Falares nordestinos: contorno

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XVI CONGRESSO INTERNACIONAL DE LA ALFAL
DEL 6 AL 9 DE JUNIO DE 2011
ALCALÁ DE HENARES
ESPAÑA
Todos los derechos reservados
Ana M. Cestero, Isabel Molina y Florentino Paredes
Universidad de Alcalá, 2011
Servicio de Publicaciones
Plaza de San Diego, s/n
28801 Alcalá de Henares
www.uah.es
ISBN: 978-84-8138-923-4
Elaborado por:
Teresa Alcázar
Carlos Pérez
FALARES NORDESTINOS: CONTORNO MELÓDICO E QUESTÃO PARCIAL
LIRA, Z. - UFPE - [email protected];
MORAES, J. A. - UFRJ - [email protected]
Resumo: Este estudo descreve o comportamento da frequência fundamental em questões
parciais nos falares de cinco cidades da região nordeste do Brasil: São Luís, Fortaleza,
João Pessoa, Recife e Salvador. A pesquisa baseia-se na metodologia do Projeto
AMPER. Participaram 04 informantes por cidade, com idades acima de 30 anos. Para
evitar as marcas prosódicas da leitura, a evocação das frases ocorreu com base em
estímulos visuais. Os resultados mostram que a entoação da questão parcial assume
padrões distintos, basicamente um para cada cidade, exceto Recife e João Pessoa, que
compartilham um mesmo padrão.
Palavras-chave: entoação; dialeto; questão parcial.
1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que a entoação pode servir tanto para distinguir, por exemplo, um enunciado
interrogativo de um assertivo, como pode indicar diferenças dialetais, observadas em um
mesmo tipo de enunciado. O português falado no Brasil vem sendo investigado com o
propósito de se traçar um perfil linguístico dos falantes tanto em nível segmental como
prosódico. No que diz respeito à organização prosódica das variedades faladas no Brasil,
há estudos como o de Cunha (2000) no qual a autora comprova diferenças
suprassegmentais entre os falares de capitais de diferentes regiões do Brasil,
representados pela modalidade urbana culta. Na mesma perspectiva, Colamarco (2005)
pesquisou o falar carioca e o falar baiano analisando o comportamento melódico de
enunciados interrogativos, tendo Santos (2008) feito o mesmo em dados da fala gaúcha.
No português brasileiro, o contorno melódico de enunciados interrogativos apresenta
padrões claramente diferenciados em função do tipo lógico da interrogação, total, parcial
ou disjuntiva (Moraes 1984, 1998). Além disso, os referidos contornos variam também
em função do dialeto, como mostrou Lira (2009), ao descrever o comportamento da
frequência fundamental em frases assertivas e interrogativas nos falares de cinco cidades
do Nordeste do Brasil, comprovando que há diferentes padrões melódicos na expressão
desses diferentes tipos de questão nos distintos falares de uma mesma região.
No âmbito dos enunciados interrogativos, a questão total representa um tipo de enunciado
cuja resposta pode ser ‘sim’ ou ‘não’ e tem como característica a ausência de pronome
interrogativo (Você vai lá hoje?). Já na questão parcial, é imprescindível a presença de
morfema interrogativo. Esse tipo de frase refere-se a um pedido de informação em que há
uma variável a ser completada, representada pelo pronome interrogativo (Quando você
vai lá?). A questão disjuntiva tem como característica a presença da conjunção
alternativa ‘ou’ e contém, em sua formulação, uma opção entre dois ou mais elementos,
sendo que um deles, em princípio, será escolhido como resposta (Moraes 1984).
Este estudo teve como objetivo descrever o comportamento da frequência fundamental,
parâmetro acústico responsável pela percepção das modulações melódicas, em frases
interrogativas do tipo parcial, nos falares de São Luís, Fortaleza, João Pessoa, Recife e
Salvador.
2. METODOLOGIA
Esta pesquisa baseia-se nos procedimentos metodológicos do Projeto AMPER, cujo
objetivo principal é investigar, de forma comparativa, a prosódia de diferentes variedades
dialetais românicas. O corpus AMPER é constituído de frases do tipo assertiva e
interrogativa total, obedecendo a determinadas restrições sintáticas e fonéticas (Moraes et
al. 2005). Seguindo os mesmos princípios, foram acrescentadas questões parciais
terminadas por palavras representativas das estruturas acentuais do português (oxítona,
paroxítona e proparoxítona). A obtenção dos enunciados que serviram de base a esse
estudo se deu a partir de estímulos visuais, a fim de que a evocação das frases não fosse
impregnada de marcas prosódicas típicas da leitura. Foram selecionadas as seguintes
frases: (i) Quando Renato viu o bisavô? (ii) Quando Renato viu o pateta? (iii) Quando
Renato viu o pássaro?
