Barack Obama e a Reforma de Saúde Norte

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Barack Obama e a Reforma de Saúde Norte-Americana
André Medici
1.Um país que não recebe o que gasta em saúde
Os Estados Unidos é um país sui-generis em seus gastos em saúde. E não é
de hoje. Em 1960, quando os países da (atual) OCDE gastavam em torno de
4% do PIB com saúde, os Estados Unidos gastava 5%. Em 2007, a média da
OCDE já havia chegado aos 9% mas os Estados Unidos estavam nos 16%.
Por outro lado, enquanto os demais países mencionados alcançaram a
cobertura universal de saúde para sua população, cerca de 16% dos norteamericanos (46 milhões de pessoas) se declaravam sem cobertura naquele
mesmo ano e a cobertura não tem aumentado nos últimos quinze anos.
Olhando mais de perto, de um conjunto de seis países da OCDE que inclui os
Estados Unidos, verifica-se que os norte-americanos, gastando em saúde uma
média percapita de US$6,102 dolares anuais, dos quais US$878 somente em
medicamentos , sofriam com o pior desempenho nos indicadores de qualidade,
acesso, eficiência, equidade, além de vidas mais curtas e menos produtivas,
quando comparado com países que gastavam entre US$ 2,083 (Nova
Zelândia) e US$ 3,165 (Canadá) per capita-ano em saúde.
Mesmo pagando mais por saúde, os norte-americanos tinham pior acesso. Em
2008, os pacientes crônicos dos Estados Unidos compartilhavam com os
canadenses o fato de que somente 26% conseguiam marcar consultas para o
mesmo dia, porcentagem que variava entre 60% e 36% na Holanda, Nova
Zelândia, Alemanha, França e Austria. Considerando o mesmo conjunto de
países, os norte-americanos tinham mais dificuldades em conseguir
atendimento noturno ou nos fins de semana e foram os que declararam
maiores problemas associados a coordenação do cuidado, a erros em conduta
médica e a problemas na administração de medicamentos aos pacientes.
Somente 28% dos médicos tinham fichas clínicas eletrônicas de seus
pacientes, comparados com percentagens superiores a 80% na Holanda, Nova
Zelândia, Inglaterra e Austria. Em suma, 54% dos norte-americanos com
doenças crônicas declararam ter problemas de acesso aos cuidados médicos
em função dos altos custos e limitações administrativas, percentagem que não
ultrapassava os 30% nos outros países mencionados da OCDE.
Como resultado, além de gastar muito e ser pior atendido, o norte-americano
morre um pouco mais cedo do que seus pares nos países da OCDE. A
esperança de vida ao nascer nos Estados Unidos em 2006 era de 78,1 anos,
comparada com 78,9 em média nos demais países da OCDE . Paises como
Australia, Canada, França, Islandia, Itália, Japão, Nova Zelândia, Noruega,
Espanha, Suécia e Suiça tinham neste mesmo ano esperança de vida ao
nascer superior aos 80 anos. A taxa de mortalidade infantil também é maior
nos Estados Unidos do que ná média dos países da OCDE (6,7 por mil
comparada com 5,1 por mil). As taxas de mortalidade por causas que poderiam
ser postergadas por melhores cuidados a saúde alcançaram 110 por 100 mil
habitantes nos Estados Unidos, valores superiores aos encontrados em pelo
menos 14 países da OCDE .
Os Estados Unidos Unidos gasta 49% dos dispêndios mundiais de saúde, mas
sua população é somente 5% da população mundial e mesmo assim, esse
atendimento está atrelado a todos os problemas anteriormente mencionados.
Entre os países da OCDE, é o que apresenta a maior participação do gasto
privado e do gasto familiar sobre o total das despesas de saúde.
A queda de cobertura de saúde se explica por uma série de motivos: a) sendo
o seguro de saúde voluntário para a maioria da população norte-americana, há
aumentado o número de pessoas sem capacidade financeira de ter acesso aos
planos de saúde cujo custo aumenta a cada ano em proporções superiores à
inflação; b) o número de empresas que ofertam benefícios de saúde aos seus
empregados tem diminutido com o tempo; c) os mercados individuais de planos
de saúde limitam a cobertura de condições pré-existentes e as operadoras de
planos de saúde podem rejeitar pacientes com base em seus riscos individuais
.
