pesquisa, uma boa parcela da população fica sem assistência, uma vez que disputam com aqueles que já possuem outra alternativa. 3.2 Saúde Pública versus Saúde Suplementar No Brasil , o acesso à Saúde envolve inúmeros fatores, podendo ser analisado sob abordagens diversas. Na prática do dia-a-dia, o sistema institucional de saúde apresenta dificuldades que impedem a satisfação das necessidades de assistência à saúde da totalidade da população. Então, um dos fatores que contribuem para essa situação é a inacessibilidade de numerosos grupos da população aos serviços de saúde (UNGLERT et al. 1987). Nos anos 80, a política de saúde no Brasil seguiu uma trajetória paradoxal, tendo de um lado, a concepção universalizante, e de outro, obedecia às tendências estruturais organizadas pelo projeto neoliberal, que se concretizava nas práticas caracterizadas pela exclusão social e redução de verbas públicas. Por conta dos baixos investimentos em saúde e 24 conseqüente queda da qualidade dos serviços, houve uma progressiva migração dos setores médios para os planos e seguros privados (MALTA et al, 2004). Tem sido significativa a expansão da Saúde Suplementar nas últimas décadas. Segundo os dados da PNAD/98, estimando-se em 38,7 milhões o número de brasileiros cobertos por pelo menos um plano de saúde, o que corresponde a 24,5% da população do País (IBGE, 2000). Esses dados revelam as profundas alterações que a prestação dos serviços de saúde vem sofrendo, trazendo para a agenda governamental a necessidade de se estabelecer um ordenamento jurídico legal para o setor, que incorpore a regulamentação desse mercado privado e a definição das suas responsabilidades. A regulamentação iniciou-se em 1998, mediante a lei nº 9.656/98, aprofundando-se com a lei nº 9.661/00, que criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar, embora ainda exista um grande percurso na sua consolidação. Desse modo, convive-se com uma elevada heterogeneidade nos padrões de qualidade do setor, fragmentação e descontinuidade da atenção, que acabam por comprometer a efetividade e a eficiência do sistema como um todo, atingindo as redes de cuidados básicos, especializados e hospitalares, que atendem a clientela de planos de saúde (MALTA et al, 2004). Com isso, a assistência médica supletiva adquire inúmeros formatos na prestação da assistência. Esses numerosos aspectos precisam ser melhor conhecidos, abrindo-se o debate sobre os diferentes modelos assistenciais praticados na saúde suplementar, para que haja maior conhecimento do setor e orientação da ação regulatória do Estado. A saúde suplementar abrange os segmentos das autogestões, medicinas de grupo, seguradoras e cooperativas. É chamada de "autogestão" os planos próprios patrocinados ou não pelas empresas empregadoras, constituindo o subsegmento não comercial do mercado de planos e seguros. Cerca de 300 empresas integram as autogestões, com aproximadamente 4,7 milhões de beneficiários. O grupo inclui as grandes indústrias de transformação, entidades 25 sindicais, empresas públicas, até empresas com pequeno número de associados (CIEFAS, 2000; Bahia 2001). Já o subsegmento comercial “compreende as cooperativas de trabalho médico Unimed's e cooperativas odontológicas, as empresas de medicina de grupo (incluindo as filantrópicas) e as seguradoras” (MALTA et al, 2004). Vinculadas ou não a bancos, as seguradoras representam a modalidade empresarial mais recente no mercado de assistência médica suplementar, cobrindo 16% do contingente de pessoas, por planos privados de saúde. As cooperativas de trabalho médico, as Unimed's, contam com 25% dos clientes de planos de saúde. Organiza-se a partir da iniciativa de médicos, sob a argumentação da ameaça de perda da autonomia da prática médica e da mercantilização da medicina. Medicinas de grupo, formadas inicialmente por grupos médicos aliados ao empresariado paulista, são responsáveis por quase 40% dos beneficiários da assistência médica supletiva. O segmento se organizou em torno de proprietários/acionistas de hospitais, que criaram redes de serviços e credenciaram hospitais e laboratórios, porque existia um comprador de serviços que lhes garantia um mercado seguro. O surgimento do setor aconteceu a partir de meados da década de 1960, com o convênio-empresa entre a empresa empregadora e a empresa médica (medicina de grupo), estimulados pela Previdência Social, que repassava subsídios per capita pelo serviço prestado, prática essa que foi decisiva no empresariamento da medicina (MALTA et al, 2004). O tema da regulação na assistência suplementar é incipiente no país. A lei nº 9.656/98 introduziu novas pautas no mercado, tais como: a ampliação de cobertura assistencial, o ressarcimento ao SUS, o registro das operadoras, o acompanhamento de preços pelo governo, a obrigatoriedade da comprovação de solvência, reservas técnicas, a permissão para a atuação de empresas de capital estrangeiro, e outras. 