9. direitos e deveres do superficiário

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DIREITO DE SUPERFÍCIE
1. Introdução; 2. Conceito; 3. Evolução
histórica; 4. Enfiteuse versus Superfície; 5.
Classificação; 6. Objeto; 7. Constituição; 8.
Transferência; 9. Direitos e deveres do
Superficiário; 10. Extinção; 11 Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O direito real de superfície é criação recente no direito pátrio. Sua introdução se
deve ao Estatuto da Cidade, Lei n.º 10.257/01, artigos 21 a 24. O novo Código Civil
adotou o modelo do Projeto também disciplinando-o a partir dos artigos. 1367 a 1377
Por sua inexistência em nosso ordenamento positivo, é escassa a literatura
nacional a respeito do direito de superfície. . Este projeto de monografia valeu-se de
algumas obras recentíssimas, conforme consta da bibliografia para apreciar o instituto aos
moldes do tratamento jurídico nacional e de outras de autores alienígenas, em face do
Instituto ter sido disciplinado em outros países, como Portugal e Itália.
O legislador lusitano, definiu superfície como “ faculdade de construir ou
manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou nele fazer ou
manter plantações", conf. Artigo 1542 do Código Civil Português.
Oliveira Ascensão1 ensina que a Superfície é o “... direito de ter a coisa
incorporada em terreno alheio. Pode ter como contrapartida uma prestação única, ou
prestação anual, perpétua ou temporária.”
1
José de Oliveira Ascenção, in Direito Civil: Reais, p.
O Projeto do Código Civil, de n.º 634/75 da Câmara dos Deputados que no
Senado Federal recebeu o número de 118, em 1984, inicialmente não contemplava o
Direito de Superfície.
Ebert Chamoun, então encarregado de redigir a parte relativa aos direitos reais,
não incluíra no Anteprojeto inicial. Sua inclusão deve-se a Comissão supervisionada por
Miguel Reale.
Naquela oportunidade, referindo-se ao Decreto-Lei n.º 271/67 que em seu artigo
7.º
regulamentara a concessão de terrenos públicos e particulares,
estendendo a
concessão de uso a particulares, escreve Miguel Reale na Exposição de Motivos:
“consoante justa ponderação de José Carlos Moreira Alves, a migração desse
modelo jurídico, que passou da esfera do Direito Administrativo para a do
Direito Privado, veio restabelecer, sob novo enfoque, o antigo instituto da
superfície (...) A necessidade de restabelecer o instituto da superfície já fora,
aliás, sustentada sob ângulos diversos, por outros juristas, como fez o prof.
Sylvio Meira em carta que me redigiu...”
O reavivamento do Instituto da superfície foi muito criticado por Caio Mário da
Silva Pereira e Afrânio de Carvalho, sob o argumento de que se estaria tentando fazer
ressuscitar um direito real má em desuso no direito romano, com a agravante de retomálo em termos geradores de litígio, ao permitir ao superficiário o poder de transferência
por ato inter vivos e ao outorgar preferência ao superficiário para aquisição do bem
gravado. Argüiu-se, igualmente, constituir uma superfluidade a criação do direito de
superfície, nos termos formulados pelo anteprojeto, pois se o que deseja é criar condições
para a realização de construção ou plantação no terreno, esse resultado poderia ser
alcançado pela locação, adequadamente clausulada.
Louvando a volta da superfície, por outro lado, levantaram-se outras vozes,
como Milton Fernandes. Modificado o texto do Anteprojeto na Câmara dos Deputados, a
superfície passou a constar nos artigos 1368 a 1375 do Projeto, hoje consagrado nos
artigos 1.225,II e 1.369 a 1.377 do novo Código Civil. Todavia, adiantando-se ao Código
2
Civil, o legislador ordinário, em 2001, disciplinou a matéria pela Lei n.º10.257, o
Estatuto da Cidade.
2. Conceito
A formação da palavra superfície é controvertida. Sua origem latina indica plano
ou face superior ou exterior de uma coisa, definição que expressa o sentido comum do
termo.
