III Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade - ANPPAS – 23 a 26 de maio de 2006 O desafio à ordem. BELINI, Leandro. [email protected] - Pós-Graduação (Doutorando) Transmissão e Conversão de Energia (Depto Engenharia Mecânica) - UNESP Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Engenharia (Campus de Guaratinguetá). I - Resumo: Os desdobramentos do desenvolvimento das atividades industriais são as bases do sistema econômico contemporâneo que, aliado às ciências e à técnica, fornecem garantias quanto ao progresso. O mundo moderno, entendido aqui como conseqüência do desenvolvimento das técnicas industriais, atingiu seu estágio máximo de desenvolvimento após a II Revolução Industrial.No entanto, esse processo ampliou-se com o uso dos derivados de petróleo e de gás natural em motores de combustão, cujas finalidades foram diversificando-se à medida que o processo de industrialização modernizava-se Nesse sentido, as propostas de mudanças de paradigmas, com objetivo de alcançar um pleno desenvolvimento econômico, foram alcançados e alicerçados nas ciências. A proposta de mudanças de paradigmas perpassa pela revisão dos impactos que o ideário de progresso e modernidade trouxeram à sociedade ao longo desses anos e as conseqüências sofridas pelo planeta. Os riscos ambientais daí resultantes tomaram proporções incontroláveis, requerendo a intervenção dos órgãos internacionais e abordando as discussões das problemáticas ambientais na ordem política internacional, na tentativa de consolidar acordos voltados para conciliação de desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente. 1 II – Introdução O quadro político e econômico desenhado pela sociedade moderna baseia-se nas relações globalizadas, fruto de um modelo capitalista e liberal que, por sua vez, fundamenta-se no crescimento econômico como único objetivo dos Estados-Nações. Essa ideologia, dominante a partir da segunda metade do século XX, baseia-se na superação de todo e qualquer obstáculo através da força do trabalho e da tecnologia. Paralelamente, essa dinâmica modernizadora desconsidera os custos sociais e ambientais que são sofridos desigualmente pela população. Esse mesmo desenvolvimento tecnológico tem uma dimensão positiva e será capaz de corrigir infinitamente o desequilíbrio criado pela atividade humana. Ou seja, aposta-se que o desenvolvimento econômico, tecnológico e social irá resultar em mecanismos de proteção/reparo do meio ambiente global, fundamentando a ascensão do processo de industrialização, bases sobre a qual se consolida o sistema econômico atual (Romeiro, 2001). Consumir transformou-se na palavra de ordem à sociedade e, conseqüentemente, a agressão ao meio ambiente tornou-se uma constante. A natureza entendida como fonte de recursos, passou a ser explorada como matéria prima necessária aos processos de industrialização e novas tecnologias. A ótica mecanicista inerente das necessidades industriais dissociava homem natureza e está ultima passou a ser explorada como mercadoria renovável sem que fosse levada em conta as conseqüências negativas ao meio ambiente. O resultado está sendo sentido por todos os setores da sociedade que sofrem as conseqüências da degradação ambiental, mas, mesmo assim, até agora (re)adequações significativas das teorias sociais e políticas para responder aos desafios ambientais locais e globais não tem proporcionado direcionamentos adequados para responde-las. As discussões em torno da problemática relativa às mudanças climáticas encontram ressonância no cenário internacional. Conseqüentemente, exige-se a adoção de princípios para a redução das emissões desses gases de efeito estufa, na tentativa de mitigar um aumento no clima do planeta. Para tanto, são necessárias mudanças na geopolítica internacional, assim como a implementação de políticas de segurança ambiental global, na tentativa de consolidar compromissos que envolvam países ricos e pobres, diretamente responsáveis por tais conseqüências. Entretanto, é necessário que se ampliem às discussões quanto aos princípios de equidade presentes nas negociações em andamento e certamente as responsabilidades históricas 2 dos países industrializados para viabilizar soluções aos problemas causados pelas mudanças climáticas. Assim, a hipótese apresentada nesse texto consiste em aprofundar as discussões sobre a Convenção das Mudanças Climáticas discutindo a legitimidade do Protocolo de Kyoto ao criar instrumentos de redução das emissões de gases de efeito estufa que estimulam o mercado de créditos de carbono. Ou seja, existe um risco dos certificados de carbono serem transformados apenas