26 Bahia (2001) enfatiza que existem divergências quando a discussão gira em torno do objeto e da intensidade dessa regulação. A regulamentação, para alguns, tem por meta corrigir/atenuar as falhas do mercado quanto à assimetria de informações entre clientes, operadoras e provedores de serviços. Sendo assim, a regulação deveria então atuar de forma a minimizar a seleção de riscos, por parte das empresas de planos, que preferem propiciar cobertura aos riscos lucrativos e por parte de clientes, que tendem a adquirir seguros/planos, em razão de já apresentarem alguma manifestação do problema de saúde preexistente. Dentre os diversos atores, as críticas produzidas variam de acordo com a sua origem, inserção social e defesa dos interesses que representam. Os órgãos de defesa dos consumidores, como o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), por sua vez, pontuam, por exemplo, a "armadilha aos idosos", “apontada como a permissão da adoção de preços diferenciados entre os mais jovens e mais velhos, e a permissão de não coberturas” (MALTA et al, 2004). Por outro lado, os órgãos de defesa do consumidor, com as entidades médicas, questionam a não cobertura de todas as patologias, a autonomia na solicitação dos procedimentos, a remuneração dos profissionais, e outros. Cooperativas médicas questionam os prazos de adaptação às leis, a obrigatoriedade e constitucionalidade do ressarcimento, as dificuldades impostas aos pequenos planos e empresas regionais, no diz respeito às exigências de coberturas. Medicinas de grupo questionam os prazos de adaptação às leis, a ilegalidade acerca da retroatividade, as muitas exigências que levam ao aumento dos custos dos produtos. Seguradoras criticam que o modelo criado tornou-se expandido por demais, com regras de difícil execução (FIGUEIREDO, 2002). E, assim, os debates sobre a regulamentação pública atingem o aparelho de Estado. O Ministério da Fazenda defendia uma regulação governamental de menor intensidade através da Susep, onde o centro era a regulação econômica e financeira; já o Ministério da Saúde 27 defendia uma ação efetiva do Estado, colocando a regulação também no aspecto assistencial. Feito pela Susep e pelo MS, o modelo da regulação bipartite se arrastou até a criação da ANS, pela lei 9.961/00, que veio definir um órgão regulador único. Saiu vitoriosa a tese do Ministério da Saúde: sua criação significou um importante passo na regulação do mercado, ampliando o papel de regulação e controle da assistência (MALTA et al, 2004). Em 2000, foi dado um passo importante na regulação, quando da implantação do ressarcimento ao SUS, concebido para desestimular o atendimento de clientes de planos de saúde em estabelecimentos da rede pública e privada conveniada ao SUS. O ressarcimento gera polêmica entre as operadoras; há, ainda, inúmeras dificuldades no processo de retorno do recurso desembolsado aos cofres públicos (BRASIL, 2003). O processo de regulação pede o enfrentamento de temas mais complexos e estruturantes, tais como o desafio de entender a natureza dessa regulação, seus avanços e limites, a dimensão da organização do subsetor, o financiamento da oferta de serviços, as modalidades assistenciais, suas redes e a complexidade dessas relações. O objeto do estudo da saúde em termos macroeconômicos relaciona-se à indústria de cuidados médicos; e, mais precisamente, refere-se ao complexo de serviços centrados no médico, grupos privados de atenção à saúde, hospitais e saúde pública (FARIAS e MELAMED, 2003). Embora a definição deixe claro o espaço de mercado reservado ao setor saúde strito sensu, reabre o debate sobre sua especificidade, ou seja, uma das principais características do mercado de serviços de saúde é de que parte dos bens aí produzidos são considerados bens públicos e/ ou meritórios. Bens públicos são aqueles que, em geral, o Estado deve prover em função de suas externalidades. Empresas ou pessoas impõem custos ou benefícios a outros, sem que estes recebam qualquer indenização ou efetuem o devido pagamento, não havendo interesse 28 privado em