No mundo jurídico o termo superfície tem duplo significado: designa o objeto e
o direito reciprocamente correspondentes, isto é, a superfície, porção geodésica suscetível
de apropriação, e também, por metonímia, o direito de superfície.
Muitos autores, em que pese a novidade do instituto, já se preocuparam em
defini-lo. Assim, v.g., Pereira Lira1, apresenta o seguinte conceito:
“é o direito real autônomo, temporário ou perpétuo, de fazer e manter construção
ou plantação sobre ou sob terreno alheio; é a propriedade - separada do solo –
dessa construção ou plantação, bem como é a propriedade decorrente da
aquisição feita ao dono do solo de construção ou plantação nele já existente.”
Da definição, percebem-se os elementos próprios da superfície:

A autonomia o “ius superficie” em relação aos outros tipos de direito real;

A concessão para construção ou plantação

A propriedade separada superficiária gerada por concreção desse direito;

A propriedade separada superficiária gerada por cisão.
O novo Código Civil não define o que seja direito de superfície, da mesma
maneira o Estatuto da Cidade. Enquanto o novo Código disciplina a matéria para imóveis
PEREIRA LIRA, apud ROCHA, Marco Túlio de Carvalho. Direito de Superfície – A superfície no
Projeto do Código Civil Brasileiro. s/p.,
1
3
urbanos e rurais, o Estatuto da Cidade, somente para os imóveis urbanos. As demais
diferenças serão vistas no correr desta monografia.
De qualquer maneira, os autores saúdam o novo instituto como uma
modernização da Enfiteuse. Permite-se uma melhor utilização da coisa, ensina Silvio de
Salvo Venosa.
1
Maria Helena Diniz2, por sua vez diz que a substituição é vantajosa por
“...sua grande utilidade econômica e social e por não ter o inconveniente da perpetuidade
e por diminuir a crise habitacional, por incentivar a agricultura, por possibilitar a reforma
agrária e por fazer com que a terra, no meio urbano, inclusive, possa ser fonte de trabalho
e produção”.
O civilista Arruda Alvim3 em trabalho produzido em 1987 pontifica que a
superfície coloca o proprietário em uma posição em princípio privilegiada, sem tecer
comentários de uma eventual vantagem? Talvez seria interessante ouvir suas ponderações
pela substituição da enfiteuse pela superfície....
Sem dúvida, alguns desses benefícios podem ser possíveis mediante o direito de
superfície, mas em muitos casos, já existem institutos jurídicos apropriados para isso.
Sem contar que a certas finalidades, definitivamente o instituto não se presta, pela própria
definição dessas finalidades, como a reforma agrária, strito sensu, que será tratada mais
adiante.
3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A superfícies surgiu no período tardio do direito romano. No início prevaleceu o
princípio da acessão – superfícies solo cedit segundo o qual, tudo o que se incorpora ao
solo entra para o domínio de seu proprietário, confirmando o critério da absoluta senhoria
do dono sobre a coisa – usque ad sidera et usque ad inferos.
A origem do direito de superfície está nas concessões de solo público,
arrendamentos pertencentes ao municípios ( do populus romanus, municipia e outras
1
VENOSA, Silvio S., in Direitos Reais, p. 323
DINIZ, Maria helena. Curso de D. Civil Brasileiro. – 4.º vol. P. 404
3
ARRUDA ALVIM, in Breves Anotações para uma Teoria Geral dos Direitos Reais, p. 35
2
4
comunidades locais) a particulares, dando-lhes a faculdade de nele construir e gozar da
construção de modo exclusivo. O contrato era por longuíssimo prazo, mediante
pagamento de foro anual ao proprietário ( solarium).
A relação era, inicialmente, obrigacional, encontrando o superficiário a
proteção de seus direitos em uma actio in personam, ex conducto ou ex empto.