Em cada capital participaram 04 informantes, sendo dois homens e duas mulheres, com
idades acima de 30 anos, nascidos e criados nas cidades supracitadas, apresentando dois
deles escolaridade básica (um de cada sexo) e os outros dois, nível superior (um de cada
sexo).
As frases foram registradas, utilizando-se para tanto um gravador digital Microtrack II,
acoplado a um microfone direcional Samson CO2. A análise acústica dos contornos
melódicos foi feita por meio do programa Praat (Boersma et al. 2006).
3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A seguir, para cada cidade, comentam-se as curvas encontradas.
gr03fr11
300
250
Pitch (Hz)
200
150
100
50
Quan do Re
na
to
viuo
0
pa
te
ta
1.517
Time (s)
Figura 1 - Frase: Quando Renato viu o pateta, dita pelo informante de Recife (nível básico) como questão
parcial.
Em Recife, o contorno melódico caracteriza-se por um ataque em um nível melódico alto,
o qual vai decrescendo ao longo do enunciado até atingir um nível baixo sobre a tônica
final. Na sílaba pós-tônica final, o nível se mantém baixo, não sendo perceptivamente
relevante a ligeira modulação ascendente que por vezes aí aparece (cf. fig.1). Esse padrão
ocorre nas três estruturas acentuais (oxítona, paroxítona e proparoxítona), nas frases ditas
pelos quatro falantes.
gr01fr15
300
Pitch (Hz)
250
200
150
100
50
Quan do Re
na
to
0
viu o
pá
ssaro
1.926
Time (s)
Figura 2 - Frase: Quando Renato viu o pássaro, dita pelo informante de João Pessoa (nível superior) como
questão parcial.
Em João Pessoa, observa-se que o contorno melódico também apresenta uma queda
contínua da F0 ao longo do enunciado, a partir do ataque, que se situa no seu ponto mais
alto. Na tônica final o nível se mantém baixo, voltando a se elevar na pós-tônica, na frase
terminada por vocábulo proparoxítono, dita pelo informante masculino de nível superior
(Fig.2).
gr02fr11
500
Pitch (Hz)
400
300
200
100
Quan do Re
na
to
viu o
pa
te
ta
0
1.834
Time (s)
Figura 3 - Frase: Quando Renato viu o pateta, dita pela informante de João Pessoa (nível básico) como
questão parcial.
Entre as informantes de João Pessoa, a que apresenta ataque melódico mais alto é a de
nível básico (Fig.3). Esse comportamento se repete nos demais tipos de frases.
gr02fr11
300
Pitch (Hz)
250
200
150
100
50
Quan
do Re
na
to viu o
0.1797
pa
te
ta
1.415
Time (s)
Figura 4 - Frase: Quando Renato viu o pateta, dita pelo informante de Fortaleza (nível superior) como
questão parcial.
Em Fortaleza, embora o comportamento da frequência fundamental também se
caracterize por uma curva descendente, seu ataque se situa em um nível relativamente
mais baixo que os demais, o que faz com que a linha de declinação seja mais suave.
Outra característica melódica que individualiza o referido padrão diz respeito à tônica
final, que se situa em um nível mais alto do que o da pré-tonica e da pós-tônica
adjacentes (Fig.4).
gr01fr15
300
Pitch (Hz)
250
200
150
100
50
Quan do
Re na
to
viu o
pá
ssa ro
0.1612
1.467
Time (s)
Figura 5 - Frase: Quando Renato viu o pássaro, dita pelo informante de São Luís (nível básico) como
questão parcial.
