Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu

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SUMÁRIO
Níveis e Modalidades de Educação e Ensino ...................... 2
Clóvis Roberto dos Santos
Escola – Função Social, gestão e política educacional .......... 8
Sofia Lerche Vieira
Didática: teoria da instrução e do ensino ....................... 16
José Carlos Libâneo
O plano de disciplina ............................................... 31
Maximiliano Menegolla e Ilza Martins Sant’Anna
A avaliação ........................................................... 35
Antoni Zabala
Interdisciplinaridade e mediação pedagógica ................... 40
Cristina D’Ávila Maheu
Aprendizagem cognitiva afetiva psicomotora ................... 46
David Paul Ausubel
A formação de educadores: uma
perspectiva multidimensional ..................................... 49
Vera Maria Candau
Multidimensionalidade da relação professor-aluno ............ 52
Pedro Morales
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
SANTOS, Clóvis Roberto dos. Níveis e Modalidades de educação
e ensino. In: ______. Educação escolar brasileira: estrutura,
administração, legislação. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo:
Pioneira Thomson Learning, 2003. p. 57 – 69.
NÍVEIS E MODALIDADES DE EDUCAÇÃO E ENSINO
1. Primeira LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional
A primeira LDB, Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961,
não promoveu grandes mudanças na estrutura e no
funcionamento do ensino vigentes desde a Reforma Capanema,
do início da década de 1940.
A educação pré-escolar era tratada em dois artigos, os de nº
23 e 24, que fixaram sua finalidade: a de destinar-se aos
menores de até sete anos; e o local a ser ministrada: em escolas
maternais e jardins-de-infância. Também estimulava as
empresas que tivessem a seu serviço mães de menores de sete
anos, a organizar e manter instituições de educação préprimária.
O ensino primário, com duração de quatro anos, para
crianças de sete aos onze anos de idade, era ministrado nos
grupos escolares ou em escolas isoladas. Estas eram,
geralmente, localizadas na zona rural ou em local de difícil
acesso, não podendo ultrapassar em três o número delas em
uma mesma localidade. A partir de quatro já se transformaria
numa escola agrupada e com mais de 7(sete) classes, seria um
Grupo Escolar.
O ensino secundário ou médio tinha a duração de sete anos,
subdividido em ginásio (quatro anos) e colégio (três anos).
Profa. Tatiane Lucena
A educação especial, tratada nesta LDB como educação de excepcionais, deveria enquadrar-se, sempre que possível, no
sistema geral de educação, a fim de integrar os excepcionais na
comunidade. A lei propunha, ainda, prêmio para toda iniciativa
privada, considerada eficiente pelos Conselhos Estaduais de
Educação, que cuidasse desse tipo de educação.
A Lei nº 4.024/61 teve vigência efêmera, uma vez que, nos
anos subseqüentes à sua aprovação, muitas outras leis a
revogaram em suas partes, a tal ponto que, a partir da década de
1970, restavam apenas 30 artigos dos 120 iniciais.
As principais destas leis foram as de nº 5.540, de 28 de
novembro de 1968, 5.962, de 11 de agosto de 1971, e 7.044, de
18 de outubro de 1982, sendo a primeira relativa ao ensino
superior e as duas últimas ao ensino de 1º e 2º graus.
A educação pré-escolar mereceu pouco destaque nessas
reformas. Somente o § 2º do artigo 19 da Lei nº 5.692/71 dizia
que os sistemas de ensino deveriam velar para que as crianças
menores de sete anos de idade recebessem educação
conveniente em escolas maternais, jardins-de-infância ou em
instituições congêneres. Também o artigo 61 chamava a atenção
dos sistemas de ensino para que estimulassem as empresas em
que trabalhassem mães de menores de sete anos de idade, a
manter a "educação que preceda o ensino de 1º grau". Uma
repetição do que dizia a Lei 4.024/61.
O ensino de 1º grau, fruto da junção do ensino primário com
o ginasial, era destinado à formação de crianças e préadolescentes, sendo obrigatório dos sete aos catorze anos e
gratuito nas escolas oficiais.
O ensino do 2º grau, equivalente ao ciclo colegial da Lei
4.024/ 61, era destinado à formação integral do adolescente e,
para o ingresso, exigia-se a conclusão do 1 º grau ou de estudos
equivalentes. Pretendeu-se, no início da vigência da Lei
5.692/71, que todo o ensino de 2º grau fosse profissionalizante.
Posteriormente, a Lei 7.044/82 mudou a expressão "qualificar
para o trabalho" do artigo 1º da 5.692/71, para "preparar para o
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trabalho", retirando a compulsoriedade da profissionalização em
nível de 2º grau.
O ensino supletivo mereceu enfoque especial, com os cursos
de suplência (“suprir a escolarização regular para os adolescentes
e adultos que não a tenham seguido ou concluído na idade própria") e de suprimento ("para proporcionar, mediante repetida
volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para
os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte").
A educação especial foi tratada em apenas um artigo, o 9º,
que dizia: "Os alunos que apresentem deficiências físicas ou
mentais, os que têm atraso considerável quanto à idade regular
de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento
especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes
Conselhos de Educação".
O ensino superior foi regulamentado pela Lei nº 5.540/68. O
artigo 17 trata das modalidades de cursos a serem ministrados
nas universidades e nos estabelecimentos isolados de ensino
superior:
a) de graduação: abertos à matrícula de candidatos que hajam
concluído o ciclo colegial ou equivalente e tenham sido classificados em concurso vestibular;
b) de pós-graduação: abertos à matrícula de candidatos diplomados
em cursos de graduação ou que apresentam títulos
equivalentes;
c) de especialização e aperfeiçoamento: abertos à matrícula de candidatos diplomados em cursos de graduação ou que apresentam títulos equivalentes;
d) de extensão e outros: abertos a candidatos que satisfaçam os
requisitos exigidos.
O Conselho Federal de Educação dividiu os cursos de pós-graduação em lato sensu e stricto sensu. Os primeiros são os cursos de
especialização e aperfeiçoamento e, os segundos, os de mestrado e
doutorado.
2. Segunda LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional
Profa. Tatiane Lucena
2.1 - Níveis
Nesta Lei, a de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, há
um título inteiro, o "v", dedicado aos níveis e modalidades de
educação e ensino.
Dois são os níveis da educação escolar brasileira, conforme
define o Capítulo I:
a) educação básica: compreendendo a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio; e
b) educação superior: com os cursos seqüenciais, de graduação,
pós-graduação e extensão.
2.1.1 - Educação básica
A - Aspectos gerais
a) Objetivos
Os objetivos definidos são:
• desenvolver o educando e assegurar-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania; e
• fornecer ao educando meios para progredir no trabalho e em
estudos posteriores.
A educação básica poderá ser organizada em séries anuais,
períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de
estudos, grupos não-seriados, com base na competência e em
outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre
que o interesse do processo de aprendizagem assim o
recomendar.
O calendário escolar deve ser adequado às peculiaridades
locais, inclusive climáticas e econômicas. Esta adequação, que é
muito salutar, deverá ser criteriosamente definida pelo sistema
de ensino ao qual pertencer a escola, sem, no entanto, reduzir o
número de horas letivas, isto é, oitocentas horas de carga
horária mínima anual, distribuídas em, pelo menos, duzentos
dias de efetivo trabalho. O tempo reservado aos exames finais,
se houver, não será computado como dia de efetivo trabalho.
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b) Classificação do aluno:
Há três formas de classificar o aluno para matriculá-Io numa
série ou etapa:
a) por promoção: quando o aluno freqüentou a série ou fase anterior, na própria escola e obteve bom aproveitamento;
b) por transferência: aluno oriundo de outras escolas do mesmo nível;
c) por avaliação: para matricular o aluno em série ou etapa mais
adequada, independentemente de escolarização anterior. Esta
prática deverá ser regulamentada pelo respectivo sistema de
ensino.
c) Avaliação de rendimento escolar:
O rendimento escolar obedecerá a alguns critérios:
a) o desempenho do aluno será medido por um processo de
avaliação contínua e cumulativa, prevalecendo os aspectos
qualitativos sobre os quantitativos. Valerão mais os resultados
obtidos ao longo do período, série, etapa etc., sobre os de
eventuais provas finais;
b) os alunos com atraso escolar terão possibilidades de aceleração de estudos;
c) possibilidade para o aluno avançar nos cursos e nas séries,
desde que feita a verificação do aprendizado;
d) os estudos concluídos com êxito poderão ser objeto de aproveitamento;
e) casos de baixo rendimento escolar serão passíveis de estudos
de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo.
o controle da freqüência é de responsabilidade da escola,
mas exigindo a freqüência mínima de 75% do total de horas
letivas para aprovação.
Também são de responsabilidade da escola: a expedição de
históricos escolares, as declarações de conclusão de série, os
diplomas ou certificados de conclusão de cursos. Tais documentos
escolares deverão ter as especificações cabíveis.
Profa. Tatiane Lucena
B - Educação infantil
As leis de ensino anteriores, 4.024/61 e 5.692/71, davam
denominações diferentes para esse tipo de educação: educação
pré-escolar para a primeira, e "educação que preceda o ensino de
primeiro grau" para a segunda. Já foi, também, denominada de
"ensino pré1º- grau" pelo Anuário Estatístico do Brasil, de 1980. As
denominações "creche" e a estranha "pupileira" já foram usadas
no lugar do berçário, mas desprezadas por conotação negativa. A
nova LDB a denomina educação infantil e deve ser oferecida em:
a) creches ou entidades equivalentes, para crianças até três anos
de idade; e
b) pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos de idade.
Esta educação tem como objetivo geral o desenvolvimento
integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação
da família e da comunidade.
A avaliação será feita mediante acompanhamento e registro
do desenvolvimento da criança, sem objetivo de promoção,
mesmo para o acesso ao ensino fundamental.
C - Ensino fundamental
Este ensino, com oito anos de duração, obrigatório e
gratuito na escola pública, objetiva a formação básica do
cidadão mediante:
a) o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como
meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do
cálculo;
b) a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
c) o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em
vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e formação
de atitudes e valores;
d) o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de soli4
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dariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
Será permitido que os sistemas de ensino desdobrem o
ensino fundamental em ciclos. Assim, por exemplo, poderemos
ter o 1 º ciclo (1 ª a 4ª séries) e 2º ciclo (5ª a 8ª séries) ou, ainda,
ciclo básico (1 ª e 2ª séries); ciclo intermediário (3ª, 4ª e 5ª
séries) e ciclo terminal (6ª, 7ª e 8ª séries) etc. A lei não fixa,
mas deixa a cargo de cada sistema dividir ou não o ensino
fundamental em ciclos.
A jornada escolar será de, no mínimo, quatro horas de
trabalho
efetivo
em
sala
de
aula,
aumentando,
progressivamente, o período de permanência dos alunos na
escola. Também, progressivamente, o ensino fundamental será
ministrado em tempo integral, com exceção do noturno e de
outras formas alternativas de organização previstas na LDB.
O ensino médio poderá propiciar ao educando o exercício de
profissões ou a preparação geral para o trabalho e,
facultativamente, concorrer para que tenha uma habilitação
profissional. Esta última poderá ser oferecida no próprio
estabelecimento
ou
em
cooperação
com
instituições
especializadas em educação profissional, como, por exemplo,
Senac, Senai etc.
Os cursos serão dados em instituições especializadas ou no
próprio ambiente de trabalho e poderão estar articulados ao
ensino regular ou em forma de educação continuada.
Os diplomas de nível médio deste tipo de educação terão
validade nacional, se registrados pelo MEC ou por quem ele
delegar.
D - Ensino médio
Os objetivos da educação superior são:
Este tipo de ensino terá a duração mínima de três anos, com
os seguintes objetivos:
a) consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no
ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
b) preparar o aluno para o trabalho e para o exercício da cidadania, e, também, para que possa continuar aprendendo, de
modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade à novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
c) aprimorar o educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual
e o pensamento crítico;
d) fazer com que o educando compreenda os fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a
teoria com a prática no ensino de cada disciplina.
2.1.2 - Educação superior
a) estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito
científico e do pensamento reflexivo;
b) formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento,
aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e
colaborar na sua formação contínua;
c) incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica,
visando ao desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da
criação e difusão da cultura; e, desse modo, desenvolver o
entendimento do homem e do meio em que vive;
d) promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade, e
comunicar o saber por meio do ensino, de publicações ou de
outras formas de comunicação;
e) suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e
profissional e possibilitar a correspondente concretização,
integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa
estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de
cada geração;
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f) estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente,
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em particular os nacionais e regionais, prestar serviços
especializados à comunidade e estabelecer com esta uma
relação de reciprocidade;
g) promover a extensão, aberta à participação da população,
visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da
criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica
geradas na instituição.
A freqüência de alunos e professores é obrigatória, a não
ser nos programas de educação a distância.
Os diplomas expedidos por universidades serão por elas mesmas registrados e terão validade nacional. Os de instituições
não-universitárias, por universidades indicadas pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE) e terão, também, validade nacional.
A transferência de alunos regulares poderá ser aceita se
houver vagas e mediante processo seletivo.
Os cursos e programas da educação superior são:
2.2 - Modalidades
a) seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abran-
2.2.1 - Educação de jovens e adultos
gência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino;
b) de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o
ensino médio ou equivalente, e tenham sido classificados em
processo seletivo;
c) de pós-graduação: programas de mestrado e doutorado e cursos
de especialização e aperfeiçoamento e outros, abertos a
candidatos diploma dos em cursos de graduação, e atendam
às exigências das instituições de ensino;
d) de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos
estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino.
A autorização, o reconhecimento e o credenciamento das
universidades e instituições de educação superior terão prazos
limitados e renovados, periodicamente, após processo regular
de avaliação.
O ano letivo, independentemente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho efetivo, excluído o tempo
reservado aos exames finais, quando houver.
Os programas de cursos e demais componentes curriculares,
sua duração, requisitos, qualificação dos professores, recursos
disponíveis e critérios de avaliação, assim como a obrigação de
cumprir tais condições, serão obrigatoriamente informados aos
interessados pelas respectivas instituições.
É a destinada para educar aqueles que não tiverem, na
idade própria, acesso ou continuidade de estudos no ensino
fundamental e médio.
Haverá exames para a conclusão de ensino fundamental e
médio, exigindo, no mínimo, 15 e 18 anos de idade,
respectivamente. Também os conhecimentos e habilidades
adquiridos por meios informais poderão ser aferidos e
reconhecidos mediante exames.
Os sistemas de ensino organizarão e manterão os cursos de
educação de jovens e adultos/ assim como os exames supletivos
para habilitar o educando a prosseguir seus estudos no ensino
regular.
2.2.2 - Educação profissional
Tem por objetivo geral a condução de educando ao
permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.
Deverá estar integrada às diferentes formas de educação/
ao trabalho/ à ciência e à tecnologia.
Terá direito ao acesso/ o aluno matriculado ou egresso do
ensino fundamental médio ou superior/ trabalhador em geral
jovem ou adulto.
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2.2.3 - Educação especial
A educação especial é a modalidade de educação escolar
oferecida/ preferencialmente/ na rede regular de ensino/ para
educandos portadores de necessidades especiais/ com início na
faixa etária de zero a seis anos/ durante a educação infantil.
Condições que os sistemas de ensino deverão oferecer para
a educação especial:
Quadros atuais de estrutura do sistema educacional brasileiro:
I-NÍVEIS
b)
c)
d)
e)
f)
Doutorado
Mestrado
Especialização
Pós-Graduação
EDUCAÇÃO
SUPERIOR
a) currículos/ métodos/ técnicas/ recursos educativos e organi-
zação específica para atender bem à clientela;
para os educandos que não puderem atingir o nível exigido
para a conclusão do ensino fundamental será oferecida a
terminalidade específica de acordo com suas capacidades;
os superdotados terão possibilidade de terminar o curso em
menor tempo;
professores especializados para o atendimento a este tipo de
educandos;
educação especial para o trabalho e efetiva integração na vida em
sociedade, no trabalho e em cursos posteriores;
acesso do educando especial aos benefícios dos programas sociais
da educação regular.
Profa. Tatiane Lucena
Aperfeiçoamento
Humanas
Exatas
Biológicas
Graduação
Extensão
Seqüencias
ENSINO MÉDIO
EDUCAÇÃO
BÁSICA
E N S IN O
FUNDAMENTAL
EDUCAÇÃO
INTANTIL
Instituições privadas sem fins lucrativos, que atendam à
educação especial, poderão ter apoio técnico e financeiro do
Poder Público.
Divisão em séries ou
ciclos, a critério de
sistema de ensino
Pré-escolas
Creches
II - MODALIDADES
EDUCAÇÃO
B Á S IC A
ENSINO MÉDIO
E
FUNDAMENTAL
Educação de
Jovens e Adultos
Educação
Profissional
EDUCAÇÃO
INFANTIL, ENSINO
FUNDAMENTAL
E MÉDIO
EDUCAÇÃO
ESPECIAL
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VIEIRA, Sofia Lerche. Escola – função social, gestão e política
educacional. In: AGUIAR, Márcia Ângela da S.; FERREIRA, Naura
Syria Carapeto (Orgs.). Gestão da educação: impasses,
perspectivas e compromissos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001. p.
129-144.
ESCOLA - FUNÇÃO SOCIAL, GESTÃO E POLÍTICA EDUCACIONAL
Por muito tempo a escola não se configurou como um foco do
interesse da gestão e da política educacional, pelo menos não em
sentido estrito. Embora constituindo-se no espaço específico que a
sociedade reservou para veicular o conhecimento que se julga importante transmitir às novas gerações, a escola permaneceu como a
grande esquecida das políticas educacionais brasileiras. Os anos
noventa, todavia, a trazem para o centro do debate sobre a educação, resignificando o sentido de uma reflexão sobre sua função
política e social na formação da cidadania. O presente ensaio tem
por intenção aprofundar os nexos entre a função social da escola, a
gestão e a política educacional, buscando compreender o movimento
recente deste debate.
Ao refletir sobre a função social da escola, seria possível
começar pela pergunta: que articulações existem entre escola e cidadania? A esse respeito faz sentido a afirmação de Canivez:
Se toda comunidade política se caracteriza pela
coexistência de várias tradições, a escolaridade tem
significado particular. A escola, de fato, institui a
cidadania. É ela o lugar onde as crianças deixam de
pertencer exclusivamente à família para integrarem-se
numa comunidade mais ampla em que os indivíduos
estão reunidos não por vínculos de parentesco ou de
afinidade, mas pela obrigação de viver em comum. A
escola institui, em outras palavras, a coabitação de seres
diferentes sob a autoridade de uma mesma regra
(1991:33).
Profa. Tatiane Lucena
Há, pois, uma estreita articulação entre as relações de
convivência social instituídas pela escola e a cidadania. Ou seja, é no
exercício da vivência entre os seres diferentes que se aprendem
normas, sem as quais não sobrevive a sociedade. Mas, por certo, não
é apenas para a convivência social e para a socialização que existe a
escola. Ela surge da necessidade que se tem de transmitir de forma
sistematizada o saber acumulado pela humanidade. Na chamada
sociedade do conhecimento este papel tende a assumir uma importância sem precedentes. Outro aspecto a assinalar é que a escola é
uma instituição datada historicamente. Ou seja, cada sociedade,
cada tempo forja um modelo escolar que lhe é próprio. Este, por sua
vez, é atravessado por marcas e interesses diferenciados. Sobre o
assunto é oportuno observar que
A prática escolar consiste na concretização das condições
que asseguram a realização do trabalho docente. Tais
condições não se reduzem ao estritamente "pedagógico",
já que a escola cumpre funções que lhe são dadas pela
sociedade concreta que, por sua vez, apresenta-se como
constituída por classes sociais com interesses
antagônicos. A prática escolar, assim, tem atrás de si
condicionantes sociopolíticos que configuram diferentes
concepções de homem e de sociedade e, conseqüentemente diferentes pressupostos sobre o papel da escola,
aprendizagem,
relações
professor-aluno,
técnicas
pedagógicas, etc. (Libâneo, 1986: 19).
Ou seja, as funções políticas e sociais da escola são também
atravessadas pelos interesses das classes sociais. Nessa perspectiva, é
interessante situar a contribuição de tendências, que resultaram em
diferentes concepções do papel da escola e, conseqüentemente, de
sua função política e social na construção da cidadania. Este foi um
tema predominante do debate sobre a educação no Brasil, nos anos
oitenta que permitiu, através de diferentes tipificações, compreender o papel da escola, segundo demandas que surgem em distintos contextos, como veremos a seguir.
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A escola na perspectiva das tendências pedagógicas
Boa parte das reflexões sobre a função social da escola no Brasil
foram canalizadas em torno do debate acerca das tendências
pedagógicas. Assim, tomando como mote as incursões de Libâneo, foi
possível identificar papéis propostos para a instituição escolar nas
diferentes pedagogias. No contexto da pedagogia liberal ("tendência
liberal tradicional") a escola é chamada a cumprir uma clássica
função, enquanto instituição encarregada da transmissão da cultura e
do saber sistematizado: "a atuação da escola consiste na preparação
intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na
sociedade. O compromisso da escola é com a cultura, os
problemas sociais pertencem à sociedade" (Libâneo, 1986:23).
Mudadas as condições, e no contexto de uma mesma pedagógica,
a escola pode vir a ser chamada a orientar-se para a adequação das
necessidades individuais ao meio, como ocorreu sob a égide do
escolanovismo ("tendência liberal renovada progressista"). Nessa
perspectiva, educação é concebida como um processo ativo, onde à
cola cumpre retratar a vida, buscando "suprir as experiências que
permitam ao aluno educar-se, num processo ativo de construção e
reconstrução do objeto, numa interação entre estruturas cognitivas
do indivíduo e estruturas do ambiente" (Idem: 25).
Sob a influência do tecnicismo ("tendência liberal tecnicista")
concebe-se uma escola modeladora de comportamento, com ênfase
em aspectos voltados para a organização do "processo de aquisição de
habilidades, atitudes e conhecimentos específicos, úteis e necessários para que os indivíduos se integrem na máquina do sistema social
global. Nesse contexto, a função da escola se orienta para produzir
indivíduos 'competentes' para o mercado de trabalho, transmitindo,
eficientemente, informações precisas, objetivas e rápidas" (Idem: 28
e 29).
No âmbito da chamada pedagogia progressista são também
diferentes concepções de escola. Vamos encontrar aqui desde
orientações voltadas para "uma transformação na personalidade dos
unos num sentido libertário e autogestionário" ("tendência libertária
progressista". Idem: 36), até uma perspectiva onde a escola é
Profa. Tatiane Lucena
chamada a cumprir um papel de transmissão dos conhecimentos universais, buscando a transformação social ("tendência progressista
crítico-social dos conteúdos"). Nesse quadro, a função da escola se
articularia com a "preparação do aluno para o mundo adulto e suas
contradições, fornecendo-lhe um instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da socialização, para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade" (Idem: 39).
Embora as tipificações sejam necessárias à organização do
pensamento, é necessário observar que no concreto estas não existem em estado puro. Numa mesma sociedade, tempo e lugar várias
tendências podem conviver. Assim, pode haver uma tendência predominante no contexto macro estrutural de uma sociedade e, em seu
interior, ocorrerem manifestações diferenciadas - de escola para
escola, de professor para professor. No âmbito de uma mesma tendência, por sua vez, a depender das circunstâncias, se estabelecem
mecanismos de interpenetração. Feitas tais ressalvas, vale considerar
que o resgate dessa discussão que tem sido travada no campo da
didática tem algo a ensinar sobre o tema ora proposto.