fornecê-los. A definição de bens meritórios associa-se a valores históricos, culturais e políticos que são partilhados por determinado grupo social ou mesmo por uma nação. Na noção de bens meritórios estão estabelecidos, coletivamente, os fluxos de redistribuição de recursos entre diferentes estratos da sociedade. A história de estruturação dos estados de bem-estar social foi alicerçada com base na necessidade de provisão, por parte dos governos, de serviços de educação, saúde, assistência social e outros, “a maior parte deles, podendo enquadrar-se na categoria de bens meritórios” (FARIAS e MELAMED, 2003). A alocação de recursos no setor saúde, além das dificuldades de operacionalizar o equilíbrio entre oferta e procura visando à inclusão universal da população, envolve escolhas e dificuldades específicas e complexas. A alocação não pode ter por base somente o custoefetividade, que focaliza a eficiência, mas ignora a eqüidade. “A incerteza associada ao risco financeiro potencial, gerado pela ocorrência de doenças graves, legitima a demanda por subsídios ou seguro público” (FARIAS e MELAMED, 2003). Os seguros contra problemas de saúde têm características próprias ligadas a várias formas de falhas de mercado – market failures –. Dentre elas, o risco moral (moral hazard), ou seja, situações nas quais o seguro social ou privado irá atuar como um fundo de financiamento coletivo ao consumo de serviços de saúde. Isso irá estimular o consumo dos que pagam menos e que teriam menos acesso aos serviços, se tivessem de pagá-los a partir de sua própria renda. Conseqüentemente, os indivíduos que participam com igual contribuição no financiamento usufruem de forma diferenciada dos serviços ofertados (FARIAS e MELAMED, 2003). Ocorrer a seleção adversa (adverse selection) e a seleção de risco (risk-selection) quando várias seguradoras que atuam segundo as regras de mercado maximizando lucro, competem para vender planos, comprometendo seriamente a eficiente operação dos mercados de seguro. A seleção adversa se refere à seleção de potenciais compradores que não 29 interessaria às empresas terem como clientes; encontra-se associado ao perigo de incorporar indivíduos cujos tratamentos custarão mais do que em média a seguradora está disposta a financiar. Assim, com o objetivo de protegerem-se da combinação de planos baratos e riscos potenciais altos, as seguradoras procuram investir na seleção de risco: gastam mais em administração, criando barreiras à inscrição de indivíduos com potenciais problemas de saúde ou idosos (FARIAS e MELAMED, 2003). A seleção adversa e o risco moral ocorrem em um contexto em que consumidores e seguradoras tenham apenas informação incompleta, o que acarreta falha de mercado, porque é condição necessária para competição perfeita que compradores e vendedores possuam informação completa. A dificuldade adicional corresponde à informação assimétrica (asymmetry information), disponível somente a um dos lados do mercado. Consumidores que conheçam seus riscos de saúde têm um incentivo para omiti-los das seguradoras, a fim de evitar mensalidades muito altas. Em contrapartida, as seguradoras geralmente conhecem mais sobre riscos médios e custos da assistência do que os consumidores; a ignorância dos consumidores nesses assuntos também pode conduzir à ineficiência. Como conseqüência dessas falhas de mercado, na ausência de regulação e existindo companhias seguradoras que atuam na forma de terceiro pagador, indivíduos com condições crônicas ou altos riscos de saúde serão sub-segurados. Os custos administrativos serão mais elevados do que os necessários por conta dos esforços das seguradoras de filtrar riscos e processar reclamações pelas quais nem o provedor nem o consumidor estão dispostos a se responsabilizar. Assim, o "mercado não funciona" na atenção à saúde. “Contudo, essas falhas se detectam predominantemente no mercado de seguros de saúde, e não necessariamente no mercado de saúde como um todo” (FARIAS e MELAMED, 2003). O debate sobre o papel dos setores público e privado na saúde se organiza teoricamente em torno de como e em que profundidade ocorrem as falhas de mercado. Estas, 30 como uma noção econômica, se referem a possíveis desencontros ou desequilíbrios entre o que o mercado oferta e o que consumidores racionais bem informados possam demandar. A concepção teórica, no entanto, sujeita-se a exceções quando se trata de situações de pobreza, definida, neste caso, pela existência de pessoas que não apresentam condições para