Código do Trabalho Art. L. 121.1 O contrato de trabalho é regido pelas normas do direito comum. Código Civil Art. 2052 As transações adquirem, entre as partes, a autoridade de coisa julgada em última instância. As transações não podem ser atacadas por erro de direito nem por motivo de lesão. Art. 2053 Entretanto, uma transação pode ser rescindida quando houver erro sobre a pessoa ou sobre o objeto de contestação. Admissão de erro sobre o objeto Antoine JEAMMAUD, professor da Universidade LumièreLyon 2 (in Droit Social, abril 1999, págs. 354/357) Outra fórmula bem estabelecida da Corte soa como incitação à preferência pela transação em lugar do simples recibo de quitação geral: a assinatura de recibo de quitação geral, redigido em termos gerais, não pode valer como renúncia do trabalhador ao direito de contestar a legitimidade de sua dispensa (...) somente uma transação, firmada após a dispensa e comportando concessões recíprocas pode impedir a ação. Entretanto, alguns temem que a Corte de Cassação vá de um excesso ao outro. Evocam os efeitos perversos dessa corrente jurisprudencial “hostil à transação”. Os tormentos aparentam ter mudado de campo. Para alguns, ao exceder o “controle das obrigações no direito comum”, o controle que a câmara social impõe aos juízes de exercer sobre as transações ao fim do contrato de trabalho será fonte de “insegurança jurídica”. Então, que eles procurem justamente, pelas transações, a se acautelar contra o conteúdo imprevisível de eventual decisão da justiça, os empregadores serão assim encorajados a procurar resilições convencionais, problemáticas para os empregados. A ver! A decisão acima não será enfraquecida, com certeza, por esta crítica. Ao menos escapará, diferentemente de algumas outras decisões nestes últimos anos, à indicação de maltratar o direito comum dos contratos tanto quanto o regime próprio da transação? 7. Como tantos outros, anteriores, o acórdão de 24 de novembro de 1998 decide a cassação à vista exclusiva de artigos do Código Civil. Semelhante série de decisões fornecerá, com outras, o material de reexame minucioso da função desse código nas relações de trabalho. A questão, entretanto, aparenta doravante ser menos acesa que alguns anos atrás. As eternas considerações sobre “direito do trabalho e direito civil” persistem na literatura da disciplina, mas sem dúvida nota-se que uma autêntica autonomia do Direito do Trabalho se choca de lege lata no art. L. 121.1 do Código do Trabalho (“O contrato de trabalho está submetido às regras do direito comum”). A tese autonomista, mais vigorosa há um quarto de século que atualmente, entendia refutar um “civilismo” reputado hostil ao progresso representado pela ascensão de um direito do trabalho e, em todo caso, o fato de tal civilismo ser desfavorável ao empregado senão sempre animado por preferência para o interesse patronal. A motivação desse acórdão Roussel leva igualmente em conta o regime, propriamente “trabalhista”, da indenização da dispensa. Portanto, não é de direito civil puro, diferentemente, por exemplo, de um acórdão de 12 de fevereiro de 1997, já citado, que estava fundamentado nos arts. 1116 e 2052 do Código Civil, para concluir que as falsidades do trabalhador, na origem das “concessões mais vantajosas”, não poderiam, somente por si, invalidar a transação. Mas é precisamente no modo pouco ortodoxo de aplicar as disposições objetivadas que valeram para esse acórdão crítica firme. Não haveria razão convincente para a fundamentação de acórdão mais recente, confirmando decisão de Corte de Apelo, que julgou nula, na falta de consentimento pelo empregador, de uma transação mediante acordo com o empregado por soma inferior ao montante da indenização convencional de dispensa à qual ele poderia pretender, então a diferença reside precisamente sobre a imputabilidade da ruptura e o direito do trabalhador à indenização de dispensa. Vale dizer que o acórdão Roussel parece, num primeiro exame, exposto à crítica. 