Como resultado, os seguros de saúde se tornaram muito caros aos indivíduos
(e também as pequenas e medias empresas) e 62% das bancarrotas familiares
em 2007 estiveram associadas a custos relacionados à saúde nos Estados
Unidos.
Entre os fatores que estão associados aos altos custos da saúde nos Estados
Unidos se pode enumerar: (a) altos custos administrativos (7,4% comparados
aos 4,4% na média da OCDE ); (b) altos salários e remunerações dos médicos;
(c) alta utilização de profissionais e procedimentos especializados ou de
cuidado intensivo como porcentagem dos serviços de saúde prestados e; (d)
baixo uso de processos redutores de custo ou compartilhadores de risco como
os pagamentos por capitação.
2.O que pode ensinar a experiência internacional?
O grande desafio dos Estados Unidos é alcançar maior cobertura e qualidade
com menos gasto. Tal situação vem despertando discussões em muitos
países. Uns chegam a dizer que podem ensinar aos americanos a sair do
atoleiro e outros culpam, uma vez mais, o capitalismo selvagem e o modelo
privatizante pelo fracasso na saúde norte-americana. Mas a realidade está
muito longe disso.
Do ponto de vista econômico, a saúde é um setor singular e desde os escritos
do premio nóbel Keneth Arrow nos anos sessenta, economistas da saúde vem
destacando as peculiariadades econômicas deste setor que o fazem diferir dos
demais. Os gastos em saúde são relativamente inelásticos e os custos do setor
crescem basicamente em função de fatores externos (nível de renda e
envelhecimento populacional) e internos (uso de tecnologia médica e modelos
de gestão) ao setor.
Por todos esses motivos, alguns páises aprenderam que sem regulação
adequada não há chances de aumentar a eficiência econômica do setor saúde.
Esta regulação é cada vez mais complexa e deve atuar não apenas no sentido
de reduzir falhas de mercado, mas também evitar importantes falhas de
Estado, decorrentes do monopólio da provisão pública. Neste contexto, vale a
pena separar o que os demais países eventualmente teriam a ensinar aos
Estados Unidos, segundo seu grau de desenvolvimento
a)Os Países Desenvolvidos
Os países europeus, o Japão, a Austrália, o Canadá e a Nova Zelândia, não
costumam dizer aos norte-americanos o que fazer. Na verdade, seus sistemas
de saúde tem sido aprimorados também pela importação de inovações geradas
pela experiência norte-americana de gestão em saúde (como os Grupos
Relacionados de Diagnótico – DRG - e a separação da gestão de saúde da
provisão de serviços), de modo a permitir que seus modelos estatizantes
corrijam suas falhas de Estado através de mais concorrência regulada. Estes
países (talvez com exceção do Canadá), depois de verem seus modelos de
welfare state patinarem no gigantismo estatal, aprenderam que a gestão
empresarial tem suas vantagens e procuraram dosar seus objetivos de
cobertura universal, equidade e oferta pública com os incentivos e a gestão
moderna de mercado.
Do ponto de vista da regulação, os países desenvolvidos tem usado os
incentivos de mercado e a concorrência administrada para evitar as falhas de
Estado no setor saúde. Apreenderam como usar o pooling de risco e os
incentivos para controlar custos e preços e negociar melhor as compras
públicas de serviços com distintos provedores. Trabalham de forma mais
estruturada com os sistemas de tecnologia de informação para racionalizar o
uso de pessoal, materiais e recursos de infra-estrutura clínica.
Os países europeus, por exemplo, tem como critério básico a regulação do
mercado de seguro de forma a assegurar uma concorrência administrada e
ajustada ao risco. Muitos fazem com que a cobertura seja compulsória e não
voluntária e provêem subsídios para aqueles que não podem pagar por um
plano de seguros.
Os países desenvolvidos, onde uma importante excessão é os Estados Unidos,
tem tido melhores resultados em utilizar a saúde pública, a atenção primária e
modelos de promoção e prevenção como forma de evitar gastos catastróficos
em doenças crônicas. Promovem com mais eficiência mudanças no
comportamento de risco de suas populações, incentivando-as a praticarem
hábitos mais saudáveis, a reduzir o sedentarismo e vários outros fatores que
levam ao aumento dos custos de atenção médica. Países como o Chile, por
exemplo, após a ditadura, conseguiram estabelecer uma opção pública de
cobertura para planos de saúde e regulação adequada para evitar descremes e
recusas de cobertura por parte dos planos de saúde.