pagar pelos mais simples serviços de saúde ou uma adequada parcela de seguro. Tais situações exigiriam necessariamente as mais amplas as funções do Estado. A falta de condições para acessar serviços médicos não se diferencia de outros tipos de carência quanto às necessidades mais básicas. Estas podem ser tecnicamente compensadas por meio de transferências e subsídios em espécie ou suplementação de renda. O risco de um grupo populacional precisar de tratamentos de alto custo pode tornar mais eficiente o subsídio ao seguro do que a transferência de renda, no caso da ausência de serviços públicos com cobertura universal. Sendo assim, a implantação do SUS vem acompanhada de um expressivo crescimento nos planos de saúde, com coberturas estimadas a partir de pesquisas do IBGE de 7,2% da população na faixa de renda per capita de até um salário mínimo, 31,2% na faixa de 1 a 3 salários mínimos, 63,1% na população de 3 a 9 salários mínimos e 83,2% na população com renda superior a 9 salários mínimos per capita (KILSTAJN et al., 2002). Números do Banco Mundial revelam um avanço do gasto privado e redução do gasto público em saúde e outros dados corroboram a hipótese de crescimento do segmento privado como provedor de assistência médica. Destacam-se os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que, devendo ser analisados com restrições, mostram o crescimento sistemático do número de beneficiários informados, hoje superior a 37 milhões (SANTOS; GERSCHMAN, 2004). Informações sobre deduções de pessoas físicas no imposto de renda com saúde corroboram a hipótese de crescimento da saúde privada. As deduções do rendimento 31 tributável de pessoas físicas nos anos de 1998, na consolidação dos benefícios tributários da Receita Federal, somaram 929,555 milhões de reais (0,099% do PIB), tendo saltado para 1,168 bilhão em 2000 (0,11% do PIB) e para 2,338 bilhões em 2002 (0,18% do PIB). A partir dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, conclui-se que houve um incremento nos gastos das famílias em planos de saúde, que passam de 11,2% do total de gastos com saúde, em 1988, para 29,02%, em 1996, sendo esse aumento mais marcante em capitais do Norte e do Nordeste do que em outras regiões do país (MÉDICI, 2003). A recessão econômica e o SUS não causaram retração do mercado dos planos de saúde. Se o SUS estivesse oferecendo produtos percebidos como comparáveis aos oferecidos pelos planos, poderia ser esperado que eles experimentassem uma redução no seu número de beneficiários. Assim, o “crescimento dos planos e da iniciativa privada microempresarial ameaça a tese de universalidade do SUS e cria a possibilidade de crescente focalização da oferta no sistema público” (SANTOS; GERSCHMAN, 2004). Em geral, o usuário da medicina dos planos de saúde é destituído do poder de pressão próprio da organização corporativa de sistemas de saúde. Mas, a importância política crescente desse segmento pode ser notada pelas pressões para aprovação da lei nº 9.565/98 e da criação da ANS. A criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) vem reforçar a credibilidade do setor privado, diferenciando-a ainda mais do público (PEREIRA, 2001). Para considerar os números de filiados a planos de saúde da ANS, não se leva em conta o crescimento de clínicas e laboratórios populares, bem como os planos não registrados na ANS, cuja existência é apontada nos estudos sobre hospitais filantrópicos. Existem indicações de que esse segmento e o desembolso direto por populações mais pobres possa estar crescendo e são fenômenos que merecem ser estudados de forma mais sistemática (BAHIA, 2001). 32 Parece desacreditado nos grandes centros urbanos o caráter universalista do SUS. A percepção de contraste entre a qualidade do sistema público e privado, reforçada pela mídia, é intensa, favorecendo o avanço dos planos. É evidente uma segmentação público-privada que relega o SUS a produto de consumo de circuitos inferiores. O padrão SUS hoje, quanto às especializações tecnológicas, parece estar caminhando no sentido do plano de cuidados básicos preconizados pelo Banco Mundial, “aliado a um ‘estoque’ de maior complexidade, de maior ou menor porte, dependente do interesse e das pressões do mercado no sentido da compra desses produtos pelo setor público e da disponibilidade financeira ou política do setor público para adquiri-los” (SANTOS; GERSCHMAN, 2004). Então, cuidados de maior custo e complexidade na saúde pública, nestes incluídos o setor emergencial, podem passar a