Paulo Coelho Um pouco sobre o sufismo Em muitas destas colunas já contei histórias sufi, algumas das quais com o seu principal personagem, Nasrudin – o louco que sempre consegue ser mais inteligente que os sábios e que surpreende o leitor com seus atos. Hoje eu gostaria de deixar um pouco de lado estas histórias e escrever um pouco sobre o tema em si. A definição enciclopédica descreve o sufismo como o esoterismo islâmico. Por esta razão, sempre foi muito mal recebido no mundo muçulmano. Nasceu por volta do século X, e ele parte do seguinte princípio: através de uma série de práticas religiosas não convencionais, o fiel pode ter uma relação direta com Deus. A mais comum destas práticas é a dança, e a transmissão da filosofia se faz através de pequenas lendas, como as que contei na semana passada. No segundo dia de visita ao Iran, fui convidado para assistir a uma cerimônia sufi. Num pequeno apartamento em Teerã, com as luzes apagadas, as velas acesas, os instrumentos de percussão soando, foi possível ver como esta tradição espiritual conserva sua pureza até hoje. O encontro começou às nove da noite. Por quase meia hora, um homem, com uma voz parecendo sair do fundo da alma, cantava num tom monocórdio. Quando parou de cantar, começaram a tocar os instrumentos de percussão, num ritmo muito semelhante ao que vemos nas cerimônias das religiões afro-brasileiras. Seguindo a mesma linha ritual destas religiões que conhecemos tão bem, foi então que alguns homens se levantaram (estávamos todos sentados em torno de um espaço vazio no meio da sala) e começaram a girar em torno de si mesmos. A cerimônia toda durou uma hora, durante a qual os dançarinos riam alto, diziam palavras incompreensíveis – mesmo para as pessoas que falam persa – e demonstravam estar num profundo transe. Aos poucos, foram parando de girar, a percussão diminuiu, e as luzes da sala foram acesas. Perguntei a um deles o que havia sentido. Paulo Coelho - Estive em contacto com a energia do Universo - respondeu. - Deus passou por minha alma. - É preciso fazer algo mais? Ter uma crença especial, uma prática constante? – perguntei. - Segundo um dos mais importantes teólogos do Islã, o sufismo não é uma doutrina, nem um sistema de crenças. É uma tradição de iluminação através de tudo o que é dinâmico Abu Muhammad Mutaish diz: “O sufi é aquele cujo pensamento caminha na mesma velocidade que seu pé.” Ou seja, sua alma está onde está o seu corpo, e vice-versa. Onde um sufi está, encontra-se também tudo o que ele é: o trabalhador, o místico, o intelectual, o contemplativo, o que se diverte. Como disse no início, a maior parte dos ensinamentos sufi vem através de histórias populares, cheias de ironia. Para não fugir à regra, termino a coluna com uma delas. Nasrudin, o mestre louco do sufismo, tinha um búfalo. Os chifres afastados faziam-no pensar que se conseguisse sentar-se entre eles, seria o mesmo que estar em um trono. Certo dia, quando o animal estava distraído, ele foi até lá e fez o que imaginava. Na mesma hora, o búfalo se levantou e o atirou longe. Sua mulher, ao ver aquilo, começou a chorar. “Não chore”, disse Nasrudin, assim que conseguiu se recuperar. “Tive meu sofrimento, mas ao menos realizei o meu desejo.”