CONSCIÊNCIA GRAMATICAL E PRODUÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS: UM ESTUDO DE INTERVENÇÃO Kátia Leal Reis de Melo - UFPE O aprendizado da escrita é um processo complexo e se constitui um grande desafio para os professores, que dedicam boa parte do tempo, nos primeiros anos escolares ao ensino da língua escrita. Compreender os fatores que influenciam esta aquisição é importante para ajudar as crianças a se tornarem usuárias competentes da língua escrita. Algumas pesquisas têm evidenciado a existência de uma conexão entre o desenvolvimento de habilidades metalingüísticas e diferenças individuais na aquisição língua escrita, suscitando investigações sobre a especificação das relações entre os diferentes aspectos da consciência metalingüística e as várias habilidades de leitura e escrita. Consciência metalingüística é a habilidade para pensar e refletir sobre a natureza e as funções da linguagem, bem como manipulá-la. Pesquisadores têm se esforçado, no sentido de identificar as contribuições de habilidades metalingüísticas específicas com relação à aquisição da leitura e da escrita. Os dois aspectos da consciência metalingüística mais pesquisados, em suas relações com a aquisição da língua escrita, são a consciência fonológica e, em menor proporção, a consciência gramatical. Os termos “consciência gramatical” e “consciência sintática” têm sido concomitantemente usados na literatura como sinônimos. O primeiro termo é aqui usado porque inclui a consciência tanto da sintaxe quanto da morfologia. O presente trabalho se propôs a contribuir para a compreensão do papel da consciência gramatical sobre a aquisição da língua escrita, verificando os efeitos do treinamento dessa habilidade metalingüística sobre o desempenho em produção de textos escritos. A consciência gramatical tem sido definida como a habilidade da criança para refletir sobre a estrutura gramatical das sentenças (Tunmer & Grieve, 1984). De acordo com essa definição, o fato de as crianças serem capazes de produzir sentenças, gramaticalmente corretas, desde uma idade precoce, não poderia ser tomado como evidência de consciência gramatical. Isto porque a produção correta, em geral, é decorrente de um conhecimento tácito de gramática, em uma forma que não necessita de 2 reflexão. Em outras palavras, a competência lingüística da gramática gerativa, que se refere ao conhecimento tácito da gramática da língua, não implica, necessariamente, em consciência gramatical. Alguns autores acrescentam, à definição de consciência gramatical, a idéia da necessidade de um controle cognitivo ou controle intencional subjacente a essa habilidade É o caso de Gombert (1992) que considera a competência metasintática ou consciência gramatical, como a habilidade de refletir conscientemente sobre os aspectos morfo-sintáticos da língua e de exercer controle intencional da aplicação das regras gramaticais. Consciência gramatical, então, pode ser definida como a habilidade de refletir sobre e manipular intencionalmente a estrutura gramatical da língua. Convém salientar que gramática está aqui sendo usada para se referir aos princípios básicos da organização da língua que permite ao usuário manejar bem a língua de todos os dias. Ou seja, gramática enquanto um sistema de unidades e regras que as combinam em algo estável, mas sem juízo de valor sobre o prestígio social de qualquer das variedades da língua. Tendo claro o conceito e a natureza da consciência gramatical, é necessário compreender como ocorre a sua emergência e o seu desenvolvimento. De acordo com Gombert (1992), seria possível distinguir quatro níveis de desenvolvimento metalingüístico geral, que variariam do nível mais elementar de um conhecimento intuitivo, declarativo e funcional da língua (epilingüístico), a níveis mais elaborados de um conhecimento procedural envolvendo um controle intencional e reflexão sobre a língua (metalingüístico). O conhecimento tácito ou implícito das regras morfo-sintáticas constituiria o 1º nível e, embora não seja consciência propriamente dita, é considerado pré-requisito para a subseqüente