ser cada vez mais dependentes de mecanismos de acesso clientelistas ou judicializados. Pela justiça comum ou atuação do Ministério Público, a via judicial garantiria acessos individuais ou de segmentos específicos a serviços específicos. Tal fato pode, eventualmente, reforçar distribuições “iníquas” de benefícios. Resta saber se a estratégia de abrir mão da provisão direta de serviços de maior complexidade é a mais conveniente para garantir os princípios de universalidade do SUS (SANTOS; GERSCHMAN, 2004). A convergência entre os formatos de políticas para a área de saúde e o desenho das políticas de organismos internacionais, como o Banco Mundial é impressionante. Contudo, as políticas de saúde formuladas nos últimos anos contemplam simultaneamente discursos históricos do Movimento Sanitário, indo ao encontro de interesses do empresariado nacional da saúde. Propiciam, assim, a expansão do mercado privado, e de elites políticas subnacionais, que vêem no SUS formas de garantir financiamento setorial na saúde, ainda que parcial, para seus colégios eleitorais (MISOCZKY, 2003). 33 Nesse contexto, os hospitais públicos, fortemente castigados pela crise, poderiam desempenhar um papel estratégico, seja na busca de meios que assegurassem uma atuação mais coordenada com o sistema de saúde, que reduzisse superposições de atividades e ineficiência, seja por uma maior presença no cenário de discussão das políticas de saúde. Resta saber que arranjos institucionais tornam pouco expressiva a presença organizada de profissionais de saúde do setor público; principalmente, de gestores de unidades públicas de saúde, na arena política que define segmentações e modelos de atenção para as políticas nacionais de saúde, que necessariamente irão impactar na configuração global do sistema de saúde. Ainda, deve-se questionar o fato de que, o setor de hospitais privados tem tantas associações, mas somente os hospitais públicos universitários tiveram a mesma iniciativa (LABRA, 1993). Atualmente, existe uma baixa capacidade de articulação entre as unidades de saúde e acesso restrito a instâncias dirigentes de sistemas locais e nacionais por parte de dirigentes dessas unidades de saúde. E, essas condições tendem a ser determinadas por arranjos institucionais e organizacionais que se expressam em uma combinação duplamente “empobrecedora” para a saúde pública: no plano político, a ausência desses atores na arena política e, no plano administrativo, falta de articulação administrativa entre as unidades de saúde (SANTOS; GERSCHMAN, 2004). É destacada por Costa (2001) a fragilidade institucional do setor de atendimento público nos anos 90, apesar da grande inventividade da inovação política. Normas Operacionais Básicas acabam consagrando uma estrutura institucional que dá ao gestor federal, às comissões intergestores e às associações de secretários municipais e estaduais de saúde um peso elevado. Estes entes têm assento privilegiado em estruturas de conselhos e conferências de saúde. A tendência é a configuração de redes de elaboração de políticas cada vez mais especializadas, com tendências oligárquicas, nas quais as representantes legais e 34 politicamente qualificados da burocracia estatal, com primazia das esferas técnico-políticas em detrimento do controle social predominam (LABRA, 1999). Os espaços políticos de representação definidos para usuários e profissionais e dirigentes de unidades de saúde, que detêm uma parcela importante de informação e da inteligência sobre a dinâmica de funcionamento dos serviços de saúde, estão restritos à participação nos Conselhos de Saúde. Há somente a participação dos Conselhos na medida em que se cria a possibilidade de tomar parte no processo de decisão política (CORTES, 2001). O papel político dos Conselhos não é identificado no discurso de conselheiros representantes de usuários, que é pautado pela descrença de que de fato possam contribuir para a saúde da população (GERSCHMAN, 2003). Organizações excessivamente inclusivas poderem agir como freio à maior mobilização, em função da fragmentação e conseqüente debilidade do processo decisório interno. A capacidade de expressão consistente de interesses organizados pelos Conselhos fica diluída, por pretender agregar vários interesses já formatados em consensos. “Propostas e interesses se descaracterizam em disputas anteriores a sua exposição a atores políticos de maior peso, como os da medicina privada ou organismos internacionais, fragilizando sua expressão na arena