SUMÁRIO Níveis e Modalidades de Educação e Ensino ...................... 2 Clóvis Roberto dos Santos Escola – Função Social, gestão e política educacional .......... 8 Sofia Lerche Vieira Didática: teoria da instrução e do ensino ....................... 16 José Carlos Libâneo O plano de disciplina ............................................... 31 Maximiliano Menegolla e Ilza Martins Sant’Anna A avaliação ........................................................... 35 Antoni Zabala Interdisciplinaridade e mediação pedagógica ................... 40 Cristina D’Ávila Maheu Aprendizagem cognitiva afetiva psicomotora ................... 46 David Paul Ausubel A formação de educadores: uma perspectiva multidimensional ..................................... 49 Vera Maria Candau Multidimensionalidade da relação professor-aluno ............ 52 Pedro Morales Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos SANTOS, Clóvis Roberto dos. Níveis e Modalidades de educação e ensino. In: ______. Educação escolar brasileira: estrutura, administração, legislação. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. p. 57 – 69. NÍVEIS E MODALIDADES DE EDUCAÇÃO E ENSINO 1. Primeira LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional A primeira LDB, Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, não promoveu grandes mudanças na estrutura e no funcionamento do ensino vigentes desde a Reforma Capanema, do início da década de 1940. A educação pré-escolar era tratada em dois artigos, os de nº 23 e 24, que fixaram sua finalidade: a de destinar-se aos menores de até sete anos; e o local a ser ministrada: em escolas maternais e jardins-de-infância. Também estimulava as empresas que tivessem a seu serviço mães de menores de sete anos, a organizar e manter instituições de educação préprimária. O ensino primário, com duração de quatro anos, para crianças de sete aos onze anos de idade, era ministrado nos grupos escolares ou em escolas isoladas. Estas eram, geralmente, localizadas na zona rural ou em local de difícil acesso, não podendo ultrapassar em três o número delas em uma mesma localidade. A partir de quatro já se transformaria numa escola agrupada e com mais de 7(sete) classes, seria um Grupo Escolar. O ensino secundário ou médio tinha a duração de sete anos, subdividido em ginásio (quatro anos) e colégio (três anos). Profa. Tatiane Lucena A educação especial, tratada nesta LDB como educação de excepcionais, deveria enquadrar-se, sempre que possível, no sistema geral de educação, a fim de integrar os excepcionais na comunidade. A lei propunha, ainda, prêmio para toda iniciativa privada, considerada eficiente pelos Conselhos Estaduais de Educação, que cuidasse desse tipo de educação. A Lei nº 4.024/61 teve vigência efêmera, uma vez que, nos anos subseqüentes à sua aprovação, muitas outras leis a revogaram em suas partes, a tal ponto que, a partir da década de 1970, restavam apenas 30 artigos dos 120 iniciais. As principais destas leis foram as de nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, 5.962, de 11 de agosto de 1971, e 7.044, de 18 de outubro de 1982, sendo a primeira relativa ao ensino superior e as duas últimas ao ensino de 1º e 2º graus. A educação pré-escolar mereceu pouco destaque nessas reformas. Somente o § 2º do artigo 19 da Lei nº 5.692/71 dizia que os sistemas de ensino deveriam velar para que as crianças menores de sete anos de idade recebessem educação conveniente em escolas maternais, jardins-de-infância ou em instituições congêneres. Também o artigo 61 chamava a atenção dos sistemas de ensino para que estimulassem as empresas em que trabalhassem mães de menores de sete anos de idade, a manter a "educação que preceda o ensino de 1º grau". Uma repetição do que dizia a Lei 4.024/61. O ensino de 1º grau, fruto da junção do ensino primário com o ginasial, era destinado à formação de crianças e préadolescentes, sendo obrigatório dos sete aos catorze anos e gratuito nas escolas oficiais. O ensino do 2º grau, equivalente ao ciclo colegial da Lei 4.024/ 61, era destinado à formação integral do adolescente e, para o ingresso, exigia-se a conclusão do 1 º grau ou de estudos equivalentes. Pretendeu-se, no início da vigência da Lei 5.692/71, que todo o ensino de 2º grau fosse profissionalizante. Posteriormente, a Lei 7.044/82 mudou a expressão "qualificar para o trabalho" do artigo 1º da 5.692/71, para "preparar para o 2 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos trabalho", retirando a compulsoriedade da profissionalização em nível de 2º grau. O ensino supletivo mereceu enfoque especial, com os cursos de suplência (“suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham seguido ou concluído na idade própria") e de suprimento ("para proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte"). A educação especial foi tratada em apenas um artigo, o 9º, que dizia: "Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que têm atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação". O ensino superior foi regulamentado pela Lei nº 5.540/68. O artigo 17 trata das modalidades de cursos a serem ministrados nas universidades e nos estabelecimentos isolados de ensino superior: a) de graduação: abertos à matrícula de candidatos que hajam concluído o ciclo colegial ou equivalente e tenham sido classificados em concurso vestibular; b) de pós-graduação: abertos à matrícula de candidatos diplomados em cursos de graduação ou que apresentam títulos equivalentes; c) de especialização e aperfeiçoamento: abertos à matrícula de candidatos diplomados em cursos de graduação ou que apresentam títulos equivalentes; d) de extensão e outros: abertos a candidatos que satisfaçam os requisitos exigidos. O Conselho Federal de Educação dividiu os cursos de pós-graduação em lato sensu e stricto sensu. Os primeiros são os cursos de especialização e aperfeiçoamento e, os segundos, os de mestrado e doutorado. 2. Segunda LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Profa. Tatiane Lucena 2.1 - Níveis Nesta Lei, a de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, há um título inteiro, o "v", dedicado aos níveis e modalidades de educação e ensino. Dois são os níveis da educação escolar brasileira, conforme define o Capítulo I: a) educação básica: compreendendo a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio; e b) educação superior: com os cursos seqüenciais, de graduação, pós-graduação e extensão. 2.1.1 - Educação básica A - Aspectos gerais a) Objetivos Os objetivos definidos são: • desenvolver o educando e assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania; e • fornecer ao educando meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. A educação básica poderá ser organizada em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. O calendário escolar deve ser adequado às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas. Esta adequação, que é muito salutar, deverá ser criteriosamente definida pelo sistema de ensino ao qual pertencer a escola, sem, no entanto, reduzir o número de horas letivas, isto é, oitocentas horas de carga horária mínima anual, distribuídas em, pelo menos, duzentos dias de efetivo trabalho. O tempo reservado aos exames finais, se houver, não será computado como dia de efetivo trabalho. 3 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos b) Classificação do aluno: Há três formas de classificar o aluno para matriculá-Io numa série ou etapa: a) por promoção: quando o aluno freqüentou a série ou fase anterior, na própria escola e obteve bom aproveitamento; b) por transferência: aluno oriundo de outras escolas do mesmo nível; c) por avaliação: para matricular o aluno em série ou etapa mais adequada, independentemente de escolarização anterior. Esta prática deverá ser regulamentada pelo respectivo sistema de ensino. c) Avaliação de rendimento escolar: O rendimento escolar obedecerá a alguns critérios: a) o desempenho do aluno será medido por um processo de avaliação contínua e cumulativa, prevalecendo os aspectos qualitativos sobre os quantitativos. Valerão mais os resultados obtidos ao longo do período, série, etapa etc., sobre os de eventuais provas finais; b) os alunos com atraso escolar terão possibilidades de aceleração de estudos; c) possibilidade para o aluno avançar nos cursos e nas séries, desde que feita a verificação do aprendizado; d) os estudos concluídos com êxito poderão ser objeto de aproveitamento; e) casos de baixo rendimento escolar serão passíveis de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo. o controle da freqüência é de responsabilidade da escola, mas exigindo a freqüência mínima de 75% do total de horas letivas para aprovação. Também são de responsabilidade da escola: a expedição de históricos escolares, as declarações de conclusão de série, os diplomas ou certificados de conclusão de cursos. Tais documentos escolares deverão ter as especificações cabíveis. Profa. Tatiane Lucena B - Educação infantil As leis de ensino anteriores, 4.024/61 e 5.692/71, davam denominações diferentes para esse tipo de educação: educação pré-escolar para a primeira, e "educação que preceda o ensino de primeiro grau" para a segunda. Já foi, também, denominada de "ensino pré1º- grau" pelo Anuário Estatístico do Brasil, de 1980. As denominações "creche" e a estranha "pupileira" já foram usadas no lugar do berçário, mas desprezadas por conotação negativa. A nova LDB a denomina educação infantil e deve ser oferecida em: a) creches ou entidades equivalentes, para crianças até três anos de idade; e b) pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos de idade. Esta educação tem como objetivo geral o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. A avaliação será feita mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento da criança, sem objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. C - Ensino fundamental Este ensino, com oito anos de duração, obrigatório e gratuito na escola pública, objetiva a formação básica do cidadão mediante: a) o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; b) a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; c) o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e formação de atitudes e valores; d) o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de soli4 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos Profa. Tatiane Lucena dariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. Será permitido que os sistemas de ensino desdobrem o ensino