1 Rua Dias Adorno, 367 – 6º andar – Santo Agostinho 30190-100 – BELO HORIZONTE – MG Telefone: 3330-9515/33308399 – e-mail: [email protected] NOTA TÉCNICA Nº 007/2012 OBJETO: Consulta. Promotoria de Justiça da comarca de Nanuque. Transporte Sanitário. Município. Responsabilidade. Tratamento Fora do Domicílio. Sistema Estadual de Transporte de Saúde (SETS). Deliberação CIB-SUS Nº 422/2009. 1. RELATÓRIO Cuida-se de consulta (via e-mail), elaborada pela Promotora de Justiça de Defesa da Saúde da comarca de Nanuque, cadastrada no Sistema de Registro Único – SRU, como Procedimento de Apoio a Atividade Fim – PAAF, sob o nº 0024.12.006395-3, acerca da possibilidade de obrigação municipal na implantação de transporte sanitário para os usuários do SUS. Segundo informações, os usuários submetidos ao Tratamento Fora do Domicílio (TFD) têm se deslocado, com recorrência, para o município de Belo Horizonte, para acesso às ações e serviços de saúde. Consta que o município de Nanuque tem assegurado apenas a compra de passagens em ônibus, com suspeita de serem até mesmo clandestinos, o que vem acarretando uma série de transtornos, tais como, pacientes que se veem obrigados a passarem a noite nas estradas, por causa de problemas mecânicos dos veículos; abandonos na praça JK em Belo Horizonte; atrasos constantes com acarretamento de perda do horário do atendimento médico. 2 A Secretaria Municipal de Saúde de Nanuque foi requisitada pelo Ministério Público para prestação de informações. Em resposta, justificou-se que não teria conseguido pactuação com o município de Teófilo Otoni para realização desses importantes serviços de saúde. Reconheceu que a opção atual é mais gravosa para os usuários, haja vista que o município de Belo Horizonte dista cerca de 600 km de Nanuque. 2. FUNDAMENTAÇÃO- TRANSPORTE FORA DO DOMICÍLIO-TFD Ab initio, importante ressaltar que essa temática, versando sobre a política do Tratamento Fora do Domicílio (TFD), foi enfrentada por este Centro de Apoio Operacional (CAO-Saúde), conforme Parecer Técnico Jurídico nº 008/2010, disponível em nosso portal eletrônico www.mp.mg.gov.br. (“saúde”, “material de apoio área jurídica”, “pareceres técnicos jurídicos”). O transporte para o tratamento fora do domicílio- TFD, de responsabilidade municipal, encontra-se previsto na Portaria SAS nº 55, de 24 de fevereiro de 1999, e será concedido quando todos os meios de tratamento existentes na origem estiverem esgotados ou ausentes e somente quando houver possibilidade de recuperação do paciente. A esse respeito, as despesas com transporte, alimentação e estadia, custeados pelo SUS, encontra-se assim definidos: "Portaria/SAS/Nº 055 de 24 de fevereiro de 1999. Dispõe sobre a rotina do Tratamento Fora de Domicílio no Sistema Único de Saúde – SUS, com inclusão dos 3 procedimentos específicos na tabela de procedimentos do Sistema de Informações Ambulatoriais do SAI/SUS e dá outras providências. (...) Art. 4º. As despesas permitidas pelo TFD são aquelas relativas a transporte aéreo, terrestre e fluvial; diárias para alimentação e pernoite para paciente e acompanhante, devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado.” Dessa forma, a norma administrativa assegura, além do transporte, a garantia da ajuda de custo para alimentação e pernoite a pacientes e acompanhante (se este se fizer necessário). Quanto a esses (alimento e pernoite), serão dispensados após a devida comprovação da necessidade, mediante análise sócio-econômica elaborada por assistente social vinculado ao SUS ou ao setor de assistência social do município de origem do paciente. Quando o paciente retomar ao município de origem no mesmo dia, serão autorizadas apenas passagens e ajuda de custo para alimentação (para ele e o acompanhante, quando for o caso). Todas as verbas deverão ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado e serão concedidos exclusivamente a pacientes atendidos pela rede pública ou conveniada/ contratada do SUS. Importante salientar que são vedadas as autorizações de TFD para acesso, de pacientes a outro município para tratamento que utilizem 4 procedimentos assistenciais contidos no Piso de Atenção Básica (PAB), assim como o pagamento de diárias a pacientes encaminhados por meio de TFD que permaneçam hospitalizados no município referência, em deslocamentos menores que 50 km de distância ou realizados em regiões metropolitanas. Além