em uma operação financeira para dar lucro aos seus investidores e acabar não gerando nenhuma vantagem para o meio ambiente? Não seria um grande investimento econômico adotar as metas de redução, tendo em vista que as taxas de emissões dos países industrializados foram definidas como parte de um grande comércio? O resultado da análise dessas questões está em afirmar que a ratificação do Protocolo de Kyoto significou um importante passo na criação de instrumentos internacionais de discussão da atual problemática das mudanças ambientais globais. No entanto, a legitimidade do Protocolo, assinado em fevereiro de 2005, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e mitigar o aquecimento global, dependerá dos rumos das Conferências Climáticas pós-2005, bem como o mercado de créditos de carbono. III - “A Tragédia do Bem Comum” A atmosfera é constituída por uma combinação de gases responsáveis pelo efeito estufa natural da terra. Desses, os predominantes são: o Nitrogênio (N2) e o Oxigênio (O2), que juntos somam 99%. Em quantidades muito pequenas, outros gases somam-se a esses e, naturalmente, constituem os conhecidos gases de efeito estufa: Dióxido de Carbono (CO2), Ozônio (O3), Metano (CH4), e o Oxido Nitroso (N2O), juntamente com o vapor d’água (H2O) (MCT, 2000). Esses gases recebem tal denominação por apresentarem atributos, como o de reterem o calor da terra, da mesma forma que a cobertura de uma estufa sobre as plantas e permite a passagem da radiação solar, mas evita a liberação da radiação infravermelha. Pela ação do efeito estufa natural, a atmosfera se mantém cerca de 30ºC mais aquecida e possibilita, com isso, a existência de vida no planeta. Sem esses gases de efeito estufa a terra seria um deserto gelado (MCT, 1999). Com vista à manutenção desse equilíbrio térmico, a terra emite para o espaço a mesma proporção de energia que recebe de radiação solar. Essa incide sobre as diversas camadas da 3 atmosfera e seu retorno ocorre na forma de radiação térmica de grande comprimento, ou ondas de calor, que são absorvidas pelo CO2. Somando-se ao processo natural, as atividades do homem (também denominada antrópica) resultam em contribuições adicionais de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera e, conseqüentemente, amplia a capacidade de absorção de energia que naturalmente possui. Portanto, a concentração na atmosfera dos gases de efeito estufa, dentre outros, o Dióxido de Carbono (CO2), Metano (CH4) e Óxido Nitroso (N2O) aumenta de forma significativa: em cerca de 30%, 145% e 15%, respectivamente (valores correspondentes a 1992). A ação prolongada de emissão de gases de efeito estufa requer que os governantes mundiais adotem medidas que venham beneficiar o clima da terra e a segurança ambiental global. IV - O desafio à (des)ordem A problemática das mudanças climáticas como um fenômeno global permitirá destacar algumas questões pertinentes ao problema ambiental internacional: está na implementação de novos conceitos sócio-econômicos e ambientais o desafio à ordem política e econômica vigente? Os impasses econômicos e políticos poderão impedir a governança mundial frente às mudanças climáticas globais? Esta poderá ser alcançada com o desenvolvimento econômico sustentável mundial? A aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável poderá responder as tentativas de mitigação dos gases de efeito estufa? As mudanças ambientais globais tornar-se-ão instrumentos de uma ordem global ou de uma desordem global? Os possíveis impactos da ação antrópica no clima do planeta apontaram para a necessidade de acordos diretos entre chefes de Estado. Na década de 1970 as discussões sobre a poluição transfronteiriças já ganhavam a geopolítica internacional. Os riscos resultantes do atual estágio de desenvolvimento e poluição ambiental levaram as instituições internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Meteorológica Mundial (OMM) a organizarem reuniões entre os chefes de Estado, na tentativa de consolidar acordos consensuais de proteção do clima do planeta. Respostas ainda tímidas frente aos avanços que a intervenção política e econômica tem causado ao meio ambiente. Concomitantemente, tornam-se instrumentos internacionais de proteção ambiental que, por sua vez, demandam a necessidade de intervenção dos Estados no sentido de mediar e/ou resolver os problemas daí resultantes. A importância da participação do Estado, na resolução de políticas ambientais, justifica-se pelo avanço das 4 economias mundiais no pós-guerra e, como conseqüência, pela crescente poluição e degradação ambiental, associada aos avanços tecnológicos decorrentes