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Revisão/Atualização em Insuficiência Renal Aguda: Insuficiência renal no
paciente cirrótico
Júlio Cesar Martins Monte e Oscar Fernando Pavâo dos Santos
Disciplina de Nefrologia, UNIFESP-EPM
Endereço para correspondência: Julio Cesar Martins Monte
Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino
04023-062 São Paulo SP
Tel.: (011) 574-6300 Fax (011) 573-9652
Introdução
Doença hepática grave pode acarretar anormalidades funcionais no rim,
variando desde um estado de retenção hidrossalina até um quadro de azotemia
franca. Embora Austin Flint
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tenha reconhecido uma associação entre cirrose
descompensada e oligúria em 1863, somente acerca de 50 anos introduziu-se o
termo síndrome hepatorrenal (SHR).
A SHR é definida como a ocorrência de insuficiência renal oligúrica, sem
qualquer causa aparente, em pacientes com doença hepática grave. É
caracterizada por achados clínicos e laboratoriais de intensa hipoperfusão renal:
oligúria, sódio urinário baixo, alta osmolaridade urinária e incremento de uréia e
creatinina séricas.
Nos últimos anos tem-se coletado uma substancial quantidade de
informações a respeito dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos na SHR, e
2
há uma ampla investigação na tentativa de se obter medidas que previnam ou
mesmo revertam essa grave situação.
A associação entre desordens do fígado e rim em uma variedade de
condições tem sido amplamente reconhecida.
2
Nefropatia mesangial por IgA é
uma entidade cada vez mais prevalente em cirrose alcoólica, na qual
imunocomplexos com IgA derivados do intestino têm seus mecanismos de
clareamento hepático prejudicados pelo processo de cirrose. Glomerulonefrite
por imunocomplexos e crioglobulinemia relacionada ao vírus B estão bem
documentadas. Recentemente, similar lesão tem sido associada ao vírus C.
Contudo,
desordens
renais
funcionais
são
mais
prevalentes
do
3, 4
que
anormalidade estruturais.
O caráter funcional da SHR é sugerido por certas evidências:
 Ausência de anormalidades morfológicas no rim de pacientes com
diagnóstico de SHR;
 Evidência que rins de pacientes com SHR transplantados em pacientes com
insuficiência renal crônica mostram pronta funcionabilidade além da
reversibilidade da função renal em pacientes com SHR que receberam
transplante ortotópico de fígado.
Achados Clínicos
SHR pode se desenvolver na ausência de qualquer fator precipitante ou
seguir-se a eventos que reduzam o volume sanguíneo efetivo, como
sangramento gastrointestinal, vômitos e diarréias.
O desenvolvimento da SHR é sugerido por progressivas elevações de
uréia e creatinina séricas, oligúria, hiponatremia, todas sem uma causa
aparente. A função tubular está intacta, com os mecanismos de concentração
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urinária e reabsorção de sódio preservados, visto que normalmente essa
condição se acompanha de altas osmolaridades urinárias e baixíssimas
concentrações de sódio na urina.
8, 9
Recentemente tem-se sugerido que a creatinina sérica seja um pobre
índice à ser usado como marcador de função renal em cirróticos,
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uma vez
que, pelo grau de desnutrição desses pacientes, para termos um pequeno
aumento na creatinina sérica deveremos ter uma redução desproporcional do
ritmo de filtração glomerular.
As limitações do uso de marcadores séricos (creatinina e uréia) em
pacientes cirróticos de refletirem o ritmo de filtração glomerular tem levado a
validação de outros métodos não invasivos para avaliar a vasoconstrição renal
nesses pacientes. Um artigo publicado recentemente,
11
avaliou o uso de
ultrassonografia com doppler em 180 pacientes com hepatopatia e creatininas
normais. Um elevado índice de resistividade foi indicativo de intensa
vasoconstrição renal. No seguimento, os pacientes que apresentavam altos
índices de resistividade tinha uma maior incidência de piora da função renal.
A SHR tem um caráter quase irreversível, e quase sempre desenvolve-se
em pacientes hospitalizados, sugerindo que eventos iatrogênicos, como o uso
indiscriminado de diuréticos, possam ter importância no seu desenvolvimento .