A maioria dos países desenvolvidos também tem utilizado modelos de atenção
médica mais integrados, através de redes de saúde, como mostra o exemplo
de médicos de família na Inglaterra e o uso frequente de regulação nas redes
de saúde, facilitada pelas tecnologias de informação e pela regulação e
controle dos processos de referência e contra-referência em saúde.
Por fim, mas não em menor importância, os países desenvolvidos tem
avançado muito no uso da epidemiologia e na percepção dos usuários sobre
seu estado de saúde na definição de prioridades sanitárias, a partir dos
estudos de carga de doença. Ao definir prioridades de saúde, definem também
os protocolos, as linhas de cuidado e os mecanismos de entrega destes
serviços, estudam seus custos básicos e estabelecem mecanismos de compra
pública ou privada de serviços que se baseiam nestes parâmetros.
Muitos destes estudos, processos e formas de integração do cuidado médico,
ainda que tenham sido desenvolvidos e testados por instituições e
universidades norte-americanas, não se encontram difundidos naquele país e
lá são aplicados pontualmente e de forma voluntária (como pode ser visto na
exitosa experiência da Kaiser Permanente na California). Nos demais países
desenvolvidos, onde a regulação pública do setor está mais presente e
fortalecida, este desenvolvimento tem sido acelerado nos últimos anos.
b)Os Países em Desenvolvimento
Alguns países em desenvolvimento, orgulhosos de seus modêlos, dizem que
podem ensinar aos norte-americanos o que fazer, mas na verdade, o sucesso
destes países está condicionado à passagem de situações sem cobertura para
uma oferta razoável de serviços básicos de saúde. Seu desafio, portanto, não
foi reduzir custos com melhorias na cobertura e qualidade, mas ao contrário,
aumentar gastos para cobrir uma população amplamente carente de serviços.
Grande parte da luta dos chamados “movimentos sanitários” dos países
desenvolvidos está em aumentar e não reduzir gastos em saúde.
Os países em desenvolvimento, especialmente na América Latina,
apresentaram grandes avanços em aumentar a cobertura, reduzir a
mortalidade materno-infantil, estruturar modelos de atenção primária e equipes
interdisciplinares de saúde e, através disso, melhorar o quadro da atenção
básica nos últimos vinte anos. Mas seus indicadores de saúde (com algumas
exceções como o Chile) ainda estão muito aquém da realidade dos países
desenvolvidos. O desafio da qualidade e o fôsso de desigualdade no acesso
ainda são maiores na América Latina do que nos Estados Unidos.
Os modelos inovadores de gestão pública, iniciados ha pouco tempo, e que
conseguem baratear e melhorar a qualidade da oferta pública de serviços de
saúde (como é o caso das Organizações Sociais ou Fundações Estatais no
Brasil), são ameaçados ou entorpecidos pela atuação da justiça e dos
movimentos sindicais dos profissionais de saúde que atuam contra os
interesses da população mais pobre. Estes, em nome de lutar contra o
fantasma da privatização da saúde, acabam privatizando de fato os recursos
públicos nas mãos do corporativismo dos profissionais de saúde, levando o
sistema público a trabalhar menos e beneficiar os que tem mais acesso à
informação. Acabam defendendo (mesmo implicitamente) o uso das
instituições públicas de administração direta em favor do interesse privado
destes grupos, e não em favor das necessidades públicas dos grupos mais
carentes da população.
Algumas estratégias exitosas de atenção primária e visitação em saúde em
áreas remotas e modelos de asseguramento mais regulados utilizados nos
países em desenvolvimento, podem se constituir em experiências transferíveis
para os Estados Unidos, permitindo uma maior cobertura e uma melhor
regulação da oferta. No entanto, dadas as diferenças epidemiológicas entre os
Estados Unidos e estes países, temas como qualidade e capacitação teriam
que ser retrabalhados no contexto norte-americano para que estas
experiências visessem a apresentar bons resultados.
3.A reforma proposta pelo Presidente Barak Obama
O Presidente Barack Obama não tem sido o primeiro a propor uma grande
reforma no sistema de saúde norte-americano. Outros presidentes norteamericanos já o fizeram, incluindo mais recentemente Bill Clinton.