Estendendo-se o instituto aos terrenos particulares e com a concessão no direito
justinianeu, de uma actio in rem, oponível erga omnes, criou-se um novo instituto de
direito real sobre coisa alheia. Podia ser transmitida a título gratuito ou oneroso.
Na Idade Média o direito de propriedade do superficiário prevalece sobre o
do proprietário do solo quando tivesse por objeto plantação.
Importante salientar, que nenhum dos primeiros grandes Códigos da Era
Moderna contemplou superfície.
4. DIREITO DE SUPERFÍCIE VERSUS ENFITEUSE.
A enfiteuse, instituto cuja origem remonta aos gregos, na lição de Lafayette
Pereira1 é o direito real de tirar da coisa alheia todas as utilidades e vantagens que ela
encerra, e de empregá-la nos mesteres a que por sua natureza se presta, sem destruir-lhe a
substância, e com a obrigação de pagar ao proprietário uma certa renda anual.
Já o direito de superfície é instituto do direito romano, cuja razão de existir ligase a necessidade de utilizar solo alheio para construção ou plantação. Tal instituto utilizase primeiramente de solo público. Era permitido a construção nas ruas, permanecendo o
solo para o Estado Romano. Estendido para particulares, fez-se necessário a existencia de
contrato para estabelecer as regras desse direito real sobre coisa alheia. .
A maioria dos doutrinadores vê na superfície um instituto jurídico mais
vantajoso que a enfiteuse. Como já dito anteriormente, poucos enfrentam as razões desse
“dogma”. Numa primeira leitura, parece, muitas vezes, que se está discutindo, pedindo
5
venia pela liberdade, se “seis é melhor que meia dúzia”. O tempo dirá de sua validade
prática.
O artigo 2038 do novo Código Civil ao disciplinar a extinção gradual da
enfiteuse, proíbe a constituição de novas enfiteuses e subordina ao Código Civil de 1916,
as enfiteuses até então constituídas. Provavelmente tais enfiteuses rapidamente
desaparecerão, pois dispôs a novel legislação que fica proibida a cobrança de laudêmios
sobre as transferências efetuadas a partir da entrada em vigor do CCB/02., nos termos do
parágrafo 1º do referido artigo.
Todavia as enfiteuses constituídas entre o particular e o poder público, como as
dos terrenos de marinha, continuarão ser disciplinadas por lei especial, portanto, sem a
incidência dos dispositivos do Código Civil/02. Tal matéria é regulamentada pelo
Decreto –lei n.º 9760/46 e legislação subsequente.
Desta maneira, largas extensões territoriais em Minas Gerais, por exemplo, ou
parte do centro de Ribeirão Preto, SP, que pertencem a Igreja, bem como Teresópolis e
Petrópolis, RJ, cujo detentor do domínio direto, senhorio são membros é a família
imperial brasileira, perdem a capacidade de produzir renda aos respectivos senhorios.
Somente continuarão fazendo jus ao foro ou canon.
Tal situação, todavia, não se aplicará aos bens enfitêuticos onde o senhorio é o
Poder Público, que continuarão a receber foros e laudêmios, como os terrenos de marinha
e outras áreas, como o Condomínio Alphaville, na Grande São Paulo.
5. CLASSIFICAÇÃO
No plano dogmático, a classificação do instituto se faz em atinência à suas
características essenciais e com independência em relação à regulamentação legal que
teve o instituto em cada sistema normativo. As diferentes classificações demonstram
1
PEREIRA, Lafayette R. in Direito das Coisa, v. 1 – 5ª ed., p. 456
6
como o instituto pode ser flexionado pela legislação nacional, sem perder a sua
identidade.
Conforme o objeto, a superfície pode ser de construção ou de plantação. Em
qualquer dos casos pode abranger ou não o subsolo. CCb/02 abrange o subsolo, desde
que inerente ao objeto da concessão –n art. 1369, § único). O Estatuto da Cidade permite
a utilização do solo, subsolo e espaço aéreo respectivo. ( art. 21, § 1º)
Em relação ao imóvel gravado, pode ser total, caso se referira a toda a sua
extensão, ou parcial, em caso contrário, referindo-se apenas parte do imóvel ou certas
coisas a ele incorporadas.