A reflexão sobre as tendências pedagógicas, tal como
brevemente referidas acima, surge num contexto em que a dimensão
crítica da educação e dos atores sociais a ela vinculados ocupava o
centro das discussões do debate no campo educacional. Muita coisa
mudou no período compreendido entre o início da década de oitenta
e o momento atual. Novas perspectivas têm se colocado, inclusive,
para a didática onde tem se abrigado o debate sobre a função social
da escola. Algumas revisões foram feitas, novos aportes acrescentados. Se examinadas à luz do olhar de hoje, por certo, algumas retificações caberiam ser feitas.
No contexto de uma sociedade caracterizada pela globalização
econômica e pela difusão do conhecimento em rede, o papel e a função social da escola, por certo, são redimensionados. Novas modalidades de tecnicismo começam a se configurar, facilitadas pela presença do computador na vida- de um grande contingente de crianças
- mas não de todas, o que pode vir a constituir-se como um mecanismo adicional de exclusão social. Sob tais circunstâncias, tudo é
posto em xeque - conteúdos, métodos, a relação professor-aluno,
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etc. O papel da educação nesse novo quadro tende a ser retomado,
implicando em visões distintas sobre a escola. Algumas, retomam
idéias já contempladas no debate anterior sobre as tendências
pedagógicas.
A compreensão da relação sociedade/escola tende a abrigar,
grosso modo, três posturas: o otimismo ingênuo, que "atribui à escola
uma missão salvífica"; o pessimismo ingênuo, onde esta nada mais é
do que "instrumento de dominação" e; o otimismo crítico, onde ela é
percebida como instituição social contraditória que comporta, ao
mesmo tempo, a conservação e a inovação, podendo "servir para
reproduzir as injustiças mas, concomitantemente (...) funcionar
como instrumento para mudanças" (Cortella, 2000:131-136).
As reflexões dos diferentes autores examinados ilustram de
modo explícito a relação entre escola e conhecimento. Esta
percepção não é privilégio do debate acadêmico sobre educação,
como se verá no tópico a seguir.
A escola na perspectiva de organismos internacionais
O foco das agendas internacionais sobre a educação e,
conseqüentemente sobre a escola tem origem num conjunto de
medidas cuja origem deve ser localizada anteriormente, mas cujo
divisor de águas é a Conferência Mundial de Educação para Todos,
realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990. A ela se seguiram, a
Conferência de Nova Delhi (1993); e, as reuniões do Projeto Principal
de Educação na América Latina e do Caribe, que contemplam pautas
de interesses comuns discutidos por Ministros de Educação da região,
a exemplo da Conferência de Kingston, Jamaica (1996). Nesses
eventos são elaboradas declarações de intenções e recomendações
com as quais se comprometem os países signatários dos diferentes
acordos firmados. Fazendo-se representar em todos esses encontros,
o Brasil torna-se, portanto, sócio da agenda definida em tais
cenários. Importante reunião de avaliação sobre os compromissos
assumidos em Jomtien, por sua vez, foi realizada em Recife, no início
do ano 2000. Ao lado dessa agenda mais geral e pactuada, surgem
Profa. Tatiane Lucena
outras propostas, formuladas por organismos internacionais, a
exemplo da CEPAL e da UNESCO, conforme detalhamento a seguir.
A proposta a CEPAL foi formulada em 1990, resultando,
posteriormente, na publicação Educação e conhecimento: eixo da
transformação produtiva com eqüidade. Este documento, publicado
pela primeira vez em espanhol, em 1992, e depois editado em
português, em 1995, constitui a "primeira tentativa de delinear os
contornos da ação política e institucional capaz de favorecer o
vínculo sistêmico entre educação, conhecimento e desenvolvimento,
tendo em conta as condições vigentes na década de 90" (CEPAL.
UNESCO, 1995:4). Sua estratégia está voltada para a criação de
condições propícias à transformação das estruturas produtivas da
América Latina e do Caribe, num "marco de progressiva eqüidade
social". O desenvolvimento de tais condições - "educacionais, de
capacitação e de incorporação do progresso cientifico-tecnológico" é concebido a partir de algumas "linhas básicas, expressas como
idéias-força". No campo educacional estas enfatizam o ensino
fundamental, médio e médioprofissional e o desenvolvimento
tecnológico. Segundo o mesmo texto "tal estratégia contempla
objetivos básicos (cidadania e competitividade), diretrizes de
políticas (eqüidade e desempenho) e de reforma institucional
(integração e descentralização)" (Idem: 5).
As idéias cepalinas, embora ainda não muito discutidas no
campo da pesquisa em educação brasileira, têm expressiva difusão
nas estruturas de planejamento do país, como se pode perceber em
documentos gerais de governo, como também naqueles produzidos
pelo Ministério da Educação (Vieira, 1998). Alguns especialistas, a
exemplo de Mello (1993), incorporaram essas reflexões ao seu
pensamento.
Outro documento que sinaliza na direção de uma nova
concepção de educação, e conseqüentemente da função social da
escola, é o informe produzido pela Comissão Internacional sobre a
Educação para o Século XXI, da UNESCO: Educação: um tesouro a
descobrir (1999), também conhecido como "Relatório Jacques
Delors". Na perspectiva desse informe, a educação é concebida a
partir de princípios que constituem os "quatro pilares da educação"
10
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
quais sejam: "aprender a conhecer", "aprender a fazer", "aprender a
viver juntos, aprender a viver com os outros"; e, "aprender a ser"
(Educação, 1999:89-117). Ao tratar dos professores, o Relatório traz
algumas considerações sobre a "administração escolar":
a pesquisa e a observação empírica mostram que um dos
principais fatores da eficácia escolar (se não o principal),
reside nos órgãos diretivos dos estabelecimentos de
ensino. Um bom administrador, capaz de organizar um
trabalho de equipe eficaz e tido como competente e
aberto consegue, muitas vezes, introduzir no seu
estabelecimento de ensino grandes melhorias. É preciso,
pois, fazer com que a direção das escolas seja confiada a
profissionais qualificados, portadores de formação
específica, sobretudo em matéria de gestão. Esta
qualificação deve conferir aos gestores um poder de
decisão acrescido e gratificações que compensem o bom
exercício de suas delicadas responsabilidades (Educação,
op. cit, p. 163).
A escola brasileira, orientada em grande parte pelos
pressupostos da pedagogia tradicional, tem enfatizado o primeiro dos
"aprenderes" - o conhecer - que deverão, segundo esta perspectiva,
caracterizar a educação no século XXI. Haverá lugar para os demais:
o fazer, o conviver e o ser? Em caso positivo, estará assim se
configurando uma nova tendência? Ainda é cedo para responder,
mesmo porque estas idéias ainda não penetraram no ideário pedagógico brasileiro. Trazendo tais considerações a baila se quer apontar
que a discussão sobre a função social da escola ultrapassa o âmbito
acadêmico e pedagógico, espraindo-se em outros cenários. Os anos
noventa, como se afirmou na abertura deste ensaio, trazem a escola
para o centro do palco. A este tema não pode estar omissa a reflexão
no campo da política educacional. Como a escola emerge na agenda
das políticas educacionais recentes? Que movimento propiciou esta
mudança de foco, onde de eterna esquecida das políticas
educacionais passa a receber um olhar prioritário? Um exame dos
principais documentos da política educacional brasileira recente pode
fornecer pistas para um aprofundamento dessas questões.
Profa. Tatiane Lucena
A escola nos documentos da política educacional brasileira
Através da análise dos principais documentos de política
educacional produzidos entre 1985 e 1995 é possível perceber que,
contrariamente ao que uma interpretação superficial permitiria
supor, não é o governo Fernando Henrique Cardoso o autor da
"descoberta" da escola pela política educacional (Vi eira, 1998). É aos
poucos, e já no início da década de 90, que a escola começa a aparecer. Momento chave na emergência de uma atenção sobre o tema
no debate da política educacional é o Seminário sobre Qualidade,
Eficiência e Eqüidade na Educação Básica, promovido pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, realizado em novembro de
1991, em Pirenópolis, portanto, ainda durante o governo Collor. O
temário do evento discute a gestão escolar, na perspectiva de
um repensar sobre o gigantismo burocrático dos sistemas
de ensino e sobre a melhor alocação de recursos
humanos às escolas. Cada escola deve ter autonomia
para elaborar seu próprio projeto institucional e
pedagógico, visando a melhoria da qualidade com
eqüidade. O papel das instâncias centrais deve ser o de
estabelecer diretrizes mínimas, flexíveis e alternativas,
de avaliar os resultados e de desregulamentar as
exigências formais. (Gomes e Amaral Sobrinho, orgs.
1992:2. Grifo nosso)
Não é justamente este o espírito do projeto de autonomia
escolar buscado pelo governo atual? Essa discussão chega ao Seminário de Pirenópolis através do texto: "Autonomia da Escola: Possibilidades, limites e condições", de Mello (1992, p. 175-205), posteriormente republicado no livro Cidadania e competitividade: desafios
educacionais do terceiro milênio, já referido (Mello, 1993).
O ano de 1993 oferece um registro importante para a compreensão do foco sobre escola. O Plano Decenal de Educação para Todos
instaura um processo de discussão levado a milhares de escolas. Em
carta de apresentação "aos professores e dirigentes escolares", o
então Ministro da Educação, Murílio Hingel, assinala a importância de
um "esforço integrado e compartilhado entre todas as esferas e
11
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
agentes do processo educativo, ou seja, a União, os Estados e
Municípios, as escolas, os professores e dirigentes escolares, as
famílias e a sociedade civil" na "luta pela recuperação da educação
básica do País", destacando que:
Torna-se cada vez mais importante que cada uma dessas
instâncias e segmentos assumam compromissos públicos
com a melhoria do ensino, fazendo da escola um centro
de qualidade e cidadania, com professores e dirigentes
devidamente valorizados, ajudando o País a edificar um
eficiente sistema público de educação básica. (Brasil.
MEC. 1993. Grifo nosso).
Ao lado do reconhecimento da escola como um interlocutor
legítimo do processo de formulação do Plano Decenal, uma de suas
"linhas de ação estratégica" é o "desenvolvimento de novos padrões
de gestão educacional", onde se articula o sucesso do Plano ao
"reordenamento da gestão educacional, conferindo à escola a
importância estratégica que lhe é devida como espaço legítimo das
ações educativas e como agente de prestação de serviços
educacionais de boa qualidade. Fortalecer sua gestão e ampliar sua
autonomia constituem, portanto, direção prioritária da política
educacional" (Idem: 46. Grifo nosso).
Em 1994 uma oportuna contribuição à discussão sobre escola
vem a público - o projeto Raízes e Asas. Trata-se de um estudo
empreendido pelo Centro de Pesquisas para Educação e Cultura CENPEC que relata experiências de 16 escolas brasileiras envolvidas
em ações voltadas para a melhoria da qualidade do ensino de seus
alunos. Apresentado sob a forma de um bem cuidado kit composto de
três programas de vídeo, um livro e oito fascículos voltados para
temas específicos do trabalho escolar, Raízes e Asas, foi patrocinado
pelo UNICEF e pelo Banco Itaú, tornando-se uma leitura avidamente
consumida por secretarias de educação e por escolas. (Conferir dados
Relatório UNICEF 1997). Um dos fascículos, a propósito, elege a
"função social da escola" como tema.
Na Conferência Nacional de Educação para Todos (1994) a escola
permanece em foco, sob o argumento de que "a discussão do Plano
Decenal nas escolas, mostrou a importância de rever-se os
Profa. Tatiane Lucena
mecanismos de gestão escolar, de forma a torná-Ia inteiramente
voltada para o êxito e o crescimento humano das crianças e dos
adolescentes" (Brasil. MEC. 1994: 575). Assim, no âmbito da reunião é
realizado um painel sobre "O Projeto Pedagógico da Escola", que
enfoca vários aspectos referentes ao tema. O relatório do evento
reitera que "a construção dos projetos político-pedagógicos das
escolas requer a descentralização e a democratização do processo de
tomada de decisões" e que "a autonomia e a gestão democrática da
escola fazem parte do ato pedagógico" (Idem: 606).
O foco na escola, esboçado ao início da década revela-se em
toda sua potencialidade no anúncio das prioridades do governo
iniciado em 1995. Já em seu discurso de posse, o novo presidente
acena para onde se dirigirá o olhar da política educacional de seu
governo, ao afirmar que "a escola precisa voltar a ser o centro do
processo de ensino". Os documentos do primeiro ano de governo Planejamento político-estratégico (1995a) e Relatório de atividades
do ano de 1995 (1995b) - explicitam essa prioridade.
Segundo o primeiro texto
todos os estudos e diagnósticos apontam a escola
fundamental como a raiz dos problemas educacionais do
povo brasileiro. Portanto, a prioridade absoluta será a de
promover o fortalecimento da escola de primeiro grau.
Há escolas, há vagas, há evasão, há repetência, há
professor ma: treinado, professor mal pago, há
desperdício. Para trilhar um caminho de seriedade, é
preciso acima de tudo, valorizar a escola e tudo o que
lhe é próprio: a sala de aula e os professores; o currículo
e a formação dos mestres; o resultado da aprendizagem
(p. 3).
Outra passagem enfática a respeito da ênfase dispensada à
escola afirma que
... é exclusivamente na escola que os resultados podem
ser alcançados. A escola, portanto, sintetiza o nível
gerencial-operacional do sistema: a escola fundamental,
a escola de ensino médio, a instituição de ensino
superior. É na escola que estão os problemas e é na
escola que está a solução (p. 4).
12
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
O Planejamento político-estratégico é inteiramente permeado
pela idéia da autonomia escolar que se expressa, inclusive, no mecanismo de repasses automáticos de recursos (p. 6), viabilizado
através do Programa de Repasse de Recursos para a Manutenção das
Escolas Públicas do Ensino Fundamental. Nos termos do Relatório de
atividades do ano de 1995 "trata-se da transferência de recursos
diretamente para as escolas das redes estaduais e municipais de
ensino" (p. 13). O repasse envolve recursos suplementares para a
manutenção de escolas públicas, através do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação - FNDE. O cálculo de tais recursos é
feito "de acordo com o número de alunos matriculados e devem ser
aplicados pela própria direção da escola, associação de pais e
professores, caixas escolares etc., em despesas de manutenção da
escola e aquisição de material didático entre outras" (Idem). Iniciado
em 1995, o programa, popularizado como Dinheiro na Escola,
ampliou-se nos anos subseqüentes, prevendo, em 1997 repasses
também para organizações não-governamentais voltadas para o
atendimento de portadores de necessidades educativas especiais
(Brasil. MEC. 1997).
Outra ilustração do interesse da política educacional sobre a
escola refere-se ao Programa TV Escola. Constituído por uma série de
programas de vídeo a serem veiculados por escolas públicas de todo o
país, focaliza um conjunto de programas sobre escola/educação.4
Também a estratégia de divulgação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) é totalmente orientada para a escola e para o
professor.
O foco na escola se traduz também em alguns dispositivos da
nova LDB. a primeiro deles refere-se às incumbências dos
estabelecimentos de ensino, quais sejam:
I. elaborar e executar sua proposta pedagógica;
II. administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III.
assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;
IV. velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V.
prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento;
VI. articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de
integração da sociedade com a escola;
Profa. Tatiane Lucena
VII. informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento
dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagó
gica. (Art. 12)
A escola também é referida no artigo que trata da "gestão
democrática do ensino público na educação básica" onde são
previstos dois princípios:
I. "participação dos profissionais da educação na elaboração do
projeto pedagógico da escola;
II. participação das comunidades escolar e local em conselhos
escolares ou equivalentes". (Art. 14)
Finalmente, a questão da "autonomia escolar" é tratada em
dispositivo que prevê que: "os sistemas de ensino assegurarão às
unidades escolares públicas de educação básica que os integram
progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de
gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro
público" (Art. 15).
Como se vê, progressivamente a escola foi conquistando um
espaço na agenda das políticas educacionais. De quase esquecida,
passa a ser a grande prioridade das intenções governamentais. É
nesse contexto que deve hoje ser equacionada a discussão de sua
função social e de seu papel na construção da cidadania. A escola
realizada pela Fundação Roberto Marinho, 1996; e, "Escola em
Discussão" - série com 7 programas, realizada pela TV Escola/MEC,
1997 (MEC, TV Escola), tem sido ao longo da história e permanece
sendo a instituição social que, por excelência
trabalha com o conhecimento de forma sistemática e
organizada. A ela cabe ensinar e garantir a aprendizagem
de certas habilidades e conteúdos necessários à inserção
das novas gerações na vida em sociedade, oferecendo
instrumentos de compreensão da realidade e
favorecendo a participação dos educandos em relações
sociais diversificadas e cada vez mais amplas (CENPEC,
1994: 11).
Boa parte dos problemas gerados pelo fracasso escolar são
produzidos no interior das escolas públicas. É certo que não cabe
exclusivamente à escola a responsabilidade por esta situação, uma
13
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
vez que ele se situa dentro do quadro mais amplo de políticas públicas responsáveis pelo suporte ao cumprimento de sua função social.
Há, contudo, um trabalho por construir no interior da escola para
viabilizar uma educação cidadã para todas as crianças. Mudanças de
várias ordens são necessárias para alterar o quadro atual, envolvendo
uma contribuição decisiva das várias instâncias do Poder Público.
Garantidas as condições indispensáveis ao seu funcionamento, contudo, "há um espaço de atuação, no âmbito de cada unidade escolar,
que pode e deve ser ocupado por seus educadores" (Idem). Nesse
processo, há que se buscar também um caminho para que a população e os usuários da escola a percebam como sua. Quando o espaço
da escola é apropriado pela comunidade escolar, a violência contra
esse patrimônio de todos, tão comum em nossos dias5, pode pôr em
risco a própria sobrevivência da casa do saber, instância ímpar de
construção da cidadania de crianças e adolescentes de todas as classes, independentemente de etnia, sexo e confissão religiosa.
A escola e sua articulação com a gestão e a política educacional
O percurso anterior permitiu retomar algo do pensamento sobre
a função social da escola, situando seu papel no debate sobre as
tendências pedagógicas dos anos 80. Viu-se, porém, que no contexto
da chamada sociedade do conhecimento, novas demandas se colocam
para a escola, redefinindo-se seu papel. O estudo procurou mostrar
também como, ao longo da última década, pouco a pouco, a escola
passa a constituir-se em importante foco da política educacional.
Esses dois movimentos, embora simultâneos, são de ordens distintas.
Articulam-se, por suas vez, com a reflexão acerca dos novos desafios
da gestão educacional.
A retomada da constatação óbvia de que a escola tem papel
fundamental na formação da cidadania, revela o caráter estratégico
de uma gestão para o exercício desta função política e social. No
âmbito da escola propriamente dita, passa-se de uma concepção de
administração do cotidiano das relações de ensino-aprendizagem para
a noção de um todo mais amplo, multifacetado, relacionado não
apenas a uma comunidade interna, constituída por professores,
alunos e funcionários, mas que se articula com as famílias e a
Profa. Tatiane Lucena
6
comunidade externa • Assim, não por acaso, o diretor e/ou a unidade
administrativa dirigente, passam a ser chamados de "gestor", "núcleo
gestor" e expressões congêneres. Não se trata, aqui, de uma simples
troca de nomes. Na verdade, o que está a ocorrer é o
reconhecimento da escola enquanto instituição caracterizada por
uma cultura própria, atravessada por relações de consenso e conflito,
marcada por resistências e contradições. A escola representa, a um
só tempo, "espaço de democratização e de educação individual" e de
"transmissão dos valores coletivos e da consciência social (Puigrós,
1998:10). A educação, embora ultrapasse e se exerça em outros
espaços que não o escolar, "é uma tarefa coletiva da sociedade e,
portanto, de cada comunidade" (Nogueira, 1999:19).
A presença de linhas de investigação de base qualitativa no
campo educacional, foi decisiva para o aprofundamento dessas
noções. As contribuições da antropologia, da sociologia e da
psicologia social, por sua vez, trouxeram novos aportes à
compreensão da escola enquanto uma organização complexa, em
cujo interior se dão relações que ultrapassam, em muito, o mero
contexto das situações clássicas de ensino-aprendizagem. Nesse
sentido, é importante admitir que há algo de ingênuo na
interpretação veiculada por alguns estudiosos de que o protagonismo
da escola no campo da política educacional é tão somente uma
invenção maquiavélica dos organismos internacionais, financiadores
de projetos em nosso país. É verdade que há coincidências entre
agendas internacionais e nacionais. Portanto, pode-se supor que,
como no dito popular, "onde há fumaça, há fogo". As recomendações
sobre a necessidade de focalizar a escola na agenda das políticas
educacionais não são propriamente novas, como o exame anterior
permitiu constatar. Novas são as formas como as políticas têm
incorporado tais recomendações. Para bem entender esse processo, é
necessário fazer um movimento complementar, aprofundando
aspectos da reflexão sobre centralização/ descentralização (Vieira,
1998).
Tivemos, ao longo da história, uma tradição de gestão de cunho
fortemente centralizador. Trata-se de uma herança que se instala
desde os primórdios da Colônia, passando pelo Império, até as
14
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
diferentes formas de organização da República. A centralização está
tão entranhada na base da organização do sistema educacional
brasileiro, quanto no interior da própria escola. Sua expressão se dá
sob diferentes matizes - desde as formas autoritárias de convivência
à mecanismos rígidos de controle burocrático dos tempos de trabalho
e organização das relações de ensino-aprendizagem. Assim, numa
cadeia interminável de relações de controle, a centralização marca
as relações entre os orgãos de administração do sistema nas
diferentes esferas do Poder Público (União, Estados e Municípios),
assim como aquelas entre estes e as escolas.
Consideradas, todavia, as dimensões continentais de nosso país,
o modelo centralista encontrou suas brechas. A despeito de diretrizes
gerais e estruturas rígidas e da montagem de um aparato legal e
burocrático para fazer face a tais necessidades, na prática, formas de
descentralização foram se impondo. Estados e municípios exerceram
significativos graus de liberdade, ao assumir suas funções de
coordenação do sistema escolar, em níveis diversos de abrangência.
Na política educacional recente, sobretudo a partir de 1995,
ocorre um movimento que rompe com o quadro anterior. No novo
contexto da gestão educacional, há uma recentralização das decisões
na esfera federal. Anula-se gradativamente a governabilidade dos
Estados sobre decisões que afetam não· apenas os sistemas educacionais, mas o próprio pacto federativo.
A tendência de recentralização se expressa em frentes distintas,
porém, estrategicamente orquestradas, pela via da legislação
recente. De um lado, são feitas transferências financeiras
diretamente à Municípios (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF) e
escolas (Programa "Dinheiro na Escola"). Não por coincidência, a
escola passa a ser denominada de "Unidade Executora". De outro,
está o controle dos resultados de ensino-aprendizagem, através da
montagem de um complexo e meticuloso sistema nacional de
avaliação, afeto a todos os níveis de educação - desde a escola
fundamental e média (Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica SAEB - e o Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM), ao ensino
superior (Exame Nacional de Cursos, mais conhecido como Provão).
Profa. Tatiane Lucena
Tudo isto faz parte de um movimento mais amplo e não casual
que se passa no cenário sobre o qual se constrói a gestão educacional
em nossos dias. A globalização, a internacionalização das economias,
as novas formas de organização do trabalho na produção flexível e a
divulgação do conhecimento em redes cada vez mais complexas de
informação, impõem circunstâncias inimagináveis em ciclos históricos
anteriores. Tais mudanças, por sua vez, atingem de forma
diferenciada os diversos países. Os governos brasileiros têm feito,
desde o início da década de 90 - primeiro, com Fernando Collor de
Mello e, depois, com Fernando Henrique Cardoso - opções pela
abertura da economia aos capitais internacionais. Assistimos nos
últimos anos a um processo de privatização sem precedentes de
empresas e outras organizações estatais. Uma das justificativas da
opção pela privatização tem sido a de que o Estado necessita retirarse da esfera econômica, para melhor intervir na área social. A
realidade, todavia, trama contra tais argumentos. Desemprego, salários congelados, depreciação generalizada dos serviços públicos põem
a olho nu todas as mazelas de um país que chega ao novo milênio
como uma das economias importantes do mundo, mas com problemas
sociais os mais graves. Nossas desigualdades sociais e econômicas
denunciam ao mundo o gigante com pés de barro.