O Plano Clinton, entre as iniciativas anteriores de reforma de saúde, foi o que
chegou mais perto de um processo efetivo de atacar os desafios da inequidade
e falta de acesso à saúde nos Estados Unidos, mas as resistências de vários
setores da sociedade não permitiram que o plano sobrevivesse. No entanto, ele
foi o embrião de várias iniciativas de reforma e extensão de cobertura iniciadas
ao nível dos Estados norte-americanos, destacando-se a de Massachussets –
a primeira iniciativa estadual a propor um plano de cobertura universal de
saúde com responsabilidade mútua do Estado, dos empregadores e das
famílias. Estas reformas estaduais, nos últimos anos tem cimentado o
consenso, ainda que de forma parcial de que algo deveria ser feito e algumas
experiências exitosas – tanto no setor público como no setor privado – tem sido
capazes de demonstrar caminhos que poderiam ser traçados para lograr maior
cobertura e qualidade a custos menores.
A atual proposta de reforma de saúde norte-americana tem sido apresentada
no debate público pela necessidade de enfrentar cinco desafios: (a) extensão
de cobertura para todos; (b) organização do cuidado em torno do paciente; (c)
incentivos financeiros para reduzir custos; (d) atenção médica eficiente e de
qualidade; (e) regulação pública e integração entre os sistemas públicos e
privados.
a)Extenção de cobertura acessível para todos
O desafio neste caso é extender (de forma mandatória) a cobertura para todos,
incluindo os 46 milhões de norte-americanos que não tem um seguro de saúde.
Para que este desafio seja solucionado, algumas medidas estão sendo
propostas pelo Governo e discutidas pelo Senado Norte-Americano. Abaixo se
descreve o resumo das propostas vigentes até outubro do presente ano.
• Quanto aos indivíduos, incentivos fiscais, como deduções de até US$750 por
pessoa coberta no imposto de renda seriam aplicáveis. Ao mesmo tempo,
multas individuais de até US$750 por pessoa também seriam aplicáveis no
caso de não haver cobertura, excluindo aqueles que por falta de renda não
tivessem condições de pagar por um seguro;
• Quanto as empresas, a proposta original apresentada pelo Governo diz que
aquelas com mais de 50 empregados, terão que pagar, a partir de 2013, uma
multa por trabalhador não coberto por plano de seguro de saúde. As pequenas
empresas (com menos de 50 empregados) receberão incentivos (deduções)
fiscais para afiliar seus trabalhadores a planos de saúde. O Senado propôs,
como alternativa, que empresas com mais de 25 empregados pagariam 60%
do valor do prêmio por empregado e que as multas por trabalhador de tempo
parcial não coberto seriam de somente US$375 por empregado por ano. As
pequenas empresas, ao invés de ter deduções fiscais receberiam subsídios
públicos para afiliar seus empregados.
• Quanto ao Mercado de Seguro Saúde, seriam aplicados processos
regulatórios para disciplinar os planos privados e oferecer novas opções,
extendidos também ao setor público e às cooperativas. Os planos deverão ter
um conjunto mínimo de benefícios que serão reembolsados por valores entre
70% e 95% dos seus custos atuariais estimados. Os planos deverão ser
diferenciados por grupos de idade (três a quatro grupos, incluindo na proposta
do Senado, uma apólice especial para jóvens adultos) e deverão ter
portabilidade, de modo a permitir opções de troca de operadoras de planos
pelos pacientes sem perdas de direitos de cobertura.
• Quanto ao Estado, seria oferecida uma opção pública, isto é, a criação de
uma agência governamental que ofereceria planos de saúde, tendo a
capacidade de captar aquelas pessoas não incluidas ou aceitas nos planos
privados de saúde, porque não podem pagar ou porque, dado seu nível de
risco, seriam recusadas pelas operadoras. Esta agência não subsidiaria o
preço dos planos, mas buscaria eficiência e evitaria abusos praticados pelos
planos na busca por pacientes que representam lucro fácil pelas operadoras,
por terem menor risco. Assim como o Medicare, esta agência não proveria
diretamente serviços de saúde, mas contrataria provedores privados. Isto
poderia evitar que parte dos 46 milhões de pessoas sem cobertura tivessem
alguma opção para seus problemas específicos de saúde, mesmo que
rechaçados por operadoras existentes no mercado privado .
b)Organização do Cuidado em Torno ao Paciente
A proposta neste caso consiste em criar estímulos para aumentar as medidas
de cuidados de prevenção e comportamento saudável dos pacientes e
estimular os serviços de atenção básica. No primeiro caso, o Governo Federal
propõe o desenvolvimento de uma estratégia nacional de promoção e
prevenção em saúde, investindo e dando recursos de doação para o apoio a
programas preventivos junto às comunidades, assim como incentivos
financeiros aos indivíduos e planos de saúde para o cumprimento de
estratégias de promoção e prevenção.