fundamental em ciclos. Assim, por exemplo, poderemos ter o 1 º ciclo (1 ª a 4ª séries) e 2º ciclo (5ª a 8ª séries) ou, ainda, ciclo básico (1 ª e 2ª séries); ciclo intermediário (3ª, 4ª e 5ª séries) e ciclo terminal (6ª, 7ª e 8ª séries) etc. A lei não fixa, mas deixa a cargo de cada sistema dividir ou não o ensino fundamental em ciclos. A jornada escolar será de, no mínimo, quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, aumentando, progressivamente, o período de permanência dos alunos na escola. Também, progressivamente, o ensino fundamental será ministrado em tempo integral, com exceção do noturno e de outras formas alternativas de organização previstas na LDB. O ensino médio poderá propiciar ao educando o exercício de profissões ou a preparação geral para o trabalho e, facultativamente, concorrer para que tenha uma habilitação profissional. Esta última poderá ser oferecida no próprio estabelecimento ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional, como, por exemplo, Senac, Senai etc. Os cursos serão dados em instituições especializadas ou no próprio ambiente de trabalho e poderão estar articulados ao ensino regular ou em forma de educação continuada. Os diplomas de nível médio deste tipo de educação terão validade nacional, se registrados pelo MEC ou por quem ele delegar. D - Ensino médio Os objetivos da educação superior são: Este tipo de ensino terá a duração mínima de três anos, com os seguintes objetivos: a) consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; b) preparar o aluno para o trabalho e para o exercício da cidadania, e, também, para que possa continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade à novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; c) aprimorar o educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e o pensamento crítico; d) fazer com que o educando compreenda os fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática no ensino de cada disciplina. 2.1.2 - Educação superior a) estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; b) formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; c) incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da criação e difusão da cultura; e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; d) promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade, e comunicar o saber por meio do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; e) suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; 5 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos f) estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, Profa. Tatiane Lucena em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; g) promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. A freqüência de alunos e professores é obrigatória, a não ser nos programas de educação a distância. Os diplomas expedidos por universidades serão por elas mesmas registrados e terão validade nacional. Os de instituições não-universitárias, por universidades indicadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e terão, também, validade nacional. A transferência de alunos regulares poderá ser aceita se houver vagas e mediante processo seletivo. Os cursos e programas da educação superior são: 2.2 - Modalidades a) seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abran- 2.2.1 - Educação de jovens e adultos gência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino; b) de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente, e tenham sido classificados em processo seletivo; c) de pós-graduação: programas de mestrado e doutorado e cursos de especialização e aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diploma dos em cursos de graduação, e atendam às exigências das instituições de ensino; d) de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino. A autorização, o reconhecimento e o credenciamento das universidades e instituições de educação superior terão prazos limitados e renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação. O ano letivo, independentemente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver. Os programas de cursos e demais componentes curriculares, sua duração, requisitos, qualificação dos professores, recursos disponíveis e critérios de avaliação, assim como a obrigação de cumprir tais condições, serão obrigatoriamente informados aos interessados pelas respectivas instituições. É a destinada para educar aqueles que não tiverem, na idade própria, acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio. Haverá exames para a conclusão de ensino fundamental e médio, exigindo, no mínimo, 15 e 18 anos de idade, respectivamente. Também os conhecimentos e habilidades adquiridos por meios informais poderão ser aferidos e reconhecidos mediante exames. Os sistemas de ensino organizarão e manterão os cursos de educação de jovens e adultos/ assim como os exames supletivos para habilitar o educando a prosseguir seus estudos no ensino regular. 2.2.2 - Educação profissional Tem por objetivo geral a condução de educando ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Deverá estar integrada às diferentes formas de educação/ ao trabalho/ à ciência e à tecnologia. Terá direito ao acesso/ o aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental médio ou superior/ trabalhador em geral jovem ou adulto. 6 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos 2.2.3 - Educação especial A educação especial é a modalidade de educação escolar oferecida/ preferencialmente/ na rede regular de ensino/ para educandos portadores de necessidades especiais/ com início na faixa etária de zero a seis anos/ durante a educação infantil. Condições que os sistemas de ensino deverão oferecer para a educação especial: Quadros atuais de estrutura do sistema educacional brasileiro: I-NÍVEIS b) c) d) e) f) Doutorado Mestrado Especialização Pós-Graduação EDUCAÇÃO SUPERIOR a) currículos/ métodos/ técnicas/ recursos educativos e organi- zação específica para atender bem à clientela; para os educandos que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental será oferecida a terminalidade específica de acordo com suas capacidades; os superdotados terão possibilidade de terminar o curso em menor tempo; professores especializados para o atendimento a este tipo de educandos; educação especial para o trabalho e efetiva integração na vida em sociedade, no trabalho e em cursos posteriores; acesso do educando especial aos benefícios dos programas sociais da educação regular. Profa. Tatiane Lucena Aperfeiçoamento Humanas Exatas Biológicas Graduação Extensão Seqüencias ENSINO MÉDIO EDUCAÇÃO BÁSICA E N S IN O FUNDAMENTAL EDUCAÇÃO INTANTIL Instituições privadas sem fins lucrativos, que atendam à educação especial, poderão ter apoio técnico e financeiro do Poder Público. Divisão em séries ou ciclos, a critério de sistema de ensino Pré-escolas Creches II - MODALIDADES EDUCAÇÃO B Á S IC A ENSINO MÉDIO E FUNDAMENTAL Educação de Jovens e Adultos Educação Profissional EDUCAÇÃO INFANTIL, ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO EDUCAÇÃO ESPECIAL 7 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos VIEIRA, Sofia Lerche. Escola – função social, gestão e política educacional. In: AGUIAR, Márcia Ângela da S.; FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Orgs.). Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 129-144. ESCOLA - FUNÇÃO SOCIAL, GESTÃO E POLÍTICA EDUCACIONAL Por muito tempo a escola não se configurou como um foco do interesse da gestão e da política educacional, pelo menos não em sentido estrito. Embora constituindo-se no espaço específico que a sociedade reservou para veicular o conhecimento que se julga importante transmitir às novas gerações, a escola permaneceu como a grande esquecida das políticas educacionais brasileiras. Os anos noventa, todavia, a trazem para o centro do debate sobre a educação, resignificando o sentido de uma reflexão sobre sua função política e social na formação da cidadania. O presente ensaio tem por intenção aprofundar os nexos entre a função social da escola, a gestão e a política educacional, buscando compreender o movimento recente deste debate. Ao refletir sobre a função social da escola, seria possível começar pela pergunta: que articulações existem entre escola e cidadania? A esse respeito faz sentido a afirmação de Canivez: Se toda comunidade política se caracteriza pela coexistência de várias tradições, a escolaridade tem significado particular. A escola, de fato, institui a cidadania. É ela o lugar onde as crianças deixam de pertencer exclusivamente à família para integrarem-se numa comunidade mais ampla em que os indivíduos estão reunidos não por vínculos de parentesco ou de afinidade, mas pela obrigação de viver em comum. A escola institui, em outras palavras, a coabitação de seres diferentes sob a autoridade de uma mesma regra (1991:33). Profa. Tatiane Lucena Há, pois, uma estreita articulação entre as relações de convivência social instituídas pela escola e a cidadania. Ou seja, é no exercício da vivência entre os seres diferentes que se aprendem normas, sem as quais não sobrevive a sociedade. Mas, por certo, não é apenas para a convivência social e para a socialização que existe a escola. Ela surge da necessidade que se tem de transmitir de forma sistematizada o saber acumulado pela humanidade. Na chamada sociedade do conhecimento este papel tende a assumir uma importância sem precedentes. Outro aspecto a assinalar é que a escola é uma instituição datada historicamente. Ou seja, cada sociedade, cada tempo forja um modelo escolar que lhe é próprio. Este, por sua vez, é atravessado por marcas e interesses diferenciados. Sobre o assunto é oportuno observar que A prática escolar consiste na concretização das condições que asseguram a realização do trabalho docente. Tais condições não se reduzem ao estritamente "pedagógico", já que a escola cumpre funções que lhe são dadas pela sociedade concreta que, por sua vez, apresenta-se como constituída por classes sociais com interesses antagônicos. A prática escolar, assim, tem atrás de si condicionantes sociopolíticos que configuram diferentes concepções de homem e de sociedade e, conseqüentemente diferentes pressupostos sobre o papel da escola, aprendizagem, relações professor-aluno, técnicas pedagógicas, etc. (Libâneo, 1986: 19). Ou seja, as funções políticas e sociais da escola são também atravessadas pelos interesses das classes sociais. Nessa perspectiva, é interessante situar a contribuição de tendências, que resultaram em diferentes concepções do papel da escola e, conseqüentemente, de sua função política e social na construção da cidadania. Este foi um tema predominante do debate sobre a educação no Brasil, nos anos oitenta que permitiu, através de diferentes tipificações, compreender o papel da escola, segundo demandas que surgem em distintos contextos, como veremos a seguir. 