política” (SANTOS; GERSCHMAN, 2004). Para se tornarem mais atuantes, os Conselhos pressupõem longos tempos de maturação política, ou, a existência de arranjos associativos bem estruturados anteriores, que possam fortalecer a representatividade. Logo, é possível que sejam arranjos institucionais sofisticados ou difusos demais para se contraporem de imediato a sistemas de representações de interesses já muito mais maduros e convergentes e com interfaces privilegiadas no âmbito decisório (LABRA, 2003). Para que seja preservada a qualidade da oferta do SUS, pode ser que seja necessário tentar acelerar o processo de amadurecimento dos conselhos, reforçando a consciência de seu 35 papel político; também pode ser preciso fomentar a organização de representações com maior convergência imediata de interesses e de discurso, tais como profissionais de saúde ativamente envolvidos na prestação de serviços em hospitais públicos (SANTOS; GERSCHMAN, 2004). Enfim, os serviços públicos da saúde poderão se tornar em um local privilegiado para explorar a natureza, os interesses, os objetivos e as expectativas dos profissionais e para a reconstituição de redes interorganizacionais de representação de interesses que possam favorecer o fortalecimento dos princípios básicos de eqüidade e integralidade da saúde. 3.3 Política de saúde do Município de estudo Além das ações mínimas de atenção básica a serem asseguradas em todos os municípios brasileiros, independente de seu porte populacional, a NOAS 01/01 propõe a formulação de módulos assistenciais resolutivos, formados por um ou mais município que garantam o acesso dos cidadãos a um conjunto de ações de saúde freqüentemente necessários para atender os problemas mais comuns, que nem sempre podem ser resolvidos pelos municípios. No município em estudo, a falta de um Plano Diretor, que preveja a divisão do território em regiões/microrregiões de saúde, segundo critérios sanitários epidemiológicos, geográficos, sociais e ofertas de serviços e acessibilidade; conter o diagnóstico dos princípios de saúde e as prioridades de intervenção para constituição dos módulos assistenciais resolutivos, visando garantir a atenção básica; definir os fluxos de referência para todos os níveis de complexidade e o mecanismo intermunicipal. Este fator vem atingindo diretamente a assistência de emergência, pois as unidades básicas de saúde uma vez não seguindo critérios 36 de um planejamento, enviam sua clientela para unidade emergencial, onde a grande complexidade acolhe os clientes deste município e dos vizinhos. Gráfico 1 Atendim ento por especialidade 01/05/05 a 30/11/05 P o litraumatizado 18% 20% P ediatria Clínica médica 34% P equena cirurgia 23% 5% Traumato lo gia Gráfico 2 Procedência dos clientes Causas de óbitos m aternos por tipo de causa 01/05/10 a 30/11/10 no Estado do Rio de Janeiro, 2002 Via P ública 20% 16% 11% Unidade B ásica de Saúde Outro Ho spital 20% Resistência 33% Outro M unicípio 37 Gráfico 3 Atendim ento pela equipe m ultiprofissional Enfermagem e médico Serviço so cial P sico lo gia 3.4 O exercício da cidadania O cidadão deve ser um agente de transformação na sociedade no resgate da dignidade da pessoa e da qualidade de vida. É tendo a responsabilidade de agir, de dar razão à ação e de arcar com as conseqüências que se aprende a viver junto; assim, reflitamos sobre a participação pública na tomada de decisões. A bioética do cotidiano, voltada para a exigência de humanizar a medicina, articulando fenômenos complexos, como a evolução científica da medicina, a socialização da vida, inclusive a alocação de recursos para a saúde. A cidadania é compreendida como o exercício da plenitude dos direitos, como garantia da existência física e cultural e o 38 reconhecimento como ator social. Precisamos de instâncias representativas que defendam direitos e deveres na tomada de decisões diante da alocação e da gestão de recursos à saúde. O direito à vida e, conseqüentemente à saúde, é o bem maior de qualquer cidadão e, como tal, deve se sobrepor às disposições políticas e ideológicas e merecer atenção priorizada. O estado tem por função e obrigação assegurar a todo cidadão moradia, saúde, educação, lazer, trabalho, cultura, segurança... no centro de todo processo político deve estar o cidadão, que é uma pessoa revestida de plenos direitos civis, políticos e sociais que tem a obrigação de trabalhar pela proteção do Estado no usufruto dos direitos. Os dados abaixo fornecem subsídios para o desenvolvimento deste estudo, através de questionários descritos a seguir: 1 => Qual o motivo da internação na Unidade de Emergência? a) falta de condições da unidade básica; b) acesso mais fácil à emergência; c) acreditar na complexidade tecnológica da emergência. 