Análise Entonacional de Frases Declarativas e Interrogativas Totais: o francês como língua estrangeira Sara Farias da Silva e Izabel Christine Seara (UFSC) Atualmente, os estudos sobre a prosódia tornam-se mais frequentes. Características como entoação e ritmo nem sempre estiveram no foco dos estudos linguísticos, da forma como vem acontecendo nos últimos anos. Vaissière (1977) diz que a prosódia encobre fenômenos de variação na implementação dos fonemas. Essas variações podem ser descritas: (i) sobre o plano acústico, que nesse caso descreve a evolução da curva de f0, a duração e a intensidade dos segmentos; (ii) sobre o plano perceptual, descrevendo a percepção do ritmo das frases e da melodia, seu acento, sua entoação e (iii) sobre o plano funcional, que apresenta a função linguística dessas variações. Este estudo baseia-se principalmente sobre o plano acústico e tem como objetivo analisar o comportamento da melodia da língua francesa na produção de professores de Francês Língua Estrangeira (FLE), a partir da curva de f0. Tendo em vista a carência de reflexão sobre os aspectos prosódicos dessa língua nos cursos de Graduação de Letras-Francês e com o intuito de comparar a melodia do francês, estabelecida na literatura da área (ROSSI, 1999 e DI CRISTO, 1998, MOUTINHO & ZERLING, 2002), com a melodia produzida por brasileiros professores de FLE, projetamos este estudo. Escolhemos como professores de francês, falantes nativos florianopolitanos, porque em Florianópolis tem-se, na Universidade Federal de Santa Catarina, um curso de formação de professores de francês (Licenciatura em Língua Francesa). Em pesquisas sobre a entoação, tem-se observado que, quando se objetivam dados de fala mais natural, a coleta de dados deve ser considerada, uma vez que a maior parte dos dados até aqui obtidos se baseia na fala controlada pela leitura. Outro ponto problemático é a impossibilidade de comparação entre as diferentes línguas. Os dados coletados são estruturalmente e lexicalmente bastante diversos, impossibilitando tal comparação. Em função dessas dificuldades, alguns pesquisadores (MOUTINHO et al. (2007), CONTINI (2007), SEARA e FIGUEIREDO-SILVA (2007), dentre outros) procuraram estratégias de coleta de dados que evitem a leitura e que possam ser representativas da fala mais espontânea. O Projeto Atlas Multimédia Prosódico do Espaço Românico (AMPER) apresenta uma metodologia que possibilita a comparação prosódica entre diferentes línguas românicas. Esse projeto é definido como um programa científico de geolinguística dialetal cujo objeto de estudo é a entoação das variedades românicas (CONTINI, 2007: 10). Para a realização dessa pesquisa, foi elaborado um corpus baseado na metodologia AMPER. Esse corpus apresenta frases que são elocucionadas a partir de estímulos visuais que obedecem a critérios linguísticos pré-estabelecidos por essa metodologia. O corpus utilizado é uma adaptação para a língua francesa, considerando a estrutura de acentuação dessa língua, na qual o acento recai sempre na última sílaba do grupo rítmico; diferentemente do PB cujo acento recai na última (oxítona), penúltima (paroxítona) ou antepenúltima (proparoxítona) sílaba. O corpus considera frases do tipo Sujeito – Verbo – Complemento, nas modalidades declarativa e interrogativa total. Para a escolha dos informantes, optamos por obedecer a um mesmo perfil com as seguintes características: idade entre 25 e 30 anos; ambos os sexos; professores florianopolitanos de FLE. Com a ajuda de scripts do programa PRAAT , foi possível obter arquivos com informação sobre a frequência fundamental de cada uma das vogais das frases analisadas. Para iniciar as análises nas frases, com referência à frequência fundamental, baseamo-nos nos estudos de Di Cristo (1998) e Moutinho e Zerling (2002), que observaram, nas frases declarativas do francês, uma elevação de pitch na sílaba tônica final do primeiro grupo rítmico seguido por um contorno