8. Dispensado por motivo de cansaço (esgotamento), semelhante ao prolongamento de indisponibilidade (ou indisposição) posterior à doença ou de incapacidade total constatada por médicos, o assalariado de uma associação que administrava um estabelecimento para crianças, subscreveu transação na qual foi-lhe assegurada indenização correspondente à indenização legal de dispensa e de perdas e danos. Entretanto, ele citou o ex-empregador perante o Conselho de Prudhommes, com o objetivo de obter indenização de aviso prévio; a indenização convencional de dispensa e de perdas e danos pela dispensa sem causa real e séria. Para convencer sobre a nulidade da transação subscrita, ele sustentava a ausência da concessão feita pela associação, fazendo valer o argumento de que ele tinha direito – o que era ignorado por ele e pelo empregador à época do ajuste - , à indenização costumeira (convencional) pela dispensa. Esta, superior à indenização legal, era o dobro da indenização prevista no acordo. A Corte de Apelação julgara, até então, improcedentes as demandas, ao fundamento de que uma parte do art. 2052 do Código Civil, conferia à transação a autoridade de coisa julgada em última instância colocando-a a salvo de nulidade por erro de direito (comum ao empregado e ao empregador) e, por outro lado, também, porque o empregador consentira livremente numa concessão, aceitando indenização de perdas e danos em contrapartida da liberação. Este acórdão foi cassado pela violação dos arts. 2044 e 2053 do Código Civil, ressaltando que a transação fora concluída “sob a crença comum de que somente a indenização legal da dispensa podia ser reclamada pelo empregado”. O acórdão deve ter deduzido que a transação fora prejudicada (afetada) por um erro sobre o objeto da contestação, que os interessados teriam entendido devessem se prevenir. O primeiro interesse da decisão relatada é o de ilustrar os temas do erro de direito e de suas relações com o erro sobre o objeto da contestação em matéria de transação. A exposição de tais questões não é beneficiada, com efeito, pelo esclarecimento substancial da jurisprudência, seja em face da transação em geral, seja pela sua prática no contrato de trabalho. Em outros termos, este acórdão salienta o risco, ao qual está exposta uma transação no contexto da ruptura do contrato de trabalho, de uma anulação – ou então uma constatação de sua nulidade quando uma das partes se opõe à outra - por motivo outro que não a ausência de concessões recíprocas. Tal causa pode ser a ilicitude do objeto com a intenção de contrariar disposições de ordem pública que regem a rescisão do contrato de trabalho por prazo indeterminado. O acórdão Roussel atesta que não permanece teórica a ameaça de um erro fatal para a transação, em face do reconhecimento pelos juízes, não sobre o direito, ainda que se trate de um erro jurídico, mas sobre o próprio objeto de contestação, tratado como certo tipo de ato, cujo objeto é forçosamente jurídico. Observamos que estes vícios constituem bem, segundo a lei, as causas de nulidade, ou mais exatamente, de “rescisão” no que concerne ao erro sobre o objeto da contestação (como o dolo e a violência). Enquanto que a consequência a mais lógica das concessões recíprocas deve ser – se a condição falha é bem um elemento jurisprudencial da definição, portanto da qualificação a desqualificação do ato. Nesta hipótese, a Corte de Cassação e a maioria dos autores falam de nulidade. É verdade que uma requalificação poderia somente orientar para a requalificação de instrumento redigido para estabelecer a transação recebida para quitação geral, mas tal qualificação de ordinário têm falha. Portanto, a transação – defeituosa (manquée) – não é mais que um ato desprovido de todo sentido ou valor jurídico, um nada, na ordem do direito. Resta tomar ciência da medida do perigo que se vê assim concretizar num caso particular, ainda pelo suplemento de pressão que a jurisprudência suscetível de ser erigida com este acórdão faz ou fará pesar sobre a realização de transações ao final do contrato de trabalho. Medida que é inicialmente a de pertinência jurídica do motivo dessa decisão. 