análise e uso consciente da língua. Os três níveis seguintes refletem diferentes graus da habilidade metalingüística. O nível 2 é caracterizado pela organização de um controle epilingüístico estável, que se reflete na habilidade para usar estratégias definidas ou manipular os aspectos estruturais mais gerais da língua, e é o aspecto mais comumente acessado nos estudos de consciência metalingüística (e.g. Bowey, 1986, a, b; Tunmer, Nesdale & Wright, 1987). O nível 3 caracteriza-se por um controle intencional decorrente da habilidade para identificar a existência de regras morfo-sintáticas e articulá-las e aplicá-las. E, por fim, o nível 4, caracterizado pela habilidade de refletir sobre o próprio conhecimento das regras morfo- 3 sintáticas ou sobre o próprio desempenho em tarefas que requerem conhecimento morfo-sintático. Para Gombert (1992), Bertoud-Papandropoulou e Sinclair (1983) é preciso esperar até a idade entre 6 e 7 anos para encontrar julgamentos que revelem uma identificação consciente da não aplicação de uma regra gramatical. Outros autores como Bialystok (1986) sugerem que a aplicação consciente de tais regras aparece bem mais tarde. Segundo Tunmer, Nesdale e Wright (1987) a criança desenvolve a consciência gramatical entre os 5 e 8 anos de idade e, à medida que aprende a ler e escrever, a criança se torna progressivamente consciente da estrutura das sentenças. Pesquisas recentes sugerem que as crianças precisam, logo cedo, de algum conhecimento da estrutura da língua para ajudá-las a prever palavras desconhecidas, enquanto aprendem a ler, e que, à medida que aprendem a ler e a escrever, a compreensão da sintaxe e da morfologia progride. A revisão da literatura, sobre os estudos de treinamento em consciência gramatical, aponta que, de modo geral, tais estudos apresentam problemas metodológicos. Por exemplo, muitos deles limitam a extensão do treinamento ou, ainda, são realizados quando a aquisição da língua escrita já aconteceu ou quando a criança já foi submetida a um ensino sistemático sobre questões morfo-sintáticas. Considerando que as crianças que são mais conscientes e mais sensíveis à estrutura gramatical da língua parecem estar em vantagem para a aprendizagem da língua escrita em geral, seria interessante pesquisas que se propusessem a investigar se a estimulação precoce dessa habilidade metalingüística, antes mesmo que possa ter sido influenciada pela leitura ou pelo ensino formal das questões gramaticais, poderia promover o progresso na aquisição da língua escrita. Tornam-se, então, necessários estudos de treinamento precoce da consciência gramatical, baseado em atividades onde haja uma maior reflexão da língua de modo a desenvolver um controle intencional dos seus aspectos gramaticais e que examinem seus efeitos sobre a aquisição da língua escrita. Isto foi o que se propôs o presente estudo. Participaram deste estudo 60 crianças, que estavam cursando a alfabetização em duas escolas com abordagens metodológicas diferentes. As crianças de cada escola foram divididas em dois grupos, um experimental (GE) e um de controle (GC). Os participantes dos grupos GE1 e GC1 foram provenientes da Escola A, cuja metodologia de ensino é mais tradicional, enquanto que os participantes dos grupos GE2 e GC2 da Escola B onde a alfabetização se dá através de uma abordagem 4 construtivista. Ambas as escolas pertencem à rede de escolas particulares da cidade do Recife. O presente estudo envolveu quatro etapas consecutivas. Na primeira etapa os professores, sob cuja responsabilidade estiveram os grupos GE1 e GE2, participaram de um treinamento cujo objetivo foi capacitá-los para, por sua vez, procederem à aplicação do treinamento em consciência gramatical sugerido pelo presente estudo. A segunda etapa constou do emparelhamento dos grupos de cada escola quanto a idade, inteligência, memória verbal, consciência fonológica, consciência gramatical, nível de concepção da escrita e exposição da criança à língua escrita no ambiente familiar. Apenas as crianças dos grupos GE1 e GE2 participaram da terceira etapa onde foi desenvolvido o