Quanto à forma de constituição de propriedade superficiária, pode ser por
concreção ou por cisão. Por concreção, se inexistente construção ou plantação antes da
concessão ad aedificandum ou ad plantandum. Por cisão, se preexistente a coisa
superficiária, cuja propriedade tiver sido transferida a outrem que não o dono do solo.
Quanto ao tempo de vigência, pode ser temporária ou perpétua. A
temporariedade pode advir de termo ou de condição. No CCB/02 o tempo é determinado
( art. 1369). O Estatuto da Cidade prevê contratos por tempo determinados ou
indeterminados. ( art. 21, caput.)
6. OBJETO.
O objeto do direito de superfície é dúplice: o direito de construir ou de plantar e
a propriedade superficiária. A propriedade superficiária tem por objeto a superfície , bem
superficiário, ou coisa superficiária, que tanto pode ser uma plantação quanto uma
construção , edificada ou obra.
Por outro lado, entende-se como passível de ser objeto de superfície tudo o que
seja suscetível de acessão, uma vez que a propriedade superficiária pressupõe a suspensão
ou interrupção da eficácia do princípio superficies solo cedit.
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Importante salientar que, o novo Código Civil Brasileiro, no art. 1369, prevê que
a superfície poderá ter como objeto tanto a plantação quanto a construção, enquanto que o
Estatuto da Cidade prevê apenas construção. .
7. CONSTITUIÇÃO
No Direito Romano o direito de superfície se constituía por contrato (locação,
venda, doação), ou por ato de última vontade.
No direito Moderno, a superfície se constitui mediante ato inter vivos, por
disposição de ultima vontade, e, em alguns sistemas , por desapropriação . É debatida a
possibilidade de constituição da superfície pelo usucapião.
O contrato
constitutivo da superfície é formal, devendo ser realizado por
escritura pública; é solene nos sistemas que adotam o registro como requisito para sua
validade.
O conteúdo do contrato compreende cláusulas necessárias , por imposição legal,
e cláusulas facultativas.
O novo Código Civil considera como cláusulas necessárias: a que obriga o
superficiário ao pagamento dos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel(NCC
art. 1.371 e art. 21, § 3.º do Estatuto da Cidade); a que proíbe a cobrança de qualquer
quantia pela transferência da superfície ( parágrafo único do art. 1372) e a que confere o
direito de preferência em favor do superficiário e do proprietário quando da alienação
respectiva do imóvel ou da superfície. ( NCC 1373) e art. 22 do Estatuto da Cidade)
No novo Código Civil, as cláusulas acessórias facultativas integram o direito
real nos seguintes casos: quando prevenirem a destinação da superfície ( art. 1369) ;
quando disciplinarem a indenização da construção ou da plantação pelo término da
superfície ( art. 1376); se determinarem que a superfície seja gratuita ou onerosa e, neste
último caso, se estipularem o número de parcelas de pensão superficiária, seu valor e a
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forma de reajuste ( art. 1370). Sendo reais, essas cláusulas seguem a coisa, passando de
superficiário a superficiário, de proprietário a proprietário.
O novo Código Civil, em consonância com os princípios gerais do nosso Direito
das coisas, prevê a necessidade de inscrição da escritura pública no Registro de Imóveis,
para a Constituição da superfície, conf. art. 1369. O mesmo se dá com o Estatuto da
Cidade, por força do caput do artigo 21
8. TRANSFERÊNCIA
A translação do direito de superfície se faz através dos meios pelos quais ela se
constitui e também pelo usucapião.
No novo Código Civil, a transmissibilidade do direito de superfície está prevista
no art. 1372. O art. 1369 impõe que a superfície seja constituída para vigorar por prazo
determinado. Já o Estatuto da Cidade permite a superfície por tempo indeterminado,
como já visto acima, no citado artigo 21, caput. contudo, não prevê um limite temporal
máximo de vigência, tornando-a perpétua como era a enfiteuse.