da guerra fria. Nesse sentido, as conseqüências do aquecimento global e das mudanças climáticas, na condição de um problema global, assumem um papel importante, à medida que faz-se necessário analisar se as mudanças propostas para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa são compatíveis como o atual padrão de consumo mundial. A magnitude dessa questão, e de todos os seus reflexos econômicos, políticos, sociais e ambientais, configuram-se em um dos maiores desafios já enfrentados pela geopolítica internacional. No entanto, sua solução efetiva exige um grande esforço no sentido de uma mudança paradigmática na relação homem/meio ambiente. Portanto, ao reconhecer as mudanças climáticas como um fenômeno global e antrópico, os países também reconheceram que o atual processo de desenvolvimento da sociedade industrial estaria mudando a forma como o clima interage com o meio ambiente. Mas, essas comprovações levaram atores políticos, representantes governamentais, assim como grandes empresas poluidoras, a negarem que tais atividades pudessem afetar o clima do planeta. As justificativas apresentadas por um número significativo de países pautaram-se nos impactos que as mudanças necessárias para reverter esse quadro acarretariam, comprometendo a continuação do processo de crescimento e acumulação econômica de capital. As discussões sobre as políticas de redução dos impactos ambientais no âmbito global são referendadas, principalmente nos países industrializados, com o propósito de preservar sua hegemonia nas relações internacionais. Mas, há diferenças nos princípios e tipos de instrumentos de políticas adotadas nas negociações internacionais. Por isso, esses mecanismos apresentam lacunas quanto à sua execução, pois são excessivamente morosas (LUSTOSA, CÁNEPA, YOUNG, 2003). O grau de degradação ambiental que vem atingindo a todos os países é o fator preponderante para que novos acordos sejam estabelecidos entre esses Estados. O reflexo das tentativas de se chegar a acordos comuns de preservação do meio ambiente se consolida a partir da United Nations Conference on the Environmet and Development (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNUMAD), também conhecida como “Cúpula da Terra” - a “Eco 92”, realizada na cidade do Rio de Janeiro em 1992. Esta foi a primeira grande Conferência, na qual participaram 178 EstadosNações, dos quais 114 representados pelos seus respectivos Chefes de Estado. Na Conferência estavam 5 participando lideranças de países centrais como George Bush, François Mitterrand e John Major, naquele momento, respectivamente, presidente dos Estados Unidos, da França e o Primeiro Ministro da Inglaterra. Ainda foi possível contar com a presença de Fidel Castro, presidente de Cuba, dentre outros (RIBEIRO, 1999). Toda essa mobilização tinha como propósito debater os riscos ambientais a partir da ação antrópica no meio ambiente. Os países presentes na Conferência já vinham sendo influenciados por discussões hipotéticas sobre o impacto que o uso desordenado dos recursos naturais iriam causar ao meio ambiente global, bem como as mudanças necessárias ao processo de desenvolvimento capitalista para compatibilizar o crescimento econômico como a preservação do meio ambiente e o aumento da qualidade de vida. Essas discussões iniciaram-se no encontro preparatório de Founex, em 1971 e ganharam força em 1972 com a Conferência de Estocolmo. Desde então, as discussões sobre a problemática ambiental passaram a ser incluídas nas pautas de negociações das instituições públicas e privadas. A sociedade começou a atuar como um agente direto e cobrar atitudes mais incisivas dos seus governantes. Nesse momento, as atuações das ONG’s têm focado o desenvolvimento de um forte trabalho de conscientização junto às sociedades e essas manifestações também têm sido associadas a uma onda de catástrofes desencadeadas pela ação do homem que envolve a segurança ambiental global. A exemplo, vivenciou-se um aumento significativo no desmatamento, erosão do solo, desertificação, poluição do solo, da água, da atmosfera, além de um aumento no número e intensidade de furacões, tornados, enchentes, secas, bem como o derretimento das geleiras em decorrência do aumento da temperatura global. A partir de 1992, com a CNUMAD, um novo cenário sobre a política ambiental global é desenhada. As discussões perpassam pela análise do desenvolvimento econômico e sustentável, na tentativa de estabelecer acordos internacionais que mitigassem a ação antrópica ao meio ambiente. Dentre os temas debatidos na Conferência do Rio, os representantes governamentais trataram do acordo