programa de estimulação da consciência gramatical. Esta etapa constou de sessões semanais, desenvolvidas em dias alternados ao longo do ano letivo, perfazendo um total de 25 sessões, nas quais foram desenvolvidas atividades de estimulação da consciência gramatical. As atividades de treinamento em consciência gramatical foram integradas à própria rotina da sala de aula. O treinamento em consciência gramatical constou não só de atividades orais, mas também de atividades de leitura e de escrita, através das quais se procurou favorecer uma maior manipulação da estrutura da língua, de modo que a criança fosse encorajada a atentar e refletir sobre a estrutura morfo-sintática e a desenvolver um controle intencional dos aspectos gramaticais. As sessões eram norteadas por questões geradoras de discussões, reflexões, explicitações e avaliações da questão morfo-sintática que estava sendo tratada. Sendo assim, as atividades foram elaboradas de modo a envolver: reestruturação de frases desordenadas; identificação e correção de frases gramaticalmente incorretas; reconhecimento de estruturas padrão das frases; posicionamento de diferentes palavras na frase; elaboração, complementação e expansão de frases e textos; recriação e inovação de frases e textos; derivação de palavras; analogia entre palavras a partir de relações morfo-sintáticas. A fim de ilustrar o procedimento do treinamento estão descritas, a seguir, algumas das atividades propostas. Uma atividade, envolvendo pronomes, foi realizada a partir de um pequeno texto, onde as crianças eram solicitadas a reescreverem o texto substituindo os pronomes e depois a refletirem sobre como o texto havia ficado, já que as substituições 5 levariam a uma repetição excessiva de um determinado termo. Um dos textos usados e sua respectiva transformação estão expostos a seguir. Extrato de protocolo 1 Texto original “Mário tinha um viveiro com quatro canários e sete sabiás. Seu pai lhe deu três periquitos e o irmão dele, que é seu tio, lhe deu dois beija-flores. Com quantos pássaros ele ficou?” Texto transformado “Mário tinha um viveiro com quatro canários e sete sabiás. O pai de Mário, deu a Mário três periquitos e o irmão do pai de Mário, que é tio de Mário, deu a Mário dois beija-flores. Com quantos pássaros Mário ficou?” As atividades de expansão e junção de frases foram muito úteis para o trabalho com advérbios e conectivos, ao mesmo tempo em que permitiam abordar, conjuntamente, outras questões gramaticais, como adjetivos. Por exemplo, eram dadas às crianças (escritas no quadro ou em atividades de ficha) frases do tipo: “A menina corre no parque”. Solicitava-se às crianças que acrescentassem uma palavra que dissesse algo sobre a menina. Palavras como “bonita, sabida, feliz, triste” eram sugeridas e consideradas aceitáveis. Neste caso, a frase poderia tomar a seguinte forma: “A menina triste corre no parque”. As crianças eram, então, convidadas a acrescentar uma palavra que informasse algo sobre o parque. Por exemplo, “grande, sujo, perigoso, florido”, poderiam ser palavras consideradas adequadas e a frase poderia ser expandida para: “A menina triste corre no parque florido”. Até aqui a atividade esteve voltada para os adjetivos, mas em seguida foi solicitado às crianças que acrescentassem uma palavra que dissesse algo sobre como a menina corre. Os advérbios “rapidamente, devagar, cuidadosamente” poderiam ser aceitos como pertinentes e a frase poderia ficar da seguinte maneira: “A menina triste corre rapidamente no parque florido”. As sugestões eram por reflexões sobre sua adequação e em seguida era feito o registro escrito. Os conectivos foram abordados em atividades de junção ou de complementação de frases. Nas atividades de junção de frases, as crianças eram solicitadas a juntar frases anteriormente elaboradas a partir de gravuras, usando diferentes conectivos e justificando a escolha. As frases: “O cavalo vive na fazenda e a vaca vive na fazenda”, “O cavalo e a vaca vivem na fazenda” ou “O cavalo vive na fazenda, mas o leão vive na floresta” são exemplos, de como as crianças fizeram a junção de frases. 