Alguns elementos da proposta são: (a) eliminar o co-financiamento do usuário
para as ações de promoção e prevenção comprovadamente necessárias em
programas públicos como o Medicare , (b) estimular a mesma prática em
planos privados de saúde e (c) criar rotinas incentivadas de visitas anuais para
prevenção e avaliação de risco de saúde.
No caso dos serviços de atenção básica, a proposta é aumentar o valor da
remuneração dos médicos de atenção primária no Medicare em proporções
superiores que as remunerações recebidas pelos especialistas. Dado que
grandes volumes de serviços curativos a pacientes crônicos idosos
representam gastos crescentes no Medicare, essa proposta estimularia maior
promoção e prevenção de modo a reduzir o gasto no programa público mais
caro de saúde norte-americano. Algumas das emendas propostas pelo Senado
são a criação de bonus aos médicos de atenção primária em até 10% sobre os
valores faturados durante os cinco primeiros anos da reforma, ao lado de
cortes nos pagamentos aos demais serviços médicos especializados em 0,5%.
c)Incentivos Financeiros para Reduzir Custos
Nesta área, as propostas do Governo e as emendas do Senado vem
trabalhado em projetos pilotos de pagamento de provedores inovadores. As
inovações no sistema de pagamento aparecem através de propostas de
clínicas de familia (medical homes), organizações de prestadores mais
transparentes (accountable care organizations) e hospitais de contra-referencia
e atenção pós-agudos (bundled hospital and post acute care).
Estas inovações permitem testar formas mais baratas e integradas de
pagamento a provedores que, uma vez que se provem funcionais, seriam
aplicadas em massa em sistemas públicos como o medicare e medicaid. Para
aumentar os incentivos a estas experiências, o governo poderia estabelecer
fundos especiais (grants) para seu financiamento.
d)Atenção Médica Eficiente e de Qualidade
As propostas relacionadas a este campo estariam estruturadas como melhorias
na produtividade do sistema, análises comparativas de efetividade clínica e
melhoria da qualidade dos serviços.
• Melhorias na produtividade poderiam surgir alinhando incentivos financeiros
aos procedimentos mais custo-efetivos, atualizando permanentemente
protocolos médicos e sistemas de pagamento prospectivo de acordo com estes
princípios e compondo a cesta de procedimentos recomendados por estes
critérios;
• Análises Comparativas de Efetividade seriam possibilitadas através da
criação de Centros de Pesquisa que permitissem avaliar os resultados clínicos
de diferentes tipos de intervenções em saúde, permitindo a seleção daqueles
que comprovadamente demonstrassem melhores resultados por custo
incorrido.
• Melhorias na Qualidade dos Serviços seriam alcançadas através da criação
do Centro para Melhoria da Qualidade (Center for Quality Improvement) de
forma a identificar, desenvolver, avaliar, disseminar e implementar as melhores
práticas clínicas, estudar e definir as prioridades nacionais em saúde para
melhorar o desempenho das instituições de saúde e definir indicadores e
medidas de qualidade em saúde. Para tal, também se discutem fundos
públicos para apoiar experiências inovadoras para melhorar a eficiência dos
serviços. A proposta ainda contempla o estabelecimento de uma estratégia
nacional, regulada pelo Estado, para o desenvolvimento da qualidade em
saúde.
e)Regulação Pública e Integração entre os Sistemas Públicos e Privados
O Mix público-privado de serviços de saúde nos Estados Unidos existe desde o
momento em que programas públicos como o Medicare e Medicaid passaram a
utilizar, nos anos oitenta, planos privados de saúde, em alguns contextos, para
executar os serviços, seja através da contratação por risco (capitação) seja
através da compra direta (fee for service).
No entanto, o Plano Obama vai um pouco mais além desse processo, quando
estabelece regulações nos mercados de saúde, define novos estandares de
serviços, obriga planos de saúde e provedores de serviços a divulgar
resultados e performance. O Plano Obama também cria a opção pública de
seguro como forma de balizar o mercado de acordo com as expectativas do
Governo e forçar as empresas privadas a terem um desempenho próximo ao
que se estabelece no novo arcabouço de regulação do sistema.