a respeito da Convenção sobre as Mudanças Climáticas, Convenção sobre a Biodiversidade, a Declarações do Rio, uma Carta de Princípios pela Preservação da Vida na Terra; a Declaração das Florestas, que estabelece a intenção de preservar as Florestas e a Agenda XXI. As assinaturas desses documentos emergem como uma proposta de ação para o século XXI, na tentativa de minimizar os problemas ambientais globais. Segundo Ribeiro (1999, p.234), “a 6 CNUMAD representou um momento importante no [re]arranjo das relações internacionais sobre a problemática ambiental”. A importância em implementar políticas ambientais no âmbito global incita em forçar os Estados a desenvolverem posturas que os levem a medidas de mitigação da ação antrópica no meio ambiente local e global. Essas intervenções são necessárias, pois o atual padrão tecnológico de produção está sustentado no uso intensivo de energia e matéria prima que, diretamente, associa-se à degradação dos recursos naturais. Dentre os problemas que mais se discutem para a consolidação de uma ordem política ambiental internacional, está a dualidade entre a política e a economia, por um lado, e os impactos ambientais globais, como um fenômeno antrópico, por outro. Ou seja, as conseqüências decorrentes do processo de produção empregado pelos países atingem diretamente o meio ambiente global. A “Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio” (CV) e o “Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio” versam sobre o controle de substâncias que a destroem. Esses foram acordados frente à necessidade de se chegar a uma resposta para o impacto que a emissão desses gases estão causando à camada de ozônio (RIBEIRO, 1999). A problemática do aquecimento global e seus impactos no planeta estão incutidos no cenário da política internacional como o maior problema da segurança ambiental. Estudos apontam que o clima do planeta já vem sendo alterado desde a Revolução Industrial (Século XVIII), o que levou a sociedade a pensar mecanismos de mitigação das mudanças climáticas. As conseqüências da ação antrópica no clima do planeta estão refletidas em ações isoladas na tentativa de mitigação do impacto que o uso de energias fósseis está causando ao planeta. Observam-se projetos de redução das emissões de gases de efeito estufa nos países da Europa, Japão, Estados Unidos e em alguns países da Ásia e das Américas Central e Sul. Mas, tais iniciativas – ainda que globais - estão em um estágio muito inicial para que realmente possam tornar efetivas as tentativas de contenção do aquecimento antrópico do clima. Isto porque os interesses de grandes lobistas continuam ditando as fontes de energia mais utilizadas e, como conseqüência, insuficientes são os investimentos em pesquisas para o aprimoramento das fontes alternativas já conhecidas. Assim, poucas são as tentativas de mudança no quadro energético objetivando a introdução de uma nova proposta de geração de energia. 7 Outros agravantes às emissões de gases de efeito estufa são as queimadas e os desmatamentos das florestas. Só no Brasil, aproximadamente, 23 mil hectares são devastados todos os anos. Em emissões, esse dado representa o equivalente a 15 milhões de toneladas de gás carbônico lançadas à atmosfera todos os anos. Em nenhum outro momento da história das relações internacionais discutiu-se a segurança global a partir do enfoque nos riscos ambientais. Os limites para o desenvolvimento mundial dependem de mudanças no arcabouço econômico, político e cultural necessários para a consolidação de ações e mecanismos que possam suplantar a atual estrutura capitalista em favor de outra que responda a essas diligências. Nessas condições, há a necessidade dos países que já alcançaram um elevado processo de desenvolvimento tecnológico passem a adotar mecanismos que possam mitigar os impactos ao meio ambiente e contribuam para que, os Estados com economia em desenvolvimento, alcancem um padrão sócio-econômico e ambiental sustentável. A conduta dos países no século XXI terá que ser o da busca para evitar “a tragédia do bem comum”. Ou seja, o atual estágio de emissões de gases à atmosfera poderá ser um fator preponderante no desencadeamento de riscos à manutenção de vida no planeta. Assim, equacioná-lo, tornou-se muito mais que uma proposta ambiental, mas também uma garantia da vida. Desta forma, a responsabilidade dos maiores emissores históricos e atuais possam ser responsabilizados, o que torna-os precursores no cumprimento de metas de redução das emissões. Estes são os argumentos que respaldam os países em desenvolvimento a defenderem o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, nas