8 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos A escola na perspectiva das tendências pedagógicas Boa parte das reflexões sobre a função social da escola no Brasil foram canalizadas em torno do debate acerca das tendências pedagógicas. Assim, tomando como mote as incursões de Libâneo, foi possível identificar papéis propostos para a instituição escolar nas diferentes pedagogias. No contexto da pedagogia liberal ("tendência liberal tradicional") a escola é chamada a cumprir uma clássica função, enquanto instituição encarregada da transmissão da cultura e do saber sistematizado: "a atuação da escola consiste na preparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade. O compromisso da escola é com a cultura, os problemas sociais pertencem à sociedade" (Libâneo, 1986:23). Mudadas as condições, e no contexto de uma mesma pedagógica, a escola pode vir a ser chamada a orientar-se para a adequação das necessidades individuais ao meio, como ocorreu sob a égide do escolanovismo ("tendência liberal renovada progressista"). Nessa perspectiva, educação é concebida como um processo ativo, onde à cola cumpre retratar a vida, buscando "suprir as experiências que permitam ao aluno educar-se, num processo ativo de construção e reconstrução do objeto, numa interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e estruturas do ambiente" (Idem: 25). Sob a influência do tecnicismo ("tendência liberal tecnicista") concebe-se uma escola modeladora de comportamento, com ênfase em aspectos voltados para a organização do "processo de aquisição de habilidades, atitudes e conhecimentos específicos, úteis e necessários para que os indivíduos se integrem na máquina do sistema social global. Nesse contexto, a função da escola se orienta para produzir indivíduos 'competentes' para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente, informações precisas, objetivas e rápidas" (Idem: 28 e 29). No âmbito da chamada pedagogia progressista são também diferentes concepções de escola. Vamos encontrar aqui desde orientações voltadas para "uma transformação na personalidade dos unos num sentido libertário e autogestionário" ("tendência libertária progressista". Idem: 36), até uma perspectiva onde a escola é Profa. Tatiane Lucena chamada a cumprir um papel de transmissão dos conhecimentos universais, buscando a transformação social ("tendência progressista crítico-social dos conteúdos"). Nesse quadro, a função da escola se articularia com a "preparação do aluno para o mundo adulto e suas contradições, fornecendo-lhe um instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da socialização, para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade" (Idem: 39). Embora as tipificações sejam necessárias à organização do pensamento, é necessário observar que no concreto estas não existem em estado puro. Numa mesma sociedade, tempo e lugar várias tendências podem conviver. Assim, pode haver uma tendência predominante no contexto macro estrutural de uma sociedade e, em seu interior, ocorrerem manifestações diferenciadas - de escola para escola, de professor para professor. No âmbito de uma mesma tendência, por sua vez, a depender das circunstâncias, se estabelecem mecanismos de interpenetração. Feitas tais ressalvas, vale considerar que o resgate dessa discussão que tem sido travada no campo da didática tem algo a ensinar sobre o tema ora proposto. A reflexão sobre as tendências pedagógicas, tal como brevemente referidas acima, surge num contexto em que a dimensão crítica da educação e dos atores sociais a ela vinculados ocupava o centro das discussões do debate no campo educacional. Muita coisa mudou no período compreendido entre o início da década de oitenta e o momento atual. Novas perspectivas têm se colocado, inclusive, para a didática onde tem se abrigado o debate sobre a função social da escola. Algumas revisões foram feitas, novos aportes acrescentados. Se examinadas à luz do olhar de hoje, por certo, algumas retificações caberiam ser feitas. No contexto de uma sociedade caracterizada pela globalização econômica e pela difusão do conhecimento em rede, o papel e a função social da escola, por certo, são redimensionados. Novas modalidades de tecnicismo começam a se configurar, facilitadas pela presença do computador na vida- de um grande contingente de crianças - mas não de todas, o que pode vir a constituir-se como um mecanismo adicional de exclusão social. Sob tais circunstâncias, tudo é posto em xeque - conteúdos, métodos, a relação professor-aluno, 9 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos etc. O papel da educação nesse novo quadro tende a ser retomado, implicando em visões distintas sobre a escola. Algumas, retomam idéias já contempladas no debate anterior sobre as tendências pedagógicas. A compreensão da relação sociedade/escola tende a abrigar, grosso modo, três posturas: o otimismo ingênuo, que "atribui à escola uma missão salvífica"; o pessimismo ingênuo, onde esta nada mais é do que "instrumento de dominação" e; o otimismo crítico, onde ela é percebida como instituição social contraditória que comporta, ao mesmo tempo, a conservação e a inovação, podendo "servir para reproduzir as injustiças mas, concomitantemente (...) funcionar como instrumento para mudanças" (Cortella, 2000:131-136). As reflexões dos diferentes autores examinados ilustram de modo explícito a relação entre escola e conhecimento. Esta percepção não é privilégio do debate acadêmico sobre educação, como se verá no tópico a seguir. A escola na perspectiva de organismos internacionais O foco das agendas internacionais sobre a educação e, conseqüentemente sobre a escola tem origem num conjunto de medidas cuja origem deve ser localizada anteriormente, mas cujo divisor de águas é a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990. A ela se seguiram, a Conferência de Nova Delhi (1993); e, as reuniões do Projeto Principal de Educação na América Latina e do Caribe, que contemplam pautas de interesses comuns discutidos por Ministros de Educação da região, a exemplo da Conferência de Kingston, Jamaica (1996). Nesses eventos são elaboradas declarações de intenções e recomendações com as quais se comprometem os países signatários dos diferentes acordos firmados. Fazendo-se representar em todos esses encontros, o Brasil torna-se, portanto, sócio da agenda definida em tais cenários. Importante reunião de avaliação sobre os compromissos assumidos em Jomtien, por sua vez, foi realizada em Recife, no início do ano 2000. Ao lado dessa agenda mais geral e pactuada, surgem Profa. Tatiane Lucena outras propostas, formuladas por organismos internacionais, a exemplo da CEPAL e da UNESCO, conforme detalhamento a seguir. A proposta a CEPAL foi formulada em 1990, resultando, posteriormente, na publicação Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com eqüidade. Este documento, publicado pela primeira vez em espanhol, em 1992, e depois editado em português, em 1995, constitui a "primeira tentativa de delinear os contornos da ação política e institucional capaz de favorecer o vínculo sistêmico entre educação, conhecimento e desenvolvimento, tendo em conta as condições vigentes na década de 90" (CEPAL. UNESCO, 1995:4). Sua estratégia está voltada para a criação de condições propícias à transformação das estruturas produtivas da América Latina e do Caribe, num "marco de progressiva eqüidade social". O desenvolvimento de tais condições - "educacionais, de capacitação e de incorporação do progresso cientifico-tecnológico" é concebido a partir de algumas "linhas básicas, expressas como idéias-força". No campo educacional estas enfatizam o ensino fundamental, médio e médioprofissional e o desenvolvimento tecnológico. Segundo o mesmo texto "tal estratégia contempla objetivos básicos (cidadania e competitividade), diretrizes de políticas (eqüidade e desempenho) e de reforma institucional (integração e descentralização)" (Idem: 5). As idéias cepalinas, embora ainda não muito discutidas no campo da pesquisa em educação brasileira, têm expressiva difusão nas estruturas de planejamento do país, como se pode perceber em documentos gerais de governo, como também naqueles produzidos pelo Ministério da Educação (Vieira, 1998). Alguns especialistas, a exemplo de Mello (1993), incorporaram essas reflexões ao seu pensamento. Outro documento que sinaliza na direção de uma nova concepção de educação, e conseqüentemente da função social da escola, é o informe produzido pela Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, da UNESCO: Educação: um tesouro a descobrir (1999), também conhecido como "Relatório Jacques Delors". Na perspectiva desse informe, a educação é concebida a partir de princípios que constituem os "quatro pilares da educação" 10 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos quais sejam: "aprender a conhecer", "aprender a fazer", "aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros"; e, "aprender a ser" (Educação, 1999:89-117). Ao tratar dos professores, o Relatório traz algumas considerações sobre a "administração escolar": a pesquisa e a observação empírica mostram que um dos principais fatores da eficácia escolar (se não o principal), reside nos órgãos diretivos dos estabelecimentos de ensino. Um bom administrador, capaz de organizar um trabalho de equipe eficaz e tido como competente e aberto consegue, muitas vezes, introduzir no seu estabelecimento de ensino grandes melhorias. É preciso, pois, fazer com que a direção das escolas seja confiada a profissionais qualificados, portadores de formação específica, sobretudo em matéria de gestão. Esta qualificação deve conferir aos gestores um poder de decisão acrescido e gratificações que compensem o bom exercício de suas delicadas responsabilidades (Educação, op. cit, p. 163). A escola brasileira, orientada em grande parte pelos pressupostos da pedagogia tradicional, tem enfatizado o primeiro dos "aprenderes" - o conhecer - que deverão, segundo esta perspectiva, caracterizar a educação no século XXI. Haverá lugar para os demais: o fazer, o