Em São Luís, o padrão se distingue dos demais por apresentar um ataque muito alto, que
praticamente se mantém ao longo de quase todo o enunciado. A tônica final se inicia em
um nível ainda alto, e é sobre ela que se realiza a modulação descendente, situando-se
a(s) pós-tônica(s) já em um nível baixo (Fig. 5). Entre os informantes de São Luís há uma
uniformidade desse padrão.
gr01fr15
0.000573612
300
250
Pitch (Hz)
200
150
100
50
Quan
do
Re
na
to
viu o
0
pa
te
ta
1.72989
Time (s)
Figura 6 - Frase: Quando Renato viu o pateta, dita pelo informante de Salvador (nível básico) como questão
parcial.
Em Salvador, observa-se uma tendência geral a se ter uma tônica final baixa, seguida de
subida melódica sobre a pós-tônica (Fig. 6), embora na frase terminada por vocábulo
proparoxítono, dita pelo informante de nível básico, tal subida não tenha se realizado.
3.1. Comparação entre os padrões melódicos:
3.1.1. Recife e João Pessoa apresentam padrão melódico semelhante, caracterizado por
ataque alto e queda contínua ao longo do enunciado, bastante semelhante ao padrão
encontrado no Rio de Janeiro, por exemplo (Moraes 1998, 2008). Porém, nesses falares,
se observa com mais frequência uma variação da altura da sílaba pós-tônica final, que
pode estar situada em um nível mais alto do que a tônica final.
3.1.2. Fortaleza também apresenta um ataque seguido de descida melódica, entretanto, o
ataque é mais baixo, o que gera uma linha de declinação mais suave. A tendência da
tônica final é se posicionar em um nível mais alto do que a pré-tonica e a pós- tônica.
3.1.3. São Luís se caracteriza por apresentar, entre todos os padrões estudados, o ataque
mais alto, mantendo o contorno melódico em um nível elevado até a tônica final,
situando-se apenas a pós- tônica em um patamar mais baixo.
3.1.4. Salvador se individualiza por seu padrão melódico com ataque alto e queda
contínua da frequência fundamental, que se eleva somente sobre a pós-tônica final. O
quadro 1 ilustra graficamente o que foi descrito acima.
QUESTÃO PARCIAL
Recife / J. Pessoa
Fortaleza
São Luís
Salvador
Quadro 1 – Comportamento estilizado do contorno melódico da questão parcial das cidades pesquisadas.
4. CONCLUSÃO
Pelo exposto compreende-se a importância de que a entoação se reveste para a
discriminação perceptiva dos diferentes falares nordestinos estudados. A questão parcial
assume aqui quatro padrões entoacionais. Com base nos nossos dados, podemos inferir
que as diferenças encontradas não estão relacionadas ao gênero nem ao nível de
escolaridade do informante, mas sim ao condicionamento geoprosódico.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMPER- POR. Disponível em http: //www2.ii.ua.pt/cidlc/gcl/AMPER-POR.html.
Boersma, Paul; Weenink, David. 2006. Praat: doing phonetics by computer. (Version
5.1.43) [Programa de computador]. Disponível em http: //www.praat.org/.
Colamarco, Manuela. 2005. Aspectos prosódicos no corpus do projeto ALiB: o padrão
interrogativo na fala baiana e carioca. Revista da graduação em Letras da UFRJ. Rio de
Janeiro. Ed. Faculdade de Letras/UFRJ. 35-43.
Cunha, Claudia. 2000. Entoação regional no português do Brasil, Tese de Doutorado,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Lira, Zulina. 2009. A entoação modal em cinco falares do nordeste brasileiro, Tese de
Doutorado, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.
Moraes, João Antônio de. 1984. Recherches sur l’intonation modale du portugais parlé à
Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, Universidade de Paris III, Paris.
_____________________. 1998. Intonation in Brazilian Portuguese, em D. Hirst e A. Di
Cristo (eds), Intonation systems: a survey of twenty languages, Cambridge, Cambridge
University Press. 179-194.
_____________________. 2008. The pitch accents in Brazilian Portuguese: analysis by
synthesis, in fourth conference on speech prosody, 2008, Campinas. Proceedings of de
speech prosody. Campinas, 2008. 389-397.
_____________________ e Abraçado, Jussara. 2005. A descrição prosódica do
português do Brasil no AMPER. Geolinguistic – Hors série – 3. 337-345.
Santos, Glaucia Felismino dos. 2008. Contato linguístico na região de fronteira
Brasil/Uruguai: a entoação dialetal em enunciados interrogativos do português e do
espanhol, Dissertação de Mestrado, Universidade Feseral do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro.
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