disso, o TFD só será autorizado quando houver garantia de atendimento no município onde o paciente será atendido, com horário e datas definidos previamente e a solicitação deverá ser feita pelo médico assistente do paciente nas unidades assistenciais vinculadas ao SUS e autorizada por comissão nomeada pelo respectivo gestor municipal/estadual que solicitará, se necessários, exames ou documentos que completem a análise de cada caso. Portanto, visando assegurar a integralidade das ações e serviços de saúde – determinação constitucional - é de responsabilidade municipal a implantação/regulamentação do denominado Tratamento Fora do Domicílio, com observância das premissas obrigatórias, instituídas pela Portaria SAS nº 55, de 1999, sem prejuízo da inserção de outros critérios, atendidos as especificidades municipais e/ou regionais. Compete ao profissional médico assistente a definição do tipo de transporte para cada paciente, consoante o estado clínico e especiais condições de saúde dos usuários, submetendo-se, posteriormente, para validação ou não, pela Comissão Municipal responsável. Referida comissão municipal, conforme indicação no Manual TFD, elaborado pelo Ministério da Saúde, deverá ser constituída pelo Secretário Municipal de Saúde, um profissional médico, um profissional assistente social e um funcionário responsável pelo TFD. 5 É de responsabilidade dessa comissão municipal a autorização do deslocamento dos pacientes; o agendamento do atendimento; o pagamento das despesas relativas ao Tratamento Fora do Domicílio; o encaminhamento mensal à Gerência Regional de Saúde da SES/MG dos Boletins de Produção Ambulatorial (BPA), juntamente com o Demonstrativo de Atendimento, devidamente assinado pelo Gestor SUS local. 3. SETS- SISTEMA ESTADUAL DE TRANSPORTE DE SAÚDE Da mesma forma, essa temática também já foi enfrentada por este Centro de Apoio Operacional (CAO-Saúde), conforme Parecer Técnico jurídico nº 09/2012, disposto em nosso portal eletrônico www.mp.mg.gov.br (“saúde”, “material de apoio área jurídica”, “pareceres técnicos jurídicos”). A Resolução SES nº 2024, de 16 de setembro de 2009, instituiu o Sistema Estadual de Transporte de saúde/SET no Estado de Minas Gerais, com o objetivo de implantar um sistema de logística em transporte integrando os municípios das microrregiões do estado, obedecendo o Plano Diretor de Regionalização. O SETS deverá observar os vários tipos de transporte, visando otimizar custos e implementar a metodologia de gestão de frota, bem como implantar o sistema de monitoramento para garantir o rastreamento da frota e controlar o fluxo dos veículos. Segundo informações coletadas junto ao setor específico da SES/MG, o município de Nanuque conta com os serviços do Sistema Estadual de Transporte em Saúde (SETS). 6 O SETS foi criado para garantir o deslocamento mais eficiente de usuários do SUS para outro município, devendo os municípios se organizarem através dos consórcios de saúde. Destina-se a constituir um completo sistema de logística de transporte em saúde integrando os municípios das microrregiões em um mesmo planejamento logístico, buscando mais eficiência, economia de escala e racionalidade administrativa. Este sistema é responsável pelo transporte de pacientes para realização de procedimentos eletivos, pré-agendados em municípios de referência, de pacientes crônicos (oncologia e hemodiálise), incluindo o transporte de material biológico e de profissionais em atividades estratégicas. A própria Secretaria Municipal de Saúde de Nanuque confirmou que atualmente se encontra integrada ao Sistema Estadual de Transporte em Saúde (SETS), tendo uma rota diária para Teófilo Otoni (conforme tabela em anexo) para deslocamento de pacientes eletivos, para consultas e exames, gerenciados pelo Consorcio Intermunicipal de Saúde dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri- CIS EVMJ. Não há impedimento administrativo, desde que aprovado em pactuação no referido consórcio de saúde, de o município de Nanuque utilizar-se dos serviços de transporte do SETS, naquelas situações específicas de ausência dos serviços de saúde na região, para deslocamento dos usuários até o município de Belo Horizonte. Da mesma forma, para atendimentos específicos, observados os critérios objetivos, sempre que for necessário, poderá o Gestor SUS local entrar em contato diretamente com a coordenação central do SETS, para os fins de solicitação de apoio (telefone 31- 3915-9964. 