6 Na quarta etapa os efeitos da estimulação da consciência gramatical, ao qual as crianças do GE1 e GE2 foram submetidas, foram avaliados comparando-as com as crianças do GC1 e GC2 respectivamente, no que diz respeito à consciência gramatical e à produção de textos escritos. Para isso, as crianças de todos os grupos foram testadas em dois momentos (pós-testes 1 e 2). Para a tarefa de produção de textos escritos elegeu-se um gênero textual da ordem do narrar, bastante conhecido por crianças em fase de alfabetização: história, porém foram usados temas distintos, nos diferentes póstestes. No pós-teste 1 esta tarefa envolveu a produção escrita de uma história a partir do seguinte tema: “O(A) menino(a) que aprendeu a voar”. O tema proposto favorece o ingresso da criança no mundo da fantasia e sugere o “frame” adequado ao gênero escolhido. É importante observar, também, que o mote sugere um problema e uma possível resolução (crianças não voam/aprendizado do vôo). Estudos sobre produção de histórias por crianças (Stein, 1988; Hudson & Shapiro, 1991) evidenciam a influência exercida pelo tema no conteúdo e estrutura da história produzida. Sendo assim, ao apresentar um mote que incluía uma situação-problema esperava-se favorecer a produção de histórias com uma estrutura episódica, bem como evitar o aparecimento de produções do tipo carta, scripts ou outros. Já o pós-teste 2 teve como tema “A grande aventura” que foi escolhido segundo os mesmos critérios usados para escolha do tema do pós-teste 1. As produções foram analisadas em função de categorias baseadas em Rego (1986), as quais consideram os aspectos macrolinguísticos do gênero história. Segundo Spinillo (1996), que já utilizou estas categorias em outros estudos (Spinillo 1991), esta categorização envolve tanto a estrutura de histórias como expressões convencionais que são típicas do registro e do gênero de histórias. A preocupação desta classificação é mostrar níveis da competência narrativa das crianças, a partir de uma perspectiva episódica (as histórias focalizam metas e ações para resolver problemas). As categorias propostas se encontram descritas a seguir. categoria 1- produções que consistem na simples repetição do tema ou na produção de enunciados desconectados. Nestes casos, quando o mote é colocado, apresenta-se como mais um enunciado desarticulado, assim como todos os outros. Estão incluídas nesta categoria as crianças que não produziram história alguma ou que tentavam reproduzir histórias conhecidas. Exemplo: 7 “O menino que aprende a voar e. Ele gostava de pular da avore e o menino gostava de comer muito feijão com arroz e gostava de jogar bola.” categoria 2- produções circunscritas à introdução de uma história. A criança constrói um começo convencional de história sem chegar, no entanto, à elaboração do problema central, introduzindo simplesmente o personagem principal e um cenário. Exemplo: “Era uma ves uma menina voadora. Ela era uma pricesa que aprendeu a voar no castelo.” categoria 3- produções que apresentam uma pequena introdução e o delineamento de um problema central. Estas produções incorporam uma segunda parte da organização inicial da história, sendo uma possível manifestação de um esquema narrativo, mas o texto permanece inacabado. Exemplo: “Era uma vez um menino que si chamava Marcelo. Ele estava olhando na janela duas estrelas uma estrela vermelha e a outra amarela e as duas estrelas estavam brigãdo e o menino ficou muito triste e disse para o pai. – pai eu quero vuar. E o pai disse. – mas você não pode. – Mas eu quero. – filho va dormi. E o menino ficou muito triste de ver as estrelas brigãdo. Ele passou a noite sonhando.No dia seguinte o menino foi para a casa do tio dele e o tio dele pilotava avião.” categoria 4- produções com começo e final de história. Nestes tipos de produção, a criança se preocupa com a introdução e com o desfecho da história, mas não consegue elaborar uma trama, ou seja, um evento ou seqüência de eventos responsáveis pela resolução final da situação-problema apresentada. São histórias constituídas de um episódio simples