negociações internacionais. A proposta consiste em atribuir aos países-membros da Convenção as responsabilidades que lhes conferem, estando de acordo com o ônus cumulativo de utilização da atmosfera. É baseado nessa necessidade que a Convenção (1992, p.7) estabelece em seu artigo 4.1, que as Partes signatárias tem por obrigação elaborar, atualizar periodicamente, publicar e disponibilizar à Conferência das Partes, seu inventário nacional de emissões antrópicas de todos os gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal (CMC, 1992). A Convenção destaca ainda que a metodologia deverá ser compatível com a empregada pela Conferência das Partes. Essas negociações não estão postas como um plano que leva à ação, mas muitas vezes são barradas por divergências políticas e/ou científicas, desconstruindo os esforços no sentido de elaborar um documento de implementação de um acordo global. Duas correntes de cientistas 8 procuram explicar o aumento da temperatura apresentando diferentes argumentos. Por um lado, há aqueles que destacam a ação antrópica como a principal responsável pelo aquecimento global e apontam os modelos de produção industrial como os principais agentes da emissão de poluentes e, conseqüentemente, como culpados pela intensificação do aumento na temperatura global. Em contrapartida, há pesquisadores que consolidam seus argumentos justificando que o aumento registrado na temperatura do planeta é reflexo da dinâmica natural do clima, resultado da última glaciação. Para Ribeiro (1999), as estratégias de consolidação de acordos globais requerem dos chefes de Estados, informações científicas e perspicácia política para responder ao atual avanço da ação antrópica no clima global. Destaca ainda que os conceitos de segurança ambiental e de desenvolvimento sustentável são centrais para o estabelecimento da ordem ambiental internacional, pois “[...] eles envolvem a promoção de ajustes globais, nos quais os vários atores do sistema internacional certamente devem contribuir para que metas comuns sejam alcançadas (RIBEIRO, 1999, p.237)”. Entretanto, os países que deveriam atuar como os principais interlocutores na consolidação desses acordos mundiais têm procurado salvaguardar seus interesses nacionais, por meio das negociações de imunidades que possam avalizar a manutenção de seu modo de vida. Conseqüentemente, as preocupações com a segurança global e com a sustentabilidade ambiental perpassam os interesses econômicos hegemônicos. Os países, ao participarem das Conferências, optam por pontos que os privilegiam com vantagens econômicas e políticas a cada negociação. Ou seja, “[...] as preocupações ambientais globais acabam se revestindo de um caráter meramente de divulgação e retórica, enquanto na arena da política internacional as decisões de fato tem se encaminhado para contemplar interesses nada difusos” (RIBEIRO, 1999, p.238). O avanço no despertar para um novo cenário nas negociações ambientais internacionais pode ser atribuído à ratificação do Protocolo de Kyoto. Este é um importante passo na busca de respostas à problemática do aquecimento global e das mudanças climáticas. A aceitação do Protocolo - como uma proposta de contenção/captação das emissões de gases de efeito estufa surge como um movimento de oposição mundial aos países que tentam manter sua hegemonia ao negociar acordos unilaterais, ou seja, a assinatura do acordo transforma-se em um mecanismo de compreensão da segurança ambiental global. 9 O Protocolo de Kyoto tornou-se o primeiro exemplo de que garantias para se evitar uma “tragédia do bem comum”, só serão possíveis a partir da consolidação de acordos multilaterais. Estes irão trazer benefícios se não forem pensados para obtenção de vantagens políticas e/ou econômicas para um pequeno grupo de países, mas que implique no desenvolvimento de propostas de sustentabilidade e preservação do meio ambiente global, enquanto garantias de manutenção da vida no planeta. Assim, a fundamentação das críticas a respeito da sustentação de um modelo de desenvolvimento econômico baseado exclusivamente em seu crescimento, passa pela necessidade de se evitar catástrofes ambientais em escala local e global, bem como em evitar que nas negociações internacionais sobre a problemática ambiental prevaleçam os interesses econômicos e políticos de alguns países, em favor de um benefício comum e global. V - Conclusão O que podemos observar com relação à problemática das mudanças climáticas, até o momento, é que as possibilidades de (re)desenhar uma proposta desenvolvimentista amparada na preservação ambiental, na igualdade social e no