A REPRESENTAÇÃO FÍLMICA DA MODERNIDADE VIA PERVERSÃO Aline Ariana Alcântara Anacleto (IC-Voluntária), Rafael Siqueira de Guimarães (Orientador), email: [email protected] Universidade Estadual do Centro Oeste/Setor de Ciências da Saúde – Irati PR Palavras-chave: Perversão; relações sociais; modernidade; representação; sadismo. Resumo: A perversão aparece no mundo moderno como algo naturalizado, já que possibilita que o sujeito perverso seja ele próprio em sua mais profunda essência, expressando suas características, na maioria das vezes, patrocinada pela própria modernidade. Desse modo, o artigo pretende discutir a estrutura perversa, descrita por Freud, caracterizada por sua organização psicossexual, a qual implica nas vias de realização dos desejos dos sujeitos perversos e como estes desejos podem ser satisfeitos sem nenhum obstáculo na sociedade moderna regida pelo sistema capitalista Introdução A pesquisa tem como principal característica a investigação de como se dá a representação das relações sociais dos personagens do filme “Lua de Fel” levantando a questão da ética que envolve o sujeito perverso vivendo em suas principais relações dentro da sociedade moderna. Devido ao fato da sociedade moderna acreditar que os sujeitos devem procurar o gozo, ultrapassando todos os limites para consegui-lo, a ética das relações perversas é como uma ética sádica, na qual o imperativo sadiano é o de dever gozar sempre. Para compreender esse mecanismo da ética, que envolve a conduta perversa relacionada com o sadismo é preciso investigar a estrutura perversa e entender o Verleugnung, que é seu mecanismo de defesa próprio. Dessa maneira, leva como objetivo principal a compreensão de como se dá a representação fílmica das relações sociais na modernidade a partir da representação fílmica. Materiais e Métodos O método utilizado para este estudo foi uma análise fílmica. A fonte de dados escolhida é uma produção cinematográfica lançada no ano de 1992, pelo estúdio Columbia Pictures Corporation, com a direção de Roman Polanski. O filme tem por título original Bitter Moon, traduzido para o português como “Lua de Fel”, leva como elenco principal Hugh Grant, Kristin Scott Thomas, Emmanuelle Seigner e Peter Coyote e tem como temática principal a questão do relacionamento entre sujeitos perversos, ora masoquista, ora sadista. São sujeitos de análise o casal Oscar e Mimi, interpretados por Peter Coyote e Emmaneulle Seigner, que representam um casal constituído como perverso apresentando as várias expressões da estrutura. A partir da transcrição das cenas do filme e dos relatos dos diálogos mais significantes para a aliteração foi feito um levantamento dos comportamentos e atitudes dos personagens e de como estes se relacionavam com outros e como expressavam as características perversas. Com isso, foram criadas, a partir do referencial da psicanálise, das leituras sadianas e das referências acerca da modernidade, as seguintes categorias de análise: Consumo como forma de solução do casamento, manifestação da perversão, vítima / algoz e relação de consumo do corpo. Essas categorias foram analisadas pela consideração da Psicanálise Freudiana, no que se refere à perversão, que discutirá a estrutura perversa, suas características e manifestações; pela teoria referente ao contexto social da sociedade moderna, a partir de alguns autores que refletem sobre modernidade, que discutirá como esta contribui para abrir um espaço cada vez maior para os sujeitos se tornarem perversos, e pelas colocações do autor Donatien Alphonse François de Sade (1980), mais conhecido como Marquês de Sade, que discutirá as questões relacionadas ao prazer e às práticas sexuais denominadas perversas como forma de atingir seu fim principal: prazer. Para este autor, os meios justificam os fins e o fim maior é sempre o prazer individual. Vários autores, tais como Maia (1998), Bruno (2007), entre outros, denominam essa compreensão como uma ética sádica. Resultados e Discussão A análise do estudo faz uma discussão entre a configuração da sociedade moderna, observando como os sujeitos modernos vivem e experimentam a norma social implicada pelo sistema capitalista, a teoria da sexualidade de Sigmund Freud, visando a questão da perversão, tanto como patologia e como face da normalidade, entrelaçando estas concepções com uma ética baseada nos escritos do Marquês de Sade, que demonstra como o prazer, o gozo não está dirigido ao outro, mas a si próprio, de modo que a busca para obtenção deste prazer pode influir em atos e comportamentos perversos, já que os sujeitos deixam de lado as regras sociais estabelecidas e preocupam-se apenas com o seu próprio bel prazer. 