1. INTRODUÇÃO 2. AS MÁQUINAS DESEJANTES 2.1 Noção de

Propaganda
1. INTRODUÇÃO
2. AS MÁQUINAS DESEJANTES
2.1 Noção de máquina e funcionamento
2.2 Agenciamento
2.3 Máquina técnica e máquina social
3. O DESEJO
3.1 Teoria das afecções
3.2 Produção desejante
3.3 Corpo sem órgãos
3.4 Molar e molecular
3.5 O inconscient e
3.6 Investimentos sociais do desejo
4. MÁQUINAS DESEIANTES NO SOCIUS
4.1 Objeto parcial
4.2 O mito e Édipo
4.3 Formações sociais: Selvagens, Bárbaros e Civilizados
5. A MÁQUINA LITERÁRIA
5.1 A escrita e a totalidade
5.2 Corpo e incorpóreo
5.3 Forma de conteúdo e forma de expressão
5.4 A maquinação linguística
1. INTRODUÇÃO
Estes escritos visam analisar diferentes processos de linguagem e comunicação, em que
já está colocado de início o que as palavras significam, o que elas querem dizer, e, não importa
as formas de expressão que se apresentem, há que se pesquisar, analisar e refletir sobre
contextos sociais e políticos nos quais elas se apresentam, de forma explícita ou implícita,
nos diferentes sistemas de linguagens.
A filosofia da linguagem, tem sido uma questão presente nos trabalhos de inúmeros
pensadores, desde a Antiguidade grega até hoje. Tanto a semiologia quanto a semiótica,
permitem avaliações eficientes sobre os tratados aristotélicos, em que pesem diferentes
interpretações e reflexões, sobre o pensamento humano. Seja nos agenciamentos políticos,
artísticos ou científicos as relações de poder se apresentam através da supremacia do
"sentido".
O que caracteriza o Homem é a busca do sentido. A realidade do Homem é
constituídas de signos, que devem remeter aos sentidos "extra - mundo". Desde os
antigos estóicos até Nietzsche, passando por Gilles Deleuze, Félix Guattari e Michell
Foucault, o problema da linguagem e da comunicação tem sido investigada através dos
agenciamentos e práticas de poder e dominação no socius. É este o caminho que se propõe
através destas páginas.
Prof. Murillo Mendes
Verão de 2005
2
2. AS MAQUINAS DESEJANTES
2.1 Noção de máquina e funcionamento
De acordo com a mais recente edição do Novo dicioná rio da
língua
portuguesa 1 ,
instrumento
o
próprio
termo
para
"máquina"
comunicar
designa
um
movimento
"apare lho
ou
para
ou
apro
veitar, pôr em ação ou transformar uma energia ou um agente natu
ral; motor". Entendemos são as ações que fazem alguma coisa funcionar.
Assim,
o
usamos
termo
“máquina”
para
substituir
as
concepções
universais de "sentido/significação" com o propósito de permitir o sentido
mecânico de "funcionamento" -, evitando o surgimento habitual da
questão: "ò que isto quer dizer", e em seu lugar permitindo que se
coloque outra questão: "para que isto serve".
Uma vez substituído o termo sentido por funcionamento, é possível agora
introduzir
os
conceitos
“máquina
sociais”
e
“desejo”.
É
possível
compreender que o desejo é uma força. Uma energia que se estrutura em
termos de “falta”. Algo que pulsa pela ausência. Nesse sentido, propõe -se
estabelecer o funcionamento do desejo nas máquinas sociais, seguindo a
utilização do termo "máquina" para chamar a atenção para o "funcionar" do
desejo. É intencional sair da categoria de um significante modelar do
desejo, pois o desejo nele mesmo não é con siderado, por isso, é preciso
verificar como "isso funciona". De fato, foi evitado ou se tentou sair da
noção de "estrutura" porque o desejo não teria nenhuma estrutura, é uma
máquina segundo Gilles Deleuze: "Isto funciona em toda parte, as vezes
sem parar, as vezes descontinuo. Isto respira, isto come ... Em toda parte
são máquinas, de maneira alguma metaforica mente; maquinas de maquinas,
com seus acoplamentos, suas conexões. Uma ma quina-orgão é ligada em
uma maquina fonte: uma emite um fluxo que a outra corta... Uma mãquinaõrgao
para
uma
mãquina-energia,
sempre
fluxos
e
cortes...
efeitos de maquina e não metáfo ras." 2
Cada máquina
produz
assim como um olho
o mundo segundo
interpreta
a
energia
tud o em termos
que dela flui,
de ver.