Nesse contexto mais amplo, que por certo não é de todo novo,
mas impõe novos desafios, a gestão muitas vezes se põe como a
pedra de toque para a solução dos velhos problemas educacionais. Os
investimentos na capacitação de gestores que o digam. "Nem tanto
ao mar, nem tanto à terra", aconselharia o velho senso-comum.
Investir na gestão é importante, sim. Mas de pouco adianta se no real
e no concreto as coisas permanecem as mesmas onde, em última
instância, se faz o exercício cotidiano de ensinar e de aprender a sala
de aula. Mas, esta é uma outra conversa. Por ora, guardemos essas
reflexões, lembrando que tudo isto que está acontecendo demanda
novos olhares sobre a educação. Neste quadro, tanto é necessário
buscar respostas novas para desafios novos, quanto lembrar dos
muitos velhos desafios que ainda estão por resolver. Buscar este
caminho é uma tarefa para a pesquisa e para os protagonistas da
gestão educacional.
15
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
LIBÂNEO, José Carlos. Didática: teoria da instrução e do ensino.
In: ______. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. p. 51-73.
DIDÁTICA: TEORIA DA INSTRUÇÃO E DO ENSINO
Nos capítulos anteriores procuramos formar uma visão geral da
problemática da educação escolar, da Pedagogia e da Didática,
introduzindo já o necessário entrosamento entre conhecimentos
teóricos e as exigências práticas. Retomaremos, agora, algumas
questões, com a finalidade de aprofundar mais os vínculos da
Didática com os fundamentos educacionais proporcionados pela
teoria pedagógica, explicitar o seu objeto de estudo e seus
elementos constitutivos para, em seguida, delinear alguns traços do
desenvolvimento histórico dessa disciplina. No tópico final, incluímos
os principais temas da Didática indispensáveis ao exercício
profissional dos professores.
Neste capítulo serão tratados os seguintes temas:
 a Didática como atividade pedagógica escolar;
 objeto de estudo: os processos da instrução e do ensino;
 os componentes do processo didático;
 desenvolvimento histórico da Didática e as tendências
pedagógicas;
 a Didática e as tarefas do professor.
A didática como atividade pedagógica escolar
Conforme estudamos, a Pedagogia investiga a natureza das
finalidades da educação como processo social, no seio de uma
determinada sociedade, bem como as metodologias apropriadas para
a formação dos indivíduos, tendo em vista o seu desenvolvimento
humano para tarefas na vida em sociedade. Quando falamos das
Profa. Tatiane Lucena
finalidades da educação no seio de uma determinada sociedade,
queremos dizer que o entendimento dos objetivos, conteúdos e
métodos da educação se modifica conforme as concepções de homem
e da sociedade que, em cada contexto econômico e social de um
momento da história humana, caracterizam o modo de pensar, o
modo de agir e os interesses das classes e grupos sociais. A
Pedagogia, portanto, é sempre uma concepção da direção do
processo educativo subordinada a uma concepção político-social.
Sendo a educação escolar uma atividade social que, através de
instituições próprias, visa a assimilação dos conhecimentos e
experiências humanas acumuladas no decorrer da história, tendo em
vista a formação dos indivíduos enquanto seres sociais, cabe à
Pedagogia intervir nesse processo de assimilação, orientando-o para
finalidades sociais e políticas e criando um conjunto de condições
metodológicas e organizativas para viabilizá-Io no âmbito da escola.
Nesse sentido, a Didática assegura' o fazer pedagógico na escola, na
sua dimensão político-social e técnica; é, por isso, uma disciplina
eminentemente pedagógica.
A Didática é, pois, uma das disciplinas da Pedagogia que estuda
o processo de ensino através dos seus componentes - os conteúdos
escolares, o ensino e a aprendizagem - para, com o embasamento
numa teoria da educação, formular diretrizes orientadoras da
atividade profissional dos professores. É, ao mesmo tempo, uma
matéria de estudo fundamental na formação profissional dos
professores e um meio de trabalho do qual os professores se servem
para dirigir a atividade de ensino, cujo resultado é a aprendizagem
dos conteúdos escolares pelos alunos.
Definindo-se como mediação escolar dos objetivos e conteúdos
do ensino, a Didática investiga as condições e formas que vigoram no
ensino e, ao mesmo tempo, os fatores reais (sociais, políticos,
culturais, psicossociais) condicionantes das relações entre a docência
e a aprendizagem. Ou seja, destacando a instrução e o ensino como
elementos primordiais do processo pedagógico escolar, traduz
objetivos sociais e políticos em objetivos de ensino, seleciona e
organiza os conteúdos e métodos e, ao estabelecer as conexões entre
16
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
ensino e aprendizagem, indica princípios e diretrizes que irão regular
a ação didática.
Por outro lado, esse conjunto de tarefas não visa outra coisa
senão o desenvolvimento físico e intelectual dos alunos, com vistas à
sua preparação para a vida social. Em outras palavras, o processo
didático de transmissão/assimilação de conhecimentos e habilidades
tem como culminância o desenvolvimento das capacidades
cognoscitivas dos alunos, de modo que assimilem ativa e
independentemente os conhecimentos sistematizados.
Que significa teoria da instrução e do ensino? Qual a relação da
Didática com o currículo, metodologias específicas das matérias,
procedimentos de ensino, técnicas de ensino?
A instrução se refere ao processo e ao resultado da assimilação
sólida de conhecimentos sistematizados e ao desenvolvimento de
capacidades cognitivas. O núcleo da instrução são os conteúdos das
matérias. O ensino consiste no planejamento, organização, direção e
avaliação da atividade didática, concretizando as tarefas da
instrução; o ensino inclui tanto o trabalho do professor (magistério)
como a direção da atividade de estudo dos alunos. Tanto a instrução
como o ensino se modificam em decorrência da sua necessária
ligação com o desenvolvimento da sociedade e com as condições
reais em que ocorre o trabalho docente. Nessa ligação é que a
Didática se fundamenta para formular diretrizes orientadoras do
processo de ensino.
O currículo expressa os conteúdos da instrução, nas matérias de
cada grau do processo de ensino. Em tomo das matérias se
desenvolve o processo de assimilação dos conhecimentos e
habilidades.
A metodologia compreende o estudo dos métodos, e o conjunto
dos procedimentos de investigação das diferentes ciências quanto aos
seus fundamentos e validade, distinguindo-se das técnicas que são a
aplicação específica dos métodos. No campo da Didática, há uma
relação entre os métodos próprios da ciência que dá suporte à
matéria de ensino e os métodos de ensino. A metodologia pode ser
geral (por ex., métodos tradicionais, métodos ativos, método da
descoberta, método de solução de problemas etc.) ou específica,
Profa. Tatiane Lucena
seja a que se refere aos procedimentos de ensino e estudo das
disciplinas do currículo (alfabetização, Matemática, História etc.),
seja a que se refere a setores da educação escolar ou extra-escolar
(educação de adultos, educação especial, educação sindical etc.).
Técnicas, recursos ou meios de ensino são complementos da
metodologia, colocados à disposição do professor para o
enriquecimento do processo de ensino. Atualmente, a expressão
"tecnologia educacional" adquiriu um sentido bem mais amplo,
englobando técnicas de ensino diversificadas, desde os recursos da
informática, dos meios de comunicação e os audiovisuais até os de
instrução programada e de estudo individual e em grupos.
A Didática tem muitos pontos em comum com as metodologias
específicas de ensino. Elas são as fontes da investigação Didática, ao
lado da Psicologia da Educação e da Sociologia da Educação. Mas, ao
se constituir como teoria da instrução e do ensino, abstrai das
particularidades de cada matéria para generalizar princípios e
diretrizes para qualquer uma delas.
Em síntese, são temas fundamentais da Didática: os objetivos
sóciopolíticos e pedagógicos da educação escolar, os conteúdos
escolares, os princípios didáticos, os métodos de ensino e de
aprendizagem, as formas organizativas do ensino, o uso e aplicação
de técnicas e recursos, o controle e a avaliação da aprendizagem.
Objeto de estudo: o processo de ensino
O objeto de estudo da Didática é o processo de ensino, campo
principal da educação escolar.
Na medida em que o ensino viabiliza as tarefas da instrução, ele
contém a instrução. Podemos, assim, delimitar como objeto da
Didática o processo de ensino que, considerado no seu conjunto,
inclui: os conteúdos dos programas e dos livros didáticos, os métodos
e formas organizativas do ensino, as atividades do professor e dos
alunos e as diretrizes que regulam e orientam esse processo.
Por que estudar o processo de ensino? Vimos, anteriormente, que
a educação escolar é uma tarefa eminentemente social, pois a
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sociedade necessita prover as gerações mais novas daqueles
conhecimentos e habilidades que vão sendo acumulados pela
experiência social da humanidade. Ora, não é suficiente dizer que os
alunos precisam dominar os conhecimentos; é necessário dizer como
fazê-Io, isto é, investigar objetivos e métodos seguros e eficazes para
a assimilação dos conhecimentos. Esta é a função da Didática, ao
estudar o processo do ensino.
Podemos definir processo de ensino como uma seqüência de
atividades do professor e dos alunos, tendo em vista a assimilação de
conhecimentos e desenvolvimento de habilidades, através dos quais
os alunos aprimoram capacidades cognitivas (pensamento
independente, observação, análise-síntese e outras).
Quando mencionamos que a finalidade do processo de ensino é
proporcionar aos alunos os meios para que assimilem ativamente os
conhecimentos é porque a natureza do trabalho docente é a
mediação da relação cognoscitiva entre o aluno e as matérias de
ensino. Isto quer dizer que o ensino não é só transmissão de
informações mas também o meio de organizar a atividade de estudo
dos alunos. O ensino somente é bem-sucedido quando os objetivos do
professor coincidem com os objetivos de estudo do aluno e é
praticado tendo em vista o desenvolvimento das suas forças
intelectuais.
Ensinar e aprender, pois, são duas facetas do mesmo processo, e
que se realizam em tomo das matérias de ensino, sob a direção do
professor.
Os componentes do processo didático
Quem circula pelos corredores de uma escola, o quadro que
observa é o professor frente a uma turma de alunos, sentados
ordenadamente ou realizando uma tarefa em grupo, para aprender
uma matéria. De fato, tradicionalmente se consideram como
componentes da ação didática a matéria, o professor, os alunos.
Pode-se combinar estes componentes, acentuando-se mais um ou
outro, mas a idéia corrente é a de que o professor transmite a
Profa. Tatiane Lucena
matéria ao aluno. Entretanto, o ensino, por mais simples que possa
parecer à primeira vista, é uma atividade complexa: envolve tanto
condições externas como condições internas das situações didáticas.
Conhecer essas condições e lidar acertadamente com elas é uma das
tarefas básicas do professor para a condução do trabalho docente.
Internamente, a ação didática se refere à relação entre. o aluno
e a matéria, com o objetivo de apropriar-se dela com a mediação do
professor. Entre a matéria, o professor e o aluno ocorrem relações
recíprocas. O professor tem propósitos definidos no sentido de
assegurar o encontro direto do aI uno com a matéria, mas essa
atuação depende das condições internas dos alunos alterando o modo
de lidar com a matéria. Cada situação didática, porém, vincula-se a
determinantes econômico-sociais, sócio-culturais, a objetivos e
normas estabelecidos conforme interesses da sociedade e seus
grupos, e que afetam as decisões didáticas. Consideremos, pois, que
a inter-relação entre professor e alunos não se reduz à sala de aula,
implicando relações bem mais abrangentes:
 Escola, professor, aluno, pais estão inseridos na dinâmica das
relações sociais. A sociedade não é um todo homogêneo, onde
reina a paz e a harmonia. Ao contrário, há antagonismos e
interesses distintos entre grupos e classes sociais que se refletem
nas finalidades e no papel atribuídos à escola, ao trabalho do
professor e dos alunos.
 As teorias da educação e as práticas pedagógicas, os objetivos
educativos da escola e dos professores, os conteúdos escolares, a
relação professor-alunos, as modalidades de comunicação
docente, nada disso existe isoladamente do contexto econômico,
social e cultural mais amplo e que afetam as condições reais em
que se realizam o ensino e a aprendizagem.
 O professor não é apenas professor, ele participa de outros
contextos de relações sociais onde é, também, aluno, pai, filho,
membro de sindicato, de partido político ou de um grupo religioso.
Esses contextos se referem uns aos outros e afetam a atividade
prática do professor. O aluno, por sua vez, não existe apenas como
aluno. Faz parte de um grupo social, pertence a uma farru1ia que
vive em determinadas condições de vida e de trabalho, é branco,
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negro, tem uma determinada idade, possui uma linguagem para
expressar-se conforme o meio em que vive, tem valores e
aspirações condicionados pela sua prática de vida etc.
 A eficácia do trabalho docente depende da filosofia de vida do
professor, de suas convicções políticas, do seu preparo
profissional, do salário que recebe, da sua personalidade, das
características da sua vida familiar, da sua satisfação profissional
em trabalhar com crianças etc. Tudo isto, entretanto, não é uma
questão de traços individuais do professor, pois o que acontece
com ele tem a ver com as relações sociais que acontecem na
sociedade.
Consideremos, assim, que o processo didático está centrado na
relação fundamental entre o ensino e a aprendizagem, orientado
para a confrontação ativa do aluno com matéria sob a mediação do
professor. Com isso, podemos identificar entre os seus elementos
constitutivos: os conteúdos das matérias que devem ser assimilados
pelos alunos de um determinado grau; a ação de ensinar em que o
professor atua como mediador entre o aluno e as matérias; a ação de
aprender em que o aluno assimila consciente e ativamente as
matérias e desenvolve suas capacidade e habilidades. Contudo, estes
componentes não são suficientes para ver o ensino em sua
globalidade. Como vimos, não é uma atividade que se desenvolve
automaticamente, restrita ao que se passa no interior da escola, uma
vez que· expressa finalidades e exigências da prática social, ao
mesmo tempo que se subordina a condições concretas postas pela
mesma prática social que favorecem ou dificultam atingir objetivos.
Entender, pois, o processo didático como totalidade abrangente
implica vincular conteúdos, ensino e aprendizagem a objetivos sóciopolíticos e pedagógicos e analisar criteriosamente o conjunto de
condições concretas que rodeiam cada situação didática. Em outras
palavras, o ensino é um processo social, integrante de múltiplos
processos sociais, nos quais estão implicadas dimensões políticas,
ideológicas, éticas, pedagógicas, frente às quais se formulam
objetivos, conteúdos e métodos conforme opções assumidas pelo
educador, cuja realização está na dependência de condições, seja
aquelas que o educador já encontra seja as que ele precisa
Profa. Tatiane Lucena
transformar ou criar.
Desse modo, os objetivos gerais e específicos são não só um dos
componentes do processo didático como também determinantes das
relações entre os demais componentes. Além disso, a articulação
entre estes depende da avaliação das condições concretas implicadas
no ensino, tais como objetivos e exigências postos pela sociedade e
seus grupos e classes, o sistema escolar, os programas oficiais, a
formação dos professores, as forças sociais presentes na escola
(docentes, pais etc.), os meios de ensino disponíveis, bem como as
características sócio-culturais e individuais dos alunos, as condições
prévias dos alunos para enfrentar o estudo de determinada matéria,
as relações professor-alunos, a disciplina, o preparo específico do
professor para compreender cada situação didática e transformar
positivamente o conjunto de condições para a organização do ensino.
O processo didático, assim, desenvolve-se mediante a ação
recíproca dos componentes fundamentais do ensino: os objetivos da
educação e da instrução, os conteúdos, o ensino, a aprendizagem, (,s
métodos, as formas e meios de organização das condições da situação
didática, a avaliação. Tais são, também, os conceitos fundamentais
que formam a base de estudos da Didática.
Desenvolvimento histórico da Didática e tendências
pedagógicas
A história da Didática está ligada ao aparecimento do ensino - no
decorrer do desenvolvimento da sociedade, da produção e das
ciências como atividade planejada e intencional dedicada à
instrução.
Desde os primeiros tempos existem indícios de formas
elementares de instrução e aprendizagem. Sabemos, por exemplo,
que nas comunidades primitivas os jovens passam por um ritual de
iniciação para ingressarem nas atividades do mundo adulto. Pode-se
considerar esta uma forma de ação pedagógica, embora aí não esteja
presente o "didático" como forma estruturada de ensino.
Na chamada Antiguidade Clássica (gregos e romanos) e no
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período medieval também se desenvolvem formas de ação
pedagógica, em escolas, mosteiros, igrejas, universidades.
Entretanto, até meados do século XVII não podemos falar de Didática
como teoria do ensino, que sistematize o pensamento didático e o
estudo científico das formas de "ensinar.
O termo "Didática" aparece quando os adultos começam a
intervir na atividade de aprendizagem das crianças e jovens através
da direção deliberada e planejada do ensino, ao contrário das formas
de intervenção mais ou menos espontâneas de antes. Estabelecendose uma intenção propriamente pedagógica na atividade de ensino, a
escola se toma uma instituição, o processo de ensino passa a ser
sistematizado conforme níveis, tendo em vista a adequação às
possibilidades das crianças, às idades e ritmo de assimilação dos
estudos.
A formação da teoria didática para investigar as ligações entre
ensino e aprendizagem e suas leis ocorre no século XVII, quando João
Amós Comênio (1592-1670), um pastor protestante, escreve a
primeira obra clássica sobre Didática, a Didacta Magna.
Ele foi o primeiro educador a formular a idéia da difusão dos
conhecimentos a todos e criar princípios e regras do ensino.
Comênio desenvolveu idéias avançadas para a prática educativa
nas escolas, numa época em que surgiam novidades no campo da
Filosofia e das Ciências e grandes transformações nas técnicas de
produção, em contraposição às idéias conservadoras da nobreza e do
clero. O sistema de produção capitalista, ainda incipiente, já
influenciava a organização da vida social, política e cultural.
A Didática de Comênio se assentava nos seguintes princípios:
 A finalidade da educação é conduzir à felicidade eterna com Deus,
pois é uma força poderosa de regeneração da vida humana. Todos
os homens merecem a sabedoria, a moralidade e a religião,
porque todos, ao realizarem sua própria natureza, realizam os
desígnios de Deus. Portanto, a educação é um direito natural de
todos.
 Por ser parte da natureza, o homem deve ser educado de acordo
com o seu desenvolvimento natural, isto é, de acordo com as
características de idade e capacidade para o conhecimento.
Profa. Tatiane Lucena
Conseqüentemente, a tarefa principal da Didática é estudar essas
características e os métodos de ensino correspondentes, de acordo
com a ordem natural das coisas.
 A assimilação dos conhecimentos não se dá instantaneamente,
como se o aluno registrasse de forma mecânica na sua mente a
informação do professor, como o reflexo num espelho. No ensino,
ao invés disso, tem um papel decisivo a percepção sensorial das
coisas. Os conhecimentos devem ser adquiridos a partir da
observação das coisas e dos fenômenos, utilizando e
desenvolvendo sistematicamente os órgãos dos sentidos.
 O método intuitivo consiste, assim, da observação direta, pelos
órgãos dos sentidos, das coisas, para o registro das impressões na
mente do aluno. Primeiramente as coisas, depois as palavras. O
planejamento de ensino deve obedecer o curso da natureza
infantil; por isso as coisas devem ser ensinadas uma de cada vez.
Não se deve ensinar nada que a criança não possa compreender.
Portanto, deve-se partir do conhecido para o desconhecido.
Apesar da grande novidade destas idéias, principalmente dando
um impulso ao surgimento de uma teoria do ensino, Comênio não
escapou de algumas crenças usuais na época sobre ensino. Embora
partindo da observação e da experiência sensorial, mantinha-se o
caráter transmissor do ensino; embora procurando adaptar o ensino
às fases do desenvolvimento infantil, mantinha-se o método único e o
ensino simultâneo a todos. Além disso, sua idéia de que a única via
de acesso dos conhecimentos é a experiência sensorial com as coisas
não é suficiente, primeiro porque nossas percepções freqüentemente
nos enganam, segundo, porque já há uma experiência social
acumulada de conhecimentos sistematizados que não necessitam ser
descobertos novamente.
Entretanto, Comênio desempenhou uma influência considerável,
não somente porque empenhou-se em desenvolver métodos de
instrução mais rápidos e eficientes, mas também porque desejava
que todas as pessoas pudessem usufruir dos benefícios do
conhecimento.
Sabemos que, na história, as idéias, principalmente quando são
muito inovadoras para a época, costumam demorar para terem efeito
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prático. No século XVII, em que viveu Comênio, e nos séculos
seguintes, ainda predominavam práticas escolares da Idade Média:
ensino intelectualista, verbalista e dogmático, memorização e
repetição mecânica dos ensinamentos do professor. Nessas escolas
não havia espaço para idéias próprias dos alunos, o ensino era
separado da vida, mesmo porque ainda era grande o poder da religião
na vida social.
Enquanto isso, porém, foram ocorrendo intensas mudanças nas
formas de produção, havendo um grande desenvolvimento da ciência
e da cultura. Foi diminuindo o poder da nobreza e do clero e
aumentando o da burguesia. Na medida em que esta se fortalecia
como classe social, disputando o poder, econômico e político com a
nobreza, ia crescendo também a necessidade de um ensino ligado às
exigências do mundo da produção e dos negócios e, ao mesmo
tempo, um ensino que contemplasse o livre desenvolvimento das
capacidades e interesses individuais.
Jean Jacques Rousseau (1712-1778) foi um pensador que
procurou interpretar essas aspirações, propondo uma concepção nova
de ensino, baseada nas necessidades e interesses imediatos da
criança.
As idéias mais importantes de Rousseau são as seguintes:
1) A preparação da criança para a vida futura deve basear-se no
estudo das coisas que correspondem às suas necessidades e
interesses atuais. Antes de ensinar as ciências, elas precisam ser
levadas a despertar o gosto pelo seu estudo. Os verdadeiros
professores são a natureza, a experiência e o sentimento. O
contato da criança com o mundo que a rodeia é que desperta o
interesse e suas potencialidades naturais. Em resumo: são os
interesses e necessidades imediatas do aluno que determinam a
organização do estudo e seu desenvolvimento.
2) A educação é um processo natural, ela se fundamenta no
desenvolvimento interno do aluno. As crianças são boas por
natureza, elas têm uma tendência natural para se desenvolverem.
Rousseau não colocou em prática suas idéias e nem elaborou uma
teoria de ensino. Essa tarefa coube a um outro pedagogo suíço,
Henrique Pestalozzi (1746-1827), que viveu e trabalhou até o fim da
Profa. Tatiane Lucena
vida na educação de crianças pobres, em instituições dirigidas por ele
próprio. Deu uma grande importância ao ensino como meio de
educação e desenvolvimento das capacidades humanas, como cultivo
do sentimento, da mente e do caráter.
Pestalozzi atribuía grande importância ao método intuitivo,
levando os alunos a desenvolverem o senso de observação, análise
dos objetos e fenômenos da natureza e a capacidade da linguagem,
através da qual se expressa em palavras o resultado das observações.
Nisto consistia a educação intelectual. Também atribuía importância
fundamental à psicologia da criança como fonte do desenvolvimento
do ensino.