desenvolvimento econômico e sustentável, esbarra em um terceiro estágio multinacional do sistema capitalista, em que a globalização é entendida como um meio de expandir os arquétipos de seu desenvolvimento e sua proposta de geração de riquezas através da ampliação dos mercados, tornando-se contraditória do ponto de vista da proposta de desenvolvimento sustentável. Assim, o assumir de tal discurso, pautado apenas nos propósitos do plano econômico, é legitimar o atual estágio de desmatamento das florestas, cerrado, savanas, poluição dos rios, mares e oceanos, desertificação, perda da biodiversidade, extinção das espécies da flora e da fauna, mudanças climáticas, miséria e desigualdade. Ou seja, a aplicação do atual conceito de desenvolvimento sustentável materializa-se apenas em discursos paliativos de interesse político que, por sua vez, são legitimados pela atuação de grandes lobbies. Por sua vez, a ratificação do Protocolo de Kyoto foi a primeira, de uma série de medidas a serem tomadas pelos governos mundiais para alcançar a mitigação do aquecimento global. No que tange ao regime climático internacional, as metas quantitativas de redução das emissões são 10 muito modestas, do ponto de vista da mitigação do aquecimento global, assim como contribuem muito pouco para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Assim, fica evidente que nas negociações internacionais atribuem a mesma ordem de importância às metas de crescimento econômico, liberalização do comércio e a proteção do clima global o que, dificilmente irão alcançá-las conjuntamente, já que o sistema mundial do comércio não levou em consideração a necessidade de discorrer em prol das mudanças do clima global. Isto posto, torna-se evidente que o desenvolvimento econômico continua permeando todos os acordos acerca da mitigação do clima global e, portanto, suas soluções ainda estão muito longe de acontecerem. Ao pensar em uma governança global, o grande obstáculo está na difícil tarefa de unificação das diferentes posições e interesses econômicos, políticos e governamentais, frente à necessidade de se chegar a um acordo sobre as formas de legitimar mecanismos que venham a ser acordados pelos governos globais. Ao mesmo tempo que, deve-se questionar se os atuais modelos (ou o atual modelo) devem prevalecer na constituição de uma nova ordem mundial. A exemplo do modelo econômico capitalista, que encontra no governo dos Estados Unidos o grande propagador de políticas governamentais neoliberais, com grandes impactos socioeconômicos e ambientais. Esse modelo, assim como o adotado pela China e Índia de crescimento acelerado deve ser questionado e vencido se contabilizar os grandes impactos decorrentes. Ainda pensando em modelos de crescimento econômico, o Brasil adotou, com os últimos governos, uma política neoliberal de crescimento econômico globalizado de exportação dos seus bens matérias a custas da exploração social, dos recursos naturais. Esse quadro produziu, por um lado, dados favoráveis ao PIB (Produto Interno Bruto); colocou o Brasil entre os maiores exportadores de grãos do mundo, um dos maiores exportadores de carne bovina e aves, sem falar no petróleo e gás, contribuindo positivamente para a economia nacional. Por outro lado, em 2005 o Brasil atingiu um dos maiores índices de desmatamento da Amazônia, chegando a 29 mil hectares, 5 maior emissor de gases de efeito estufa, se contabilizados as emissões causadas por desmatamentos e queimadas nas floretas brasileiras, em especial a Amazônia, setores econômicos com altas taxas de desemprego, miséria, entre outros. Esses modelos devem ser vencidos como uma única proposta sócio-econômica, uma vez que, as mudanças climáticas exemplificam a delicada relação entre economia, geração de energia, desenvolvimento tecnológico e a sociedade de consumo se sobrepondo ao delicado equilíbrio 11 ecológico. Ou seja, existe um limite absoluto para essas atividades humanas sobre os recursos naturais do planeta, uma linha tênue de difícil compreensão, mas que, ultrapassar essas barreiras torna-se extremamente complexo, pois envolvem uma intrincada relação política e econômica. O aquecimento global desponta como um dos maiores problemas ambientais globais e, diante de sua complexidade, a resposta poderia estar na retomada da sustentabilidade que envolve restrições de ordem de exploração dos recursos naturais, na introdução de novos padrões de consumo e acumulação econômica. Pensadas dessa forma, pressupõe como medidas de evitar impactos ambientais, cuja justificativa está na continuidade das gerações presentes e futuras. O rumo que o Protocolo de Kyoto irá