Troca mos
o mundo da representação conceitual pelo mundo da produção expressiva
3
ou, o que cada máquina produz. Mas não se trata de apagar o mundo da
representação; a representação poderá aparecer enquanto uma inscrição
real do desejo, pois o desejo é um principio imanente em toda máquina,
não por imagem ou metáfora, mas por uma força real.
1.
2.
FERREIRA, Aurélio B . de H.
Novo dicionário da língua
portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.
DELEUZE, Gilles e GUATTAR I, Félix. O anti-Êdipo. Capitalismo e
esquizofrenia. Trad. Georges Lamazière. Rio, Imago, 1976, p. 15
4
A máquina não funciona por igualdade repetitiva, mas por cortes e
fluxos de diferentes naturezas. Não é a significação o que importa e, sim,
os graus de energia; a expansão intensiva do desejo sempre se dirige ao
"para que serve isso", mas não impede que os valores venham a
se
estabelecer no "para que sig nifica isso". Ver -se-á que o desejo deixa de ser
uma "máquina que se acopla" para cair nas significações do campo social. Ë
preciso ressaltar que as máquinas funcionam e as estruturas significam.
Então a máqui na se distingue de qualquer forma de represen tação
estrutural, por que utiliza os movimentei das forças intensivas do desejo,
sem que para agir precise de imagens ou metáforas muito significati vas e
humanas.
Eis uma razão que os autores citados encontram para usar o termo
máquina: o humanismo, do q ual eles pretendem se liber tar, inclusive
denunciando os temas de oposição hornem -máquina, que daria supremacia
ao homem ou o faria um homem alienado pela má quina dominadora. A
questão não é confrontar o homem com a máquina, mas sim mostrar que o
próprio homem já é peça de máquina, ou forma peça com outra cois a
qualquer para constituir uma máquina: "... antes da distinção homem —
natureza, antes de todas as marcações que esta distinção condiciona. Não se
vive a natureza como natureza, mas como processo de produção. Não há
mais nem homem nem natureza, mas apenas o processo que produz um no
outro e acopla as maquinas.. Em tod a parte, máquinas produtoras ou
desejantes,as má quinas esquizoírenicas, toda a vida genérica: eu e não -eu,
exterior e interior não que rem dizer mais nada."
3
Homem e natureza não mais são assinalados por uma imagem
modelar; ambos são concebidos como processo de produção. Sem imagem,
o homem apenas forma máquina, ele faz parte de um conjunto de ações
bem
determinadas. Por exemplo, o conj unto homem-cavalo-arco forma
uma máquina guerreira primitiva.
3. Op. Cit., Nota 2, p. 16.
5
Da mesma forma, os homens formam uma máquina burocrática de
trabalho civilizado. É importante lembrar que a máquina nunca está
isolada, ela é corte de fluxo em relação àquela a que está ligada. O
funcionamento da máquina é esse processo de produção: uma espécie de lei
de produção da produção, cujos limites são cortes, mas que, ao mesmo
tempo em que cortam, também acoplam, isto é, corte e conexão; em toda
parte,
cortes-fluxos
de
onde
brota
o
desejo
ou
força
que
é
sua
produtividade, operando uma espécie de enxerto do produzir sobre o
produto.
Deleuze coloca a máquina como o próprio funcionamento da
sociedade, e a especifica em três noções básicas: 1. toda máquina e stá
relacionada com um fluxo material continuo que ela corta; esse fluxo
compõe fluxos associativos, que se pode denominar de agenciamentos, no
movimento intenso da matéria ou dos corpos, movimento em que a
maquina, ao cortar os fluxos das relações,produz outros segmentos de
relação ou outros agenciamentos; 2. to da máquina comporta uma espécie de
código
que
inseparável
se
de
encontra
sua
engen drado,
própria
maquinado
composição.
Um
e
estocado
código
que
nela,
é
seu
funcionamento nos registros de ins crições significativas que suas funções
comportam e que traz consigo uma cadeia de signos legisladores do social;
assim, a máquina tem uma face técnica e outra social, existe como
mecanismo técnico e como meio de transmissão da lei; 3. toda máquina, ao
cortar o fluxo e produzir uma organização através do código, provo ca um
corte-resto ou resíduo, efeito de seu funcionamento, mar cando a existência
da máquina. Este terceiro aspecto da máquina é síntese dos dois primeiros ,
mas todos os três se relacionam no funci onar. A ação da máquina, ao
provocar o resíduo como efeito de seu funcionamento, faz aparecer um
sujeito, adjacente e inse parável dela, isto é, há a produção do sujeito ou o
do homem como peça da máquina, ele é "resíduo" de sua produção, é efeito
do funcionamento. Ele é um agenciamento.