As idéias de Comênio, Rousseau e Pestalozzi influenciaram
muitos outros pedagogos. O mais importante deles, porém, foi
Johann Friedrich Herbart (1766-1841), pedagogo alemão que teve
muitos discípulos e que exerceu influência relevante na Didática e na
prática docente. Foi e continua sendo inspirador da pedagogia
conservadora - conforme veremos - mas suas idéias precisam ser
estudadas por causa da sua presença constante nas salas de aula
brasileiras. Junto com uma formulação teórica dos fins da educação e
da Pedagogia como ciência, desenvolveu uma análise do processo
psicológico-didático de aquisição de conhecimentos, sob a direção dó
professor.
Segundo Herbart, o fim da educação é a moralidade, atingida
através da instrução educativa. Educar o homem significa instruí-Io
para querer o bem, de modo que aprenda a comandar a si próprio. A
principal tarefa da instrução é introduzir idéias corretas na mente
dos alunos. O professor é um arquiteto da mente. Ele deve trazer à
atenção dos alunos aquelas idéias que deseja que dominem suas
mentes. Controlando os interesses dos alunos, o professor vai
construindo uma massa de idéias na mente, que por sua vez vão
favorecer a assimilação de idéias novas. O método de ensinar consiste em provocar a acumulação de idéias na mente da criança.
Herbart estava atrás também da formulação de um método único
de ensino, em conformidade comas leis psicológicas do
conhecimento. Estabeleceu, assim, quatro passos didáticos que
deveriam ser rigorosamente seguidos: o primeiro seria a preparação e
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apresentação da matéria nova de forma clara e completa, que
denominou clareza; o segundo seria a associação entre as idéias
antigas e as novas; o terceiro, a sistematização dos conhecimentos,
tendo em vista a generalização; finalmente, o quarto seria a
aplicação, o uso dos conhecimentos adquiridos através de exercícios,
que denominou método. Posteriormente, os discípulos de Hercart
desenvolveram mais a proposta dos passos formais, ordenando-os em
cinco: preparação, apresentação, assimilação, generalização e
aplicação, fórmula esta que ainda é utilizada pela maioria dos nossos
professores.
O sistema pedagógico de Herbart e seus seguidores – chamados
de herbartianos - trouxe esclarecimentos válidos para a organização
da prática docente, como por exemplo: a necessidade de
estruturação e ordenação do processo de ensino, a exigência de
compreensão dos assuntos estudados e não simplesmente
memorização, o significado educativo da disciplina na formação do
caráter. Entretanto, o ensino é entendido como repasse de idéias do
professor para a cabeça do aluno; os alunos devem compreender o
que o professor transmite, mas apenas com a finalidade de
reproduzir a matéria transmitida. Com isso, a aprendizagem se toma
mecânica, automática, associativa, não mobilizando a atividade
mental, a reflexão e o pensamento independente e criativo dos
alunos.
As idéias pedagógicas de Comênio, Rousseau, Pestalozzi e
Herbart - além de muitos outros que não pudemos mencionar formaram as bases do pensamento pedagógico europeu, difundindose depois por todo o mundo, demarcando as concepções pedagógicas
que hoje são conhecidas como Pedagogia Tradicional e Pedagogia
Renovada.
A Pedagogia Tradicional, em suas várias correntes, caracteriza as
concepções de educação onde prepondera a ação de agentes
externos na formação do aluno, o primado do objeto de
conhecimento, a transmissão do saber constituído na tradição e nas
grandes verdades acumuladas pela humanidade e uma concepção de
ensino como impressão de imagens propiciadas ora pela palavra do
professor ora pela observação sensorial. A Pedagogia Renovada
Profa. Tatiane Lucena
agrupa correntes que advogam a renovação escolar, opondo-se à
Pedagogia Tradicional. Entre as características desse movimento
destacam-se: a valorização da criança, dotada de liberdade,
iniciativa e de interesses próprios e, por isso mesmo, sujeito da sua
aprendizagem e agente do seu próprio desenvolvimento; tratamento
científico do processo educacional, considerando as etapas sucessivas
do desenvolvimento biológico e psicológico; respeito às capacidades
e aptidões individuais, individualização do ensino conforme os ritmos
próprios de aprendizagem; rejeição de modelos adultos em favor da
atividade e da liberdade de expressão da criança.
O movimento de renovação da educação, inspirado nas idéias de
Rousseau, recebeu diversas denominações, como educação nova,
escola nova, pedagogia ativa, escola do trabalho. Desenvolveu-se
como tendência pedagógica no início do século XX, embora nos
séculos anteriores tenham existido diversos filósofos e pedagogos que
propugnavam a renovação da educação vigente, tais como Erasmo,
Rabelais, Montaigne à época do Renascimento e os já citados
Comênio (séc. XVII), Rousseau e Pestalozzi (no séc. XVIII). A
denominação Pedagogia Renovada se aplica tanto ao movimento da
educação nova propriamente dito, que inclui a criação de "escolas
novas", a disseminação da pedagogia ativa e dos métodos ativos,
como também a outras correntes que adotam certos princípios de
renovação educacional mas sem vínculo direto com a Escola Nova;
citamos, por exemplo, a pedagogia científico-espiritual desenvolvida
por W. Dilthey e seus seguidores, e a pedagogia ativista-espiritualista
católica.
Dentro do movimento escolanovista, desenvolveu-se nos Estados
Unidos uma de suas mais destacadas correntes, a Pedagogia
Pragmática ou Progressivista, cujo principal representante é John
Dewey (1859-1952). As idéias desse brilhante educador exerceram
uma significativa influência no movimento da Escola Nova na América
Latina e, particularmente, no Brasil. Com a liderança de Anísio
Teixeira e outros educadores, formou-se no início da década de 30 o
Movimento dos Pioneiros da Escola Nova, cuja atuação foi decisiva na
formulação da política educacional, na legislação, na investigação
acadêmica e na prática escolar.
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Dewey e seus seguidores reagem à concepção herbartiana da
educação pela instrução, advogando a educação pela ação. A escola
não é uma preparação para a vida, é a própria vida; a educação é o
resultado da interação entre o organismo e o meio através da
experiência e da reconstrução da experiência. A função mais genuína
da educação é a de prover condições para promover e estimular a
atividade própria do organismo para que alcance seu objetivo de
crescimento e desenvolvimento. Por isso, a atividade escolar deve
centrar-se em situações de experiência onde são ativadas as potencialidades, capacidades, necessidades e interesses naturais da
criança. O currículo não se baseia nas matérias de estudo
convencionais que expressam a lógica do adulto, mas nas atividades e
ocupações da vida presente, de modo que a escola se transforme
num lugar de vivência daquelas tarefas requeri das para a vida em
sociedade. O aluno e o grupo passam a ser o centro de convergência
do trabalho escolar.
O movimento escolanovista no Brasil se desdobrou em várias
correntes, embora a mais predominante tenha sido a progressivista.
Cumpre destacar a corrente vitalista, representada por Montessori,
as teorias cognitivistas, as teorias fenomenológicas e especialmente a
teoria interacionista baseada na psicologia genética de Jean Piaget.
Em certo sentido, pode-se dizer também que o tecnicismo
educacional representa a continuidade da corrente progressivista,
embora retemperado com as contribuições da teoria behaviorista e
da abordagem sistêmica do ensino.
Uma das correntes da Pedagogia Renovada que não tem vínculo
direto com o movimento da Escola Nova, mas que teve repercussões
na pedagogia brasileira, é a chamada Pedagogia Cultural. Trata-se de
uma tendência ainda pouco estudada entre nós. Sua característica
principal é focalizar a educação como fato da cultura, atribuindo ao
trabalho docente a tarefa de dirigir e encaminhar a formação do
educando pela apropriação de valores culturais. A Pedagogia Cultural
a que nos referimos tem sua afiliação na pedagogia científicoespiritual desenvolvida por Guilherme Dilthey (1833-1911) e seguidores como Theodor Litt, Eduard Spranger e Hermann Nohl.
Tendo-se firmado na Alemanha como uma sólida corrente
Profa. Tatiane Lucena
pedagógica, difundiu-se em outros países da Europa, especialmente
na Espanha, e daí para a América Latina, influenciando autores como
Lorenzo Luzuriaga, Francisco Larroyo, J. Roura-Parella, Ricardo
Nassif e, no Brasil, Luís Alves de Mattos e anofre de Arruda Penteado
Junior. Numa linha distinta das concepções escolanovistas, esses
autores se preocupam em superar as oposições entre a cultura
subjetiva e a cultura objetiva, entre o individual e o social, entre o
psicológico e o cultural. De um lado, concebem a educação como
atividade do próprio sujeito, a partir de uma tendência interna de
desenvolvimento espiritual; de outro, consideram que os indivíduos
vivem num mundo sóciocultural, produto do próprio desenvolvimento
histórico da sociedade. A educação seria, assim, um processo de
subjetivação da cultura, tendo em vista a formação da vida interior,
a edificação da personalidade. A pedagogia da cultura quer unir as
condições externas da vida real, isto é, o mundo objetivo da cultura,
à liberdade individual, cuja fonte é a espiritualidade, a vida interior.
O estudo teórico da Pedagogia no Brasil passa por um
reavivamento, principalmente a partir das investigações sobre
questões educativas baseadas nas contribuições do materialismo
histórico e dialético. Tais estudos convergem para a formulação de
uma teoria crítico-social da educação, a partir da crítica política e
pedagógica das tendências e correntes da educação brasileira.
Tendências pedagógicas no Brasil e a Didática
Nos últimos anos, diversos estudos têm sido dedicados à história
da Didática no Brasil, suas relações com as tendências pedagógicas e
à investigação do seu campo de conhecimentos. Os autores, em
geral, concordam em classificar as tendências pedagógicas em dois
grupos: as de cunho liberal - Pedagogia Tradicional, Pedagogia
Renovada e tecnicismo educacional; as de cunho progressista Pedagogia Libertadora e Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos.
Certamente existem outras correntes vinculadas a uma ou outra
dessas tendências, mas essas são as mais conhecidas.
Na Pedagogia Tradicional, a Didática é uma disciplina normativa,
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um conjunto de princípios e regras que regulam o ensino. A atividade
de ensinar é centrada no professor que expõe e interpreta a matéria.
Às vezes são utilizados meios como a apresentação de objetos,
ilustrações, exemplos, mas o meio principal é a palavra, a exposição
oral. Supõe-se que ouvindo e fazendo exercícios repetitivos, os
alunos "gravam" a matéria para depois reproduzi-Ia, seja através das
interrogações do professor, seja através das provas. Para isso, é
importante que o aluno "preste atenção", porque ouvindo facilita-se o
registro do que se transmite, na memória. O aluno é, assim, um
recebedor da matéria e sua tarefa é decorá-Ia. Os objetivos,
explícitos ou implícitos, referem-se à formação de um aluno ideal,
desvinculado da sua realidade concreta. O professor tende a encaixar
os alunos num modelo idealizado de homem que nada tem a ver com
a vida presente e futura. A matéria de ensino é tratada
isoladamente, isto é, desvinculada dos interesses dos alunos e dos
problemas reais da sociedade e da vida. O método é dado pela lógica
e seqüência da matéria, é o meio utilizado pelo professor para
comunicar a matéria e não dos alunos para aprendê-Ia. É ainda forte
a presença dos métodos intuitivos, que foram incorporados ao ensino
tradicional. Baseiam-se na apresentação de dados sensíveis, de modo
que os alunos possam observá-Ios e formar imagens deles em sua
mente. Muitos professores ainda acham que "partir do concreto" é a
chave do ensino atualizado. Mas esta idéia já fazia parte da
Pedagogia Tradicional porque o "concreto" (mostrar objetos,
ilustrações, gravuras etc.) serve apenas para gravar na mente o que é
captado pelos sentidos. O material concreto é mostrado,
demonstrado, manipulado, mas o aluno não lida mentalmente com
ele, não o repensa, não o reelabora com o seu próprio pensamento. A
aprendizagem, assim, continua receptiva, automática, não
mobilizando a atividade mental do aluno e o desenvolvimento de suas
capacidades intelectuais.
A Didática tradicional tem resistido ao tempo, continua
prevalecendo na prática escolar. É comum nas nossas escolas
atribuir-se ao ensino a tarefa de mera transmissão de conhecimentos,
sobrecarregar o aluno de conhecimentos que são decorados sem
questionamento, dar somente exercícios repetitivos, impor
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externamente a disciplina e usar castigos. Trata-se de uma prática
escolar que empobrece até as boas intenções da Pedagogia
Tradicional que pretendia, com seus métodos, a transmissão da
cultura geral, isto é, das grandes descobertas da humanidade, e a
formação do raciocínio, o treino da mente e da vontade. Os
conhecimentos ficaram estereotipados, insossos, sem valor educativo
vital, desprovidos de significados sociais, inúteis para a formação das
capacidades intelectuais e para a compreensão crítica da realidade.
O intento de formação mental, de desenvolvimento do raciocínio,
ficou reduzido a práticas de memorização.
A Pedagogia Renovada inclui várias correntes: a progressivista
(que se baseia na teoria educacional de John Dewey), a não-diretiva
(principalmente inspirada em Carl Rogers), a ativista-espiritualista
(de orientação católica), a culturalista, a piagetiana, a
montessoriana e outras. Todas, de alguma forma, estão ligadas ao
movimento da pedagogia ativa que surge no final do século XIX como
contraposição à Pedagogia Tradicional. Entretanto, segundo estudo
feito por Castro (1984), os conhecimentos e a experiência da Didática
brasileira pautam-se, em boa parte, no movimento da Escola Nova,
inspirado principalmente na corrente progressivista. Destacaremos,
aqui, apenas a Didática ativa inspirada nessa corrente e a Didática
Moderna de Luís Alves de Mattos, que incluímos na corrente
culturalista.
A Didática da Escola Nova ou Didática ativa é entendida como
"direção da aprendizagem", considerando o aluno como sujeito da
aprendizagem. O que o professor tem a fazer é colocar o aluno em
condições propícias para que, partindo das suas necessidades e
estimulando os seus interesses, possa buscar por si mesmo
conhecimentos e experiências. A idéia é a de que o aluno aprende
melhor o que faz por si próprio. Não se trata apenas de aprender
fazendo, no sentido de trabalho manual, ações de manipulação de
objetos. Trata-se de colocar o aluno em situações em que seja
mobilizada a sua atividade global e que se manifesta em atividade
intelectual, atividade de criação, de expressão verbal, escrita,
plástica ou outro tipo. O centro da atividade escolar não é o
professor nem a matéria, é o aluno ativo e investigador. O professor
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incentiva, orienta, organiza as situações de aprendizagem,
adequando-as às capacidades de características individuais dos
alunos. Por isso, a Didática ativa dá grande importância aos métodos
e técnicas como o trabalho de grupo, atividades cooperativas, estudo
indivieua1, pesquisas, projetos, experimentações etc., bem como aos
métodos de retlexão e método científico de descobrir
conhecimentos. Tanto na organização das experiências de
aprendizagem como na seleção de métodos, importa o processo de
aprendizagem e não diretamente o ensino. O melhor método é
aquele que atende as exigências psicológicas do aprender. Em
síntese, a Didática ativa dá menos atenção aos conhecimentos
sistematizados, valorizando mais o processo da aprendizagem e os
meios que possibilitam o desenvolvimento das capacidades e
habilidades intelectuais dos alunos. Por isso, os adeptos da Escola
Nova costumam dizer que o professor não ensina; antes, ajuda o
aluno a aprender. Ou seja, a Didática não é a direção do ensino, é a
orientação da aprendizagem, uma vez que esta é uma experiência
própria do aluno através da pesquisa, da investigação.
Esse entendimento da Didática tem muitos aspectos positivos,
principalmente quando baseia a atividade escolar na atividade
mental dos alunos, no estudo e na pesquisa, visando a formação de
um pensamento autônomo. Entretanto, é raro encontrar professores
que apliquem inteiramente o que propõe a Didática ativa. Por falta
de conhecimento aprofundado das bases teóricas da pedagogia ativa,
falta de condições materiais, pelas exigências de cumprimento do
programa oficial e outras razões, o que fica são alguns métodos e
técnicas. Assim, é muito comum os professores utilizarem procedimentos e técnicas como trabalho de grupo, estudo dirigido,
discussões, estudo do meio etc., sem levar em conta seu objetivo
principal que é levar o aluno a pensar, a raciocinar cientificamente,
a desenvolver sua capacidade de reflexão e a independência de
pensamento. Com isso, na hora de comprovar os resultados do ensino
e da aprendizagem, pedem matéria decorada, da mesma forma que
se faz no ensino tradicional.
Em paralelo à Didática da Escola Nova, surge a partir dos anos 50
a Didática Moderna proposta por Luís Alves de Mattos. Seu livro
Profa. Tatiane Lucena
Sumário de Didática Geral foi largamente utilizado durante muitos
anos nos cursos de formação de professores e exerceu considerável
influência em muitos manuais de Didática publicados posteriormente.
Conforme sugerimos anteriormente, a Didática Moderna é inspirada
na pedagogia da cultura, corrente pedagógica de origem alemã.
Mattos identifica sua Didática com as seguintes características: o
aluno é o fator pessoal decisivo na situação escolar; em função dele
giram as atividades escolares, para orientá-Io e incentivá-Io na sua
educação e na sua aprendizagem, tendo em vista desenvolver-lhe a
inteligência e formar-lhe o caráter e a personalidade. O professor é o
incentivador, orientador e controlador da aprendizagem, organizando
o ensino em função das reais capacidades dos alunos e do desenvolvimento dos seus hábitos de estudo e reflexão. A matéria é o
conteúdo cultural da aprendizagem, o objeto ao qual se aplica o ato
de aprender, onde se encontram os valores lógicos e sociais a serem
assimilados pelos alunos; está a serviço do aluno para formar as suas
estruturas mentais e, por isso, sua seleção, dosagem e apresentação
vinculam-se às necessidades e capacidades reais dos alunos. O
método representa o conjunto dos procedimentos para assegurar a
aprendizagem, isto é, existe em função da aprendizagem, razão pela
qual, a par de estar condicionado pela natureza da matéria,
relaciona-se com a psicologia do aluno.
Esse autor destaca como conceitos básicos da Didática o ensino e
a aprendizagem, em estreita relação entre si. O ensino é a atividade
direcional sobre o processo de aprendizagem e a aprendizagem é a
atividade mental intensiva e propositada do aluno em relação aos
dados fornecidos pelos conteúdos culturais. Ele escreve: "A autêntica
aprendizagem consiste exatamente nas experiências concretas do
trabalho reflexivo sobre os fatos e valores da cultura e da vida,
ampliando as possibilidades de compreensão e de interação do
educando com seu ambiente e com a sociedade. (...) O autêntico
ensino consistirá no planejamento, na orientação e no controle
dessas experiências concretas de trabalho reflexivo dos alunos, sobre
os dados da matéria ou da vida cultural da humanidade" (1967, pp.
72-73).
Definindo a Didática como disciplina normativa, técnica de
25
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
dirigir e orientar eficazmente a aprendizagem das matérias tendo em
vista os seus objetivos educativos, Mattos propõe a teoria do Ciclo
docente, que é o método didático em ação. O ciclo docente,
abrangendo as fases de planejamento, orientação e controle da
aprendizagem e suas subfases, é definido como "o conjunto de
atividades exercidas, em sucessão ou ciclicamente, pelo professor,
para dirigir e orientar o processo de aprendizagem dos seus alunos,
levando-o a bom termo. É o método em ação".
Quanto ao tecnicismo educacional, embora seja considerada
como uma tendência pedagógica, inclui-se, em certo sentido, na
Pedagogia Renovada. Desenvolveu-se no Brasil na década de 50, à
sombra do progressivismo, ganhando nos anos 60 autonomia quando
constituiu-se especificamente como tendência, inspirada na teoria
behaviorista da aprendizagem e na abordagem sistêmica do ensino.
Esta orientação acabou sendo imposta às escolas pelos organismos
oficiais ao longo de boa parte das duas últimas décadas, por ser
compatível com a orientação econômica, política e ideológica do
regime militar então vigente. Com isso, ainda hoje predomina nos
cursos de formação de professores o uso de manuais didáticos de
cunho tecnicista, de caráter meramente instrumental. A Didática
instrumental está interessada na racionalização do ensino, no uso de
meios e técnicas mais eficazes. O sistema de instrução se compõe das
seguintes etapas: a) especificação de objetivos instrucionais
operacionalizados; b) avaliação prévia dos alunos para estabelecer
pré-requisitos para alcançar os objetivos; c) ensino ou organização
das experiências de aprendizagem; d) avaliação dos alunos relativa
ao que se propôs nos objetivos iniciais. O arranjo mais simplificado
dessa seqüência resultou na fórmula: objetivos, conteúdos, estratégias, avaliação. O professor é um administrador e executor do
planejamento, o meio de previsão das ações a serem executadas e
dos meios necessários para se atingir os objetivos. Boa parte dos
livros didáticos em uso nas escolas são elaborados com base na
tecnologia da instrução.
As tendências de cunho progressista interessadas em propostas
pedagógicas voltadas para os interesses da maioria da população
foram adquirindo maior solidez e sistematização por volta dos anos
Profa. Tatiane Lucena
80. São também denominadas teorias críticas da educação. Não é que
não tenham existido antes esforços no sentido de formular propostas
de educação popular. Já no começo do século formaram-se
movimentos de renovação educacional por iniciativa de militantes
socialistas. Muitos dos integrantes do movimento dos pioneiros da
Escola Nova tinham real interesse em superar a educação elitista e
discriminadora da época. No início dos anos 60 surgiram os movimentos de educação de adultos que geraram idéias pedagógicas e
práticas educacionais de educação popular, configurando a tendência
que veio a ser denominada de Pedagogia Libertadora.
Na segunda metade da década de 70, com a incipiente
modificação do quadro político repressivo em decorrência de lutas
sociais por maior democratização da sociedade, tomou-se possível a
discussão de questões educacionais e escolares numa perspectiva de
crítica política das instituições sociais do capitalismo. Muitos
estudiosos e militantes políticos se interessaram apenas pela crítica e
pela denúncia do papel ideológico e discriminador da escola na
sociedade capitalista. Outros, no entanto, levando em conta essa
crítica, preocuparam-se em formular propostas e desenvolver estudos
no sentido de tomar possível uma escola articulada com os interesses
concretos do povo. Entre essas tentativas destacam-se a Pedagogia
Libertadora e a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos. A primeira
retomou as propostas de educação popular dos anos 60, refundindo
seus princípios e práticas em função das possibilidades do seu
emprego na educação formal escolas públicas, já que inicialmente
tinham caráter extra-escolar e voItadas para o atendimento de
clientela adulta. A segunda, inspirando-se no materialismo histórico
dialético, constituiu-se como movimento pedagógico interessado na
educação popular, na valorização da escola pública e do trabalho do
professor, no ensino de qualidade para o povo e, especificamente, na
acentuação da importância do domínio sólido por parte de
professores e alunos dos conteúdos científicos do ensino como
condição para a participação efetiva do povo nas lutas sociais (na
política, na profissão, no sindicato, nos movimentos sociais e
culturais). Trata-se de duas tendências pedagógicas progressistas,
propondo uma educação escolar crítica a serviço das transformações
26
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
sociais e econômicas, ou seja, de superação das desigualdades sociais
decorrentes das formas sociais capitalistas de organização da
sociedade. No entanto, diferem quanto a objetivos imediatos, meios
e estratégias de atingir essas metas gerais comuns.