Assim, pelo Código Civil, impossível será, na vigência do citado texto, a
constituição de superfície
para vigorar sob condição resolutiva. Esse entendimento
confirma o disposto na segunda parte do artigo 1372 que prevê a transmissibilidade da
superfície aos herdeiros do superficiário.
No parágrafo único do artigo 1372, o novo Código proíbe a estipulação de
quantia a ser paga pela transferência. Desta forma, há a proibição imposta ao proprietário
do solo de cobrar qualquer quantia do superficiário ou de terceiro adquirente, quando da
alienação da superfície e em razão desse fato. Tal fato todavia não foi vetado no Estatuto
da Cidade. Isto pode ensejar a controvérsia se é, então possível, tal cobrança em
transmissão do direito de superfície em zona urbana, nos termos do Estatuto da Cidade.
Embora seja lei anterior ao novo Código Civil, tem caráter especial.
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O artigo 1373 institui o direito de preferência recíproco, do proprietário do solo,
fundieiro, e do superficiário, quando da alienação da nua propriedade ou da coisa
superficiária, para a aquisição em igualdade de condições com terceiros.
9. DIREITOS E DEVERES DO SUPERFICIÁRIO
O proprietário do solo ou concedente ou, ainda, fundieiro, sem prejudicar o
exercício dos direitos do superficiário, e se o contrário não for acordado, conserva o
direito de utilização do subsolo, do espaço aéreo e da parte remanescente do solo de sua
propriedade. Quanto ao subsolo, é importante lembrar que, no Brasil, o inciso IX do art.
20 da Constituição da República, confere à União a propriedade dos minerais que nele
existirem.
O concedente tem os direitos e obrigações que resultem do conteúdo do negócio
superficiário, tais como o recebimento do solarium ou da renda ajustada (art. 1.371,
caput).
10.EXTINÇÃO.
A extinção do direito de superfície está previsto no artigo 1374 e 1375, bem
como nos artigos 23 do Estatuto da Cidade.
Ambas as propriedades, a superficiária e a do solo, são suscetíveis de
desapropriação. Pode ocorrer a desapropriação somente de uma ou outra, contudo, dessa
possibilidade não resulta nenhuma vantagem para o expropriante, que teria que indenizar
ao dono do solo os prejuízos que lhe causasse. A desapropriação simultânea do solo e da
coisa superficiária termina por consolidá-las, extinguindo a superfície. Cada um dos
envolvidos nesse direito real sobre coisa alheia terá direito a indenização, no valor
correspondente ao direito real de cada um. Neste caso, o valor da indenização poderá
ficar a disposição do juízo até decisão final dos valores correspondentes a cada um,
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fundieiro e superficiário, para então eles levantarem o valor indenizatório a que tem
direito.
11. CONCLUSÃO.
A reformulação do individualismo contido no bojo da doutrina liberal e
consagrada no Code Napoleon, em 1804 e, por sua vez no Código Civil Brasileiro de
1916, teve o condão de modificar os poderes do domínio, cuja expressão mais ampla é,
sem dúvida, o reconhecimento da função social da propriedade, reconhecendo agora as
idéias de Leon Duguit, da Rerum Novarum e da própria doutrina tomista, que já no
século XIII, pregava a dupla natureza da propriedade, como direito natural primário, onde
cada indivíduo tem direito ao acesso a propriedade e como direito natural secundário ( ou
relativo) onde todos os indivíduos tem o mesmo direito de acesso.