conviver e o ser? Em caso positivo, estará assim se configurando uma nova tendência? Ainda é cedo para responder, mesmo porque estas idéias ainda não penetraram no ideário pedagógico brasileiro. Trazendo tais considerações a baila se quer apontar que a discussão sobre a função social da escola ultrapassa o âmbito acadêmico e pedagógico, espraindo-se em outros cenários. Os anos noventa, como se afirmou na abertura deste ensaio, trazem a escola para o centro do palco. A este tema não pode estar omissa a reflexão no campo da política educacional. Como a escola emerge na agenda das políticas educacionais recentes? Que movimento propiciou esta mudança de foco, onde de eterna esquecida das políticas educacionais passa a receber um olhar prioritário? Um exame dos principais documentos da política educacional brasileira recente pode fornecer pistas para um aprofundamento dessas questões. Profa. Tatiane Lucena A escola nos documentos da política educacional brasileira Através da análise dos principais documentos de política educacional produzidos entre 1985 e 1995 é possível perceber que, contrariamente ao que uma interpretação superficial permitiria supor, não é o governo Fernando Henrique Cardoso o autor da "descoberta" da escola pela política educacional (Vi eira, 1998). É aos poucos, e já no início da década de 90, que a escola começa a aparecer. Momento chave na emergência de uma atenção sobre o tema no debate da política educacional é o Seminário sobre Qualidade, Eficiência e Eqüidade na Educação Básica, promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, realizado em novembro de 1991, em Pirenópolis, portanto, ainda durante o governo Collor. O temário do evento discute a gestão escolar, na perspectiva de um repensar sobre o gigantismo burocrático dos sistemas de ensino e sobre a melhor alocação de recursos humanos às escolas. Cada escola deve ter autonomia para elaborar seu próprio projeto institucional e pedagógico, visando a melhoria da qualidade com eqüidade. O papel das instâncias centrais deve ser o de estabelecer diretrizes mínimas, flexíveis e alternativas, de avaliar os resultados e de desregulamentar as exigências formais. (Gomes e Amaral Sobrinho, orgs. 1992:2. Grifo nosso) Não é justamente este o espírito do projeto de autonomia escolar buscado pelo governo atual? Essa discussão chega ao Seminário de Pirenópolis através do texto: "Autonomia da Escola: Possibilidades, limites e condições", de Mello (1992, p. 175-205), posteriormente republicado no livro Cidadania e competitividade: desafios educacionais do terceiro milênio, já referido (Mello, 1993). O ano de 1993 oferece um registro importante para a compreensão do foco sobre escola. O Plano Decenal de Educação para Todos instaura um processo de discussão levado a milhares de escolas. Em carta de apresentação "aos professores e dirigentes escolares", o então Ministro da Educação, Murílio Hingel, assinala a importância de um "esforço integrado e compartilhado entre todas as esferas e 11 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos agentes do processo educativo, ou seja, a União, os Estados e Municípios, as escolas, os professores e dirigentes escolares, as famílias e a sociedade civil" na "luta pela recuperação da educação básica do País", destacando que: Torna-se cada vez mais importante que cada uma dessas instâncias e segmentos assumam compromissos públicos com a melhoria do ensino, fazendo da escola um centro de qualidade e cidadania, com professores e dirigentes devidamente valorizados, ajudando o País a edificar um eficiente sistema público de educação básica. (Brasil. MEC. 1993. Grifo nosso). Ao lado do reconhecimento da escola como um interlocutor legítimo do processo de formulação do Plano Decenal, uma de suas "linhas de ação estratégica" é o "desenvolvimento de novos padrões de gestão educacional", onde se articula o sucesso do Plano ao "reordenamento da gestão educacional, conferindo à escola a importância estratégica que lhe é devida como espaço legítimo das ações educativas e como agente de prestação de serviços educacionais de boa qualidade. Fortalecer sua gestão e ampliar sua autonomia constituem, portanto, direção prioritária da política educacional" (Idem: 46. Grifo nosso). Em 1994 uma oportuna contribuição à discussão sobre escola vem a público - o projeto Raízes e Asas. Trata-se de um estudo empreendido pelo Centro de Pesquisas para Educação e Cultura CENPEC que relata experiências de 16 escolas brasileiras envolvidas em ações voltadas para a melhoria da qualidade do ensino de seus alunos. Apresentado sob a forma de um bem cuidado kit composto de três programas de vídeo, um livro e oito fascículos voltados para temas específicos do trabalho escolar, Raízes e Asas, foi patrocinado pelo UNICEF e pelo Banco Itaú, tornando-se uma leitura avidamente consumida por secretarias de educação e por escolas. (Conferir dados Relatório UNICEF 1997). Um dos fascículos, a propósito, elege a "função social da escola" como tema. Na Conferência Nacional de Educação para Todos (1994) a escola permanece em foco, sob o argumento de que "a discussão do Plano Decenal nas escolas, mostrou a importância de rever-se os Profa. Tatiane Lucena mecanismos de gestão escolar, de forma a torná-Ia inteiramente voltada para o êxito e o crescimento humano das crianças e dos adolescentes" (Brasil. MEC. 1994: 575). Assim, no âmbito da reunião é realizado um painel sobre "O Projeto Pedagógico da Escola", que enfoca vários aspectos referentes ao tema. O relatório do evento reitera que "a construção dos projetos político-pedagógicos das escolas requer a descentralização e a democratização do processo de tomada de decisões" e que "a autonomia e a gestão democrática da escola fazem parte do ato pedagógico" (Idem: 606). O foco na escola, esboçado ao início da década revela-se em toda sua potencialidade no anúncio das prioridades do governo iniciado em 1995. Já em seu discurso de posse, o novo presidente acena para onde se dirigirá o olhar da política educacional de seu governo, ao afirmar que "a escola precisa voltar a ser o centro do processo de ensino". Os documentos do primeiro ano de governo Planejamento político-estratégico (1995a) e Relatório de atividades do ano de 1995 (1995b) - explicitam essa prioridade. Segundo o primeiro texto todos os estudos e diagnósticos apontam a escola fundamental como a raiz dos problemas educacionais do povo brasileiro. Portanto, a prioridade absoluta será a de promover o fortalecimento da escola de primeiro grau. Há escolas, há vagas, há evasão, há repetência, há professor ma: treinado, professor mal pago, há desperdício. Para trilhar um caminho de seriedade, é preciso acima de tudo, valorizar a escola e tudo o que lhe é próprio: a sala de aula e os professores; o currículo e a formação dos mestres; o resultado da aprendizagem (p. 3). Outra passagem enfática a respeito da ênfase dispensada à escola afirma que ... é exclusivamente na escola que os resultados podem ser alcançados. A escola, portanto, sintetiza o nível gerencial-operacional do sistema: a escola fundamental, a escola de ensino médio, a instituição de ensino superior. É na escola que estão os problemas e é na escola que está a solução (p. 4). 12 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos O Planejamento político-estratégico é inteiramente permeado pela idéia da autonomia escolar que se expressa, inclusive, no mecanismo de repasses automáticos de recursos (p. 6), viabilizado através do Programa de Repasse de Recursos para a Manutenção das Escolas Públicas do Ensino Fundamental. Nos termos do Relatório de atividades do ano de 1995 "trata-se da transferência de recursos diretamente para as escolas das redes estaduais e municipais de ensino" (p. 13). O repasse envolve recursos suplementares para a manutenção de escolas públicas, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE. O cálculo de tais recursos é feito "de acordo com o número de alunos matriculados e devem ser aplicados pela própria direção da escola, associação de pais e professores, caixas escolares etc., em despesas de manutenção da escola e aquisição de material didático entre outras" (Idem). Iniciado em 1995, o programa, popularizado como Dinheiro na Escola, ampliou-se nos anos subseqüentes, prevendo, em 1997 repasses também para organizações não-governamentais voltadas para o atendimento de portadores de necessidades educativas especiais (Brasil. MEC. 1997). Outra ilustração do interesse da política educacional sobre a escola refere-se ao Programa TV Escola. Constituído por uma série de programas de vídeo a serem veiculados por escolas públicas de todo o país, focaliza um conjunto de programas sobre escola/educação.4 Também a estratégia de divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) é totalmente orientada para a escola e para o professor. O foco na escola se traduz também em alguns dispositivos da nova LDB. a primeiro deles refere-se às incumbências dos estabelecimentos de ensino, quais sejam: I. elaborar e executar sua proposta pedagógica; II. administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III. assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV. velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V. prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento; VI. articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; Profa. Tatiane Lucena VII. informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagó gica. (Art. 12) A escola também é referida no artigo que trata da "gestão democrática do ensino público na educação básica" onde são previstos dois princípios: I. "participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II. participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes". (Art. 14) Finalmente, a questão da "autonomia escolar" é tratada em dispositivo que prevê que: "os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público" (Art. 15). Como se vê, progressivamente a escola foi conquistando um espaço na agenda das políticas educacionais. De quase esquecida, passa a ser a grande prioridade das intenções governamentais. É nesse contexto que deve hoje ser equacionada a discussão de sua função social e de seu papel na construção da cidadania. A escola realizada pela Fundação Roberto Marinho, 1996; e, "Escola em Discussão" - série com 7 programas, realizada pela TV Escola/MEC, 1997 (MEC, TV Escola), tem sido ao longo da história e permanece sendo a instituição social que, por excelência