2 => Qual a idade? a) abaixo de 40 anos; b) entre 40 e 65 anos; c) acima de 65 anos. 3 => Qual o sexo? a) masculino; b) feminino. 4 => Qual a renda familiar? a) 01 salário mínimo; b) 02 salários mínimos; c) 03 salários mínimos; d) acima de três salários mínimos. 39 5 => Qual o tempo de permanência na emergência? a) 01 dia; b) 02 dias; c) 03 dias; d) acima de três dias. 6 => Qual o meio de transporte que trouxe até a emergência? a) carro próprio; b) ambulância da unidade básica; c) ambulância do GSE. 7 => Possui plano de saúde? a) Sim; b) Não. 8 => Quanto tempo levou para ser atendido? a) menos de uma hora; b) uma hora; c) mais de uma hora. 9 => Existe rede assistencial à saúde próximo a sua moradia? a) sim; b) Não. 10 => Qual a segurança de estar em um leito de emergência? a) garantir atendimento mais rápido; b) diminuir custo financeiro com exames, consultas e remédios; c) esperar um atendimento mais humanizado; d) maior segurança que será atendido. 5.1. Visão da saúde do município pelo grupo pesquisado 40 Entre as diretrizes políticas consolidadas pela Constituição, no cenário nacional estão os de uma radical transformação do sistema de saúde brasileiro, que vem interferindo no quadro de saúde/doença, inclusive neste município. Fatores abaixo relacionados foram mencionados pelo grupo em estudo, como agentes que dificultam a assistência básica: a) baixa qualidade dos serviços oferecidos nas unidades básicas de saúde, dificultando um diagnóstico e tratamento precoce; b) um quadro de doenças de todos os tipos, condicionado pelo tipo de desenvolvimento do município em questão; c) falta de mecanismo de acompanhamento, controle e avaliação dos serviços pelos órgãos competentes; d) falta de visão do homem como um ser integral, biopsicossocial, que deverá ser atendido nesse parâmetro; e) falta de uma rede de serviços de saúde favorecendo a atenção a todos os níveis de complexidade; f) ações de promoção, proteção e recuperação da saúde formam também uma compartimentação. 41 4. CONCLUSÃO Quem cuida e se deixa tocar pelo sofrimento humano do outro, torna-se um radar de alta sensibilidade, se humaniza no processo e, para além do conhecimento científico, tem a preciosa chance e o privilégio de crescer em sabedoria. Esta sabedoria nos coloca na rota da valorização e descoberta de que a vida não é um bem a ser privatizado, muito menos um problema a ser resolvido nos circuitos digitais e eletrônicos da informática, mas um bem fundamental, um “mistério” e dom, a ser vivido prazerosamente e solidariamente partilhado com os outros. A situação de saúde e da vida da população brasileira é preocupante. O SUS, embora tenha sido institucionalizado a partir de um conceito de saúde, não desenvolvendo ações que levem em conta fatores sociais, econômicos e ambientais que afetam os determinantes sociais, econômicos, culturais e políticos que interferem nas condições de vida e saúde da população. Para melhorar realmente as condições de saúde de uma população um objetivo social relevante em todas as sociedades, são necessárias mudanças profundas dos padrões. A emergência vem sendo a captadora de todos os doentes do município, ora ser a demanda intensa devido ao não funcionamento de outros segmentos da saúde. A enfermagem tem sofrido pressões da sua clientela na emergência, uma vez que os problemas sociais invadem a classe menos favorecida da população. Os enfermeiros por serem formadores de opinião tem sofrido com o tamanho avanço científico sem um projeto social. Procurando oferecer uma contribuição aos enfermeiros que atuam em unidades de emergência apresentamos este relato, nos qual descrevemos as principais angústias dos 42 familiares e pacientes de uma emergência, sabendo que muitos enfermeiros deixam se envolver na assistência sem uma intervenção das necessidades psicossociais. 43 5. REFERÊNCIAS ANDRADE, L.M., CAETANO, J.F., SOARES E. Percepção das enfermeiras sobre a unidade de emergência. RENE, 2000. BAHIA, L. Planos privados de saúde: luzes e sombras no debate setorial dos anos 90. Ciência & Saúde Coletiva 6(2):329-339, 2001. BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Relatórios para gestores. Nacional. Cadastro de Beneficiários. DIDES, 2003. CIEFAS. 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