A Pedagogia Libertadora não tem uma proposta explícita de
Didática e muitos dos seus seguidores, entendendo que toda didática
resumir-se-ia ao seu caráter tecnicista, instrumental, meramente
prescritivo, até recusam admitir o papel dessa disciplina na formação
dos professores. No entanto, há uma didática implícita na orientação
do trabalho escolar, pois, de alguma forma, o professor se põe diante
de uma classe com a tarefa de orientar a aprendizagem dos alunos. A
atividade escolar é centrada na discussão de temas sociais e
políticos; poder-se-ia falar de um ensino centrado na realidade
social, em que professor e alunos analisam problemas e realidades do
meio sócio-econômico e cultural, da comunidade local, com seus
recursos e necessidades, tendo em vista a ação coletiva frente a
esses problemas e realidades. O trabalho escolar não se assenta,
prioritariamente, nos conteúdos de ensino já sistematizados, mas no
processo de participação ativa nas discussões e nas ações práticas
sobre questões da realidade social imediata. Nesse processo em que
se realiza a discussão, os relatos da experiência vivida, a assembléia,
a pesquisa participante, o trabalho de grupo etc., vão surgindo temas
geradores que podem vir a ser sistematizados para efeito de
consolidação de conhecimentos. É uma didática que busca
desenvolver o processo educativo como tarefa que se dá no interior
dos grupos sociais e por isso o professor é coordenador ou animador
das atividades que se organizam sempre pela ação conjunta dele e
dos alunos.
A Pedagogia Libertadora tem sido empregada com muito êxito
em vários setores dos movimentos sociais, como sindicatos,
associações de bairro, comunidades religiosas. Parte desse êxito se
deve ao fato de ser utilizada entre adultos que vi venciam uma
prática política e onde o debate sobre a problemática econômica,
social e política pode ser aprofundado com a orientação de
intelectuais comprometidos com os interesses populares. Em relação
à sua aplicação nas escolas públicas, especialmente no ensino de 1º
Profa. Tatiane Lucena
grau, os representantes dessa tendência não chegaram a formular
uma orientação pedagógico-didática especificamente escolar, compatível com a idade, o desenvolvimento mental e as características
de aprendizagem das crianças e jovens.
Para a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos a escola pública
cumpre a sua função social e política, assegurando a difusão dos
conhecimentos sistematizados a todos, como condição para a efetiva
participação do povo nas lutas sociais. Não considera suficiente
colocar como conteúdo escolar a problemática social cotidiana, pois
somente com o domínio dos conhecimentos, habilidades e
capacidades mentais podem os alunos organizar, interpretar e
reelaborar as suas experiências de vida em função dos interesses de
classe. O que importa é que os conhecimentos sistematizados sejam
confrontados com as experiências sócio-culturais e a vida concreta
dos alunos, como meio de aprendizagem e melhor solidez na
assimilação dos conteúdos. Do ponto de vista didático, o ensino
consiste na mediação de objetivos-conteúdos-métodos que assegure o
encontro formativo entre os alunos e as matérias escolares, que é o
fator decisivo da aprendizagem.
A Pedagogia Crítico-Social dos conteúdos atribui grande
importância à Didática, cujo objeto de estudo é o processo de ensino
nas suas relações e ligações com a aprendizagem. As ações de ensinar
e aprender formam uma unidade, mas cada uma tem a sua
especificidade. A Didática tem como objetivo a direção do processo
de ensinar, tendo em vista finalidades sócio-políticas e pedagógicas e
as condições e meios formativos; tal direção, entretanto, converge
para promover a auto-atividade dos alunos, a aprendizagem. Com
isso, a Pedagogia Crítico-Social busca uma síntese superadora de
traços significativos da Pedagogia Tradicional e da Escola Nova.
Postula para o ensino a tarefa de propiciar aos alunos o
desenvolvimento de suas capacidades e habilidades intelectuais,
'mediante a transmissão e assimilação ativa dos conteúdos escolares
articulando, no mesmo processo, a aquisição de noções
sistematizadas e as qualidades individuais dos alunos que lhes
possibilitam a auto-atividade e a busca independente e criativa das
noções. Mas trata-se de uma síntese superadora. Com efeito, se a Pe27
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
dagogia define fins e meios da prática educativa a partir dos seus
vínculos com a dinâmica da prática social, importa um
posicionamento dela face a interesses sociais em jogo no quadro das
relações sociais vigentes na sociedade. Os conhecimentos teóricos e
práticos da Didática medeiam os vínculos entre o pedagógico e a
docência; fazem a ligação entre o "para quê" (opções políticopedagógicas) e o "como" da ação educativa escolar (a prática
docente). A Pedagogia Crítico-Social toma o partido dos interesses
majoritários da sociedade, atribuindo à instrução e ao ensino o papel
de proporcionar aos alunos o domínio de conteúdos científicos, os
métodos de estudo e habilidades e hábitos de raciocínio científico,
de modo a irem formando a consciência crítica face às realidades
sociais e capacitando-se a assumir no conjunto das lutas sociais a sua
condição de agentes ativos de transformação da sociedade e de si
próprios.
Esta corrente pedagógica forma a base teórico-metodológica dos
estudos organizados neste livro.
A Didática e as tarefas do professor
Vimos, nos tópicos anteriores, que a Didática é a disciplina que
estuda o processo de ensino tomado em seu conjunto, isto é, os
objetivos educativos e os objetivos de ensino, os conteúdos
científicos, os métodos e as formas de organização do ensino, as
condições e meios que mobilizam o aluno para o estudo ativo e seu
desenvolvimento intelectual. Para isso, investiga as leis e princípios
gerais do ensino e da aprendizagem, conforme as condições
concretas em que se desenvolvem. Os conhecimentos teóricos e
metodológicos, assim como o domínio dos modos do fazer docente,
propiciam uma orientação mais segura para o trabalho profissional do
professor.
O trabalho docente, entendido como atividade pedagógica do
professor, busca os seguintes objetivos primordiais:
 assegurar aos alunos o domínio mais seguro e duradouro possível
dos conhecimentos científicos;
Profa. Tatiane Lucena
 criar as condições e os meios para que os alunos desenvolvam
capacidades e habilidades intelectuais de modo que dominem
métodos de estudo e de trabalho intelectual visando a sua
autonomia no processo de aprendizagem e independência de
pensamento;
 orientar as tarefas de ensino para objetivos educativos de
formação da personalidade, isto é, ajudar os alunos a escolherem
um caminho na vida, a terem atitudes e convicções que norteiem
suas opções diante dos problemas e situações da vida real.
Esses objetivos se ligam uns aos outros, pois o processo de ensino
é ao mesmo tempo um processo de educação. A assimilação dos
conhecimentos e o domínio de capacidades e habilidades somente
ganham sentido se levam os alunos a determinadas atitudes e
convicções que orientem a sua atividade na escola e na vida, que é o
caráter educativo do ensino. A aquisição de conhecimentos e
habilidades implica a educação de traços da personalidade (como
caráter, vontade, sentimentos); estes, por sua vez, influenciam na
disposição dos alunos para o estudo e para a aquisição dos
conhecimentos e desenvolvimento de capacidades.
Para que o professor possa atingir efetivamente os objetivos, é
necessário que realize um conjunto de operações didáticas
coordenadas entre si. São o planejamento, a direção do ensino e da
aprendizagem e a avaliação, cada uma delas desdobrada em tarefas
ou funções didáticas, mas que convergem para a realização do ensino
propriamente dito, ou seja, a direção do ensino e da aprendizagem.
Para o planejamento, requer-se do professor:
 compreensão segura das relações entre a educação escolar e os
objetivos sócio-políticos e pedagógicos, ligando-os aos objetivos
de ensino das matérias;
 domínio seguro do conteúdo das matérias que leciona e sua
relação com a vida e a prática, bem como dos métodos de
investigação próprios da matéria, a fim de poder fazer uma boa
seleção e organização do seu conteúdo, partindo das situações
concretas da escola e da classe;
 capacidade de desmembrar a matéria em tópicos ou unidades
28
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu




Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
didáticas, a partir da sua estrutura conceitual básica; de
selecionar os conteúdos de forma a destacar conceitos e
habilidades que formam a espinha dorsal da matéria;
conhecimento das características sociais, culturais e individuais
dos alunos, bem como o nível de preparo escolar em que se
encontram;
conhecimento e domínio dos vários métodos de ensino e
procedimentos didáticos, a fim de poder escolhê-Ios conforme
temas a serem tratados, características dos alunos;
conhecimento dos programas oficiais para adequá-Ios às
necessidades reais da escola e da turma de alunos;
consulta a outros livros didáticos da disciplina e manter-se bem informados sobre a evolução dos conhecimentos específicos da
matéria e sobre os acontecimentos políticos, culturais etc.
Para a direção do ensino e da aprendizagem requer-se:
 conhecimento das funções didáticas ou etapas do processo de
ensino;
 conhecimento dos princípios gerais da aprendizagem e saber
compatibilizá-Ios com conteúdos e métodos próprios da disciplina;
 domínio de métodos do ensino, procedimentos, técnicas e recursos
auxiliares;
 habilidade de expressar idéias com clareza, falar de modo
acessível à compreensão dos alunos partindo de sua linguagem
corrente;
 habilidade de tomar os conteúdos de ensino significativos, reais,
referindo-os aos conhecimentos e experiências que trazem para a
aula;
 saber formular perguntas e problemas que exijam dos alunos
pensarem por si mesmos, tirarem conclusões próprias;
 conhecimento das possibilidades intelectuais dos alunos, seu nível
de desenvolvimento, suas condições prévias para o estudo de
matéria nova, experiências da vida que trazem;
 provimento de métodos de estudo e hábitos de trabalho
intelectual independente: ensinar o manejo de livro didático, o
Profa. Tatiane Lucena
uso adequado de cadernos, lápis, régua etc.; ensinar
procedimentos para aplicar conhecimentos em tarefas práticas;
 adoção de uma linha de conduta no relacionamento com os alunos
que expresse confiabilidade, coerência, segurança, traços que
devem aliar-se à firmeza de atitudes dentro dos limites da
prudência e respeito; manifestar interesse sincero pelos alunos nos
seus progressos e na superação das suas dificuldades;
 estimular o interesse pelo estudo, mostrar a importância da escola
para a melhoria das condições de vida, para a participação
democrática na vida profissional, política e cultural.
Para a avaliação requer-se:
 verificação contínua do atingimento dos objetivos e do rendimento
das atividades, seja em relação aos alunos, seja em relação ao
trabalho do próprio professor;
 domínio de meios e instrumentos de avaliação diagnóstica, isto é,
colher dados relevantes sobre o rendimento dos alunos, verificar
dificuldades, para tomar decisões sobre o andamento do trabalho
docente, reformulando-o quando os resultados não são
satisfatórios;
 conhecimento das várias modalidades de elaboração de provas e
de outros procedimentos de avaliação de tipo qualitativo.
Estes são alguns dos requisitos de que necessita o professor para
o desempenho de suas tarefas docentes e que formam o campo de
estudo da Didática. Evidentemente, as mesmas expectativas que o
professor tem em relação ao desenvolvimento intelectual dos alunos
aplicam-se a ele próprio. Não pode exigir que os alunos adquiram um
domínio sólido de conhecimentos se ele próprio não domina com
segurança a disciplina que ensina; não pode exigir dos alunos o
domínio de métodos de estudo, das formas científicas de raciocinar e
de hábitos de pensamento independente e criativo, se ele próprio
não os detém. Do mesmo modo, se o professor encaminha o processo
de ensino para objetivos educativos de formação de traços de
personalidade, de aquisição de princípios norteadores da conduta, de
tomada de posição frente aos problemas da realidade, também ele
29
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
Profa. Tatiane Lucena
precisa desenvolver suas próprias qualidades de personalidade, suas
convicções.
A dimensão educativa do ensino que, como dissemos, implica
que os resultados da assimilação de conhecimentos e habilidades se
transformem em princípios e modos de agir frente à realidade, isto é,
em convicções, requerem do professor uma compreensão clara do
significado social e político do seu trabalho, do papel da
escolarização no processo de democratização da sociedade, do
caráter político-ideológico de toda educação, bem como das
qualidades morais da personalidade para a tarefa de educar. Para
além, pois, dos requisitos profissionais específicos, é preciso uma
formação teórica e política que resulte em convicções profundas
sobre a sociedade e as tarefas da educação. Tal é o objetivo de
disciplinas como Filosofia da Educação, Sociologia da Educação,
História da Educação e outras. No seu trabalho cotidiano como
profissional e como cidadão, o professor precisa permanentemente
desenvolver a capacidade de avaliar os fatos, os acontecimentos, os
conteúdos da matéria de um modo mais abrangente, mais
globalizante. Trata-se de um exercício de pensamento constante para
descobrir as relações sociais reais que estão por detrás dos fatos, dos
textos do livro didático, dos discursos, das formas de exercício do
poder. É preciso desenvolver o hábito de desconfiar das aparências,
desconfiar da normalidade das coisas, porque os fatos, os
acontecimentos, a vida do dia-a-dia estão carregados de significados
sociais que não são "normais"; neles estão implicados interesses
sociais diversos e muitas vezes antagônicos dos grupos e classes
sociais.
A Didática, assim, oferece uma contribuição indispensável à
formação dos professores, sintetizando no seu conteúdo a
contribuição de conhecimentos de outras disciplinas que convergem
para o esclarecimento dos fatores condicionantes do processo de
instrução e ensino, intimamente vinculado com a educação e, ao
mesmo tempo, provendo os conhecimentos específicos necessários
para o exercício das tarefas docentes.
30
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
MENEGOLLA, Maximiliano; SANT’ANNA, Ilza Martins.
Plano de disciplina. In: ______. Por que planejar?
Como planejar? 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p.
64-72.
PLANO DE DISCIPLINA
Plano de disciplina é um instrumento para sistematizar a ação
concreta do professor, a fim de que os objetivos da disciplina sejam
atingidos. É a previsão dos conhecimentos e conteúdos que serão
desenvolvidos na sala de aula, a definição dos objetivos mais
importantes, assim como a seleção dos melhores procedimentos e
técnicas de ensino, como também, dos recursos humanos e materiais
que serão usados para um melhor ensino e aprendizagem. Além disso,
o plano de disciplina propõe a determinação das mais eficazes
técnicas e instrumentos de avaliação para verificar o alcance dos
objetivos em relação à aprendizagem.
A partir da Filosofia educacional da escola, dos objetivos
específicos do curso, e dos objetivos da clientela, os professores vão
planejar as suas disciplinas para atender estes aspectos fundamentais
favorecendo, deste modo, um melhor e mais eficaz ensino.
Ao planejar a disciplina, o que o professor realmente faz é
planejar o contexto geral da sua disciplina. Mas este contexto deve
estar intimamente relacionado a ser uma decorrência lógica dos
objetivos dos alunos e da escola. Por isso, deverá expressar uma
unidade de idéias, de princípios e de ação. Ao planejar a disciplina e
os seus conteúdos, o professor sempre deve ter em mente que os
conteúdos são meios para atingir os objetivos, pois eles não são fins.
Portanto, a orientação da ação de planejamento e execução deve
estar fundamentada nos objetivos e não nos conteúdos.
Profa. Tatiane Lucena
1. A importância do plano de disciplina para o professor
Como observamos, anteriormente, toda a pessoa pensa o seu
agir, isto é, ela tenta planejar a sua vida e as suas atividades
particulares e coletivas. Todos pensam no que devem ou no que não
devem fazer. Esta realidade não é apenas um hábito, mas uma
necessidade, não se restringindo apenas a alguns aspectos da vida da
pessoa, mas a todos os setores da vida pessoal e social.
Tudo é sonhado, imaginado, pensado, previsto e planejado para
ser executado. De modo especial, as atividades educacionais e de
ensino exercidas pelos professores, na sala de aula, exigem
pedagogicamente um planejamento.
Sabemos que para os mais diversos setores da vida humana
existem os mais diversos tipos e formas de planejamentos. Devemos
considerar que o planejamento do ato de educar e ensinar não é o
mesmo, podendo divergir, dados os elementos envolvidos no ato de
planejar, como por exemplo a construção de uma casa. Ao planejá-Ia
se pensa em pedra, tijolos, areia, espaço, possibilidades materiais e
outras coisas possíveis de serem manipuladas. Mas, ao se planejar a
educação e o ensino, se deve pensar que os elementos envolvidos vão
ser pessoas, indivíduos ou grupos sociais; por isso, a visão do
planejamento deve ser diferente. A partir dessa realidade, o
professor necessita pensar seriamente e com responsabilidade sobre
a sua ação, isto é, planejar com seriedade e consciência a sua ação.
Pensar antes de agir é um ato de habilidade e de sabedoria. Pois
é de muita importância para o professor planejar, da melhor forma
possível, a sua disciplina, em todos os aspectos.
O planejamento é importante para o professor porque:
- ajuda o professor a definir os objetivos que atendam os reais
interesses dos alunos;
- possibilita ao professor selecionar e organizar os conteúdos
mais significativos para seus alunos;
- facilita a organização dos conteúdos de forma lógica,
obedecendo a estrutura da disciplina;
- ajuda o professor a selecionar os melhores procedimentos e os
recursos, para desencadear um ensino mais eficiente, orientando o
31
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professor no como e com que deve agir;
- ajuda o professor a agir com maior segurança na sala de aula;
- o professor evita a improvisação, a repetição e a rotina no
ensino;
- facilita uma melhor integração com as mais diversas
experiências de aprendizagem;
- facilita a integração e a continuidade do ensino;
- ajuda a ter uma visão global de toda a ação docente e
discente;
- ajuda o professor e os alunos a tomarem decisões de forma
cooperativa e participativa.
2. Características de um plano de disciplina
2.1. Objetividade e realismo
A objetividade é o que deve caracterizar todo e qualquer plano.
Um plano que não seja objetivo e realista se toma inviável,
inexeqüível e obscuro, portanto, impraticável, sem validade e
aplicabilidade.
Objetivo para uma realidade. Ser objetivo é ser realista para
uma situação concreta e determinada, é um dado que todo e
qualquer plano deve seguir para uma realidade concreta. Tal plano
deve expressar com objetividade o que quer atingir, a partir de uma
realidade também objetiva e concreta dos alunos, dos professores,
da escola e da comunidade. Por exemplo, se a escola atende a uma
comunidade periférica, o plano deve ser adequado a esta realidade.
Se ele não atender a esta realidade, não é um plano objetivo e
realista. Nem sempre, um mesmo plano serve para qualquer situação
ou realidade.
A clareza deve ser um elemento essencial nos próprios objetivos,
na determinação exata dos conteúdos mais importantes e nos modos
operacionais. Ela deve se refletir na determinação das técnicas, na
determinação objetiva dos recursos e na definição clara e objetiva do
processo de avaliação.
Profa. Tatiane Lucena
2.2. Funcionalidade
Como o plano é um instrumento orientador para o professor e
para os alunos, ele deve ser o mais possível funcional, para que possa
ser executado com facilidade e objetividade.
Todo o plano de ensino, estruturado de forma complexa, até
pode ser funcional para o professor, mas deficiente para os alunos.
Sendo que os alunos são os principais agentes do plano, este deve ser
prático. Se o plano não for funcional para o professor e para os
alunos, ele não tem valor didático, tornando-se inútil, podendo
dificultar o ensino do professor e a aprendizagem dos alunos. Se o
plano é um guia, ele deve ser um guia claro, objetivo e viável para o
professor e para os alunos. A fim de que possa ser trabalhado numa
realidade e com as condições próprias da mesma. Tal como as
condições da escola, do professor e, principalmente, as condições humanas dos alunos. Se o plano não atender às condições existentes ele
se toma impraticável e inoperante, porque os seus agentes tomam-se
incapazes de trabalhá-Io.
2.3. Simplicidade
O plano de ensino, que orienta toda a linha de ação na sala de
aula, envolve uma série de elementos, como o professor, os alunos,
os conteúdos, as experiências, as atividades, os recursos, o processo
de avaliação e assim por diante; por isso, necessariamente, deverá
ser claro e simples para ser compreensível e viável, pois sua compreensão facilita a sua execução.
É importante, no momento de planejar, tentar evitar toda e
qualquer tendência de complexidade ou rebuscamento pedagógico.
Porque o plano é um meio para simplificar o agir, tomando-o mais
lógico e coerente. Ao se planejar o ensino, devemos nos abster de
certos requintes e modismos didáticos, evitando o uso de
terminologias complexas e sofisticadas, que só servem para encantar
o falso intelectualismo pedagógico de certos professores.
Ao planejarmos, devemos partir da nossa realidade escolar, dos
32
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nossos professores e dos nossos alunos, usando estilos, esquemas e
formas simples; evitando-se todos os enfeites e vedetismos, que
envolvam processos sistêmicos, às vezes desprovidos de qualquer
conteúdo.
Neste enfoque, a simplicidade no ato de planejar e executar o
plano não está ligada à vulgaridade, ou seja, que tal ato seja
simplista, ingênuo e sem conteúdo. A simplicidade não nega a
profundidade, a lógica, a coerência, a objetividade, a validade e a
utilidade. É bem possível tratar de problemas profundos e sérios de
forma objetiva e simples.
O plano pode ser claro e simples na sua estrutura, na sua
organização, na sua dinamicidade e funcionalidade, mas profundo no
seu conteúdo.
2.4. Flexibilidade
A flexibilidade é uma característica de fundamental importância
para os planos de ensino, tomando-os mais realistas e possíveis de
serem adaptados às novas situações não previstas, que possam
ocorrer.
Todo o plano, que não obedecer ao princípio da flexibilidade,
isto é, que não possa ser mudado ou reestruturado, quando
necessário, está fadado ao fracasso, podendo se tomar um meio de
dominação.
Planejar não significa tomar o agir irredutível e imutável.
Planejar é prever, e toda a previsão e prospectiva estão sujeitas a
erros e imprevistos, daí a importância da flexibilidade para se poder
realizar mudanças.
Um plano não deve ser rígido, estar acabado e pronto; pois
previsão é previsão e não uma determinação que exclua mudanças.
Havendo a necessidade de reestruturar um plano, embora esteja
sendo agilizado, não só é possível fazê-Ia como deve ser feita a
mudança.
Toda a vez que se evidenciam possíveis fracassos no ensino, os
professores devem ter a coragem de provocar e realizar mudanças
Profa. Tatiane Lucena
radicais, quando a causa do fracasso residir no plano que está sendo
executado. Principalmente se a ação do plano recair sobre pessoas ou
grupos sociais, pois as pessoas não podem ser manuseadas como
objetos para satisfazerem os planos, é o caso dos professores e dos
seus alunos. As pessoas são, de fato, pontos de referência para a
elaboração de um plano. Ou seja, o plano deve ser elaborado em
função das pessoas, e não o contrário. Com esse procedimento, não
há lei ou norma administrativa ou pedagógica que impeça mudanças.
Por exemplo, se para uma determinada série estivesse
programado um conteúdo X, já previsto no plano curricular, para ser
desenvolvido; mas caso fosse observado, neste meio tempo, a partir
de uma sondagem ou por meio de outras constatações, que os alunos
ainda não estivessem dominando certos conteúdos que deveriam ter
aprendido em séries anteriores, o professor deveria, então, mudar o
seu plano para retomar os conteúdos de uma ou de séries anteriores,
e ensiná-Ios aos alunos.
O professor não pode dizer que o conteúdo é tal, porque assim
foi planejado, pelo fato de que a determinação do planejamento dos
conteúdos reside na realidade dos alunos.
2.5. Utilidade
A utilidade, a validade e a profundidade são princípios que dão
consistência a toda a estrutura do plano, no que diz respeito ao seu
conteúdo e à sua dinâmica.
O plano, no seu contexto geral, poderá, de fato, ajudar, ser útil
e significativo a todos os que nele vão se envolver? Este é um
questionamento que os professores devem fazer.