6
"... uma identidade e essencialmente fortuita e uma série de
individualidades deve ser percorrida por cada urna, para que a
fortuna desta ou daquela possa torná -las todas nece^ sãrias ... Não
existe o eu-Nietzsche, profess or de filologia, que pode de repente
perder a razão, e que se identif i_ caria a estranhos personagens;
existe o sujeito-nietzschia_ no que passa por uma série de estados,
e que identifica os nomes da história a esses estados: 'todos os
nomes da his toria sou eu'." 5
5. Op. Cit., Nota 2, p. 37.
7
2.3 Máquina técnica e máquina social :
A máquina, no seu aspecto técnico e material, tem no seu
constructo
peças
ou
funções
próprias
e
características,
que
se
relacionam para determinado objetivo. O con junto destas funções da
máquina é acíonado para uma outra finalidade exterior à própria
máquina, por agentes externos que correspondem ao aspecto social da
máquina. É um outro agenciamento, que implica um con junto de
funções externas dadas por outras rel ações. Por exem plo, um relógio é
uma máquina técnica para medir o tempo, mas funciona como uma
máquina social para conduzir os comportamen tos, para reproduzir as
horas há muito tempo legisladas e para averiguar a ordem na cidade.
Logo, há uma função inte rna da máquina e uma função externa das
relações sociais. Mas todas as funções possuem extensões em relação
aos fluxos. A máquina se encontra em qualquer sistema de c ortes de
fluxos, ela não se reduz à s teorias mecanicistas que teriam em si
mesmas certos procedimentos ou uma organização própria. Tanto as
máquinas técni cas quanto as máquinas sociais se integram segundo o
funciona mento de algum sistema de cortes de fluxos que supera o
mecanismo da técnica e a organização de um organismo, seja na
natureza, na sociedade ou no homem.
Também não há independência entre as máquinas técnicas e as
máquinas sociais; a questão fundamental é a categoria de pr odução –
produção de produção – e, mais ainda, a produção é também consumo e
registro; tudo passa no fluxo da própria produção: “tanto que tudo é
produção;
8
produção de produções, de ações e de paixões; produções de
registros,
de
distribui ções
e
de
marcações;
produções
de
consumo, de volúpias, de angustias e de dores ... Esse é o
primeiro sentido de processo: le var o registro e o consumo a
própria produ ção, fazer deles as produções de um mesmo
processo."
6
A produção de produção está baseada no
fundarnento do acoplamento das máquinas, designam por
"sínteses"; isto é, torna -se necessário sair da categoria
clássica do "ser"; onde nada absolutamente "é", mas
certamente tudo possui a forma conectiva do "e" - e isto
e aquilo outro, sem uma totalização -.
As máquinas produtoras, somando -se umas as outras,
produzem
enquanto
fluxos
operam
que
cortes
se
ligam
também
e
se
fazem
cortam,
extração
e
de
fluxos; são acomplamentos con tlnuos: "o acoplamento da
síntese conectiva ( e + e ), objeto parcial -fluxo, tem, portanto,
também
uma
outra forma,
sempre
enxertado
sobre
produto -produzir.
o
produto,
eis
O
produzir
porque
a
esta
produção
desejante é produção de produçao, como toda máquina, máquina
de maquina. Não se pode ficar satisfeito com a categoria idealista
de expressão." 7
A produção não se registra d a mesma maneira como ela
se produz; são processos de natureza diferente, ocasionando
basicamente três tipos de "sínteses": 1. síntese conectiva, da
conexão
ou
distribuição
o
ou
acoplamento:
2.
síntese
a
do
registro;
inscri ção
disjuntiva,
conjuntiva, das zonas de intensidade ou
coisas.
As
domínios
leis
de
diferentes
cad a
síntese
são
no funcionamento
3.
o
da
síntese
estado de
diferentes,
são
da máquina. A
produção de produção da síntese conectiva é regida
pelo acoplamento; a produção de registro da síntese
disjuntiva é regida pelas práticas sociais – são pontos
9
de disjunção segundo o aspecto da máquina sociais e
que recobrem com o registro as sínteses conectivas de
produção-, e ambas produzem o estado de coisas da
síntese conjunti va. Não se deve pensar na máquina como uma
imagem
ou
funcionar,
uma
metáfora.
deve-se
sair
Para
das
o
entendimento
categorias
desse
abstratas
da
representação e entrar no funcionamento das máquinas
que as três síntesesm expressam da seguinte maneira:
6.