Embora
os
pacientes
que
desenvolvem
síndrome
hepatorrenal
encontrem-se frequentemente com altos níveis de bilirrubina sérica, hoje há
várias evidências
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de que os produtos da bile não são nefrotóxicos, todavia
podem diminuir a sensibilidade vascular a ação de vasoconstritores, além de
possuírem um possível papel depressor do miocárdio.
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É difícil atribuir a baixa sobrevida desses pacientes à insuficiência renal
em si, visto o grau de deterioração clínica que eles apresentam na vigência de
SHR.
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Ao confrontarmos um paciente com suspeita de SHR devemos considerar
no diagnóstico diferencial: insuficiência renal aguda (IRA) pré-renal e necrose
tubular aguda (NTA). IRA pré-renal pode seguir-se a perdas perdas líquidas
devido a sangramentos, diarréia, grave restrição de água, ou paracentese sem
infusão concomitante de expansores plasmáticos. Todavia, na maioria dos
casos, deve-se ao uso abusivo de diuréticos. Esses pacientes, no entanto, têm
uma resposta favorável à infusão de volume. Se após restabelecida a volemia
(pressão capilar pulmonar superior a 16mmHg) não houver qualquer melhora da
função renal, o diagnóstico de azotemia pré-renal torna-se improvável.
O diagnóstico diferencial entre SHR e NTA é mais fácil na maioria dos
casos. NTA é caracterizada por concentração urinária de sódio elevada, perda
da habilidade de concentração urinária, razão creatinina urinária/sérica menor
do que 30 (Tabela 1). É provável contudo que prolongada isquemia renal na
sídrome hepatorrenal possa em alguns casos levar a necrose tubular aguda.
O diagnóstico diferencial nesses pacientes é clinicamente importante
devido aos diferentes prognósticos. NTA e insuficiência pré-renal são
geralmente reversíveis, enquanto SHR encerra normalmente uma evolução mais
sombria.
Tabela 1. Diagnóstico diferencial de insuficiência renal aguda em cirrose.
Achados laboratoriais Pré-renal SHR NTA
Na urinário < 10 < 10 > 30
Osm urinária > Osm p > Osm p < Osm p
Razão creat U/P > 30:1 > 30:1 < 20:1
4
5
í
5
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Patogênese
A
patogênese
da
retênção
hidrossalina
em
cirróticos
envolve
mecanismos extra-renais, porque quando rins de pacientes cirróticos são
transplantados em pacientes sem hepatopatia, não observamos mais essa
disfunção.
A vasodilatação esplâncnica parece ter um papel fundamental na
disfunção renal em cirróticos.
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Essa importância pode ser indiretamente
ilustrada pela resposta a ornipressina, um análogo do hormônio anti-diurético
que é preferencialmente um vasoconstritor esplâncnico. Em pacientes cirróticos
a
administração
de
ornipressina
corrige
parcialmente
as
alterações
hemodinâmicas renais e sistêmicas. A “hipótese da Vasodilatação Periférica”
proposta por Schrier propõe uma diminuição da volemia efetiva, a qual ativa
uma resposta neuro-humoral. A ativação dos sistemas renina-angiotensina
aldosterona e simpático, bem como a ativação não osmótica de hormônio antidiurético estão bem documentadas em pacientes cirróticos. Esta sequência de
eventos resulta em reabsorção de sódio e água, falência a escapar do efeito da
reabsorção de sódio mediado pela aldosterona, e resistência renal ao fator
natriurético
atrial.
Hiponatremia
dilucional
é
um
forte
preditor
de
desenvolvimente de SHR. A patogênese da vasodilatação arterial não está
completamente esclarecida, mas há evidências que suportam um importante
papel ao óxido nítrico (NO). Em modelos experimentais, a normalização da
produção de NO através de inibidores tem restaurado a hemodinâmica
sistêmica e diminuído a ativação neuro-humoral com melhora da excreção de
sódio e água.