A utilidade de qualquer plano de ensino vai depender da
possibilidade de transformação e em que nível se processa esta
transformação no aluno. Toda a mudança que não seja significativa e
profunda, ela passa a ser destituída de qualquer significado.
Um plano para ser útil e significativo, antes de tudo, deve ser
constituído de uma seriedade pedagógica, que atenda as reais
urgências e necessidades dos alunos.
33
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
Profa. Tatiane Lucena
Antes de agilizar o plano, os professores devem se perguntar: são
os objetivos propostos e definidos significativos e portadores de
sentido? Apresentam consistência de valores humanos? Apresentam
princípios norteadores que sejam úteis para a pessoa? Expressam
ideais, idéias e princípios válidos para o ser humano, em todas as
suas dimensões? São os conteúdos relacionados e estruturados, no
plano de ensino, conteúdos com conteúdos significativos? Ou serão
meras linguagens, sem seqüência, estrutura e utilidade? Para serem
úteis os conteúdos necessitam de organização e integração de
conceitos, conhecimentos e experiências em relação aos objetivos e
interesses dos alunos.
Se faz mister uma análise profunda destes elementos e das suas
inter-relações, para que de fato possam facilitar a aprendizagem do
aluno e a ação do professor. Tais elementos devem estimular e
desencadear novas e profundas aprendizagens.
Além das outras características, a utilidade requer um
questionamento sério e profundo. Enfim, o que foi planejado só será
válido se for algo importante e útil para o aluno, que tenta buscar,
na escola, a sua formação integral como pessoa humana.
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
ZABALA, Antoni. A avaliação. In: ______. A prática educativa:
como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 195-201.
A AVALIAÇÃO
Por que se deve avaliar? Esclarecimentos prévios sobre a avaliação
Habitualmente, quando se fala de avaliação se pensa, de forma
prioritária ou mesmo exclusiva, nos resultados obtidos pelos alunos.
Hoje em dia, este continua sendo o principal alvo de qualquer
aproximação ao fato avaliador. Os professores, as administrações, os
pais e os próprios alunos se referem à avaliação como o instrumento
ou processo para avaliar o grau de alcance, de cada menino e
menina, em relação a determinados objetivos previstos nos diversos
níveis escolares. Basicamente, a avaliação é considerada como um
instrumento sancionador e qualificador, em que o sujeito da
avaliação é o aluno e somente o aluno, e o objeto da avaliação são as
aprendizagens realizadas segundo certos objetivos mínimos para
todos.
Mesmo assim, já faz muito tempo que, a partir da literatura
pedagógica, as declarações de princípios das reformas educacionais
empreendidas em diferentes países e grupos de educadores mais
inquietos se propõem formas de entender a avaliação que não se
limitam à valoração dos resultados obtidos pelos alunos. O processo
seguido pelos meninos e meninas, o progresso pessoal, o processo
coletivo de ensino / aprendizagem, etc., aparecem como elementos
ou dimensões da avaliação. Deste modo, é possível encontrar
definições de avaliação bastante diferentes e, em muitos casos,
bastante ambíguas, cujos sujeitos e objetos de estudo aparecem de
maneira confusa e indeterminada. Em alguns casos o sujeito da
avaliação é o aluno, em outros é o grupo/classe, ou inclusive o
professor ou professora, ou a equipe docente. Quanto ao objeto da
avaliação, às vezes é o processo de aprendizagem seguido pelo aluno
Profa. Tatiane Lucena
ou os resultados obtidos, enquanto que outras vezes se desloca para
a própria intervenção do professor.
Para esclarecer o alcance das diferentes definições pode ser útil
fazer um quadro de dupla entrada que contenha, por um lado e de
modo separado, o processo de ensino/aprendizagem individual que
segue cada aluno e, por outro lado e para cada um deles, os possíveis
objetos e sujeitos da avaliação.
No Quadro 8.1 podemos ver que toda intervenção educativa na
aula se articula em torno de alguns processos de ensino /
aprendizagem que podem ser analisados desde diferentes pontos de
vista. Examinemos, em primeiro lugar, o processo que cada aluno
segue. Neste caso pode se distinguir entre a maneira como o menino
ou menina está apreendendo e o que faz o professor / a para que
aprenda, quer dizer, o processo de ensino. Apesar de que ensino e
aprendizagem se encontram estreitamente ligados e fazem parte de
uma mesma unidade dentro da aula, podemos distinguir claramente
dois processos avaliáveis: como o aluno aprende e como o professor
ou professora ensina. Portanto, temos dois sujeitos da avaliação, o
que poderíamos denominar uma dupla dimensão, aplicável também
ao processo que todo o grupo / classe segue.
Quadro 8.1
PROCESSO INDIVIDUAL
Sujeito
Aluno/a
Professor / a
ENSINO / APRENDIZAGEM
Objeto
Processo aprendizagem
Processo ensino
PROCESSO GRUPAL
Sujeito
Grupo / classe
Equipe docente
ENSINO / APRENDIZAGEM
Objeto
Processo aprendizagem
Processo ensino
No entanto, as definições mais habituais da avaliação remetem a
um todo indiferenciado, que inclui processos individuais e grupais, o
aluno ou a aluna e os professores. Este ponto de vista é plenamente
justificável, já que os processos que têm lugar na aula são processos
globais em que é difícil, e certamente desnecessário, separar
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Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
claramente os diferentes elementos que os compõem. Nossa tradição
avaliadora tem se centrado exclusivamente nos resultados obtidos
pelos alunos. Assim, é conveniente dar-se conta de que ao falar de
avaliação na aula pode se aludir particularmente a algum dos
componentes do processo de ensino / aprendizagem, como também a
todo o processo em sua globalidade.
Talvez a pergunta que nos permita esclarecer em cada momento
qual deve ser o objeto e o sujeito da avaliação seja aquela que
corresponde aos próprios fins do ensino: por que temos que avaliar?
Certamente, a partir da resposta a esta pergunta surgirão outras, por
exemplo, o que se tem que avaliar, a quem se tem que avaliar, como
se deve avaliar, como temos que comunicar o conhecimento obtido
através da avaliação, etc.
Neste capítulo, formularemos estas questões e tentaremos
encontrar respostas. Posto que se trata de um tema polêmico, que
pode ser enfocado de diferentes perspectivas, não pretendemos
trazer soluções definitivas mas sim coerentes com os marcos de
referência que formos adotando.
Quem e o que se deve avaliar?
Os sujeitos e os objetos da avaliação
Como em outras variáveis do ensino, e como já dissemos reiteradamente em outros itens deste livro, muitos dos problemas de
compreensão do que acontece nas escolas não se devem tanto às
dificuldades reais. Devem-se mais aos hábitos e costumes acumulados
de uma tradição escolar, cuja função básica foi seletiva e
propedêutica. Numa concepção do ensino centrado na seleção dos
alunos mais preparados para continuar a escolarização até os estudos
universitários, é lógico que o sujeito de avaliação seja o aluno e que
se considerem objeto da avaliação as aprendizagens alcançadas em
relação às necessidades futuras que foram estabelecidas - as
universitárias. Desta forma se dá prioridade a uma clara função
sancionadora: qualificar e sancionar desde pequenos aqueles que
podem triunfar nesta carreira até a universidade.
Profa. Tatiane Lucena
No entanto, podemos entender que a função social do ensino não
consiste apenas em promover e selecionar os "mais aptos" para a
universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade.
Quando a formação integral é a finalidade principal do ensino e,
portanto, seu objetivo é o desenvolvimento de todas as capacidades
da pessoa e não apenas as cognitivas, muitos dos pressupostos da
avaliação mudam. Em primeiro lugar, e isto é muito importante, os
conteúdos de aprendizagem a serem avaliados não serão unicamente
conteúdos associados às necessidades do caminho para a
universidade. Será necessário, também, levar em consideração os
conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que promovam
as capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de
relação interpessoal e de inserção sócia. Uma opção desta natureza
implica uma mudança radical na maneira de conceber a avaliação,
posto que o ponto de vista já não é seletivo, já não consiste em ir
separando os que não podem superar distintos obstáculos, mas em
oferecer a cada um dos meninos e meninas a oportunidade de
desenvolver, no maior grau possível, todas suas capacidades. O
objetivo do ensino não centra sua atenção em certos parâmetros
finalistas para todos, mas nas possibilidades pessoais de cada um dos
alunos.
O problema não está em como conseguir que o máximo de
meninos e meninas tenham acesso à universidade, mas em como
conseguir desenvolver ao máximo todas as suas capacidades, e entre
elas, evidentemente, aquelas necessárias para chegar a serem bons
profissionais. Tudo isto, envolve mudanças substanciais nos
conteúdos da avaliação e no caráter e na forma das informações que
devem se proporcionar sobre o conhecimento= que se tem das
aprendizagens realizadas, considerando as capacidades previstas. Por
enquanto, digamos unicamente que se trata de informações
complexas, que não combinam com um tratamento estritamente
quantitativo; se referem a valorações e indicadores personalizados
que raramente podem se traduzir em notas e qualificações clássicas.
36
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
Avaliação Formativa: Inicial, Reguladora, Final Integradora
A tomada de posição em relação às finalidades do ensino,
relacionada a um modelo centrado na formação integral da pessoa,
implica mudanças fundamentais, especialmente nos conteúdos e no
sentido da avaliação. Além do mais, quando na análise da avaliação
introduzimos a concepção construtivista do ensino e a aprendizagem
como referencial psicopedagógico, o objeto da avaliação deixa de se
centrar exclusivamente nos resultados obtidos e se situa
prioritariamente no processo de ensino / aprendizagem, tanto do
grupo / classe como de cada um dos alunos. Por outro lado, o sujeito
da avaliação não apenas se centra no aluno, como também na equipe
que intervém no processo.
Como pudemos observar, procedemos de uma tradição educacional prioritariamente uniformizadora, que parte do princípio de
que as diferenças entre os alunos das mesmas idades não são motivo
suficiente para mudar as formas de ensino, mas que constituem uma
evidência que valida a função seletiva do sistema e, portanto, sua
capacidade para escolher os melhores. A uniformidade é um valor de
qualidade do sistema, já que é o que permite reconhecer e validar os
que servem. Quer dizer, são bons alunos aqueles que se adaptam a
um ensino igual para todos; não é o ensino quem deve se adaptar às
diferenças dos alunos.
O conhecimento que temos sobre como se produzem as aprendizagens revela a extraordinária singularidade destes processos, de tal
maneira que cada vez é mais difícil estabelecer propostas universais
que vão além da constatação destas diferenças e singularidades. O
fato de que as experiências vividas constituam o valor básico de
qualquer aprendizagem obriga a levar em conta a diversidade dos
processos de aprendizagem e, portanto, a necessidade de que os
processos de ensino, e especialmente os avaliadores, não apenas os
observem, como os tomem como eixo vertebrador (Quadro 8.2).
Profa. Tatiane Lucena
Quadro 8.2
Função social e
aprendizagem
Objeto
Seletiva e
propedêutica,
Resultados
Uniformizador e
transmissor
Formação integral
At, diversidade
construtivo
Processo
Sujeito
Referencial Avaliação
Alunos
Disciplinas
Alunos/
Capacidades
professores
Informe
Sanção
Quantitativo
Ajuda
Descritivo/
interpretativo
Sob uma perspectiva uniformizadora e seletiva, o que interessa
são determinados resultados em conformidade com certos níveis
predeterminados. Quando o ponto de partida é a singularidade de
cada aluno, é impossível estabelecer níveis universais. Aceitamos que
cada aluno chega à escola com uma bagagem determinada e
diferente em relação às experiências vividas, conforme o ambiente
sócio-cultural e familiar em que vive, e condicionado por suas
características pessoais. Esta diversidade óbvia implica a
relativização de duas das invariáveis das propostas uniformizadoras os objetivos e os conteúdos e a forma de ensinar - e a exigência de
serem tratadas em função da diversidade dos alunos. Portanto, a
primeira necessidade do educador é responder às perguntas: que
sabem os alunos em relação ao que quero ensinar? Que experiências
tiveram? O que são capazes de aprender? Quais são seus interesses?
Quais são seus estilos de aprendizagem? Neste marco a avaliação já
não pode ser estática, de análise de resultado, porque se torna um
processo. E uma das primeiras fases do processo consiste em
conhecer o que cada um dos alunos sabe, sabe fazer e é, e o que
pode chegar a saber, saber fazer ou ser, e como aprendê-lo. A
avaliação é um processo em que sua primeira fase se denomina
avaliação inicial.
O conhecimento do que cada aluno sabe, sabe fazer e como é, é
o ponto de partida que deve nos permitir, em relação aos objetivos e
conteúdos de aprendizagem previstos, estabelecer o tipo de
37
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
atividades e tarefas que têm que favorecer a aprendizagem de cada
menino e menina. Assim, pois, nos proporciona referências para
definir uma proposta hipotética de intervenção, a organização de
uma série de atividades de aprendizagem que, dada nossa
experiência e nosso conhecimento pessoais, supomos que
possibilitará o progresso dos alunos. Mas não é mais do que uma
hipótese de trabalho, já que dificilmente a resposta a nossas
propostas será sempre a mesma, nem a que nós esperamos. A
complexidade do fato educacional impede dar, como respostas
definitivas, soluções que tiveram bom resultado anteriormente. Não
apenas 03 alunos são diferentes em cada ocasião, como as
experiências educacionais também são diferentes e não se repetem.
Isto supõe que, no processo de aplicação, em aula, do plano de
intervenção previsto, será necessário adequar às necessidades de
cada aluno as diferentes variáveis educativas: as tarefas e as
atividades, seu conteúdo, as formas de agrupamento, os tempos, etc.
Conforme se desenvolva o plano previsto e conforme a resposta dos
meninos e meninas a nossas propostas, haverá que ir introduzindo
atividades novas que comportem desafios mais adequados e ajudas
mais contingentes. O conhecimento de como cada aluno aprende ao
longo do processo de ensino / aprendizagem, para se adaptar às
novas necessidades que se colocam, é o que podemos denominar
avaliação reguladora.
Alguns educadores, e o próprio vocabulário da Reforma, utilizam
o termo de avaliação formativa. Pessoalmente, para designar este
processo prefiro usar o termo avaliação reguladora, já que explica
melhor as características de adaptação e adequação. Ao mesmo
tempo, esta opção permite reservar o termo formativo para uma
determinada concepção da avaliação em geral, entendida como
aquela que tem como propósito a modificação e a melhora contínua
do aluno que se avalia; quer dizer, que entende que a finalidade da
avaliação é ser um instrumento educativo que informa e faz uma
valoração do processo de aprendizagem seguido pelo aluno, com o
objetivo de lhe oportunizar, em todo momento, as propostas
educacionais mais adequadas.
O conjunto de atividades de ensino/aprendizagem realizadas
Profa. Tatiane Lucena
permitiu que cada aluno atingisse os objetivos previstos num
determinado grau. A fim de validar as atividades realizadas, conhecer
a situação de cada aluno e poder tomar as medidas educativas
pertinentes, haverá que sistematizar o conhecimento do progresso
seguido. Isto requer, por um lado, apurar os resultados obtidos - quer
dizer, as competências conseguidas em relação aos objetivos
previstos - e, por outro, analisar o processo e a progressão que cada
aluno seguiu, a fim de continuar sua formação levando em conta a
suas características específicas.
Seguidamente o conhecimento dos resultados obtidos é
designado com o termo avaliação final ou avaliação somativa.
Pessoalmente, acho que a utilização conjunta dos dois termos é
ambígua e não ajuda a identificar ou diferenciar estas duas
necessidades: o conhecimento do resultado obtido e a análise do
processo que o aluno seguiu. Prefiro utilizar o termo avaliação final
para me referir aos resultados obtidos e aos conhecimentos
adquiridos, e reservar o termo avaliação somativa ou integradora
para o conhecimento e a avaliação de todo o percurso do aluno.
Assim, esta avaliação somativa ou integradora é entendida como um
informe global do processo que, a partir do conhecimento inicial
(avaliação inicial), manifesta a trajetória seguida pelo aluno, as
medidas específicas que foram tomadas, o resultado final de todo o
processo e, especialmente, a partir deste conhecimento, as previsões
sobre o que é necessário continuar fazendo ou o que é necessário
fazer de novo.
No Quadro 8.1, no começo deste tópico, situamos os quatro
possíveis objetos da avaliação (processo de aprendizagem individual,
aprendizagem do grupo, ensino individual e ensino do grupo) e os
quatro sujeitos da avaliação (o aluno/a, o grupo/ classe, o
professor/a e a equipe docente). Na descrição que fizemos das
diferentes fases da avaliação (inicial, reguladora ou formativa, final e
integradora), os diferentes objetos e sujeitos se confundem, já que
não fica muito claro, desde o princípio, qual é a intencionalidade da
avaliação.
Por que avaliar? O aperfeiçoamento da prática educativa é o
objetivo básico de todo educador. E se entende este
38
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
Profa. Tatiane Lucena
aperfeiçoamento como meio para que todos os alunos consigam o
maior grau de competências, conforme suas possibilidades reais. O
alcance dos objetivos por parte de cada aluno é um alvo que exige
conhecer os resultados e os processos de aprendizagem que os alunos
seguem. E para melhorar a qualidade do ensino é preciso conhecer e
poder avaliar a intervenção pedagógica dos professores, de forma
que a ação avaliadora observe simultaneamente os processos
individuais e os grupais. Referimo-nos tanto aos processos de
aprendizagem como aos de ensino, já que, desde uma perspectiva
profissional o conhecimento de como os meninos e meninas
aprendem é, em primeiro lugar, um meio para ajudá-Ias em seu
crescimento e, em segundo lugar, é o instrumento que tem que nos
permitir melhorar nossa atuação na aula.
ESQUEMA DE AVALIAÇÃO FORMATIVA
Avaliação inicial, planejamento, adequação do plano (avaliação
reguladora), avaliação final, avaliação integradora.
A partir de uma opção que contempla como finalidade
fundamental do ensino a formação integral da pessoa, e conforme
uma concepção construtivista, a avaliação sempre tem que ser
formativa, de maneira que o processo avaliador, independentemente
de seu objeto de estudo, tem que observar as diferentes fases de
uma intervenção que deverá ser estratégica. Quer dizer, que permita
conhecer qual é a situação de partida, em função de determinados
objetivos gerais bem definidos (avaliação inicial); um planejamento
da intervenção fundamentado e, ao mesmo tempo, flexível,
entendido como uma hipótese de intervenção; uma atuação na aula,
em que as atividades e tarefas e os próprios conteúdos de trabalho se
adequarão constantemente (avaliação reguladora) às necessidades
que vão se apresentando para chegar a determinados resultados
(avaliação final) e a uma compreensão e valoração sobre o processo
seguido, que permita estabelecer novas propostas de intervenção
(avaliação integradora).
39
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MAHEU, Cristina D’Ávila. Interdisciplinaridade e mediação
pedagógica. Disponível em: <http://www.nuppead.unifacs.br/
artigos/Interdisciplinaridade.pdf>. Acesso em: 27. set. 2007.
INTERDISCIPLINARIDADE E MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA
Antes mesmo do conceito, interdisciplinaridade tem sido uma
palavra mal compreendida nos meios acadêmicos. Fala-se muito em
interdisciplinaridade, até para se emprestar um significado mais
burilado aos projetos em educação, mas a ação pedagógica
propriamente interdisciplinar tem sido relegada às praticas multie
pluridisciplinares.
Em
poucas
palavras,
a
multi
e
a
pluridisciplinaridade referem-se à justaposição de duas ou mais
disciplinas de um curso, sem que sejam definidos objetivos
pedagógicos comuns, portanto, sem que haja interconexão entre as
disciplinas. O resultado de práticas dessa natureza tem sido, muitas
vezes,
desastroso:
o
esfacelamento
de
conteúdos,
o
descontentamento de alunos e professores que perdem o norte da
ação, a improvisação e os maus resultados escolares.
Podemos mesmo afirmar que a indefinição sobre o termo
interdisciplinaridade é precedida pela incompreensão do conceito de
disciplina. Com efeito, disciplina vem a ser uma parte desse todo
complexo e sincrético a que chamamos conhecimento da realidade.
Do ponto de vista epistemológico, disciplina vem a ser:
“Domínio estruturado do saber que possui um objeto de
estudo próprio, um esquema conceitual, um vocabulário
especializado e, ainda, um conjunto de postulados,
conceitos, fenômenos particulares, métodos e leis.
Conjunto específico de conhecimentos que têm
características próprias sob o plano do ensino, da
formulação, dos métodos e das matérias”.
Profa. Tatiane Lucena
A etimologia da palavra é a base substancial para a
compreensão do seu significado e, por conseguinte, do seu conceito.
Assim, para darmos conta do esclarecimento do conceito (que vem a
ser uma abstração do real), recorremos ao significado do signo
lingüístico: do latim discere, disciplina quer dizer aprender e, de seu
derivado, discipulus, aquele que aprende. Disciplina significa
também, no campo da pedagogia, um conjunto de normas de conduta
estabelecidas com vistas a manter a ordem e o desenvolvimento
normal das atividades numa classe ou numa escola.
Todavia, do ponto de vista da ciência, disciplina é um tipo de
saber específico e possui um objeto determinado e reconhecido, bem
como conhecimentos e saberes relativos a este objeto e métodos
próprios. A noção de disciplina científica (diferentemente da
disciplina escolar) está ligada, pois, ao conhecimento científico.
Constitui-se a partir de uma determinada subdivisão de um domínio
específico do conhecimento. A tentativa de estabelecer relações
entre as disciplinas é que dá origem ao que chamamos
interdisciplinaridade.
O saber escolar e, por conseqüência, as disciplinas escolares
não se constituem de uma transposição direta do saber científico ou
do saber erudito para as matérias escolares. Representam um
conhecimento organizado e ordenado didaticamente, classificado por
graus de dificuldades e dirigidos a públicos com idades e capacidades
cognitivas diferenciadas. Portanto, as finalidades e os objetos das
disciplinas escolares são completamente diferentes dos referenciais
das disciplinas científicas. A lógica científica é compartilhada pelos
dois tipos de disciplina, mas isso não as torna idênticas.
A interdisciplinaridade, assim como a disciplinaridade, pode
ser, na origem, científica ou, por sua aplicabilidade na prática
escolar, pedagógica. Com efeito:
“A disciplinaridade e ensino por disciplinas dissociadas se
constrói mediante a aplicação dos princípios da
delimitação interna, da fixidez no objeto próprio de
análise, pela decomposição de problemas em partes
separadas e sua ordenação posterior, pelo raciocínio
40
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lógico formal (Descartes), caracterizado pela regra da
exclusão do que é, e do que não é (princípio da certeza).
Por conseguinte, constitui numa visão limitada para
orientar a compreensão da realidade complexa dos
tempos modernos e da atuação em seu contexto” (Luck,
1994 : 49).
Inicialmente devemos afirmar
que o conceito de
interdisciplinaridade só pode ser compreendido no contexto
disciplinar. Com efeito, a interdisciplinaridade pressupõe a existência
de inter-relações entre duas ou mais disciplinas; interdisciplinaridade
significa, portanto, a essência dessa relação.
BREVE HISTÓRICO DA INTERDISCIPLINARIDADE
A idéia de repartição do saber aparece desde a Antigüidade
clássica, quando se separava as humanidades das ciências, separação
esta que correspondia à divisão entre o trivium (gramática, retórica e
lógica) e o quadrivium (geometria, aritmética, música e astronomia),
formando assim as sete artes liberais. A diferenciação dos saberes
nos tempos antigos não significava um rompimento; as ciências não
eram vistas como fragmentos do saber. Antes, compunham ligações,
como no caso da matemática e da música juntas, da filosofia e da
física que formavam a “filosofia natural” etc. A separação das
disciplinas científicas da filosofia é um fenômeno que se torna agudo
sobretudo no séc. XIX, com o advento do positivismo. Como disse
Schwartzman (1997):
“Com o tempo, no entanto, as diferenças foram-se
aprofundando, não só pela quantidade de informação e
especialização que cada uma requeria como principalmente pela
diferença de estilos cognitivos e modelos intelectuais típicos das
“duas culturas” do conhecimento.