7.
13., ibid. p. 18.
Id., ibid. p. 20
10
“O primeiro modo remete a síntese conectiva, e mobiliza a libido
C O T ;o
energia de extraeao. O segundo, a síntese disjuntiva e mobiliza o numen
como energia de separação. O terceiro, ã síntese conjuntiva, e a voluptas
como e-nergia residual. Ê sob esses três aspectos que o proces só de
produção desejante e simultaneamente produção de produção, produção de
registro e produção de consumo.Ex.: trair, separar e 'restar', e produzir, e é
efetuar as operações reais do desejo."
Na
realidade,
o
8
funcionamento
das
máquinas
está
diretamente relacionado ao funcionamento do desejo, o que será
definido mais adiante. Os três modos apresentados são os tipos de
funcionar da máquina, já visto e, também produzem as sínteses.
Tudo é impulsionado pela energia desejante, força motriz das
máquinas: a "libido" é a própria energia de produção que vai se
transformar em energia de registro ou "numen" e energia de consumo ou
"voluptas".
As máquinas, com suas conexões, suas disjunções e suas
conjunções, não representam absolutamente nada e, principalmente,
não querem dizer nada - apenas produzem e funcionam. Deleuze ao
trabalhar o desejo como máquina, fragiliza o conceito clássico dos
modelos significativos da questão "o que isto quer dizer", pois o
desejo faz funcionar a máquina mas, em si mesmo, não possui
significação alguma. O desejo faz sua entrada em todos os níveis de
produção e escapa de qualquer noção de sentido; é apenas uma máquina
produzindo certos efeitos e capaz de certos usos.
8.
Id., ibid., p. 60.
11
2. O DESEJO
2.1 Teoria das afecções:
Para melhor compreensão do desejo é necessário relaciona-lo com a condição anónima da
máquina, devido à sua indiferenciação não "humana". Segundo Deleuze, o desejo não funciona em
termos de valores antropomórficos; o seu funcionamento se encontra no plano do corpo. Deleuze,
num estudo sobre Spinoza, apresenta uma definição do desejo que se encontra fora de toda categoria
humana. Esta definição toma o nome de "teoria das afecções". Trata-se de um esforço para precisar
os movimentos físicos do desejo. Tudo se passa nos encontros dos corpos ao se agenciarem. O
sentir ë efeito do encontro no agenciamento. Há dois tipos de efeitos: alegria e tristeza. São
paixões. A teoria das afecções ou dos afetos se dá segundo o jogo da ação e da paixão. Ação é
poder que um corpo tem de afetar outro É intensidade de força. É potência; paixão também é
poder, mas é o poder que um corpo tem de ser afetado. Tanto ação como paixão se encontram na
ordem da necessidade de vida, são modos de existência.
Para Spinoza, todos os corpos se relacionam através de encontros, que são um jogo de
ação (agir) e de paixão (sofrer ação). Nos encontros, os corpos se afetam mutuamente. Trata-se de
uma questão de vida na matëria-natureza e, esta matéria aparece em termos de composição. A
composição rege urna lei e uma ordem própria na Natureza, onde a matéria vive quando a relação
produz composição e perece quando a relação produz decomposição. Um encontro que produz
composição. Produz mais vida; aumento de força. O contrário resulta em enfraquecimento.
Assim, um corpo não existe independente de suas manifestações: são os encontros dos
corpos que produzem as expressões, pois o pensamento é efeito das afecções a partir das relações
associativas ou agenciamentos. Mas os encontros corpóreos podem provocar aumento ou diminuição
dos graus de potência (força): os bons encontros resultam no efeito alegria (composição) e os maus
encontros resultam no efeito tristeza (decomposição). Um encontro que produz composição e
resulta no sentimento de alegria é um bom encontro; um encontro que produz decomposição e
resulta num sentimento de tristeza é um mau encontro. Estes sentimentos ë que regem os desejos
no homem.
12
Um corpo se agencia cora outro corpo,tem o poder d e afetar e o poder
de ser afetado; forma-se um agenciamento, onde os afetos se
fortalecem ou se enfraquecem, tudo de pende do acaso dos encontros.
Na teoria dos afetos, o desejo se insere nessa região das afecções,
não está nem dentro do corpo e nem fora dele - o desejo surge c0mo
efeito das relações . Entre um corpo e outro corpo, uma espécie de
vapor que emana de uma relaçào de corpos -.