4.Impactos financeiros e perspectivas de aprovação
Embora a reforma ainda não tenha sido definida a totalidade dos elementos
que irão compor a Reforma de saúde proposta pelo Presidente Obama e
muitas mudanças ainda podem vir a modificar o atual desenho do projeto,
estudos preliminares estimam que a Reforma permitiria reduzir o número de
pessoas sem cobertura de 50 para 17 milhões entre 2012 e 2019. Também se
espera uma redução no rítmo de crescimento dos custos per-capita do sistema.
Sem as reformas, os gastos totais em saúde norte-americanos, estimados em
US$2,5 trilhões em 2009, poderiam variar entre US$4,4 e US$ 5,0 trilhões em
2020 (baseado em tendências de crescimento anual de 4,4% a 6,5% ao ano), o
que implicaria um incremento anual de despesas em saúde entre US$ 173 e
U$227 bilhões, representando mais de 20% do PIB em 2020.
Com as reformas, num cenário otimista, os gastos em saúde nos Estados
Unidos a valores médios poderiam reduzir-se em US$ 81 bilhões entre 2009 e
2020 (US$7 bilhões por ano) ou aumentar apenas US$239 bilhões no mesmo
período (US$ 22 bilhões por ano) . Com isto, o gasto per-capita em saúde
poderia estagnar-se ou até mesmo reduzir-se, considerando-se como cenário
de base uma moderada recuperação da economia norte-americana no mesmo
período.
Mais importante do que isso, seria o fato de que, ao lado da redução dos
gastos, haveria uma melhoria da saúde da população, aumentando a
cobertura, a qualidade, a satisfação e os resultados sanitários e re-colocando o
país nos trilhos de um rápido aumento da expectativa de vida, como vem
ocorrendo em outros países da OCDE.
No entanto, existem muitas resistências da sociedade norte-americana às
reformas de saúde:
a. Resistência da população (ou parte substancial da classe média) que
acredita num modêlo onde a liberdade de escolha é um valor inquestionável e
que estaria disposta a pagar mais para mantê-la. Reformas de saúde
costumam limitar a liberdade dos clientes em escolher profissionais e unidades
de saúde de sua preferência;
b. Resistência dos médicos e outros profissionais liberais em saúde que
preferem um modêlo que não padronize seu saber e que lhe dê também
liberdade para ofertar tratamentos alternativos e diferenciados, cobrando
livremente por isto. A força e o poder corporativo da classe médica norteamericana faz com que estes manejem muito bem a autonomia de sua
profissão fazendo com que linhas de cuidados, protocolos, DRGs e avaliações
clínicas estejam longe de suas aspirações, especialmente na costa leste do
país;
c. Resistência das empresas médicas, por motivos similares aos dos médicos,
e também pela necessidade de atuar livremente no mercado de venda de
serviços, tendo a liberdade de recusar contratos com seguradoras de saúde ou
mesmo com corporações;
d. Resistência das companhias de seguro ou gestão de saúde (HMOs) que não
querem se submeter à regulação pública de vários aspectos que afetam
negativamente as finanças em saúde, tais como tarifas ou prêmios de seguro,
uso de co-pagamentos, uso de pre-existências para limitar o conjunto de
serviços ofertados ou mesmo à possibilidade de recusar pacientes quando
estes atuariamente não compensam;
e. Resistência das empresas de advocacia de saúde que querem manter um
mercado livre de negociação de mandatos judiciais (e sua livre interpretação
pela corte) quando pacientes se sentem lezados pelas consequências físicas,
morais e psicológicas dos erros médicos.
O conjunto dessas resistências vale trilhões de dólares e se torna cada vez
mais difícil administrar o orçamento público e as finanças familiares para
custear o volume de recursos que elas representam. O resultado tem sido o
aumento do deficit público em função do desfinanciamento progressivo de
programas públicos como o medicare e o medicaid, mas também o
desfinanciamento das famílias e empresas que não conseguem mais custear
os planos de saúde, reduzindo a cobertura e a qualidade dos serviços
entregues pelos planos de saúde.
Mas existem expectativas de que as reformas propostas possam passar no
Congresso e, neste momento, vários segmentos conservadores da sociedade
norte-americana, inclusive republicanos, já se posicionam favoravelmente. Tal
fato se associa ha algumas características especiais da reforma. Ela mantém o
espírito de que a saúde dever preservar o pluralismo e a concorrência, bem
como a liberdade de escolha num sistema capitalista como o americano. No
entanto, ressalta a função do Estado como regulador de um tema onde é
notória a assimetria da informação , intensificando o cumprimiento dos direitos
humanos básicos e implementando a subsidiaridade aos grupos socialmente
mais frágeis.