Um século depois da Constituição de Weimar ( 1919) dizer que a “propriedade
obriga”, o legislador civilista pátrio recepciona a Doutrina Social da Igreja, bem como as
idéias sociais de Düguit, embora o Estatuto da Terra Lei n.º 4504,
de 30.11.64
reconhecesse tal função social ao imóvel rural. O novo Código Civil, agora se rende as
doutrinas sociais e disciplina a matéria em seu artigo 1228, § 1.º
A par do direito real de superfície, o legislador, em 2001, ainda legislou sobre a
concessão de uso em bens particulares e públicos, nos termos da Medida Provisória n.º
2.220, concessão essa que poderá ser transferida inter vivos ou causa mortis, desde que já
ocupasse o imóvel em 30 de junho de 2001. Elenca os requisitos para a concessão de uso
e que são os mesmos do usucapião constitucional urbano ou rural ( art. 183 e 191 da
CF/880, c.c. Lei n. 6969/81 e Estatuto da Cidade, respectivamente )
Como se vê, o legislador e o Administrador Público buscam solucionar o
gravíssimo problema do adensamento populacional urbano e do exodo rural, fenômenos
nefastos a qualquer nação. Todavia é preciso cautela para não atentar para soluções
rápidas mas que a longo prazo não sejam as mais adequadas.
11
O direito real da superfície teoricamente atende as necessidades de realizar a
função social da propriedade, na medida em que abre mais uma forma de utilização dos
imóveis, sem o enorme desgaste de pagar o seu preço. Por meio desse direito real, é
possível ter mais um instrumento viável de resolução de inúmeros conflitos ligados à má
utilização e distribuição da propriedade imóvel, tanto urbana, quanto rural.
Alguns comentaristas portugueses informam que na prática o instituto do direito
real de superfície não teve a aceitação esperada quando de sua entrada em vigor no novo
Código Civil Português. É necessário verificar até que ponto ele será aceito pela
sociedade brasileira. Uma e outra ainda tem arraigado o conceito de que extensão
territorial é poder, de tal sorte que não consegue conceber que uma vez utilizada por certo
perderá o direito real sobre ela. Outros institutos permitem a utilização de imóvel alheio,
de maneira menos envolvente, como os arrendamentos e parcerias na zona rural, a própria
enfiteuse que dava um direito real sobre coisa alheia mais consolidado.
BIBLIOGRAFIA
ASCENÇÃO, José de Oliveira, in Direito Civil: Reais, 4ª edição, Coimbra.
Coimbra Editora, 1987..
ARGUELLO, Luis Rodolfo. Manual de Derecho Romano. 3.ª ed., Buenos Aires. Ed.
Astrea. 1997.
ARRUDA ALVIM, in Breves Anotações para uma Teoria Geral dos Direitos Reais, .
1987
DINIZ, Maria Helena. Curso de D. Civil Brasileiro. – 4.º vol. – 17.ª ed. São Paulo.
Ed. Saraiva. 2002
FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil. Vol. 3 – Ed. Revista dos
Tribunais. 1971.
12
PEREIRA, Lafayette R. in Direito das Coisa, v. 1 – 5ª ed.,São Paulo. Ed. Freitas
Bastos.1943
PEREIRA LIRA, apud ROCHA, Marco Túlio de Carvalho. Direito de Superfície –
A superfície no Projeto do Código Civil Brasileiro. s/p.,
RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. – vol. 2 – 1.ª ed.,
Campinas. Ed. Bookseller Editora e distribuidora.
VENOSA, Silvio Salvo., Direitos Reais, São Paulo. Editora Atlas. 2001.
Autores:
Dra Maria Cecília Ladeira de Almeida – Mestre em Direito Civil pela USP,
Especialista em Direito Agrário e Cooperativo pela Universidade Politécnica de Madri,
Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie,
Professora de Direito Civil e Agrário e Ambiental das Universidade Presbiteriana
Mackenzie, FAAP e PUC- Minas , Procuradora Federal.
Dr Washington Carlos de Almeida – Mestre em Direito Civil pela PUC-SP,
Especialista em Docência do Ensino Superior pela UFRJ, Especialista em Direito
Processual Civil pela PUC-RS, Professor de Direito Civil PUC - Minas, FAAP e
UNINOVE, Pesquisador Jurídico .
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