Jornal A Tarde, sexta-feira, 06/02/1981 Assunto: COTIDIANO NOSSO FALAR E ESCREVER Volta e meia reaparece um assunto velho. Agora são duas questões como nosso idioma: se falamos uma “língua brasileira” e como devemos grafá-la. Não falta quem considere duas línguas distintas, a portuguesa e a brasileira. Faz pouco, meu filho Paulo Ormindo ouviu de uma cidadã de Cabo Verde que as duas línguas que mais aprecia, além da que herdou de Portugal, são a “brasileira” e a inglesa. E não tiro a razão dos que, brasileiros, não entendem os lusitanos quando falam em sua cerrada pronúncia. Ainda há dias, o presidente Ramalho Eanes deve ter sido entendido apenas por uns poucos dos que aqui o ouviram dirigir-se ao Brasil pela televisão. Nas várias vezes em que deu aulas ou fez conferências na Faculdade de Filosofia, o eminente mestre Hernani Cidade ouviu a queixa de que a maioria dos alunos não o compreendia. Comigo passa-se diferente: acostumado à articulação dos meus mestres no Colégio Antônio Vieira, ao tempo dos padres portugueses, quase não perco palavra de lisboetas, portuenses, coimbrões, mesmo moçambicanos ou timorenses. Mas não somente por esse motivo, antes por questões de dialetologia e quantas outras, há também filólogos, lingüistas, gramáticos que pensam que temos um idioma próprio, já distinto e distante do que nos trouxeram os descobridores. Alguns radicais dessa corrente querem mesmo que nos proclamemos libertos no particular. Lembro o debate que se travou em nossa Constituinte de 34 sobre a designação da língua nacional. Na Bahia era adepto convicto e com fortes razões o talentoso piauiense que se fizera baiano pela cuItura, pela formatura em Medicina, pelos laços de família, pelos assinalados serviços ao ensino e à Igreja, Herbert Parentes Fortes. Essa convicção enche muitas páginas de sua obra de filólogo conceituado. Da mesma opinião foi, naquela assembléia, o filósofo e jurista baiano Edgard Sanches que deixou obra substancial publicada sob o significativo título de “A Língua Brasileira” Já Luiz Viana Filho, membro também do parlamento, defendia ponto de vista oposto, escrevendo “A Língua Nacional”. Igualmente adepto da doutrina de que falamos “A Língua Portuguesa”, título de um dos seus livros, fora na Bahia o conceituado professor Pedro Júlio Barbuda do I. Normal. Venceu a tese da unidade, sem embargo de questões de prosódia, de acentuação e dout os detalhes, que têm dado lugar à necessidade de acordos entre os dois países, atos em que nos representaram, entre diversos, os baianos Afrânio Peixoto e Pedro Calmon. Por muito que se diferenciem os falares de Portugal e do Brasil, de Angola, Moçambique, de Goa, de Timor, tem razão Antônio Celestino, em artigo nesta coluna há semanas, em afirmar que falamos todos uma só língua, de que derivam, é verdade, uns poucos dialetos e “crioulos”, isto é, falares hibridados com línguas africanas, asiáticas e até européias como sucede a complicada mistura do papiamento de Curaçao - indubitavelmente, uma articulação deturpada de coração - e de outras Ilhas do Caribe, onde os bravos marinheiros e comerciantes lusitanos, como em Java, em partes da Índia, de Ceilão, até da China deixaram a marca de suas caminhadas. Outro dia recordava a imprensa a transposição que se fez no passado da linguagem do nosso Raul Pompéia para um vocabulário e uma composição mais à feição dos seus leitores portugueses. Mas também essas são minúcias de um comum falar, que devemos conservar uno como o inglês e o francês que falam ingleses, norte-americanos, australianos, franceses e francofones do Canadá, do Congo, do Senegal e deste, o ex-presidente Leopold Sedar Senghor é um dos nomes representativos da língua e da literatura francesas. Outra questão é a da opção entre uma grafia do que falamos, etimológica ou fonética. A primeira já quase não existe nem cá, nem lá, tantas têm sido as alterações simplificadoras dos modos de escrever os fonemas que emitimos no vasto mundo lusofone. Já a fonética tem tido partidários os mais distintos. Inda outro dia encontrei uma página de jornal em que o nosso general Bertoldo Klinger escrevia a seu modo defendendo uma grafia estranhíssima. E recordo coisa parecida que os positivistas brasileiros, ai por fins cio século passado e começos do atual, propunham e eles próprios adotavam. Agora, um grupo reunido no Rio Grande do Sul defende novamente essa fórmula, acabando até com a malfadada crase a pretexto de que é muito difícil de colocar bem. Ora, convenhamos, se no caso a razão é essa, francamente, não merecem ser levados a sérios tais gramáticos ou filólogos. O que explica muitas dessas alegadas dificuldades é exatamente a falta de um pouquinho de gramática, ajudada pelo conhecimento de um mínimo de Latim, cujo estudo, ao contrário, povos de línguas não-latinas como alemães, escandinavos e britânicos, não descuram como nós. É o caso de chamar Paulo Rónai para nos falar do seu recente e bem sucedido livro “Não perca o seu Latim”. Admitindo que os falares e as línguas se modificara de várias maneiras, não nos devemos encastelar num fixismo casmurro porém nos esforçar por que se fale e se escreva corretamente - segundo os cânones vigentes - a bela língua que nos pertence e que é um dos, elos mais fortes da unidade nacional e da comunidade cultural que as frotas e a brava gente lusitanas criaram.