onde a situação-problema é colocada, bem como o desfecho caracterizado pela resolução desta situação. No entanto, este desfecho mostrase pouco elaborado, surgindo de forma repentina, fechando rapidamente a história, sem haver um maior desenvolvimento entre o problema e a sua solução. Exemplo: “Certo dia uma menina chamada Patricia foi convidada para fazer um espetacolu e ela aceitou. Ela foi fazer o papel da minhoca voadora e na ora que abriu a cortina que ela ia voar ela não conseguiu. O dono do espetacolu disse – voce tem que treinar. E no outro dia do espetacolo, na ora que a cortina abriu ela conseguiu voar e ela adorou e ela ficou otima com aquele papel. Ficou lindo e todo mundo adorou ela.” categoria 5- produções completas, com começo, meio e fim. Estas produções apresentam episódios mais elaborados, com tramas mais complexas, podendo surgir novos personagens e novos problemas paralelos ao que é suscitado pelo mote. Observa- 8 se, também, uma maior elaboração na passagem do estado inicial para o estado final, não ocorrendo uma mudança tão abrupta como a que ocorre na categoria 4. Exemplo: “Era uma vez um menino que si chamava Bruno. Ele queria voar, um dia Bruno perguntou para sua mãe – Mãe você pode voar? A mãe respondeu: posso filho porque você não tenta. Vou tentar respondeu o menino: Ele estava ansiosso para voar. Subiu na arvore e pulou mas não conseguiu passou horas e não conseguiu. No dia seguinte quando amanheceu tentou mais uma vez voar da arvore mas não conseguiu. Aí foi jogar bola com seus amigos, pulou chutou mas não conseguia voar. Passou vários dias tentando mas não conseguiu. Uma bela noite ele foi dormir e imaginou que estava voando. No sonho ele conseguia voar por todos os lugares e muito alto. No dia seguinte quando amanheceu ele acordou feliz e disse para sua mãe: - mãe eu agora posso voar quando eu quiser na imaginação!!!!!!!!!” As histórias escritas produzidas pelas crianças, em ambos os pós-testes, foram classificadas de acordo com as categorias descritas anteriormente. As Figuras 1, 2, 3 e 4 (em anexo) mostram a distribuição de freqüência dos textos produzidos pelas crianças dos grupos da Escola A e da Escola B, nas categorias utilizadas. A distribuição pelas categorias, assim como a freqüência desta distribuição, variou em função do grupo, em ambas as escolas. Como se observa na Figura 1 as histórias do grupo controle da Escola A (GC1), no pós-teste 1, parecem se concentrar mais nas Categorias 1 e 2 (87,50%). O GC1 teve 31,25% dos seus textos caracterizados como não-histórias, contra uma ausência absoluta de casos do GE1 nesta categoria. No entanto, o mesmo percentual de crianças de ambos os grupos (56,25%) produziram histórias contendo apenas a introdução da história, dos personagens e do cenário, sem apresentar nenhuma trama (Categoria 2). As Categorias 3 e 4 também foram fonte de diferenças entre os grupos da Escola A. Enquanto 25% das crianças do GE1 produziram histórias que continham, além da introdução, uma situação problema ou início de trama (Categoria 3), apenas 12,5% do GC1 apresentou produções dentro desses parâmetros. E, com relação à Categoria 4, o GE1 apresentou 3 produções (18,75%), contra uma ausência absoluta de produções do GC1. Por outro lado, ambos os grupos não produziram histórias classificadas na Categoria 5, ou seja, não foram produzidas, pelas crianças da Escola A, histórias completas. O teste U de Mann Whitney demonstra que estas diferenças são significativas (U= 62.5, p= 0.006) indicando um melhor desempenho do grupo experimental. 