Há uma proposta que o aumento da razão entre tromboxano
(vasoconstritor) e prostaglandinas vasodilatadoras possa ter importante papel na
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7
progressiva isquemia renal vista em cirróticos. Um trabalho publicado
recentemente,
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encontrou um aumento da excreção urinária de 20-HETE, um
potente metabólito vasoconstritor do acido araquidônico, em pacientes com
cirrose e maior ainda em cirróticos com ascite.
Outros potenciais fatores têm sido implicados na vasoconstrição renal em
cirróticos, incluindo a endotoxemia, endotelina, e um elevado tônus simpático.
Tratamento
Na ausência de terapia definida para a SHR, o tratamento tem sido de
suporte e a atenção deve ser dada às medidas preventivas. Qualquer fator
reversível de piora da função hepática deve ser reconhecido e corrigido.
Estados que levem a depleção volêmica, tais como diarréias, sangramentos,
devem ser prontamente revertidos e controlados. O uso de drogas (Tabela 3)
com efeito adverso sobre a hemodinâmica sistêmica e função renal devem ser
evitados ou, se necessários, usados com critério.
Tabela 3. Drogas com potencial de deteriorar a função renal em cirróticos.
.AINH
.diuréticos
.inibidores da enzima conversora de angiotensina
.somastotatina
.aminoglicosídeos
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Várias modalidades terapêuticas têm sido propostas para reverterem as
alterações na hemodinâmica renal e sistêmica em pacientes com Síndrome
Hepatorrenal.
Drogas Vasoativas
O uso de drogas -adrenérgicas com intuito de aumentar a resistência vascular
sistêmica têm tido poucos resultados em pacientes cirróticos com insuficiência
renal. Em contraste, os efeitos obtidos com ornipressina,
15, 16
um análogo da
vasopressina, têm sido promissores. Uma vez que esta droga causa
vasoconstrição esplâncnica sem elevar a resitência renal, revertendo o estado
hiperdinâmico, reduzindo o grau de ativação do SRAA e SNS com melhora da
função renal, indicada por um aumento do RFG e excreção urinária de sódio.
Várias tentativas para corrigir a isquemia cortical renal com uso de
vasodilatadores têm sido feitas sem sucesso, uma vez que a hipotensão
induzida por essas drogas anula qualquer efeito positivo sobre a hemodinâmica
renal. Mais recentemente Fevery et al
17, 18
administraram misoprostol, um
análogo da PGE, em pacientes com SHR e observaram um aumento na
diurese e redução na creatinina sérica .
Diálise
O tratamento dialítico pode ser de grande valor em duas situações bem
definidas. Primeiro, permitindo a melhora da função hepática em pacientes com
doença hepática reversível; segundo, em pacientes com SHR aguardando
transplante ortotópico de fígado. Em virtude da instabilidade hemodinâmica que
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eles apresentam, a hemofiltração arterio-venosa contínua tornou-se o método
dialítico de eleição, uma vez que permite ajuste contínuo dos distúrbios
metabólicos e controle da mobilização de fluidos sem comprometer a função
circulatória.
Shunt Portossistêmico
Os shunts portossistêmicos diminuem a hipertensão portal e, portanto,
melhorariam suas complicações hemodinâmicas, incluindo a SHR. Contudo o
seu benefício em cirróticos com SHR não está definido. Apesar da inserção do
shunt resultar em elevação da volemia central e estabilização da função renal
em alguns pacientes, não alterou a sobrevida dos mesmos.
Em função desses pacientes não tolerarem grandes cirurgias, recentemente tem
sido proposto o uso de TIPSS (transjugular intrahepatic portosystemic stent
shunt) para melhorar o "underfilling" circulatório.
Transplante
Atualmente o Tx ortotópico de fígado representa a única forma de tratamento
efetivo da SHR. Entretanto, estes pacientes se encontram num grau de
deterioração clínica que os predispõe a um elevado risco cirúrgico, de infecções
e coagulopatias.
9
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Em conclusão, há uma procura de possíveis marcadores clínicos e bioquímicos
que possam identificar a população de cirróticos que irá desenvolver SHR, e
desta forma submetê-los eletivamente ao Tx ortotópico de fígado.
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