trabalha com o conhecimento de forma sistemática e organizada. A ela cabe ensinar e garantir a aprendizagem de certas habilidades e conteúdos necessários à inserção das novas gerações na vida em sociedade, oferecendo instrumentos de compreensão da realidade e favorecendo a participação dos educandos em relações sociais diversificadas e cada vez mais amplas (CENPEC, 1994: 11). Boa parte dos problemas gerados pelo fracasso escolar são produzidos no interior das escolas públicas. É certo que não cabe exclusivamente à escola a responsabilidade por esta situação, uma 13 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos vez que ele se situa dentro do quadro mais amplo de políticas públicas responsáveis pelo suporte ao cumprimento de sua função social. Há, contudo, um trabalho por construir no interior da escola para viabilizar uma educação cidadã para todas as crianças. Mudanças de várias ordens são necessárias para alterar o quadro atual, envolvendo uma contribuição decisiva das várias instâncias do Poder Público. Garantidas as condições indispensáveis ao seu funcionamento, contudo, "há um espaço de atuação, no âmbito de cada unidade escolar, que pode e deve ser ocupado por seus educadores" (Idem). Nesse processo, há que se buscar também um caminho para que a população e os usuários da escola a percebam como sua. Quando o espaço da escola é apropriado pela comunidade escolar, a violência contra esse patrimônio de todos, tão comum em nossos dias5, pode pôr em risco a própria sobrevivência da casa do saber, instância ímpar de construção da cidadania de crianças e adolescentes de todas as classes, independentemente de etnia, sexo e confissão religiosa. A escola e sua articulação com a gestão e a política educacional O percurso anterior permitiu retomar algo do pensamento sobre a função social da escola, situando seu papel no debate sobre as tendências pedagógicas dos anos 80. Viu-se, porém, que no contexto da chamada sociedade do conhecimento, novas demandas se colocam para a escola, redefinindo-se seu papel. O estudo procurou mostrar também como, ao longo da última década, pouco a pouco, a escola passa a constituir-se em importante foco da política educacional. Esses dois movimentos, embora simultâneos, são de ordens distintas. Articulam-se, por suas vez, com a reflexão acerca dos novos desafios da gestão educacional. A retomada da constatação óbvia de que a escola tem papel fundamental na formação da cidadania, revela o caráter estratégico de uma gestão para o exercício desta função política e social. No âmbito da escola propriamente dita, passa-se de uma concepção de administração do cotidiano das relações de ensino-aprendizagem para a noção de um todo mais amplo, multifacetado, relacionado não apenas a uma comunidade interna, constituída por professores, alunos e funcionários, mas que se articula com as famílias e a Profa. Tatiane Lucena 6 comunidade externa • Assim, não por acaso, o diretor e/ou a unidade administrativa dirigente, passam a ser chamados de "gestor", "núcleo gestor" e expressões congêneres. Não se trata, aqui, de uma simples troca de nomes. Na verdade, o que está a ocorrer é o reconhecimento da escola enquanto instituição caracterizada por uma cultura própria, atravessada por relações de consenso e conflito, marcada por resistências e contradições. A escola representa, a um só tempo, "espaço de democratização e de educação individual" e de "transmissão dos valores coletivos e da consciência social (Puigrós, 1998:10). A educação, embora ultrapasse e se exerça em outros espaços que não o escolar, "é uma tarefa coletiva da sociedade e, portanto, de cada comunidade" (Nogueira, 1999:19). A presença de linhas de investigação de base qualitativa no campo educacional, foi decisiva para o aprofundamento dessas noções. As contribuições da antropologia, da sociologia e da psicologia social, por sua vez, trouxeram novos aportes à compreensão da escola enquanto uma organização complexa, em cujo interior se dão relações que ultrapassam, em muito, o mero contexto das situações clássicas de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, é importante admitir que há algo de ingênuo na interpretação veiculada por alguns estudiosos de que o protagonismo da escola no campo da política educacional é tão somente uma invenção maquiavélica dos organismos internacionais, financiadores de projetos em nosso país. É verdade que há coincidências entre agendas internacionais e nacionais. Portanto, pode-se supor que, como no dito popular, "onde há fumaça, há fogo". As recomendações sobre a necessidade de focalizar a escola na agenda das políticas educacionais não são propriamente novas, como o exame anterior permitiu constatar. Novas são as formas como as políticas têm incorporado tais recomendações. Para bem entender esse processo, é necessário fazer um movimento complementar, aprofundando aspectos da reflexão sobre centralização/ descentralização (Vieira, 1998). Tivemos, ao longo da história, uma tradição de gestão de cunho fortemente centralizador. Trata-se de uma herança que se instala desde os primórdios da Colônia, passando pelo Império, até as 14 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos diferentes formas de organização da República. A centralização está tão entranhada na base da organização do sistema educacional brasileiro, quanto no interior da própria escola. Sua expressão se dá sob diferentes matizes - desde as formas autoritárias de convivência à mecanismos rígidos de controle burocrático dos tempos de trabalho e organização das relações de ensino-aprendizagem. Assim, numa cadeia interminável de relações de controle, a centralização marca as relações entre os orgãos de administração do sistema nas diferentes esferas do Poder Público (União, Estados e Municípios), assim como aquelas entre estes e as escolas. Consideradas, todavia, as dimensões continentais de nosso país, o modelo centralista encontrou suas brechas. A despeito de diretrizes gerais e estruturas rígidas e da montagem de um aparato legal e burocrático para fazer face a tais necessidades, na prática, formas de descentralização foram se impondo. Estados e municípios exerceram significativos graus de liberdade, ao assumir suas funções de coordenação do sistema escolar, em níveis diversos de abrangência. Na política educacional recente, sobretudo a partir de 1995, ocorre um movimento que rompe com o quadro anterior. No novo contexto da gestão educacional, há uma recentralização das decisões na esfera federal. Anula-se gradativamente a governabilidade dos Estados sobre decisões que afetam não· apenas os sistemas educacionais, mas o próprio pacto federativo. A tendência de recentralização se expressa em frentes distintas, porém, estrategicamente orquestradas, pela via da legislação recente. De um lado, são feitas transferências financeiras diretamente à Municípios (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF) e escolas (Programa "Dinheiro na Escola"). Não por coincidência, a escola passa a ser denominada de "Unidade Executora". De outro, está o controle dos resultados de ensino-aprendizagem, através da montagem de um complexo e meticuloso sistema nacional de avaliação, afeto a todos os níveis de educação - desde a escola fundamental e média (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SAEB - e o Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM), ao ensino superior (Exame Nacional de Cursos, mais conhecido como Provão). Profa. Tatiane Lucena Tudo isto faz parte de um movimento mais amplo e não casual que se passa no cenário sobre o qual se constrói a gestão educacional em nossos dias. A globalização, a internacionalização das economias, as novas formas de organização do trabalho na produção flexível e a divulgação do conhecimento em redes cada vez mais complexas de informação, impõem circunstâncias inimagináveis em ciclos históricos anteriores. Tais mudanças, por sua vez, atingem de forma diferenciada os diversos países. Os governos brasileiros têm feito, desde o início da década de 90 - primeiro, com Fernando Collor de Mello e, depois, com Fernando Henrique Cardoso - opções pela abertura da economia aos capitais internacionais. Assistimos nos últimos anos a um processo de privatização sem precedentes de empresas e outras organizações estatais. Uma das justificativas da opção pela privatização tem sido a de que o Estado necessita retirarse da esfera econômica, para melhor intervir na área social. A realidade, todavia, trama contra tais argumentos. Desemprego, salários congelados, depreciação generalizada dos serviços públicos põem a olho nu todas as mazelas de um país que chega ao novo milênio como uma das economias importantes do mundo, mas com problemas sociais os mais graves. Nossas desigualdades sociais e econômicas denunciam ao mundo o gigante com pés de barro. Nesse contexto mais amplo, que por certo não é de todo novo, mas impõe novos desafios, a gestão muitas vezes se põe como a pedra de toque para a solução dos velhos problemas educacionais. Os investimentos na capacitação de gestores que o digam. "Nem tanto ao mar, nem tanto à terra", aconselharia o velho senso-comum. Investir na gestão é importante, sim. Mas de pouco adianta se no real e no concreto as coisas permanecem as mesmas onde, em última instância, se faz o exercício cotidiano de ensinar e de aprender a sala de aula. Mas, esta é uma outra conversa. Por ora, guardemos essas reflexões, lembrando que tudo isto que está acontecendo demanda novos olhares sobre a educação. Neste quadro, tanto é necessário buscar respostas novas para desafios novos, quanto lembrar dos muitos velhos desafios que ainda estão por resolver. Buscar este caminho é uma tarefa para a pesquisa e para os protagonistas da gestão educacional. 15 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos LIBÂNEO, José Carlos. Didática: teoria da instrução e do ensino. In: ______. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. p. 51-73. DIDÁTICA: TEORIA DA INSTRUÇÃO E DO ENSINO Nos capítulos anteriores procuramos formar uma visão geral da problemática da educação escolar, da Pedagogia e da Didática, introduzindo já o necessário entrosamento entre conhecimentos teóricos e as exigências práticas. Retomaremos, agora, algumas questões, com a finalidade de aprofundar mais os vínculos da Didática com os fundamentos educacionais proporcionados pela teoria pedagógica, explicitar o seu objeto de estudo e seus elementos constitutivos para, em seguida, delinear alguns traços do desenvolvimento histórico dessa disciplina. No tópico final, incluímos os principais temas da Didática indispensáveis ao exercício profissional dos professores. Neste capítulo serão tratados os seguintes temas: a Didática como atividade pedagógica escolar; objeto de estudo: os processos da instrução e do ensino; os componentes do processo didático; desenvolvimento histórico da Didática e as tendências pedagógicas; a Didática e as tarefas do professor. A didática como atividade pedagógica escolar Conforme estudamos, a Pedagogia investiga a natureza das finalidades da educação como processo social, no seio de uma determinada sociedade, bem como as metodologias apropriadas para a formação dos indivíduos, tendo em vista o seu desenvolvimento humano para tarefas na vida em sociedade. Quando falamos das Profa. Tatiane Lucena finalidades da educação no seio de uma determinada sociedade, queremos dizer que o entendimento dos objetivos, conteúdos e métodos da educação se modifica conforme as concepções de homem e da sociedade que, em cada contexto econômico e social de um momento da história humana, caracterizam o modo de pensar, o modo de agir e os interesses das classes e grupos sociais. A Pedagogia, portanto, é sempre uma concepção da direção do processo educativo subordinada a uma concepção político-social. Sendo a educação escolar uma atividade social que, através de instituições próprias, visa a assimilação dos conhecimentos e experiências humanas acumuladas no decorrer da história, tendo em vista a formação dos indivíduos enquanto seres sociais, cabe à Pedagogia intervir nesse processo de assimilação, orientando-o para finalidades sociais e políticas e criando um conjunto de condições metodológicas e organizativas para viabilizá-Io no âmbito da escola. Nesse sentido, a Didática assegura' o fazer pedagógico na escola, na sua dimensão político-social e técnica; é, por isso, uma disciplina eminentemente pedagógica. A Didática é, pois, uma das disciplinas da Pedagogia que estuda o processo de ensino através dos seus componentes - os conteúdos escolares, o ensino e a aprendizagem - para, com o embasamento numa teoria da educação, formular diretrizes orientadoras da atividade profissional dos professores. É, ao mesmo tempo, uma matéria de estudo fundamental na formação profissional dos professores e um meio de trabalho do qual os professores se servem para dirigir a atividade de ensino, cujo resultado é a aprendizagem dos conteúdos escolares pelos alunos. Definindo-se como mediação escolar dos objetivos e conteúdos do ensino, a Didática investiga as condições e formas que vigoram no ensino e, ao mesmo tempo, os fatores reais (sociais, políticos, culturais, psicossociais) condicionantes das relações entre a docência e a aprendizagem. Ou seja, destacando a instrução e o ensino como elementos primordiais do processo pedagógico escolar, traduz objetivos sociais e políticos em objetivos de ensino, seleciona e organiza os conteúdos e métodos e, ao estabelecer as conexões entre 16 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos ensino e aprendizagem, indica princípios e diretrizes que irão regular a ação didática. Por outro lado, esse conjunto de tarefas não visa outra coisa senão o desenvolvimento físico e intelectual dos alunos, com vistas à sua preparação para a vida social. Em outras palavras, o processo didático de transmissão/assimilação de conhecimentos e habilidades tem como culminância o desenvolvimento das capacidades cognoscitivas dos alunos, de modo que assimilem ativa e independentemente os conhecimentos sistematizados. Que significa teoria da instrução e do ensino? Qual a relação da Didática com o currículo, metodologias específicas das matérias, procedimentos de ensino, técnicas de ensino? A instrução se refere ao processo e ao resultado da assimilação sólida de conhecimentos sistematizados e ao desenvolvimento de capacidades cognitivas. O núcleo da instrução são os conteúdos das matérias. O ensino consiste no planejamento, organização, direção e avaliação da atividade didática, concretizando as tarefas da instrução; o ensino inclui tanto o trabalho do professor (magistério) como a direção da atividade de estudo dos alunos. Tanto a instrução como o ensino se modificam em decorrência da sua necessária ligação com o desenvolvimento da sociedade e com as condições reais em que ocorre o trabalho docente. Nessa ligação é que a Didática se fundamenta para formular diretrizes orientadoras do processo de ensino. O currículo expressa os conteúdos da instrução, nas matérias de cada grau do processo de ensino. Em tomo das matérias se desenvolve o processo de assimilação dos conhecimentos e habilidades. A metodologia compreende o estudo dos métodos, e o conjunto dos procedimentos de investigação das diferentes ciências quanto aos seus fundamentos e validade, distinguindo-se das técnicas que são a aplicação específica dos métodos. No campo da Didática, há uma relação entre os métodos próprios da ciência que dá suporte à matéria de ensino e os métodos de ensino. A metodologia pode ser geral (por ex., métodos tradicionais, métodos ativos, método da descoberta, método de solução de problemas etc.) ou específica, Profa. Tatiane Lucena seja a que se refere aos procedimentos de ensino e estudo das disciplinas do currículo (alfabetização, Matemática, História etc.), seja a que se refere a setores da educação escolar ou extra-escolar (educação de adultos, educação especial, educação sindical etc.). Técnicas, recursos ou meios de ensino são complementos da metodologia, colocados à disposição do professor para o enriquecimento do processo de ensino. Atualmente, a expressão "tecnologia educacional" adquiriu um sentido bem mais amplo, englobando técnicas de ensino diversificadas, desde os recursos da informática, dos meios de comunicação e os audiovisuais até os de instrução programada e de estudo individual e em grupos. A Didática tem muitos pontos em comum com as metodologias específicas de ensino. Elas são as fontes da investigação Didática, ao lado da Psicologia da Educação e da Sociologia da Educação. Mas, ao se constituir como teoria da instrução e do ensino, abstrai das particularidades de cada matéria para generalizar princípios e diretrizes para qualquer uma delas. Em síntese, são temas fundamentais da Didática: os objetivos sóciopolíticos e pedagógicos da educação escolar, os conteúdos escolares, os princípios didáticos, os métodos de ensino e de aprendizagem, as formas organizativas do ensino, o uso e aplicação de técnicas e recursos, o controle e a avaliação da aprendizagem. Objeto de estudo: o processo de ensino O objeto de estudo da Didática é o processo de ensino, campo principal da educação escolar. Na medida em que o ensino viabiliza as tarefas da instrução, ele contém a instrução. Podemos, assim, delimitar como objeto da Didática o processo de ensino que, considerado no seu conjunto, inclui: os conteúdos dos programas e dos livros didáticos, os métodos e formas organizativas do ensino, as atividades do professor e dos alunos e as diretrizes que regulam e orientam esse processo. Por que estudar o processo de ensino? Vimos, anteriormente, que a educação escolar é uma tarefa eminentemente social, pois a 17 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos sociedade necessita prover as gerações mais novas daqueles conhecimentos e habilidades que vão sendo acumulados pela experiência social da humanidade. Ora, não é suficiente dizer que os alunos precisam dominar os conhecimentos; é necessário dizer como fazê-Io, isto é, investigar objetivos e métodos seguros e eficazes para a assimilação dos conhecimentos. Esta é a função da Didática, ao estudar o processo do ensino. Podemos definir processo de ensino como uma seqüência de atividades do professor e dos alunos, tendo em vista a assimilação de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades, através dos quais os alunos aprimoram capacidades cognitivas (pensamento independente, observação, análise-síntese e outras). Quando mencionamos que a finalidade do processo de ensino é proporcionar aos alunos os meios para que assimilem ativamente os conhecimentos é porque a natureza do trabalho docente é a mediação da relação cognoscitiva entre o aluno e as matérias de ensino. Isto quer dizer que o ensino não é só transmissão de informações mas também o meio de organizar a atividade de estudo dos alunos. O ensino somente é bem-sucedido quando os objetivos do professor coincidem com os objetivos de estudo do aluno e é praticado tendo em vista o desenvolvimento das suas forças intelectuais. Ensinar e aprender, pois, são duas facetas do mesmo processo, e que se realizam em tomo das matérias de ensino, sob a direção do professor. Os componentes do processo didático Quem circula pelos corredores de uma escola, o quadro que observa é o professor frente a uma turma de alunos, sentados ordenadamente ou realizando uma tarefa em grupo, para aprender uma matéria. De fato, tradicionalmente se consideram como componentes da ação didática a matéria, o professor, os alunos. Pode-se combinar estes componentes, acentuando-se mais um ou outro, mas a idéia corrente é a de que o professor transmite a Profa. Tatiane Lucena matéria ao aluno. Entretanto, o ensino, por mais simples que possa parecer à primeira vista, é uma atividade complexa: envolve tanto condições externas como condições internas das situações didáticas. Conhecer essas condições e lidar acertadamente com elas é uma das tarefas básicas do professor para a condução do trabalho docente. Internamente, a ação didática se refere à relação entre. o aluno e a matéria, com o objetivo de apropriar-se dela com a mediação do professor. Entre a matéria, o professor e o aluno ocorrem relações recíprocas. O professor tem propósitos definidos no sentido de assegurar o encontro direto do aI uno com a matéria, mas essa atuação depende das condições internas dos alunos alterando o modo de lidar com a matéria. Cada situação didática, porém, vincula-se a determinantes econômico-sociais, sócio-culturais, a objetivos e normas estabelecidos conforme interesses da sociedade e seus grupos, e que afetam as decisões didáticas. Consideremos, pois, que a inter-relação entre professor e alunos não se reduz à sala de aula, implicando relações bem mais abrangentes: Escola, professor, aluno, pais estão inseridos na dinâmica das relações sociais. A sociedade não é um todo homogêneo, onde reina a paz