9 Os resultados obtidos pelos grupos da Escola B, no pós-teste 1, estão expostos na Figura 2. De modo geral, as crianças da Escola B parecem se concentrar em níveis mais altos de competência narrativa. Mais de 50%, de ambos os grupos, encontram-se classificadas nas Categorias 4 e 5. Mesmo assim, há uma grande diferença entre os dois grupos, pois, em se tratando do GE2, observa-se que a totalidade das suas crianças está distribuída nas categorias 4 e 5, sendo que 50% em cada uma delas; em contraste com o GC2 que apresenta 35,71% na Categoria 4 e 28,57% na Categoria 5. Além do que o GC2, apesar de também não ter casos na Categoria 1, apresentou produções classificadas na Categoria 2 (14,28%) e na Categoria 3 (21,42%). Esses resultados apontam para uma superioridade do GE2 sobre o GC2 no que diz respeito à produção escrita de histórias, fato este confirmado pelo teste U de Mann Whitney (U= 53., p= 0.026) indicando estas diferenças como estatisticamente significativas. A distribuição de freqüência dos textos produzidos pelas crianças dos grupos da Escola A e da Escola B, pelas categorias textuais, no pós-teste 2, está exposta, nas Figuras 3 e 4. Observa-se, na Figura 3, que as produções textuais do grupo controle (GC1) da Escola A, estão concentradas em sua grande maioria na categoria 1 (25%) e na categoria 2 (50%). É importante destacar a baixa incidência (18,75%) na categoria intermediária (categoria 3), a ausência de produções classificadas na categoria 5 e apenas 1 produção na categoria 4, indicativas de textos mais elaborados. A situação se inverte quando se observam os dados do GE1. A grande concentração desse grupo está na categoria intermediária (categoria 3= 43,75%) e na categoria 4 (25%), além de 3 produções na categoria 5, e uma incidência muito baixa nas categorias mais elementares: apenas 2 casos na categoria 2 e nenhum na categoria 1. Estes resultados apontam para uma superioridade do GE1 sobre o GC1 na produção escrita de história, fato confirmado pelo teste U de Mann Whitney que indica estas diferenças como altamente significativas (U= 35.5, p= 0.000). Os resultados obtidos pelos grupos da Escola B, no pós-teste 2, estão sumarizados na Figura 4. A diferença em prol do GE2 é marcante. Não há, nesse grupo, produções classificadas nas categorias 1 e 2, mas, por outro lado, suas produções estão concentradas na categoria 3 (14,28%), na categoria 4 (21,42%) e, especialmente, na categoria 5 (64,28%) indicativa de textos completos e bem elaborados. Já no grupo controle, apesar da baixa incidência na categoria 1 (1 caso), a maior concentração das produções vai estar nas categorias 2 (21,42%) e 3 (50%), além de poucas produções 10 classificadas nas categorias referentes a textos mais elaborados: apenas 2 produções na categoria 4 e uma na categoria 5. O teste U de Mann Whitney evidencia como altamente significativas estas diferenças em prol do GE2 (U=23.5, p= 0.000). Em todas as comparações, os resultados dos grupos experimentais, de ambas as escolas, estiveram à frente daqueles dos grupos controle, e tais diferenças foram significativas. Essas diferenças persistem ao longo do tempo, como demonstrado pelos resultados dos pós-testes 1 e 2 e evidenciam um melhor desempenho dos grupos experimentais, em comparação com os grupos controle, na produção de textos escritos. Sabendo-se que o treinamento foi eficaz em promover a estimulação da consciência gramatical, é interessante analisar o que os resultados apresentados significam. Estando os dois grupos de cada escola pareados, em relação à interação familiar com a leitura e a escrita e estando sujeitos ao mesmo contexto escolar, e, portanto, submetidos às mesmas experiências escolares com a língua escrita, a pergunta que surge é: de onde viria esta diferença na produção escrita de textos? Porque até mesmo na Escola B, onde as crianças têm um maior e mais variado acesso a livros e material impresso em geral e um maior estímulo à produção, encontrou-se uma diferença expressiva e significativa em prol do grupo experimental, ou seja, o grupo que participou do treinamento em consciência gramatical apresentou melhores produções textuais do que o grupo controle. O que revela estes resultados? É importante refletir sobre esses resultados à luz do estudo feito por Spinillo (1996), no qual a autora, usando as mesmas categorias de classificação das produções textuais de histórias deste estudo, analisa o uso de coesivos por crianças com diferentes níveis de domínio de um esquema narrativo. De acordo com Spinillo (1996), a forma como a coesão é estabelecida nas produções textuais permite identificar a Categoria 3 (início de uma