tomar dependerá da legitimidade dos atores mundiais em negociar em torno dos mecanismos válidos para a mitigação do aquecimento global e das mudanças climáticas. As soluções que se esperam dos governantes estão intrinsecamente relacionadas aos interesses dos atores em construir para a tomada de decisão. Ou seja, o aquecimento global coloca-se no cenário internacional como um problema global e, portanto, suas soluções terão que ser globais. Nesse sentido, ações isoladas, na busca de mitigação do aquecimento global, irão reverter muito pouco esse quadro, uma vez que, os gases de efeito estufa tem um tempo de vida longo na atmosfera e, portanto, suas causas são catastróficas e irreversíveis. Frente ao processo de ratificação do Protocolo de Kyoto e da responsabilidade de cada país nas emissões de gases de efeito estufa, pode-se afirmar que as causas das mudanças climáticas vão, portanto, muito além da eventual falta de compreensão dos riscos ambientais existentes ou da pouca vontade política de tratar desses temas. Ou seja, vale reforçar que a falta de consideração das autoridades para com a responsabilidade de negociar um acordo de redução das emissões de gases de efeito estufa, reflete a dificuldade de gerir a atual crise ambiental global. O MDL, nos moldes de como está sendo equacionado, poderá tornar-se apenas uma operação financeira, pois permitirá aos países industrializados a possibilidade de contabilizar suas emissões, investindo na elaboração de projetos de redução das emissões de gases de efeito estufa nos países em desenvolvimento. Tendo em vista as taxas de emissões praticadas nos países em desenvolvimento, o mercado que se cria a partir da venda de créditos de carbono, prevalece no lugar de uma real mudança nos meios de produção e na matriz energética mundial. Todas essas discussões são resultado de valores impostos pela sociedade capitalista, na qual a economia determina as políticas ambientais. A atual política do governo americano vem 12 demonstrar que somente os interesses da nação merecem ser respeitados. A política de Bush em recusar-se a participar dos acordos internacionais deve ser duramente criticada pelos organismos internacionais e principalmente pela geopolítica mundial. Os governantes mundiais, uma vez detentores de força representativa, não devem ser passivos a ponto de aceitar uma política unilateral, baseada em interesses econômicos visando satisfazer os interesses de grandes corporações que exploram os recursos naturais planetários. As novas fontes de geração de energia ainda são pouco desenvolvidas, pois escassos são os investimentos feitos no aprimorar dessas tecnologias, tornando-as, no mercado internacional, uma inovação de alto custo para o consumidor final. Esse quadro impede que as mesmas sejam usadas em larga escala como substituição das fontes fósseis de geração de energia. Certamente os projetos de florestamento e reflorestamento são apresentados no cenário internacional como uma proposta economicamente viável aos países com metas de redução. Porém, ainda se defende que, ao adotar tais critérios de captação das emissões de gases de efeito estufa, estaríamos permitindo que os países industrializados evitassem cortes mais onerosos na redução de suas emissões. Cabe, como última ressalva, afirmar que, diante das negociações que foram analisadas ao longo desses dois anos de pesquisa e os debates internacionais sobre o atual processo de degradação ambiental, em especial o aquecimento global, pode se concluir que a mitigação das mudanças climáticas, perpassa pela reestruturação política e econômica mundial. Nesse sentido, as Ciências Sociais têm um papel preponderante, o de acompanhar esse processo pela crítica da modernidade, da sociedade industrial, do desenvolvimento econômico e tecnológico, do sentido de progresso, bem como a análise das sociedades, em consonância com o ambiente na qual está inserida. 13 Referências ALTVATER, Elmar. Os desafios da globalização e da crise ecológica para o discurso da democracia e dos direitos humanos. In: HELLER, A. et al. A crise dos paradigmas em Ciências Sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999 ______ O Preço da Riqueza. Tradução: Wolfgang Leo Maar. São Paulo. Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995. ARAÚJO, Maria Silvia Muylaert. O uso da palavra ética no discusso ambiental - O caso dos acordos internacionais sobre mudanças climáticas. Rio de Janeiro: UFRJ; COPPE, 2000. [Orientador: Luiz Pinguelli Rosa] ARRIGHUI, Giovanni. A Ilusão do Desenvolvimento, Petrópolis: Vozes, 1997. BELINI, Leandro. 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