Em seu discurso de posse presidencial, Barack Obama disse que não foi o
primeiro presidente norte-americano democrata a tentar uma reforma de saúde,
mas afirmou que será o primeiro a não desistir de que essa reforma seja feita
durante o seu mandato. O que hoje se espera, não só nos Estados Unidos,
como em todo o mundo, é que essa promessa se cumpra. Ao ser cumprida e
mostrar bons resultados, quem sabe, se os países em desenvolvimento que
ainda mantem a inequidade, seja pelo conservadorismo, seja pela enganação
social e pelo ilusionismo fácil do populismo, poderiam renovar seu arsenal de
soluções para um sistema de saúde efetivo e adequado às sociedades
emergentes do século XXI?
Notas
1. Economista Senior do Banco Mundial (LCSHH) em Washington (email
[email protected])
2. Os países são Australia, Canada, Alemanha, Nova Zelândia, Inglaterra e
Estados Unidos. Os dados foram obtidos no trabalho de K.Davis et alii, “Mirror,
mirror on the wall: An International Update on the Comparative Performance of
American Health Care”: The Commonwealth Fund, May 2007.
3. Por outro lado, os norte-americanos tem mais rápido acesso a
medicamentos de última geração que a população dos demais países da
OCDE.
4. O economista e demógrafo Cassio Turra, professor do CEDEPLAR-UFMG,
enviou-me a referência de um recente artigo de Preston e Ho que trata do tema
da eficiência do sistema de saúde norte-americano em reduzir a mortalidade
nos pacientes que não tem comportamento de risco. (Ver
http://www.nber.org/papers/w15213).
Os autores mostram que, comparativamente a outros paises, o sistema
americano tem sido mais eficiente na reducao da mortalidade por causas que
tem pouca relação com comportamentos de risco. No entanto, o sistema tem
falhado em admitir pacientes que tenham maior risco. Esta posição reduz as
chances de pacientes sem cobertura prévia e com pré-existência de doenças
crônicas serem admitidos pelos planos de saúde, aumentando sua chance de
mortalidade precoce.
5. França, Japão, Australia, Espanha, Italia, Canada, Noruega, Holanda,
Suecia, Grecia, Austria, Alemanha, Finlandia, Nova Zelândia, Dinamarca,
Inglaterra, Irlanda e Portugal em ordem crescente.
6. Ver E. Docteur et. Alii, “The U.S. Health System: Assessment and Directions
for Reform”, OECD Economics Department Working Paper, 2003.
7. Entre os países da OCDE, somente México e Luxemburgo tem custos mais
elevados que os Estados Unidos.
8. As taxas adicionais a serem cobradas, na proposta modificada pelo Senado
em 22 de Setembro de 2009 se iniciariam com US$ 200 em 2014; US$400 em
2015; US$600 em 2016 até chegar a US$ 750 em 2017.
9. Sobre a experiência chilena e a defesa da opção pública, ver Mesa-Lago, C.
; “Don´t fear health-care lessons: government insurance has worked well in
Latin-America”, in Post-Gazette, October 28, 2009 - http://www.postgazette.com/pg/09301/1008727-09.stm?cmpid=news.xml#ixzz0VLhFBjSF
10. Atualmente, os cidadãos abaixo do nivel de pobreza, beneficiários do
Medicaid, não precisam co-pagar ou co-financiar ações preventivas e
promocionais, mas a presença destas ações nestes programas não é muito
frequente, assim como é baixa a coordenação entre ações públicas do
Medicaid com os programas de prevenção de doenças transmissíveis e
crônicas do Center for Disease Control (CDC) – orgão responsável pela
vigilância epidemiológica e estratégias de saúde pública do governo norteamericano. Programas como o Healthy People (Gente Saudável),
implementados pelo CDC deveriam permear os programas ofertados, não
somente pelos planos públicos (Medicare e Medicaid), mas também pelos
planos privados de saúde.
11. Estimativas preliminares do coordenador da Comissão Financeira do
Senado Norte-Americano de 7 de outubro de 2009.
02/11/2009
Fonte: http://www.monitordesaude.blogspot.com/
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