“De um lado, uma cultura baseada no uso extenso de
várias línguas e na familiaridade com tradições literárias
extensas e sutis; do outro, o uso do raciocínio abstrato e
dedutivo, a organização sistemática das informações, o
Profa. Tatiane Lucena
uso cada vez maior de instrumentos e a manipulação
direta da natureza” (Schwartzman, 1997: 60).
A epistemologia positivista (cuja idéia central concedia ao fato
observável a autoridade da “verdade científica”) dá lugar às
reflexões sobre a fragmentação das ciências. Portanto, as discussões
sobre a temática não são nada recentes.
De forma mais concreta, entretanto, o movimento
interdisciplinar surge na Europa (França e Itália) em idos dos anos 60,
mesma época dos movimentos estudantis franceses de cunho
marxista, que reivindicavam mudanças estruturais nas instituições
escolares. É nessa época, portanto, que as críticas contra um saber
oferecido em “migalhas” se fez ecoar. Diz Ivani Fazenda (1995):
“Esse posicionamento nasceu como oposição a todo o
conhecimento
que
privilegiava
o
capitalismo
epistemológico de certas ciências, como oposição à
alienação da academia às questões da cotidianeidade, às
organizações curriculares que evidenciavam a excessiva
especialização e a toda e qualquer proposta de
conhecimento que incitava o olhar do aluno numa única,
restrita e limitada direção, a uma patologia do saber”
(Fazenda, 1995: 19).
A discussão teórica nesta época sobre o papel humanista da
ciência acabou por encaminhar as primeiras discussões sobre a
interdisciplinaridade.
Gusdorf (1978) inaugura as reflexões sobre o tema a partir da
categoria de totalidade, quando apresentou um projeto de pesquisa
interdisciplinar à UNESCO em 1961. O autor previa a diminuição da
distância teórica entre as ciências humanas no seu projeto. Desde
muito tempo, Marx já sustentava a historicidade como fundamento
das ciências. Para ele a totalidade seria alcançada através do
referencial histórico.
A epistemologia construtivista de Piaget busca o
desvendamento do processo de construção do conhecimento,
fundamentando assim, a unidade das ciências. Para Piaget (1972) a
interdisciplinaridade é uma forma de pensar e uma forma de se
41
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alcançar a transdisciplinaridade (que ultrapassa a integração e
reciprocidade entre as ciências e se transpõe para um espaço onde
desapareceriam as fronteiras entre as ciências.
A década de 70 no Brasil representou o período filosófico de
explicitações terminológicas neste campo. Nesse período, Hilton
Japiassú se ocupou do ideário interdisciplinar no terreno
epistemológico e Ivani Fazenda, no campo da educação.
Nesse período Hilton Japiassú publicava um livro, apresentando
uma síntese das principais questões interdisciplinares e anuncia os
pressupostos de uma metodologia interdisciplinar. Para ele, essa
metodologia consistia em tornar possível um projeto interdisciplinar
para as ciências humanas, a partir dos recursos disponíveis para este
fim. Portanto, ele cuidava das condições de realização de um projeto
dessa natureza para as ciências humanas, estudando as relações e
inter-relações entre as ciências.
Ivani Fazenda desenvolveu sua pesquisa de mestrado a partir
dos estudos de Japiassú e de outros estudiosos europeus Nesse estudo
buscou conceituar a interdisciplinaridade numa época de reformas
educacionais no Brasil (1973). A autora vislumbrou o caos em que
estava mergulhada a educação escolar brasileira naquele período, o
que se reflete, sobremaneira até os nossos dias.
A década de 80 caracterizou-se como um período de discussão
sobre a interdisciplinaridade e sua ocupação nas ciências humanas e
na educação. Diversas práticas interdisciplinares já se desenvolviam
em algumas instituições de ensino. Foi o que registrou Ivani Fazenda
em pesquisas realizadas em dois períodos – 1987 a 1989 e entre 1989
a 1991. Suas pesquisas revelaram características interessantes do
professor interdisciplinar, como pesquisador, alto grau de
comprometimento para com a aprendizagem dos alunos, utilização
de novos procedimentos de ensino, etc. No segundo trabalho, buscou
desenvolver uma metodologia de trabalho interdisciplinar e seu
principal objetivo residia na conscientização do professor como
sujeito de sua própria ação.
A autora registrou várias práticas pedagógicas de professores
desde a pré-escola até o nível superior. Esse memorial de
Profa. Tatiane Lucena
experiências interdisciplinares, permitiu-lhe a construção de um
denso quadro de referência na área.
A partir de 1990 instaurou-se o modismo interdisciplinar no
Brasil. Muitas práticas intuitivas se fizeram e ainda se fazem
presentes, o que impulsiona estudos e pesquisas visando ainda
esclarecer a temática. Ivani Fazenda comenta:
“O número de projetos educacionais que se intitulam
interdisciplinares vem aumentando no Brasil, numa
progressão geométrica, seja em instituições públicas ou
privadas, em nível de escola ou de sistema de ensino.
Surgem da intuição ou da moda, sem lei, sem regras,
sem intenções explícitas, apoiando-se numa literatura
provisoriamente difundida” (Fazenda, 1995: 34).
O problema é quando se nega todo e qualquer caminho
pedagógico já percorrido desde décadas em nome de uma prática
sem grandes fundamentos. Este é um bom momento para se propiciar
tal discussão.
INTRA, PLURI, MULTI E INTERDISCIPLINARIDADE
Uma prática pedagógica interdisciplinar pode vir a utilizar-se,
num primeiro momento, de uma ação intradisciplinar, ou seja, do
estabelecimento de relações entre uma matéria (disciplina-mãe,
matriz) e demais disciplinas aplicadas. A intradisciplinaridade
corresponde, pois, às relações intrínsecas entre a matéria e as
disciplinas que derivam da primeira. Assim por exemplo, nas ciências
da educação, a História pode ser concebida como matéria (matriz) e
a História Universal da Educação e História da Educação Brasileira,
como disciplinas derivadas, aplicadas. A intradisciplinaridade vem a
ser, portanto, uma etapa a ser desencadeada no processo pedagógico
interdisciplinar.
Para Japiassu (1976), a diferença entre pluridisciplinaridade e
multidisciplinaridade é quase nula. A multidisciplinaridade se
resumiria a um conjunto de disciplinas a serem trabalhadas
simultaneamente, sem que as relações entre as partes sejam
42
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explícitas por meio de objetivos pedagógicos claros e bem definidos.
A pluridisciplinaridade, para o autor, diz respeito à justaposição de
diversas disciplinas “situadas geralmente no mesmo nível hierárquico
e agrupadas de modo a fazer aparecer as relações existentes entre
elas; [...] interdisciplinaridade é a axiomática comum a um grupo de
disciplinas conexas e definida no nível hierárquico imediatamente
superior, o que introduz noção de finalidade” (Japiassu, 1976, apud
Gadotti, 2000 : 224).
O conceito de transdisciplinaridade também tem sido
extremamente confundido nos meios acadêmicos. Para Gadotti:
“Nas ciências da educação, a transdisciplinaridade
entendida como a coordenação de todas as disciplinas
interdisciplinas do sistema de ensino inovado sobre
base de uma axiomática geral, ética, política
antropológica” (Gadotti, 2000 : 224).
é
e
a
e
Isto posto, interdisciplinaridade vem a ser o resultado da
articulação entre duas ou mais disciplinas com objetivos pedagógicos
comuns, já que as disciplinas não podem ser consideradas como ilhas
isoladas num arquipélago perdido. São, nessa perspectiva, a unidade
do saber que se realiza na especificidade de cada uma das
disciplinas.
INTERDISCIPLINARIDADE ESCOLAR E MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA
Consideraremos,
como
tipologia,
dois
modelos
interdisciplinares: o científico e o escolar. O científico refere-se
àquela categoria mais geral de ciência e antecede, por definição, a
prática puramente escolar. A interdisciplinaridade escolar,
compreendida no seu âmago, diz respeito à atualização pedagógica,
na sala de aula e na instituição escolar, das articulações, relações de
interdependência e complementaridade entre as disciplinas do
currículo.
Profa. Tatiane Lucena
Yves Lenoir (1997) distingue em 3 a tipologia interdisciplinar do
ponto de vista escolar: a interdisciplinaridade curricular, a
interdisciplinaridade didática e a pedagógica.
À interdisciplinaridade curricular corresponderia uma dimensão
mais ampla, capaz de açambarcar a interdisciplinaridade didática –
onde repousa a idéia de planejamento da organização, da prática e
da avaliação educativa – e a interdisciplinaridade pedagógica –
caracterizada
pela
atualização
em
sala
de
aula
da
interdisciplinaridade didática.
Por considerarmos excessiva tal tipologia, ainda que
esclarecedora, optamos por explicar, no seio da interdisciplinaridade
escolar, as interfaces entre a interdisciplinaridade curricular e a
pedagógica, detendo-nos, prioritariamente, sobre a segunda
abordagem.
Para além da mera integração de conhecimentos, a
interdisciplinaridade pedagógica supõe a produção de síntese
superadoras, sublinhando, assim, a relação dialética entre dimensões
antes dicotômicas do conhecimento: teoria/prática; conteúdo/forma;
ação/reflexão; homem/sociedade, etc. A construção contínua de
sínteses que superem antigas dicotomias, não acontece como um
modelo a ser transposto pelo professor no espaço da sala de aula.
Antes, opera-se em nível mental, por parte dos alunos, a cada
momento em que a aprendizagem se desenvolva significativamente.
Assim, a realidade não está fora do sujeito cognoscente, mas faz
parte integrante deste. Num imbricamento dialético, sujeito e
realidade são elementos que se interinfluenciam.
Desse ponto de vista, a interdisciplinaridade é um tipo de
abordagem e conduz a uma ordenação específica do processo ensinoaprendizagem, notadamente no plano dos conteúdos e das
atividades. Nesse sentido, os professores proporcionam aos alunos
uma aprendizagem simultânea dos saberes e dos métodos comuns a
várias disciplinas. Assim, a interdisciplinaridade reordena
conhecimentos diversos e provoca um conhecimento novo.
Segundo Gadotti (2000) em termos metodológicos, a prática
pedagógica interdisciplinar implica em:
43
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
a) “integração de conteúdos;
b) passar de uma concepção fragmentária para uma concepção
unitária do conhecimento;
c) superar a dicotomia entre ensino e pesquisa, considerando o
estudo e a pesquisa, a partir da contribuição das diversas ciências;
d) ensino-aprendizagem centrado numa visão que aprendemos
ao longo de toda a vida (educação permanente)”. (Gadotti, 2000 :
222).
É importante esclarecer aqui a idéia de “integração de
conteúdos”, a fim de dirimir eventuais enganos, tão correntes em
práticas pedagógicas cotidianas.
Freqüentemente a interdisciplinaridade tem sido confundida
com essa idéia de integração. Mas a integração entre os conteúdos de
diferentes disciplinas não acontece do exterior para o interior. Antes
de tudo, constitui-se como um processo interno, relativamente ao
sujeito que aprende, É um processo construtivo, em que o sujeito
cognoscente apropria-se dos objetos de conhecimento de modo a
perceber as interconexões entre os mesmos, tornando-se assim,
capaz de vislumbrar, de compreender a realidade, numa perspectiva
de totalidade.
Portanto, a relação entre interdisciplinaridade e integração é
complementar, mas não significam jamais a mesma coisa.
Em síntese, para que se efetive uma mediação pedagógica
dentro de prerrogativas interdisciplinares, é necessário antes de mais
nada, mudança de postura. Essa mudança implica no abandono de
práticas pedagógicas rígidas e referenciadas exclusivamente na figura
do magister ou professor-mestre, para tornar possível a caminhada
rumo ao trabalho interdisciplinar, fundado essencialmente, no
trabalho coletivo. Parafraseando Ivani Fazenda, esta é uma
perspectiva que se constrói em parceria.
Profa. Tatiane Lucena
CONCLUSÃO
O mundo não se constitui de fenômenos isolados, mas
complementares entre si. O reconhecimento dessa teia de relações,
muitas vezes contraditórias e ambíguas, significa, então, um avanço
na compreensão dessa realidade complexa. Assim, a transcendência
dos limites disciplinares do conhecimento é condição fundamental ao
olhar abrangente da interdisciplinaridade.
A gênese do saber interdisciplinar repousa na idéia de relação
entre as partes de um dado conhecimento. Portanto, se cada matriz
curricular, representa um tecido coeso, as disciplinas são as linhas
que o tecem. Dito de outro modo, interdisciplinaridade significa:
"Relação entre as disciplinas, evidenciada por uma abordagem
pedagógica particular. Abordagem de ensino em torno de um tema ou
de um projeto que serve ao estudo de algumas ou várias disciplinas
integradas [… ].
“Epistemologia: numa perspectiva mais geralmente aceita e
mais abstrata, domínio da ciência, com certa relação de unidade, de
relações e de ações recíprocas, de interpenetração entre diversas
porções do saber nomeadas disciplinas científicas“.
A interdisciplinaridade não é uma categoria de conhecimento,
mas de ação. Não significa, tampouco, a integração de conteúdos,
mas a inter-relação entre as disciplinas, em se considerando seus
objetivos e metodologias próprias.
Interrelacionar não é integrar, globalizar, perdendo-se de vista
a especificidade de cada objeto de conhecimento. Uma ação
pedagógica interdisciplinar requer, antes de tudo, uma atitude
interdisciplinar. E, no limite, interdisciplinaridade faz-se, antes,
entre os indivíduos para, só depois, concretizar-se na inter-relação
entre as disciplinas.
A interdisciplinaridade busca a ressignificação da idéia de
disciplina com seu hipotético objeto formal. Não o nega, mas o
fortalece, adquirindo assim uma nova forma de acesso ao real. “Essa
nova abordagem é possibilitada ao submetê-la a um tratamento
eminentemente pragmático, em que a ação passa a ser o ponto de
44
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
Profa. Tatiane Lucena
convergência e partida entre o fazer e o pensar da
interdisciplinaridade"
Essa atitude visa, então, o fortalecimento da identidade das
disciplinas, e depende do seu desenvolvimento efetivo, da sua
maturidade em relacionar-se com as demais. Essa posição
desmascara a pretensão de supremacia de certas ciências. De onde, a
conclusão de que a interdisciplinaridade é uma categoria de ação e
agir implica em ter uma intenção, assumir uma atitude, em se
considerando as condições de espaço e de tempo. Implica, pois em
um projeto coeso, coerente, de revisão sistemática e permanente
dos seus postulados.
REFERÊNCIAS:
COLL, César et al. O construtivismo na sala de aula. São Paulo:
Ed. Ática, 1998.
FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade : história, teoria e
pesquisa. São Paulo : Ed. Papirus, 1995, 2a edição.
FAZENDA, Ivani (org.). Didática e interdisciplinaridade. São
Paulo: Editora Papirus, 1997.
GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto
Alegre: Artes médicas, 2000.
LENOIR, Yves. Didática e interdisciplinaridade: uma
complementaridade necessária e incontornável (tradução de Marly de
Oliveira) in FAZENDA, Ivani (org). Didática e Interdisciplinaridade.
São Paulo: Editora Papirus, 1997.
MATUI, Jiron. Construtivismo. Teoria construtivista sóciohistórica aplicada ao ensino. São Paulo: Ed. Moderna, 1995.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade, o
currículo integrado. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1998.
SCHWARTZMAN, Simon. A redescoberta da cultura, in Ensaios
de Cultura, São Paulo: EDUSP, 1997.
45
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
AUSUBEL, David Paul. Aprendizagem cognitiva afetiva psicomotora.
Disponível em: <www.fulgoris.ubbi.com.br/davidausubel.htm>.
Acesso em: 27 set. 2007.
APRENDIZAGEM COGNITIVA AFETIVA PSICOMOTORA
Jovem garoto judeu de família pobre aprendeu a respeitar a
hierarquia da comunidade judaica. E foi através dela com
contribuição de Piaget, que construiu seus pensamentos
educacionais. Sua formação acadêmica deu-se na Universidade de
Nova York. Até 1997, estava vivo, em Ontário, no Canadá. Ausubel é
um dos teórico que une a compreensão piagetiana do sujeito do
conhecimento com a psicologia da aprendizagem de Rogers. Para ele,
o principal no processo de ensino é que a aprendizagem seja
significativa. Isto é, o material a ser aprendido precisa fazer algum
sentido para o aluno. Isto acontece quando a nova informação
“ancora-se” nos conceitos relevantes já existentes na estrutura
cognitiva do aprendiz.
Neste processo a nova informação interage com uma estrutura
de conhecimento específica, que chama de conceito “subsunçor”.
Esta é uma palavra que tenta traduzir a inglesa “subsumer”.
Quando o material a ser aprendido não consegue ligar-se a algo
já conhecido, ocorre o que Ausubel chamou de aprendizagem
mecânica (“rote learning”). Ou seja, isto ocorre quando as novas
informações são aprendidas sem interagirem com conceitos
relevantes existentes na estrutura cognitiva. Assim, a pessoa decora
fórmulas, leis, marretas para provas e esquece logo após a avaliação.
Para haver aprendizagem significativa é preciso haver duas
condições:
1) o aluno precisa ter uma disposição para aprender: se o indivíduo
quiser memorizar o material arbitrariamente e literalmente, então
a aprendizagem será mecânica;
2) o material a ser aprendido tem que ser potencialmente
Profa. Tatiane Lucena
3) significativo, ou seja ele tem que ser logicamente e
psicologicamente significativo: o significado lógico depende
somente da natureza do material, e o significado psicológico é
uma experiência que cada indivíduo tem. Cada aprendiz faz uma
filtragem dos materiais que têm significado ou não para si próprio.
A Aprendizagem pode ser Cognitiva - armazenamento organizado
de informações; Afetiva - sinais internos do indivíduo (prazer, dor,
ansiedade); Psicomotora - repostas musculares (treino e prática)
Ausubel focaliza principalmente a aprendizagem cognitiva
entendendo a aprendizagem = organização e interação do material na
estrutura cognitiva (conteúdo total de idéias de um indivíduo e sua
organização). Ele preocupa-se com a aprendizagem que ocorre na
sala de aula da escola. O fator mais importante de aprendizagem é o
que o aluno já sabe.
Para que ocorra a aprendizagem, conceitos relevantes e
inclusivos devem estar claros e disponíveis na estrutura cognitiva do
indivíduo, funcionando como ponto de ancoragem.
PROCESSO DE INTERAÇÃO = conceitos mais relevantes e
inclusivos interagem com o novo material funcionando como
ancoradouro (abrangendo e integrando esse material e modificandose em função dessa ancoragem).
e



A Aprendizagem Significativa é o conceito central de sua teoria
é entendida como:
processo através do qual uma nova informação relaciona-se com
um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo.
Ou seja, a interação da nova informação com uma estrutura
cognitiva específica (conceito subsunçor< subsumer)
a aprendizagem ocorre quando uma nova informação ancora-se em
conceitos ou proposições relevantes preexistentes na estrutura
cognitiva do indivíduo.
o armazenamento de informações no cérebro é altamente
organizado formando uma hierarquia na qual elementos mais
específicos de conhecimentos são ligados ( = assimilados) a
46
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
conceitos mais gerais, mais inclusivos.
 Estrutura cognitiva = estrutura hierárquica de conceitos que são
representações de experiências sensoriais do indivíduo
A Aprendizagem Mecânica (automática) tem as seguintes
características:
 aprendizagem de novas informações com pouca ou nenhuma
associação a conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva
 a informação é armazenada de maneira arbitrária, não há
interação entre a nova informação e aquela já armazenada, fica
arbitrariamente distribuído na estrutura cognitiva sem ligar-se a
conceitos subsunçores específicos.
Aprendizagem significativa pode acontecer por:
 recepção - o conhecimento é apresentado em sua forma final para
o aprendiz
 descoberta - o conhecimento deve ser descoberto pelo aprendiz.
Depois de descoberto, a aprendizagem é significativa se o
conteúdo ligar-se a conceitos subsunçores relevantes existentes na
estrutura cognitiva.
De onde vêm os subsunçores?
 a aprendizagem mecânica e significativa são processos continuum.
Quando um indivíduo adquire informações em uma área
completamente nova ocorre a aprendizagem mecânica até que
alguns elementos de conhecimento , relevantes a novas
informações na mesma área, existam na estrutura cognitiva e
possam servir de subsunçores ainda que pouco elaborados. À
medida que a aprendizagem vai se tornando significativa os
subsunçores se tornam mais elaborados e prontos para ancorar
novos conhecimentos.
 em crianças pequenas, a formação de conceitos acontecem
através de um processo conhecido como "formação de conceitos",
que envolve generalizações de instâncias específicas. Em idade
escolar, a maioria das crianças já têm desenvolvido um conjunto
de conceitos que permite a aprendizagem significativa. A partir
Profa. Tatiane Lucena
daí, os novos conceitos são adquiridos através de assimilação,
diferenciação progressiva e reconciliação integrativa de conceitos.
 Ausubel recomenda o uso de organizadores prévios que sirvam de
âncora para a nova aprendizagem e levem ao desenvolvimento de
conceitos subsunçores que facilitem a aprendizagem subsequente.
 Organizadores prévios são materiais introdutórios apresentados
antes do material a ser aprendido em si. Sua principal função é de
servir de ponte entre o que o aprendiz já sabe e o que ele deve
saber a fim de que o material possa ser aprendido de forma
significativa. Facilitam a aprendizagem na medida em que
funcionam como "pontes cognitivas".
Condições de ocorrência da aprendizagem significativa:
Segundo Ausubel (1978,p.41), " a essência do processo de
aprendizagem significativa é que idéias simbolicamente expressas
sejam relacionadas de maneira substantiva ( não literal) e não
arbitrária ao que o aprendiz já sabe, ou seja, a algum aspecto de sua
estrutura cognitiva especificamente relevante para a aprendizagem
dessas idéias. Este aspecto especificamente relevante pode ser, por
exemplo, uma imagem , um símbolo, um conceito, uma proposição,
já significativo".
 material a ser aprendido seja relacionável, incorporável à
estrutura cognitiva do aprendiz de maneira não arbitrária e não
literal. Material potencialmente significativo.
 o aprendiz deve manifestar disposição para relacionar de maneira
substantiva e não arbitrária o novo material, potencialmente
significativo, a sua estrutura cognitiva
Evidência da aprendizagem significativa
Evitar a "simulação da aprendizagem significativa", formulando
questões e problemas de uma maneira nova e não familiar, que
requeira máxima transformação do conhecimento adquirido.
47
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
 Tipos de Aprendizagem Significativa
 Representacional - os símbolos passam a significar aquilo que seus
referentes significam
 de Conceitos - representam abstrações dos atributos essenciais dos
referentes, representam regularidades em eventos ou objetos
 Proposicional - aprender o significado que está além da soma dos
significados das palavras ou conceitos que compõem a proposição
Assimilação
Segundo a "teoria da assimilação" ou ancoragem provalvelmente tem
um efeito facilitador na retenção.
Imediatamente após a aprendizagem significativa começa um
segundo estágio da assimilação: a assimilação obliteradora.. As novas
informações tornam-se espontânea e progressivamente menos
dissociáveis de suas idéias- âncora (subsunçores) até que não mais
estejam disponíveis, isto é, não mais reproduzíveis como entidades
individuais.