1. O consumo como forma de solução do casamento Aqui se encontra em Oscar uma incapacidade de manter relações objetais afetivas e um modo de relação no qual o outro é totalmente desconsiderado. 2. Manifestação da perversão Todo o percurso do filme leva a demonstração de como Oscar exibe um voyerismo pelos relatos de suas experiências sexuais e amorosas com Mimi, levando a perceber como o excedente do gozo invade a vida e o discurso do sujeito perverso. 3. Vítima/algoz A perversão aparece bem caracterizada pelo sadismo e pelo masoquismo e pela relação existente entre essas duas práticas, uma vez que estas são práticas em que o sujeito supostamente sente prazer em infligir dor e encontra um sujeito que sente prazer recebendo dor (Bruno, 2007, p. 82). 4. Relação de consumo do corpo Na contemporaneidade o uso do corpo é muito valorizado, sendo então um instrumento de oferta ao gozo. Conclusões A modernidade se configura como uma época de construção de certezas mas que trouxe inúmeras incertezas, frente a um mundo emergente que foi construído a partir de mudanças estruturais, físicas e psicológicas. As certezas estão relacionadas à construção tecnológica que cada vez impera com máquinas que colocam a humanidade em caráter secundário. As incertezas estão ligadas a essa humanidade que se vê cada vez mais desumana, incorporada com uma moral líquida, de fácil adaptação a qualquer circunstância. Dessa maneira, a modernidade possui um caráter desintegrativo que implica até mesmo na sensibilidade humana, que vive uma vida de paradoxos, pois os sujeitos sentem a necessidade de se apegarem em algo que tenha fortes raízes e que estas sejam profundas para que possam sair dessa superficialidade onde estão submersos, contudo, a sociedade moderna não permite este apego, porque a sua máxima ordem é o ser humano fluído, capaz de mudanças rápidas, imediatas, seres que se acostumam a qualquer situação, que se adaptem em qualquer condição. Isso origina um sentimento de ansiedade, de angústia nos indivíduos que se sentem agitados no meio de um tempo que flui mais rápido do que a percepção de que ele está fluindo. Todo o prazer, todo o gozo se remete para o individual, para o próprio eu. Há uma reificação dos seres humanos, a qual permite a emergência de sujeitos perversos, sujeitos sádicos, que utilizam o outro como coisa, que garatem como seu único objetivo um prazer individual a partir da utilização do outro como um instrumento. Utilização essa que não implica leis e normas de respeito ao outro. A máxima é o prazer, mesmo que este provoque dor, provoque sofrimento e atente contra a própria vida ou a vida do outro. É partindo disso, que a análise do filme Lua de Fel foi construída, pensando na perversão, no individualismo, no sadismo e como a modernidade anda influenciando e patrocinando estas questões. A produção fílmica foi observada e analisada levando em consideração que esta é uma estetização da realidade, de modo que há exageros nos diálogos e nas cenas, entretanto, essa realidade pode ser transposta para o cotidiano dos sujeitos modernos, uma vez que esta realidade se encontra presente nas relações como um todo. Agradecimentos Agradeço incondicionalmente a meu orientador, Prof. Dr. Rafael Guimarães, pelas inúmeras vezes em que me disponibilizou sua escuta e me guiou em caminhos tão incertos como os da modernidade. Também agradeço ao Prof. Álvaro Alves e à Profa. Mônica Barbosa pelas sugestões de leitura e contribuições a este texto. Referências BRUNO, M. (2007, julho) Sade e Masoch: a Contestação Deleuziana do Sadomasoquismo, Viver Mente e Cérebro, 82 (87). MAIA, A. F. (1998) Apontamentos sobre Ética e Individualidade a partir da Mínima Moralia Psicologia, USP v.9 n.2 São Paulo. SADE, M. (1980) A Filosofia na Alcova, São Paulo: Gama. POLANSKI, R. Bitter Moon, Columbia Pictures Corporation, 1992.