7 4. DA PROGRAMAÇÃO PACTUADA E INTEGRADA (PPI) E COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITE (CIB). A Programação Pactuada Integrada (PPI) representa um importante instrumento para alocação de recursos financeiros destinados à assistência e fundamentalmente para explicitação das responsabilidades de cada gestor nas organizações das ações de saúde. É um dos momentos do processo de planejamento que visa garantir o acesso da população a todos os níveis do sistema, de forma equânime, buscando a integralidade da atenção. Tendo em vista a impossibilidade de o município de Nanuque oferecer todas as ações e serviços de saúde para sua população, como qualquer outro município brasileiro, a PPI Assistencial se apresenta, dentro do processo da regionalização, como um instrumento indispensável para prover o direito à saúde. Entretanto, as pactuações devem seguir os princípios da economicidade, eficiência e da dignidade da pessoa humana. A Comissão Intergestores Bipartite- CIB foi criada pela Norma Operacional Básica - NOB/93/MS, recepcionada pela lei federal nº 12.466, de 24 de agosto de 2011, como foro de negociação e pactuação entre os gestores quanto aos aspectos operacionais do SUS. É composta igualmente de forma paritária e integrada por representação do Estado e do Município e as decisões sempre são tomadas por consenso. Referidas Comissões atuam como espaços intergovernamentais, políticos e técnicos em que ocorrem o planejamento, a negociação e formulação de políticas intergestores. As decisões por consenso, e não por votação, estimulam o debate e a negociação entre as partes. 8 De maneira geral, a CIB tem, entre outras, conforme Lei federal nº 12.466, de 24 de agosto de 2011, as seguintes atribuições para cumprir seu papel de fórum de negociação e pactuação, a saber: a) decidir sobre os aspectos operacionais, financeiros e administrativos da gestão compartilhada do SUS, em conformidade com a definição da política consubstanciada em planos de saúde, aprovados pelos conselhos de saúde; b) definir diretrizes a respeito da organização das redes de ações e serviços de saúde, principalmente no tocante à sua governança institucional e à integração das ações e serviços dos entes federados; c) fixar diretrizes sobre as regiões de saúde, distrito sanitário, integração de territórios, referência e contrarreferência e demais aspectos vinculados à integração das ações e serviços de saúde entre os entes federados. No Plano Diretor de Regionalização de Minas Gerais – PDR/MG, o nível previsto de atenção à saúde para cada ponto de regionalização, em termos gerais, define-se da seguinte forma: a) ao município cabe a atenção básica (primária); b) à microrregião, especialmente em seu município pólo, cabe a estruturação e organização da atenção secundária (média complexidade); c) à macrorregião, também através de seus ou seus pólos, cabe o nível terciário de atenção à saúde (alta complexidade). De uma forma geral, a média complexidade está relacionada aos procedimentos de nível ambulatorial e os de alta complexidade aos procedimentos de nível hospitalar. Importante ressaltar que nessas Comissões são realizadas as negociações intergestores da Programação Pactuada Integrada Assistencial (PPI). 9 A Programação Pactuada Integrada1, sob coordenação do Gestor SUS Estadual, foi instituída no âmbito do Sistema Único de Saúde visando à definição da programação das ações de saúde de média e alta complexidade em dados territórios (município, microrregião e macrorregião sanitária no Estado), a partir de critérios e parâmetros técnicos e limites financeiros. A pactuação é negociada nas instâncias legítimas pelos gestores envolvidos, sob a coordenação do Estado, e resulta na definição da alocação dos recursos financeiros para a saúde. Em consulta ao site da PPI Assistencial, referentemente ao município de Nanuque (arquivos anexados), pode-se ver na primeira tabela os procedimentos da média complexidade pactuados pelo município de Nanuque com Belo Horizonte e, na segunda tabela, os procedimentos da alta complexidade, pactuados em sede de microrregião que, no caso em particular, possui o próprio município de Nanuque como pólo, pactuados com Belo Horizonte. Importante ressaltar que, a partir da pactuação assistencial (PPI), os municípios referenciam sua população para tratamento