BIBLIOGRAFIA
Profa. Tatiane Lucena
PEDUZZI, L. O. Q. Algumas fases ou estágios na resolução de
problemas- Sobre a resolução de problemas no ensino da física.
Caderno Catarinense de Ensino de Física, Volume 4, Número 3, Pág.
229 a 253, Dez/1997
MOREIRA, Marco Antônio. Guia de estudos individual. In: _________
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Federal do Rio Grande do Sul. 1985. Pag 116 a 135
MOREIRA, Marco Antônio. Uma Abordagem Cognitivista ao Ensino da
Física. Porto Alegre, Ed. da Universidade, UFRGS, 1983
SZTAJN, Paola. Resolução de problemas, formação de conceitos
matemáticos e outras janelas que esse abrem. Educação em Revista,
Belo Horizonte, edição 20 a 25 de dez/94 a jun/97, pag 109-122,
1997.
WATSON, Bruce and Richard KOPNICEK. Teaching for Conceptual
Change: Confronting Children's Experience. Phi Delta Kappan, May
1990, pp. 680-684.
CACIQUE, A. A construção do conhecimento em ambientes virtuais:
uma abordagem sobre ambientes interativos de aprendizagem.
Assunto: Tecnologias e suas aplicações como recursos didáticos.
Ambientes interativos de aprendizagem. Ensino virtual. Evolução do
conhecimento.Telemática no desenvolvimento cognitivo.
CARLSON, Patricia A. & LARRALDE, V. Combining Concept Mapping
and Adaptive Advice to Teach Reading Comprehension. J. UCS. v. 1 n.
3.
CAVALCANTI, R.A. Andragogia: a aprendizagem nos alunos. Assunto:
Arte e ciência de orientar os adultos a aprender. Estímulo do
autodidatismo, capacidade de autocrítica e de trabalhar em equipe.
48
Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu
Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
Candau, Vera Maria. A formação de educadores: uma
perspectiva multidimensional. In: ______ (Org). Rumo a uma
nova didática. 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 49-55.
A FORMAÇÃO DE EDUCADORES:
UMA PERSPECTIVA MULTIDIMENSIONAL
A formação de educadores está passando por um momento de
revisão substantiva e de crise em nosso país. Muitos são os motivos
que provocaram esta situação. Entre eles podemos citar: o
questionamento do próprio papel exercido pela educação na
sociedade, a falta de clareza sobre a função do educador e a
problemática relativa à redefinição do Curso de Pedagogia e das
Licenciaturas em geral.
Todos estes fatores não podem ser analisados isoladamente e se
condicionam e interpenetram.
No que diz respeito à relação educação-sociedade, a reflexão
pedagógica e inúmeros dados de pesquisas realizadas nos últimos
anos questionaram fortemente a visão tradicional e talvez ainda
vigente em vários setores da sociedade, que consideram educação
um fator básico de transformação social. Destas análises emerge com
clareza o papel conservador e reprodutor do sistema educacional
verdadeiro aliado da manutenção da estrutura social, muito mais do
que elemento mobilizador de sua transformação. À maior consciência
que os educadores tomam deste fato, segue-se para muitos uma
sensação de angústia e questionamento da própria razão de ser do
engajamento profissional na área educativa, principalmente por
parte daqueles convictos da necessidade imperiosa em nosso país de
trabalhar por uma sociedade mais justa e autenticamente
democrática, qualitativa e estruturalmente diferente do sistema
vigente.
Esta problemática leva a colocar em questão a formação
tradicional dos educadores, concebida fundamentalmente como
Profa. Tatiane Lucena
desvinculada da situação político-social e cultural do país,
visualizando o profissional de educação exclusivamente como um
"especialista de conteúdo", um "facilitador da aprendizagem", um
"organizador das condições r de ensino-aprendizagem", ou um
"técnico da educação".
A discussão em torno a estas questões tem se refletido
fortemente no questionamento da atual estrutura dos Cursos de
Pedagogia, orientada basicamente para a formação de especialistas
com acentuado caráter técnico, e dos Cursos de Licenciatura em
geral, centrados nas áreas de conteúdo especifico e onde a formação
pedagógica é justaposta, havendo um autêntico paralelismo na
própria organização curricular dos cursos.
Se, além destes problemas, acrescentamos a dissociação entre a
formação teórica e a prática educativa, a saturação do mercado de
trabalho, a falta de uma formação cultural consistente, entre outros,
sem dúvida nos colocamos diante de um quadro que exige uma tomada de posição urgente por parte dos educadores sobre a
redefinição do sistema de formação de professores e especialistas em
educação.
Nesta linha, nos parece de interesse analisar, pelo menos de um
modo geral e ainda exploratório, a bibliografia mas significativa
publicada entre nós nos últimos anos, sobre a formação de
educadores.
1.1 Formação de educadores: perspectivas de análise
Nossa hipótese de trabalho é a que é possível agrupar os estudos
realizados basicamente em quatro perspectivas.
Na primeira situamos aqueles estudos que podem ser
considerados como centrados na norma. Partem da legislação vigente
e analisam a adequação cuja realidade aos instrumentos legais, sem
que estes sejam colocados em questão. Aqui a norma legal é vista
como um absoluto. É ela que deve criar a realidade. Todo o esforço
deve ser posto em verificar as dificuldades ou os entraves para o
efetivo cumprimento do estipulado e propor medidas que superem os
49
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
problemas existentes.
Muitos têm sido os estudos que se colocam nesta linha, quer
promovidos por autoridades respons6veis por órgãos governamentais,
quer realizados como dissertações de mestrado ou mesmo teses de
doutorado ou livre-docência.
Trata-se de um enfoque em geral meramente descritivo, e, a
nosso ver, estéril, por não situar devidamente do ponto de vista
histórico-social os instrumentos normativos e não se preocupar em
deixar a própria realidade em sua complexidade, interrogar a própria
relevância e adequabilidade do normativo. De fato, grande parte da
própria história da educação brasileira privilegia o papel da norma,
representando esta abordagem um resíduo desta tradição ainda não
totalmente superada. O importante é que a lei seja cumprida, que a
educação siga fielmente os cânones previstos e o educador é o
responsável por esta observância, muitas vezes de caráter puramente
formal.
Outra categoria de estudos poderia ser denominada de centrada
na dimensão técnica do processo de formação de professores e
especialistas em educação.
Nesta perspectiva a atenção está dirigida primordialmente para a
organização e operacionalização dos componentes do processo de
ensino-aprendizagem: objetivos, seleção de conteúdo, estratégias de
ensino, avaliação, etc. Os estudos analisam a prática educativa
existente e propõem experimentos comparando diferentes metodologias e verificando seus efeitos sobre os resultados da aprendizagem.
Em geral, são trabalhos de caráter experimental ou que utilizam
amplamente métodos de observação e aquisição. Este tipo de
pesquisa se desenvolveu de modo acentuado na primeira parte da
década de 70, sob influência da psicologia comportamental, da
abordagem sistêmica e da tecnologia educacional.
As variáveis processuais de educação são privilegiadas e, dentro
destas, as que são de natureza técnica. A educação é vista numa
perspectiva sistêmica e a interação entre os diferentes componentes
do sistema de ensino-aprendizagem é enfatizada tendo por objetivo
alcançar sistemas instrucionais altamente eficazes e eficientes. O
educador é concebido como um organizador das condições de ensino-
Profa. Tatiane Lucena
aprendizagem que devem ser rigorosamente planejadas para garantir
resultados "ótimos".
Conseqüentemente, no que se refere à formação dos
educadores, o grande preocupação é a instrumentalização técnica.
Ela é vista muitas vezes como um fim em si mesmo e como um elenco
de procedimentos a serem dominados. Daí o tecnicismo que reduz o
profissional de educação a um mero técnico ou um especialista em
"instrumentolidades". A mediação técnica se torna substantiva
norteando os fins e valores do processo educacional e não ao
contrário. Toda a preocupação se centra nos aspectos operacionais
da formação e do processo de ensino-aprendizagem.
A terceira perspectiva pode ser denominada de centrada na
dimensão humana. Situam-se nela aqueles estudos que enfatizam a
relação interpessoal presente em todo processo formativo. Educação
supõe comunicação humana, direta ou indireta. Em tal abordagem,
este é o foco da atenção: que condições deve realizar esta interrelação humana para que seja facilitadora do processo de aprendizagem? Como promovê-Ia ou criar condições para que se
desenvolvam? Trata-se em geral de estudos experimentais,
correlacionais, ou que utilizam técnicas de observação, quer
sistemática ou assistemática. Esta abordagem também teve um
desenvolvimento acentuado na década de 70, sob influência da
chamada "terceira força" em psicologia, o movimento conhecido
como "psicologia humanista".
Aqui também a ênfase é colocada nas variáveis processuais do
processo de ensino-aprendizagem, agora privilegiando os
componentes relativos à interação humana. A educação é vista
fundamentalmente como um processo de crescimento pessoal,
interpessoal e grupal, e o educador como um facilitador deste
crescimento. O processo de formação tem como principal
preocupação a aquisição daquelas atitudes necessárias para a
mobilização da dinâmica de "tornar-se pessoa", para liberar a
capacidade humana de auto-aprendizagem de forma que seio possível
o desenvolvimento pessoal "pleno", tanto intelectual quanto
emocional.
Esta abordagem tende a ver os problemas relativos à formação
50
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
da pessoa humana numa perspectiva individualista ou, quando muito,
atenta à realidade de interação social em nível de pequeno grupo ou
grupo primário.
Tanto a perspectiva centrada na dimensão técnica quanto a
centrada na dimensão humana, ao analisarem a problemática da
formação de professores e especialistas em educação enfatizando
variáveis de caráter processual, focalizam dimensões internas, sem
se preocuparem com a articulação destas dimensões com as
características (textuais, sociais, políticas e econômicas), que as
condicionam e envolvem.
A quarta categoria de estudos tem exatamente como foco
principal de suas preocupações a referência ao contexto
socioeconômico e político em que se situa toda prática de formação
de educadores. Por isso pode ser denominada de centrada no
contexto. Esta abordagem adota uma perspectiva crítica em relação
às anteriores, exatamente por minimizarem este tipo de análise.
Trata-se em geral de estudos de caráter filosófico e sociológico que
se têm realizado principalmente a partir da segunda parte da década
de 70. Nesta linha, a educação é vista como uma prática social em
íntima conexão com o sistema político-econômico vigente. Somente a
partir deste pode ser compreendida e analisada. Portanto, o
educador deve possuir uma sólida formação em ciências sociais e
humanas. Sua prática não é jamais "neutra". Está a serviço da
manutenção do "status quo" ou da transformação social. Analisar e
propor, a partir das condições concentradas da realidade, uma
prática
educativa
transformadora
constitui
uma
questão
fundamental. Questão esta que só pode ser trabalhada na
interpenetração de teoria e prática, que devem ser consideradas
como uma unidade. Esta dinâmica deve estar presente em todo
processo formativo. Só a partir deste tipo de análise é que adquire
sentido a preocupação com as dimensões internas do processo
educativo.
1.2. Por uma perspectiva multidimensional da formação de
educadores
Profa. Tatiane Lucena
Através da breve apresentação das perspectivas acima
mencionadas, deixando de lado aquela centrada na norma que, na
nossa opinião, não apresenta nenhuma contribuição à questão em
foco, parece-nos que o centro da discussão está situado no modo de
conceber o processo educacional e a articulação entre suas
diferentes dimensões.
Alguns estudos parecem, ao privilegiar determinado tipo de
variáveis - de processo ou de contexto - ou alguma dias dimensões técnica, humana ou contextual -, tenderem a um certo reducionismo.
O processo educacional e, conseqüentemente, a formação de
educadores, é vista quase que exclusivamente como uma dinâmica de
interação humana, uma organização sistemática e intencional de
diferentes componentes de um sistema ou na linha da
conscientização, com características eminentemente político-sociais.
A educação é um processo multidimensional. De fato, ela
apresenta uma dimensão humana, uma dimensão técnica e uma
dimensão político-social. Estas dimensões não podem ser visualizadas
como partes que se justapõem, ou que são acrescentadas uma às
outras sem guardarem entre si uma articulação dinâmica e coerente.
Não se trata de propor um ecletismo ou associar de forma
meramente superficial elementos oriundos das diferentes perspectivas. O desafio está exatamente em construir uma visão articulada em
que, partindo-se de uma perspectiva de educação como prática social
inserida num contexto político-social determinado, no entanto não
são deixadas num segundo plano as variáveis processuais. Contexto e
processo são vistos em articulação onde a prática educativa
quotidiana, traduzida em comportamentos e atitudes concretos
relativos aos objetivos propostos, disciplina, avaliação, relação
professor-aluno, etc, assume uma perspectiva político-social e esta,
por sua vez, não se reduz a uma prática que poderíamos chamar, por
não encontrarmos no momento outra expressão melhor, "para-profissional", mas se concretiza no dia-a-dia da prática educativa.
A formação de educadores adquire assim uma perspectiva
multidimensional. Trabalhar nesta perspectiva e traduzi-Ia em termos
de currículos e dinâmica de formação, para nós, o grande desafio do
momento.
51
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Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos
MORALES, Pedro. Multidimensionalidade da relação professoraluno. In: ______. A relação professor-aluno: o que é, como se
faz. São Paulo: Loyola, 1998. p. 49-58.
MULTIDIMENSIONALIDADE DA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
Aproximemo-nos mais da sala de aula, mas dentro dessa visão
global da relação professor-aluno e antes de tratar de situações e
momentos mais específicos.
Comentaremos dois aspectos mutuamente relacionados (como
todos, neste âmbito da relação professor-aluno) e enunciados no
título anterior:
 A relação professor-aluno na sala de aula é complexa e
abarca vários aspectos; não se pode reduzi-Ia a uma fria
relação didática nem a uma relação humana calorosa.
 Além disso, embora estejamos enfatizando a relação do
professor com os alunos (o professor é o sujeito principal,
aquele que de alguma maneira inicia a relação), os alunos
também influem no professor que dá a deixa: a relação que o
professor inicia influi nos alunos, os quais, por sua vez,
influem no professor e reforçam determinado estilo de
relação professor-aluno.
As influências recíprocas serão analisadas nos capítulos
seguintes;
agora
voltaremos
nossa
atenção
para
a
multidimensionalidade dessa relação, vista, sobretudo, do lado do
professor.
1. Relação a partir da motivação
Podemos ver a globalidade da relação professor-aluno
mediante um modelo simples relacionado diretamente com a
motivação, mas que necessariamente abarca tudo o que acontece
na sala de aula. Esse modelo nos ajuda a ver num golpe de vista
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toda a relação que se dá na sala de aula, tanto nos níveis
externos (facilmente observáveis) como nos internos, como são as
emoções e as atitudes, que também terminam se manifestando.
A relação do professor com os alunos tem dimensões ou
manifestações-tipo diferentes, que podem se reduzir pelo menos a
estas duas:


O tipo de relação-comunicação mais pessoal: reconhecer êxitos,
reforçar a auto confiança dos alunos, manter sempre uma
atitude de cordialidade e de respeito ...
A orientação apropriada para o estudo e o aprendizado: criar
e comunicar uma estrutura que facilite o aprendizado ... (Em
suma, o que costumamos entender por uma docência eficaz).
Como estamos distinguindo entre relação e docência, é
importante voltar a lembrar que a qualidade da relação professoraluno não deve ser confundida com a dimensão mais relacional
(ser boa pessoa e amável com os alunos) e que costumamos denominar de
relações humanas. Acredito que está clara tanto a distinção entre
relação e docência (para entender-nos e falar dos dois aspectos),
como sua não distinção. Sem uma boa e eficaz relação didática com os
alunos, simplesmente não há uma boa relação professor-aluno.
Não vamos à sala de aula para fazer os alunos rirem (o que
ocasionalmente vem bem a calhar) tampouco para ser carinhosos,
a fim de que eles se sintam bem, e sim para ajudá-Ias em sua
tarefa de aprender. Se, em contrapartida, faltar à tarefa didática
o componente de relação humana (com os esclarecimentos que
queiramos fazer, pois estamos dentro da sala de aula), a qualidade
do aprendizado padecerá e até mesmo se deixará de ensinar e
aprender coisas importantes.
2. Perspectivas psicológicas e educativas
Como introdução a este modelo, podemos lembrar as duas
perspectivas, uma mais psicológica e outra mais do tipo
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educativo, da pesquisa sobre a motivação (dos alunos na sala de
aula) e que, entendida de uma maneira mais genérica, pode ser
concebida como um indicador claro da relação professor-aluno.
1. A pesquisa em psicologia tem insistido nas influências interpessoais
na motivação e estudado constructos como as atribuições
(locus de controle interno e externo; onde situamos a culpa ou
a origem das conseqüências de nossas ações), a auto-eficácia
ou a percepção da própria competência.
Este tipo de pesquisa traz informação sobre o perfil das
crenças e atitudes dos alunos que permite de alguma
maneira prever sua motivação.
2. A pesquisa em educação centrou-se mais nas condutas dos
professores que são eficazes em promover a motivação dos
alunos. Tem-se sugerido muitas condutas motivadoras2:
- Dar orientação.
- Mostrar entusiasmo.
- Propor alternativas para a escolha dos alunos.
- Elogio sincero.
- Reforço do êxito.
- Estimular a curiosidade.
- Estimular o interesse.
- Centrar a atenção.
- Mostrar a relevância do que se estuda.
- Criar um clima de confiança e satisfação.
Tanto a pesquisa mais psicológica como a mais centrada na
educação trazem perspectivas complementares sobre a relação
entre as condutas do professor e a motivação do aluno que podem
ser integradas no mesmo modelo.
as expressem, e até presumam não tê-Ias. Nós, professores,
seremos eficazes na medida em que levarmos em conta essas
necessidades. Essas não podem reduzir-se à necessidade de ser
aprovado na matéria; é algo mais profundamente humano.
Segundo esse pressuposto, a eficácia das condutas do
professor deriva-se, por sua vez, da eficácia que tais condutas
tenham para satisfazer as necessidades básicas dos alunos (das
quais, como observamos, os alunos podem não ter uma
consciência clara).
As condutas do professor são em boa medida condutas verbais (o que
comunica aos alunos e como comunica), mas são também
comunicações não-verbais (gestos, sorrisos, olhares) e, é claro,
são também condutas em um sentido mais próprio (o que faz e
organiza).
Em suma, o modo como ele considera sua tarefa como professor
se traduz em sua relação global com os alunos na sala de aula: sua
própria concepção do que é ser professor se expressa continuamente
de múltiplas maneiras, de forma natural e espontânea.
3. Motivação e necessidades dos alunos
4.1. Qualidade das relações interpessoais
A idéia básica em que se fundamenta esse modelo é esta: a
motivação é interna e floresce, cresce quando os alunos vêem
satisfeitas suas necessidades psicológicas.
Não é uma má idéia para se levar em conta: os alunos têm
necessidades, embora não tenham uma consciência clara delas e não
A qualidade das relações interpessoais manifesta-se de muitas
maneiras: dedicar tempo à comunicação com os alunos, a manifestar
afeto e interesse (expressar que eles importam para nós), a elogiar com
sinceridade, a interagir com os alunos com prazer ... O oposto é a
rejeição, a distância, a simples ignorância a respeito dos alunos, o de-
4. Ações do professor e necessidades dos alunos
É ilustrativo ver num golpe de vista a relação entre o que o professor
faz, especificando as distintas dimensões postas em relação (mais ou
menos, sem rigidez nos conceitos), e as necessidades dos alunos.
As três áreas de atuação do professor (relações interpessoais,
estrutura de aprendizado e apoio da autonomia e do
desenvolvimento integral do aluno) merecem um comentário
adicional.
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sinteresse ... (mostrado ao menos por omissão).
Retomamos aqui as observações de Deiro (1995): é preciso saber
criar um ambiente ou uma atmosfera de segurança, de paz, de maneira
que os alunos possam sentir que aqui se deve trabalhar, mas o ambiente é
bom. Uma matéria pode ser difícil e exigir muita atenção e esforço,
mas isso não significa que se deva estar tenso na classe e que se
pense na prova em um horizonte de angústia e incerteza. Sem paz
interior não se pode aprender nada de modo significativo. Aqui entra,
naturalmente, o estilo de relação do professor.
Os alunos devem sentir-se livres para errar e aprender com seus
erros. O sentir-se livres se traduz aqui por ausência de medo, de
angústia... Aprender com os próprios erros é importante para o
crescimento pessoal, seja emocional, social ou cognitivo.
Esse ambiente de segurança, de paz, de confiança é necessário
para aprender e internalizar o que se vai aprendendo. Quando um
aluno vê em uma prova um problema simples e começa a se
perguntar onde está a armadilha, porque, se é simples, significa que
estão querendo enganá-Io..., então algo não vai bem. Não se pode
aprender seriamente num clima de insegurança, tensão, medo e
desconfiança. Talvez se possa ser aprovado na matéria, mas não
aprender.
4.2. Dar estrutura ao aprendizado
A estrutura refere-se à quantidade e qualidade de informação que
se dá aos alunos em favor da eficácia do aprendizado: manifestar
expectativas, responder de maneira consistente, dar informação de
ajuda, ajustar-se ao nível dos alunos... O oposto é o caos, a
ambigüidade. Dar estrutura é, em suma, proporcionar informação e
orientação. E também cuidar da seqüência didática, dos exercícios, do
ritmo.
É preciso lembrar aqui que a informação é uma fonte de poder.
Sobretudo no terreno da avaliação, existe a tentação de manipular a
informação como arma de controle, de castigo, de autodefesa... Às
vezes pode haver matérias artificialmente difíceis pela falta de
informação adequada e de ênfase apropriada sobre o que e como
estudar.
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A organização requer flexibilidade e capacidade de adaptação.
Ser organizado (na preparação das aulas, na organização de tarefas)
aparece em muitos estudos como uma característica dos professores
mais bem avaliados, mas igualmente se dá com a capacidade de ser
flexível, de saber adaptar-se ao que acontece na sala de aula.
4.3. Apoiar a autonomia do aluno
Apoiar a autonomia do aluno relaciona-se com a margem de
liberdade que lhe é concedida nas atividades de aprendizado, com a
ausência de pressão, de prêmios externos. Relaciona-se também com a
capacidade do professor de fomentar a motivação interna e criar um
clima de paz no trabalho.
À autonomia poderíamos acrescentar outros objetivos do domínio
afetivo. O ensino dos conhecimentos é um veículo para aprender
mais coisas... E coisas mais importantes. É na sala de aula e nas
tarefas derivadas da aula que os alunos gastam seu tempo e suas
energias. Podem aprender a colaborar, a respeitar-se entre si
quando trabalham em grupo ou em projetos cooperativos; podem
aprender a apreciar outras culturas, a desenvolver-se bem na
sociedade, a comunicar-se de maneira competente; podem
aprender a pensar.
As oportunidades que a sala de aula convencional nos oferece
para exercer uma ação educativa mais nítida, e isto com alunos
de qualquer idade, é outro tema de interesse e muito ampliável.
Nesse item entra tudo o que se relaciona com a avaliação; muita
comunicação significativa se dá em tomo dela. Esse tema merece um
capítulo à parte. Em última instância, trata-se de como utilizamos
nosso poder, porque o temos, e nossos recursos, que também
temos. O principal recurso é, em suma, nós mesmos e os alunos.
As três dimensões (qualidade das relações interpessoais,
estrutura, autonomia) são conceitualmente independentes;
podem-se construir contextos nos 'quais, por exemplo, a estrutura é
muito clara, contudo a autonomia do aluno é muito escassa, ou as
coisas podem estar muito claras, mas a relação pessoal do
professor com os alunos pode ser ruim ou distante e sem
interesse.
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