Naturalmente, para esta nova noção de desejo nã o é levado em
consideração a categoria abstrata e i dealizada dos valores humanos na
forma de Bem e de Mal (os encontros nada tê m a ver com o Bem nem
com o Mal). A tristeza é efeito de um constrangimento na atividade e
a alegria é aumento de açã o. É lugar do não-constrangimento. De
fato, as relações entre os corpos estã o em termos - de intensidade dos
graus de potência -. Dependendo dos encontros, haverá maior ou
menor grau de potência, segundo os modos das afecções.
É preciso também observar que Deleuze não usa nas suas
reflexões a clássica transcendência. Para ele, desejo, corpo e maté ria
pertencem ao campo da imanê ncia. O desejo se produz no interstício
de um agenciamento de matéria, e a matéria é relação de intensidade
de força (conforme a concepção da física pó s-einsteiniana). Com esta
noção de desejo, Deleuze quer libertar o desejo do estigma da "falta"
- a concepção de falta aplicada no desejo -, conforme as teorias
freudianas. O desejo não está regido pela falta, ele se constitui pêlos
estados do corpo, através dos seus humores, num agenciamento, na
relação dos bons e maus encontros, ou seja, na relação de seus afetos.
A emoção intensiva é ao mesmo tempo o afeto e o fluir do
desejo. O desejo é fluxo, é processo de produçã o. A noção de
produção é estabelecida para eliminar qualquer aproximação de um
modelo ideal. É preciso sair da concepçã o idealista do desejo. N ão
há um modelo ideal que falte ao desejo, mas é o próprio desejo que
produz os modelos do real, produção que nas ce através dos múltiplos
encontros corpóreos, estímulos no agen ciamento. Sempre um fluxo
agenciador e nunca a procura de
ima gens mentais, o desejo só
funciona por estímulos dos afetos: se um corpo não for afetado, não
há desejo. O desejo se articula com o jogo da afecção e não com um
13
órgão da consciê ncia reflexiva racional. Na realidade, o desejo é
"corpo sem órgãos". Alguns pensadores possuem uma física do desejo
no lugar de uma lógica do desejo.
14
A categoria de produção no jogo dos afetos faz escorrerem os
desejos num processo constante, no qual a chamada "produção de
sejante" se instaura nas condições objetivas do de sejo; essas
condições não têm uma objetividade em termos de metas ou de
f i n a l i dades conscientes de modelos já definidos, porém são as
condições determinantes que objetivam o desejo no agenciamento e
que propiciam o manifestar-se da produção d e se j a n te : "A produção
como processo excede todas as categorias ideais e forma um ciclo que se
refere ao desejo enquanto princípio imanente ... não é preciso que o
processo seja tomado como uma meta, um fim, nem que se confunda com
sua própria continuação aom infinito, que é estritamente a mesma coisa que
sua parada brutal e prematura... o fim de todo processo não é sua própria
continuação ao infinito, mas o seu acaba mento." 9
O "acabamento" é o próprio corte no fluxo para produzir
ou
-ros e diferentes fluxos. O desejo se instaura nessa "produção como
processo"; ele passa por todos os estados afetivos do corpo, segue todas
as direções, mas não possui nenhuma "forma" - o dese j o não; tem fornia
nem imagem, apenas trata-se de um processo. Não há uma única ideia para
o desejo, nem uma unidade rígida. O desejo não se fixa em
nenhuma formalização modelar. São as relações que o processo
desencadcia que constituem o desejo; o que constitui o . processo são
f l u x o s , fluxos intensivos. O indivíduo não se prende a uma única
intenção pré-formada, mas se conjuga na relação de forças que, com
maior ou menor grau de intensidade, atravessam as relações. O
processo ocorre num agenciamento ou associações afetivas os desejos
se somam, ou ainda, são máquinas que se acoplam.Os cortes-fluxos
determinam o processo, pois ele tem uma duração.
Para falar nesta "duração" do processo, Deleuze se apoia em
seus estudos sobre Henri Bergson e sua noção de "durée", segundo a qual
não há medida para a duração mas tudo se mistura em intensidade; ai
não se confundem nem espaços nem formas de tempo, pois eles se
desfazem em proveito de outras ordens ou outros f l u xos intensivos. O
mínimo que se pode dizer da duração de um processo é que ele possui
maior ou menor grau de intensidade; se constitui ou perece. No
15
processamento do desejo através dos estados afetivos emergem as
produções desejantes.
9. Id., ibid., p. 42.
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