10. O argumento de que o trabalhador, que pleiteia na justiça, tira da ausência de concessão, pelo empregador, encontra amparo em alguns precedentes. Foi julgado – e a câmara social já julgara anteriormente, em fevereiro de 1998 – que o compromisso do empregador no pagamento de uma “indenização transacional”, inferior à qual o trabalhador poderia legalmente pretender, na ausência de alegação de falta grave, não significaria concessão de sua parte. Mas, talvez porque essa leitura dos fatos suscita alguma reserva, a Corte preferiu outra análise, apresentando o erro partilhado pelas partes quanto aos direitos do trabalhador em matéria de indenização por dispensa. À evidência, pesou o fato de que as partes tivessem igualmente negligenciado – o libelo não alegou dolo do empregador - e que elas tenham igualmente ignorado que o trabalhador foi dispensado em razão de seu estado de saúde, mas sem acidente do trabalho ou doença profissional, poderia, segundo jurisprudência recentemente estabelecida, à época da ruptura, pretender a indenização convencional (habitual) e não somente a indenização legal por dispensa. A conclusão não teria sido diferente se tivesse estabelecido que somente o trabalhador se enganara, desde que então tivesse sido levado ao seu erro por um elemento do qual se pudesse razoavelmente pensar que ele fora considerado por ambas as partes e então que esta consideração pudesse ter convencido o trabalhador a consentir à transação proposta. Tal erro teria sido revestido de natureza substancial. Em direito a dificuldade maior estava, à vista do regime original dos vícios de consentimento na transação, na qualificação deste erro, designando sua sede. Se o art. 2052, al. 2, do Código Civil, decreta o erro de direito indiferente, é porque é eminentemente jurídico o objeto mesmo num contrato que consiste em se conciliar um direito em sua aplicação a um caso concreto a fim de que cesse ou seja decidida uma disputa. Esta neutralização do erro de direito é bem mais que uma dedução singular de um princípio-regra, “a ninguém é lícito alegar ignorância da lei”, que nunca privou o erro de direito de todo efeito. É outra coisa, sobretudo, quanto à neutralização da lesão, à qual o mesmo texto não reserva na espécie originalidade. E, em contrapartida, ajustando o direito comum da formação do contrato à singularidade do ato, o art. 2053 admite - e com maior logicidade não se poderia que recaia todo erro sobre o objeto da contestação. 11. Ora, meditando sobre este acórdão prova-se a irritante dificuldade intelectual de determinar a exata qualificação do erro, localizado nas circunstâncias da espécie. Ainda que o objeto da contestação apresente necessariamente caráter jurídico, percebe-se que o erro traz sobre o objeto mais que sobre o direito (aplicável e tal como aplicado) enquanto concernente à identidade da contestação. Por exemplo, se alguém tiver pensado regular somente a sorte de créditos de salário, embora o ato se refira objetivamente às conseqüências eventuais da cessação do contrato de trabalho. O erro não incide, à evidência, nem sobre a identidade ou consideração das regras aplicáveis ao fundo, nem sobre os direitos que tal parte tira face à outra. Mas o erro sobre aquilo que se tomou em conta, de maneira decisiva, por cada qual das partes pode parecer menos afastado do erro de direito. Se o erro sobre o objeto da contestação não é necessariamente erro de direito, em contrapartida o erro de direito visado pelo art. 2052 do Código Civil traz forte risco de tocar ao objeto da contestação. Pela combinação deste texto com o do art. 2053, al. 1, supõe-se então que se exclua do número de causas de nulidade uma certa categoria de erro sobre a matéria da transação, mantendo no número de erros relevantes desse último texto outras desconsiderações à dimensão portanto jurídica. Ora, o mérito o mais não descuidado da transação sempre foi o de se evitar que eclodam ou perdurem querelas sobre direitos incertos, a validade do ato subscrito com o conhecimento deste caráter não será comprometido pela revelação ulterior que um dos contratantes tiver, por exemplo, inesperadamente num tribunal, finalmente recebido o que não era ponto certo de obter no instante da