em outro município ou é referenciado para receber a população vizinha, conforme sua capacidade instalada e sua necessidade. Hoje, em Minas Gerais, através da PPI eletrônica, é possível o gestor SUS local, por motivos diversos, como, por exemplo, falta/insuficiência/deficiência do atendimento às demandas pactuadas por Nanuque, retirar suas metas físicas e financeiras (teto MAC) do município prestador, repassando-o, sob a forma eletrônica, mediante aceitação, para outro município na base territorial da Região de Saúde ou mesmo fora dela, sem a 1 Ver site www.saude.mg.gov.br, links Acesse Rápido, Serviços, PPI Assistencial 10 necessidade de discussão e aprovação na CIB-R. Eventuais impasses ou discordâncias poderão ser levados, em grau de recurso, diretamente para o colegiado da SES/MG. Os recursos destinados ao pagamento das diversas ações de atenção à saúde, prestadas entre municípios, são alocados, previamente, pelo gestor que demanda esses serviços ao município sede do prestador. Este município incorpora os recursos ao seu teto financeiro. O orçamento é feito com base na PPI Assistencial, mediado pelo Estado e aprovada na Comissão Intergestores Bipartite regional (CIB-R e CIB-MG) e respectivo Conselho de Saúde. Não menos diferente, o Decreto presidencial nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a lei federal nº 8.080/1990, define novas competências para as Comissões Intergestores para assegurar ao usuário o acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde do SUS, dentre as quais: a) garantir a transparência, a integralidade e a equidade no acesso às ações e aos serviços de saúde; b) orientar e ordenar os fluxos das ações e dos serviços de saúde; c) monitorar o acesso às ações e aos serviços de saúde; d) ofertar regionalmente as ações e os serviços de saúde. 5. CONCLUSÃO Em face dos argumentos técnico-jurídicos acima esposados, este Centro de Apoio Operacional (CAO-SAUDE) sugere as seguintes providências por parte da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da comarca de Nanuque, ora consulente, sem prejuízo da adoção, como regra de orientação institucional às demais Promotorias de Justiça, a saber: 11 1) Oficiar a Secretaria Municipal de Saúde de Nanuque para que informe sobre os procedimentos, da média e alta complexidade, atualmente pactuados com o município de Belo Horizonte, disponíveis para realização junto ao município de Teófilo Otoni, conforme tabelas de procedimentos anexas. Nesse mesmo ofício, requisitar daquela Secretaria informações, se possível com juntada de documentos, sobre eventual anterior negativa formal, por parte do município de Teófilo Otoni, de atendimento daqueles serviços, média e alta complexidade, junto à instância colegiada da CIB-R. 2) Persistindo o desinteresse do município de Teófilo Otoni no acolhimento dessas demandas, deverá o Gestor SUS local, ombreado com a proposta da humanização, do fortalecimento do processo da regionalização e da garantia do acesso mais rápido às ações e serviços de saúde, média e alta complexidade, pelos usuários do Sistema, proceder a imediata interposição de recurso administrativo inominado para a Comissão Revisora, instituída pela SES/MG, com competência para dirimir conflitos sobre pactuações/referências/contrarreferências na PPI eletrônica. 3) Sem prejuízo da adoção das providências acima, deverá o Gestor SUS local rediscutir ampliação dos serviços de transporte, dada sua demanda reprimida, junto ao consórcio intermunicipal de saúde, regulador do Sistema Estadual de Transporte de Saúde (SETS), para garantia do transporte de seus usuários, dependentes do TFD, na região e ou mesmo junto ao município de Belo Horizonte. 4) Recomendação administrativa ao gestor SUS local para que, no atual processo de pactuação, junto ao município de Belo Horizonte, seja garantia a observância da integralidade do Tratamento Fora do Domicílio (TFD) aos usuários 12 indicados pelo profissional médico assistente, com homologação pela Comissão Municipal. Adverti-lo da responsabilização administrativa, civil e criminal, no caso de persistência de oferta irregular/deficitária do denominado TFD, dada a determinação constitucional da integralidade do tratamento. É a presente Nota Técnica. Belo Horizonte, 25 de outubro de 2012. Karina Abreu de Carvalho Analista MP (Jurídico) MAMP 5145 GILMAR DE ASSIS Promotor de Justiça Coordenador do CAO-Saúde