situação-problema), como um momento intermediário nessa progressão, marcando a transição de narrativas pouco coesas, tanto em número como em diversidade de coesivos, para produções ricas em elementos coesivos. É interessante lembrar que, nesta pesquisa, os grupos submetidos ao treino em consciência gramatical apresentam um maior índice de produções textuais mais elaboradas do que os grupos controle. E, de acordo com Spinillo (1996), provavelmente isso não é indicativo apenas de melhores níveis de esquema narrativo, mas também de produções mais coesas. Uma vez que o treinamento em consciência gramatical, proposto neste trabalho, envolveu, entre outros, os elementos coesivos, é possível que a diferença encontrada, 11 entre os grupos, na produção escrita de histórias, esteja relacionada nem tanto com o domínio de estruturas narrativas mais elaboradas, ou seja, com o conhecimento macrolingüístico acerca dos componentes estruturais dos gêneros narrativos; mas, principalmente, com a forma como as sentenças foram estruturadas e pela articulação entre elas, ou melhor, com o conhecimento micro-lingüístico sobre como lidar com a variedade de relações coesivas. A consciência gramatical estaria, assim, sendo um facilitador de produções textuais mais elaboradas. Isso sugere que a estimulação da consciência gramatical pode ser relevante, não só quando ela é o principal ou único instrumento promotor do melhor desempenho na escrita de textos, como na Escola A, mas também pode ter um papel relevante como uma grande aliada na propulsão da habilidade de escrita de textos em contextos escolares mais favoráveis ao desenvolvimento dessa habilidade, como é o caso da Escola B. Compreender os fatores que influenciam a aquisição da língua escrita é importante para ajudar as crianças a se tornarem usuárias competentes da língua escrita. Sabe-se, pelo exposto anteriormente, que a emergência e desenvolvimento da consciência gramatical, em sua plenitude, não é algo fácil para a criança. O treinamento em consciência gramatical, proposto nesta pesquisa, parece ter promovido, a partir de uma mobilidade sempre progressiva, a explicitação e conscientização dos aspectos morfo-sintáticos, possibilitando uma reflexão e controle intencional sobre a língua. Os resultados alcançados, nesta pesquisa, já nos permitem, pelo menos, afirmar que é possível uma ação pedagógica que desperte a sensibilidade da criança para os aspectos gramaticais, levando-a a uma compreensão e um conhecimento explícito destas questões, possibilitando o desenvolvimento da consciência gramatical e sua aplicação sobre aspectos funcionais da língua, melhorando a competência da criança, em produção de textos escritos, muito antes do ensino formal da gramática. 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Berthoud-Papandropoulou, I. & Sinclair, A. (1983). Meaningful or meaningless: Children’s judgments’. In: T. B. Seilers & W. Wannenmacher (Eds.). Concept Development and the Development of Word Meaning. Berlin: Springer-Verlag. Bialystok, E. (1986). Factors in the growth of linguistic awareness. Child Development, 57, 498-510. Bowey, J.A. (1986a). Syntatic awareness in relation to reading skill and ongoing reading comprehension monitoring. 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British Journal of Developmental Psychology, 5, 25-34. 13 ANEXOS Figura 1 - Freqüência de distribuição (em percentagem) das histórias escritas pelos grupos da Escola A pelas categorias utilizadas no pós-teste 1. 60 50 40 30 GE1 20 GC1 10 0 C1 C2 C3 C4 C5 Figura 2- Freqüência de distribuição (em percentagem) das histórias escritas pelos grupos da Escola B pelas categorias utilizadas no pós-teste 1. 50 40 30 GE2 20 GC2 10 0 C1 C2 C3 C4 C5 Figura 3- Freqüência de distribuição (em percentagem) das histórias escritas pelos grupos da Escola A pelas categorias utilizadas no pós-teste 2. 50 40 30 GE1 20 GC1 10 0 C1 C2 C3 C4 C5 Figura 4- Freqüência de distribuição (em percentagem) das histórias escritas pelos grupos da Escola B pelas categorias utilizadas no pós-teste 2. 14 70 60 50 40 GE2 30 GC2 20 10 0 C1 C2 C3 C4 C5