transação. Admitir a nulidade (aniquilamento) desse contrato em razão de tal erro será, de certo modo, desconhecer qual foi a causa de sua conclusão. Se o art. 2052, al. 2 do Código Civil se justifica também pela consideração de que, renunciando a comparecer em juízo, as partes admitem o risco possível de um erro sobre o ponto controvertido e que devem assumir as conseqüências dos erros que possam ter cometido na apreciação ou utilização jurídica de seus meios, a exclusão de nulidade da transação deve sem dúvida ir além. Mais um pouco além somente. Com efeito, parece lógico que a transação fosse exposta à nulidade quando se acreditava que estivesse resolvida amigavelmente sobre direitos que se ignorava – porque se ignorava e de modo excusável - o estado do direito do qual decorria, ainda que mais importante fossem os créditos assentidos por regras válidas. Nenhuma dúvida que o consentimento não é dado no conhecimento do que existe no cerne do ajuste, de sorte que a constatação de que foi assim afetado o consentimento de uma das partes (ou das duas) deve afetar a validade do ato. Em outros termos, será constitutivo de erro sobre o objeto da contestação, portanto causa de rescisão do ato, apesar de seu evidente caráter de erro sobre o direito, a ignorância do estado do direito, gerador de um engano sobre os direitos aos quais poder-se-ia pretender e dos quais a transação importou em renúncia. É esta ignorância do qual era a regra válida, sua aplicação (teneur), ou mais concretamente, direitos decorrentes de sua aplicação à autuação jurídica em causa, que ilustra o caso na origem do acórdão referido. 12. Estas rapidíssimas proposições de síntese não nos parecem estender o campo da nulidade por erro sobre o objeto da contestação, ao ponto de reduzir à porção côngrua de que persista o domínio do erro de direito sem conseqüência. Concede-se, com efeito, que a jurisprudência adota, depois de muito tempo, concepção compreensiva de “erro sobre o objeto” e admite a esse título, como causa de nulidade, o “erro quanto à existência do direito a propósito do qual é transacionado”. Mas o que é notável e um pouco surpreendente, dizendo a verdade, é que um erro de tal espécie é tido como erro de fato e não como erro de direito, no sentido do art. 2052. Ainda, é também para ilustrar a incidência do erro de fato que é evocado aquele sustentado sobre a natureza dos direitos: descobre-se que um erro desse tipo, gerador de nulidade, foi admitido pela Corte de Cassação desde 1930, no caso de uma transação que importou na renúncia aos direitos sucessórios, que se acreditava que estivessem somente em usufruto, quando estavam na plena propriedade. A figura do equívoco que ensejou o acórdão de 24 de novembro último, não é do mesmo tipo? Parece-nos, definitivamente, que a qualificação do erro sobre o objeto da contestação, considerada por aquele acórdão, é menos extensiva e discutível sob a ótica da neutralização legal do erro de direito, que aquela, praticada por certos acórdãos concernentes à transação concluídas por vítimas de acidente com seguradoras. Os civilistas denunciam, nesta generosa admissão do erro sobre a natureza do direito à indenização, uma “forçada” de tal categoria comandada por uma vontade de impor ao segurador a obrigação de cobrir as conseqüências do acidente imprevistas e imprevisíveis à data da transação. A análise feita pelo acórdão Roussel parece não muito assimilável, ainda que pela natureza das circunstâncias factuais ou de referência sobre as partes à transação litigiosa, pelo “esquerdismo” (gauchisement), assim criticado. Duas considerações amparam a pertinência. Em primeiro lugar, o estado do direito, inexato à data da transação, foi confirmado, senão indicado, ao trabalhador por seu empregador, autor do projeto de transação. Em segundo lugar, o erro de uma ou outra parte parece, entretanto, mais excusável em face de recente mudança jurisprudencial. Disso, para se ver na doutrina do acórdão de 24 de novembro de 1998, a escolha por responsabilizar o empregador, iniciador habitual de uma transação pós-dispensa, o risco de mudança na jurisprudência...