final descendente. Nas frases interrogativas totais do francês, os autores verificaram uma elevação gradativa do pitch nas sílabas inicias do primeiro grupo rítmico, seguida por uma curva descendente e, ao final da frase, sobre a vogal da sílaba final acentuada, uma subida abrupta de pitch. Consideram ainda que há uma diferença entre a entoação interrogativa (posição final de texto) e a chamada entoação continuativa (posição não-final de texto), para as quais há uma diferença no comprimento da vogal final acentuada. Para a interrogativa, essa vogal seria mais longa. Nosso corpus, no entanto, permitiu apenas a verificação do comportamento das curvas de pitch da entoação interrogativa e da declarativa. Nos dados acústicos dos informantes brasileiros, notamos um contorno de pitch diferente do esperado para o francês. Na modalidade declarativa: há uma elevação na sílaba tônica final do primeiro grupo rítmico, mas verificamos também uma elevação no início do segundo grupo rítmico (que pode evidenciar foco, mas que parece recorrente em todos os dados dos brasileiros). Contudo, temos um contorno final descendente, característico de uma curva de pitch esperada para o francês. Na modalidade interrogativa total, vemos um contorno de pitch inverso ao esperado para o francês, ou seja, uma descida gradativa do pitch nas sílabas iniciais para, em seguida, apresentar um contorno de pitch característico do francês: uma subida abrupta de pitch, porém, nas duas últimas vogais das frases, e não apenas na última vogal acentuada, como apontam os autores anteriormente citados. Essa característica pode estar relacionada ao comportamento da curva de F0 para o português brasileiro que apresenta possibilidades diversas, dependentes dos contextos de acento das palavras na posição de núcleo das frases (NUNES, 2011). Esse comportamento diferenciado ocorre em duas ou mais sílabas na posição de núcleo e nem sempre o pico se apresenta sobre a sílaba tônica. Cremos ainda ser necessário atentar para características relacionadas à distribuição temporal e para a observação do segundo grupo rítmico que apresenta uma proeminência de pitch que não acontece em dados do francês nativo. Os resultados até aqui apresentados compõem um estudo preliminar que ainda não nos permite apontar características definitivas sobre a melodia do francês de professores brasileiros de FLE. Esses dados, no entanto, apontam para diferenças que, se persistirem, constituirão o perfil melódico de professores de francês – nativos de Florianópolis – em frases declarativas e interrogativas totais. Palavras-chave: francês como língua estrangeira, análise entonacional, professores de francês Referências CONTINI, Michel. Le projet AMPER: Passé, présent et avenir, I Jornadas Científicas, AMPER-POR. Actas. Aveiro - Portugal : Universidade de Aveiro. p. 9-21. 2007. DI CRISTO, Albert. Intonation in French. In: HIRST, Daniel & DI CRISTO, Albert. Intonation system: a survey of twenty languages. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. MOUTINHO, Lurdes de Castro; ZERLING, Jean-Pierre. Estruturas prosódicas no Português e no Francês. Um estudo comparativo. Cadernos de PLE2, Universidade de Aveiro, 2002, p.75-103. MOUTINHO, Lurdes et al. I Jornadas Científicas - AMPER-POR. Actas. Aveiro Portugal: Universidade de Aveiro, 2007. NUNES, Vanessa Gonzaga. Análises entonacionais de sentenças declarativas e interrogativas totais nos falares florianopolitano e lageano. Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Dissertação, Florianópolis (SC), 2011. ROSSI, Mário. L’intonation, le système du francais: description et modelisation.Paris: Ophrys, 1999. SEARA, Izabel Christine; FIGUEIREDO SILVA, Maria Cristina. Metodologia para descrição da entoação na interface sintaxe-fonologia. Intercâmbio (CD-ROM), v. XVI, p. 1-20, 2007. VAISSIÈRE, Jacqueline. Langues, prosodies et syntaxe. Revue Traitement Automatique des Langues, ATALA, v.38, n. 1, p. 53-81, 1997.