e a harmonia. Ao contrário, há antagonismos e interesses distintos entre grupos e classes sociais que se refletem nas finalidades e no papel atribuídos à escola, ao trabalho do professor e dos alunos. As teorias da educação e as práticas pedagógicas, os objetivos educativos da escola e dos professores, os conteúdos escolares, a relação professor-alunos, as modalidades de comunicação docente, nada disso existe isoladamente do contexto econômico, social e cultural mais amplo e que afetam as condições reais em que se realizam o ensino e a aprendizagem. O professor não é apenas professor, ele participa de outros contextos de relações sociais onde é, também, aluno, pai, filho, membro de sindicato, de partido político ou de um grupo religioso. Esses contextos se referem uns aos outros e afetam a atividade prática do professor. O aluno, por sua vez, não existe apenas como aluno. Faz parte de um grupo social, pertence a uma farru1ia que vive em determinadas condições de vida e de trabalho, é branco, 18 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos negro, tem uma determinada idade, possui uma linguagem para expressar-se conforme o meio em que vive, tem valores e aspirações condicionados pela sua prática de vida etc. A eficácia do trabalho docente depende da filosofia de vida do professor, de suas convicções políticas, do seu preparo profissional, do salário que recebe, da sua personalidade, das características da sua vida familiar, da sua satisfação profissional em trabalhar com crianças etc. Tudo isto, entretanto, não é uma questão de traços individuais do professor, pois o que acontece com ele tem a ver com as relações sociais que acontecem na sociedade. Consideremos, assim, que o processo didático está centrado na relação fundamental entre o ensino e a aprendizagem, orientado para a confrontação ativa do aluno com matéria sob a mediação do professor. Com isso, podemos identificar entre os seus elementos constitutivos: os conteúdos das matérias que devem ser assimilados pelos alunos de um determinado grau; a ação de ensinar em que o professor atua como mediador entre o aluno e as matérias; a ação de aprender em que o aluno assimila consciente e ativamente as matérias e desenvolve suas capacidade e habilidades. Contudo, estes componentes não são suficientes para ver o ensino em sua globalidade. Como vimos, não é uma atividade que se desenvolve automaticamente, restrita ao que se passa no interior da escola, uma vez que· expressa finalidades e exigências da prática social, ao mesmo tempo que se subordina a condições concretas postas pela mesma prática social que favorecem ou dificultam atingir objetivos. Entender, pois, o processo didático como totalidade abrangente implica vincular conteúdos, ensino e aprendizagem a objetivos sóciopolíticos e pedagógicos e analisar criteriosamente o conjunto de condições concretas que rodeiam cada situação didática. Em outras palavras, o ensino é um processo social, integrante de múltiplos processos sociais, nos quais estão implicadas dimensões políticas, ideológicas, éticas, pedagógicas, frente às quais se formulam objetivos, conteúdos e métodos conforme opções assumidas pelo educador, cuja realização está na dependência de condições, seja aquelas que o educador já encontra seja as que ele precisa Profa. Tatiane Lucena transformar ou criar. Desse modo, os objetivos gerais e específicos são não só um dos componentes do processo didático como também determinantes das relações entre os demais componentes. Além disso, a articulação entre estes depende da avaliação das condições concretas implicadas no ensino, tais como objetivos e exigências postos pela sociedade e seus grupos e classes, o sistema escolar, os programas oficiais, a formação dos professores, as forças sociais presentes na escola (docentes, pais etc.), os meios de ensino disponíveis, bem como as características sócio-culturais e individuais dos alunos, as condições prévias dos alunos para enfrentar o estudo de determinada matéria, as relações professor-alunos, a disciplina, o preparo específico do professor para compreender cada situação didática e transformar positivamente o conjunto de condições para a organização do ensino. O processo didático, assim, desenvolve-se mediante a ação recíproca dos componentes fundamentais do ensino: os objetivos da educação e da instrução, os conteúdos, o ensino, a aprendizagem, (,s métodos, as formas e meios de organização das condições da situação didática, a avaliação. Tais são, também, os conceitos fundamentais que formam a base de estudos da Didática. Desenvolvimento histórico da Didática e tendências pedagógicas A história da Didática está ligada ao aparecimento do ensino - no decorrer do desenvolvimento da sociedade, da produção e das ciências como atividade planejada e intencional dedicada à instrução. Desde os primeiros tempos existem indícios de formas elementares de instrução e aprendizagem. Sabemos, por exemplo, que nas comunidades primitivas os jovens passam por um ritual de iniciação para ingressarem nas atividades do mundo adulto. Pode-se considerar esta uma forma de ação pedagógica, embora aí não esteja presente o "didático" como forma estruturada de ensino. Na chamada Antiguidade Clássica (gregos e romanos) e no 19 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos período medieval também se desenvolvem formas de ação pedagógica, em escolas, mosteiros, igrejas, universidades. Entretanto, até meados do século XVII não podemos falar de Didática como teoria do ensino, que sistematize o pensamento didático e o estudo científico das formas de "ensinar. O termo "Didática" aparece quando os adultos começam a intervir na atividade de aprendizagem das crianças e jovens através da direção deliberada e planejada do ensino, ao contrário das formas de intervenção mais ou menos espontâneas de antes. Estabelecendose uma intenção propriamente pedagógica na atividade de ensino, a escola se toma uma instituição, o processo de ensino passa a ser sistematizado conforme níveis, tendo em vista a adequação às possibilidades das crianças, às idades e ritmo de assimilação dos estudos. A formação da teoria didática para investigar as ligações entre ensino e aprendizagem e suas leis ocorre no século XVII, quando João Amós Comênio (1592-1670), um pastor protestante, escreve a primeira obra clássica sobre Didática, a Didacta Magna. Ele foi o primeiro educador a formular a idéia da difusão dos conhecimentos a todos e criar princípios e regras do ensino. Comênio desenvolveu idéias avançadas para a prática educativa nas escolas, numa época em que surgiam novidades no campo da Filosofia e das Ciências e grandes transformações nas técnicas de produção, em contraposição às idéias conservadoras da nobreza e do clero. O sistema de produção capitalista, ainda incipiente, já influenciava a organização da vida social, política e cultural. A Didática de Comênio se assentava nos seguintes princípios: A finalidade da educação é conduzir à felicidade eterna com Deus, pois é uma força poderosa de regeneração da vida humana. Todos os homens merecem a sabedoria, a moralidade e a religião, porque todos, ao realizarem sua própria natureza, realizam os desígnios de Deus. Portanto, a educação é um direito natural de todos. Por ser parte da natureza, o homem deve ser educado de acordo com o seu desenvolvimento natural, isto é, de acordo com as características de idade e capacidade para o conhecimento. Profa. Tatiane Lucena Conseqüentemente, a tarefa principal da Didática é estudar essas características e os métodos de ensino correspondentes, de acordo com a ordem natural das coisas. A assimilação dos conhecimentos não se dá instantaneamente, como se o aluno registrasse de forma mecânica na sua mente a informação do professor, como o reflexo num espelho. No ensino, ao invés disso, tem um papel decisivo a percepção sensorial das coisas. Os conhecimentos devem ser adquiridos a partir da observação das coisas e dos fenômenos, utilizando e desenvolvendo sistematicamente os órgãos dos sentidos. O método intuitivo consiste, assim, da observação direta, pelos órgãos dos sentidos, das coisas, para o registro das impressões na mente do aluno. Primeiramente as coisas, depois as palavras. O planejamento de ensino deve obedecer o curso da natureza infantil; por isso as coisas devem ser ensinadas uma de cada vez. Não se deve ensinar nada que a criança não possa compreender. Portanto, deve-se partir do conhecido para o desconhecido. Apesar da grande novidade destas idéias, principalmente dando um impulso ao surgimento de uma teoria do ensino, Comênio não escapou de algumas crenças usuais na época sobre ensino. Embora partindo da observação e da experiência sensorial, mantinha-se o caráter transmissor do ensino; embora procurando adaptar o ensino às fases do desenvolvimento infantil, mantinha-se o método único e o ensino simultâneo a todos. Além disso, sua idéia de que a única via de acesso dos conhecimentos é a experiência sensorial com as coisas não é suficiente, primeiro porque nossas percepções freqüentemente nos enganam, segundo, porque já há uma experiência social acumulada de conhecimentos sistematizados que não necessitam ser descobertos novamente. Entretanto, Comênio desempenhou uma influência considerável, não somente porque empenhou-se em desenvolver métodos de instrução mais rápidos e eficientes, mas também porque desejava que todas as pessoas pudessem usufruir dos benefícios do conhecimento. Sabemos que, na história, as idéias, principalmente quando são muito inovadoras para a época, costumam demorar para terem efeito 20 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos prático. No século XVII, em que viveu Comênio, e nos séculos seguintes, ainda predominavam práticas escolares da Idade Média: ensino intelectualista, verbalista e dogmático, memorização e repetição mecânica dos ensinamentos do professor. Nessas escolas não havia espaço para idéias próprias dos alunos, o ensino era separado da vida, mesmo porque ainda era grande o poder da religião na vida social. Enquanto isso, porém, foram ocorrendo intensas mudanças nas formas de produção, havendo um grande desenvolvimento da ciência e da cultura. Foi diminuindo o poder da nobreza e do clero e aumentando o da burguesia. Na medida em que esta se fortalecia como classe social, disputando o poder, econômico e político com a nobreza, ia crescendo também a necessidade de um ensino ligado às exigências do mundo da produção e dos negócios e, ao mesmo tempo, um ensino que contemplasse o livre desenvolvimento das capacidades e interesses individuais. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) foi um pensador que procurou interpretar essas aspirações, propondo uma concepção nova de ensino, baseada nas necessidades e interesses imediatos da criança. As idéias mais importantes de Rousseau são as seguintes: 1) A preparação da criança para a vida futura deve basear-se no estudo das coisas que correspondem às suas necessidades e interesses atuais. Antes de ensinar as ciências, elas precisam ser levadas a despertar o gosto pelo seu estudo. Os verdadeiros professores são a natureza, a experiência e o sentimento. O contato da criança com o mundo que a rodeia é que desperta o interesse e suas potencialidades naturais. Em resumo: são os interesses e necessidades imediatas do aluno que determinam a organização do estudo e seu desenvolvimento. 2) A educação é um processo natural, ela se fundamenta no desenvolvimento interno do aluno. As crianças são boas por natureza, elas têm uma tendência natural para se desenvolverem. Rousseau não colocou em prática suas idéias e nem elaborou uma teoria de ensino. Essa tarefa coube a um outro pedagogo suíço, Henrique Pestalozzi (1746-1827), que viveu e trabalhou até o fim da Profa. Tatiane Lucena vida na educação de crianças pobres, em instituições dirigidas por ele próprio. Deu uma grande importância ao ensino como meio de educação e desenvolvimento das capacidades humanas, como cultivo do sentimento, da mente e do caráter. Pestalozzi atribuía grande importância ao método intuitivo, levando os alunos a desenvolverem o senso de observação, análise dos objetos e fenômenos da natureza e a capacidade da linguagem, através da qual se expressa em palavras o resultado das observações. Nisto consistia a educação intelectual. Também atribuía importância fundamental à psicologia da criança como fonte do desenvolvimento do ensino. As idéias de Comênio, Rousseau e Pestalozzi influenciaram muitos outros pedagogos. O mais importante deles, porém, foi Johann Friedrich Herbart (1766-1841), pedagogo alemão que teve muitos discípulos e que exerceu influência relevante na Didática e na prática docente. Foi e continua sendo inspirador da pedagogia conservadora - conforme veremos - mas suas idéias precisam ser estudadas por causa da sua presença constante nas salas de aula brasileiras. Junto com uma formulação teórica dos fins da educação e da Pedagogia como ciência, desenvolveu uma análise do processo psicológico-didático de aquisição de conhecimentos, sob a direção dó professor. Segundo Herbart, o fim da educação é a moralidade, atingida através da instrução educativa. Educar o homem significa instruí-Io para querer o bem, de modo que aprenda a comandar a si próprio. A principal tarefa da instrução é introduzir idéias corretas na mente dos alunos. O professor é um arquiteto da mente. Ele deve trazer à atenção dos alunos aquelas idéias que deseja que dominem suas mentes. Controlando os interesses dos alunos, o professor vai construindo uma massa de idéias na mente, que por sua vez vão favorecer a assimilação de idéias novas. O método de ensinar consiste em provocar a acumulação de idéias na mente da criança. Herbart estava atrás também da formulação de um método único de ensino, em conformidade comas leis psicológicas do conhecimento. Estabeleceu, assim, quatro passos didáticos que deveriam ser rigorosamente seguidos: o primeiro seria a preparação e 21 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos apresentação da matéria nova de forma clara e completa, que denominou clareza; o segundo seria a associação entre as idéias antigas e as novas; o terceiro, a sistematização dos conhecimentos, tendo em vista a generalização; finalmente, o quarto seria a aplicação, o uso dos conhecimentos adquiridos através de exercícios, que denominou método. Posteriormente, os discípulos de Hercart desenvolveram mais a proposta dos passos formais, ordenando-os em cinco: preparação, apresentação, assimilação, generalização e aplicação, fórmula esta que ainda é utilizada pela maioria dos nossos professores. O sistema pedagógico de Herbart e seus seguidores – chamados de herbartianos - trouxe esclarecimentos válidos para a organização da prática docente, como por exemplo: a necessidade de estruturação e ordenação do processo de ensino, a exigência de compreensão dos assuntos estudados e não simplesmente memorização, o significado educativo da disciplina na formação do caráter. Entretanto, o ensino é entendido como repasse de idéias do professor para a cabeça do aluno; os alunos devem compreender o que o professor transmite, mas apenas com a finalidade de reproduzir a matéria transmitida. Com isso, a aprendizagem se toma mecânica, automática, associativa, não mobilizando a atividade mental, a reflexão e o pensamento independente e criativo dos alunos. As idéias pedagógicas de Comênio, Rousseau, Pestalozzi e Herbart - além de muitos outros que não pudemos mencionar formaram as bases do pensamento pedagógico europeu, difundindose depois por todo o mundo, demarcando as concepções pedagógicas que hoje são conhecidas como Pedagogia Tradicional e Pedagogia Renovada. A Pedagogia Tradicional, em suas várias correntes, caracteriza as concepções de educação onde prepondera a ação de agentes externos na formação do aluno, o primado do objeto de conhecimento, a transmissão do saber constituído na tradição e nas grandes verdades acumuladas pela humanidade e uma concepção de ensino como impressão de imagens propiciadas ora pela palavra do professor ora pela observação sensorial. A Pedagogia Renovada Profa. Tatiane Lucena agrupa correntes que advogam a renovação escolar, opondo-se à Pedagogia Tradicional. Entre as características desse movimento destacam-se: a valorização da criança, dotada de liberdade, iniciativa e de interesses próprios e, por isso mesmo, sujeito da sua aprendizagem e agente do seu próprio desenvolvimento; tratamento científico do processo educacional, considerando as etapas sucessivas do desenvolvimento biológico e psicológico; respeito às capacidades e aptidões individuais, individualização do ensino conforme os ritmos próprios de aprendizagem; rejeição de modelos adultos em favor da atividade e da liberdade de expressão da criança. O movimento de renovação da educação, inspirado nas idéias de Rousseau, recebeu diversas denominações, como educação nova, escola nova, pedagogia ativa, escola do trabalho. Desenvolveu-se como tendência pedagógica no início do século XX, embora nos séculos anteriores tenham existido diversos filósofos e pedagogos que propugnavam a renovação da educação vigente, tais como Erasmo, Rabelais, Montaigne à época do Renascimento e os já citados Comênio (séc. XVII), Rousseau e Pestalozzi (no séc. XVIII). A denominação Pedagogia Renovada se aplica tanto ao movimento da educação nova propriamente dito, que inclui a criação de "escolas novas", a disseminação da pedagogia ativa e dos métodos ativos, como também a outras correntes que adotam certos princípios de renovação educacional mas sem vínculo direto com a Escola Nova; citamos, por exemplo, a pedagogia científico-espiritual desenvolvida por W. Dilthey e seus seguidores, e a pedagogia ativista-espiritualista católica. Dentro do movimento escolanovista, desenvolveu-se nos Estados Unidos uma de suas mais destacadas correntes, a Pedagogia Pragmática ou Progressivista, cujo principal representante é John Dewey (1859-1952). As idéias desse brilhante educador exerceram uma significativa influência no movimento da Escola Nova na América Latina e, particularmente, no Brasil. Com a liderança de Anísio Teixeira e outros educadores, formou-se no início da década de 30 o Movimento dos Pioneiros da Escola Nova, cuja atuação foi decisiva na formulação da política educacional, na legislação, na investigação acadêmica e na prática escolar. 22 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos Dewey e seus seguidores reagem à concepção herbartiana da educação pela instrução, advogando a educação pela ação. A escola não é uma preparação para a vida, é a própria vida; a educação é o resultado da interação entre o organismo e o meio através da experiência e da reconstrução da experiência. A função mais genuína da educação é a de prover condições para promover e estimular a atividade própria do organismo para que alcance seu objetivo de crescimento e desenvolvimento. Por isso, a atividade escolar deve centrar-se em situações de experiência onde são ativadas as potencialidades, capacidades, necessidades e interesses naturais da criança. O currículo não se baseia nas matérias de estudo convencionais que expressam a lógica do adulto, mas nas atividades e ocupações da vida presente, de modo que a escola se transforme num lugar de vivência daquelas tarefas requeri das para a vida em sociedade. O aluno e o grupo passam a ser o centro de convergência do trabalho escolar. O movimento escolanovista no Brasil se desdobrou em várias correntes, embora a mais predominante tenha sido a progressivista. Cumpre destacar a corrente vitalista, representada por Montessori, as teorias cognitivistas, as teorias fenomenológicas e especialmente a teoria interacionista baseada na psicologia genética de Jean Piaget. Em certo sentido, pode-se dizer também que o tecnicismo educacional representa a continuidade da corrente progressivista, embora retemperado com as contribuições da teoria behaviorista e da abordagem sistêmica do ensino. Uma das correntes da Pedagogia Renovada que não tem vínculo direto com o movimento da Escola Nova, mas que teve repercussões na pedagogia brasileira, é a chamada Pedagogia Cultural. Trata-se de uma tendência ainda pouco estudada entre nós. Sua característica principal é focalizar a educação como fato da cultura, atribuindo ao trabalho docente a tarefa de dirigir e encaminhar a formação do educando pela apropriação de valores culturais. A Pedagogia Cultural a que nos referimos tem sua afiliação na pedagogia científicoespiritual desenvolvida por Guilherme Dilthey (1833-1911) e seguidores como Theodor Litt, Eduard Spranger e Hermann Nohl. Tendo-se firmado na Alemanha como uma sólida corrente Profa. Tatiane Lucena pedagógica, difundiu-se em outros países da Europa, especialmente na Espanha, e daí para a América Latina, influenciando autores como Lorenzo Luzuriaga, Francisco Larroyo, J. Roura-Parella, Ricardo Nassif e, no Brasil, Luís Alves de Mattos e anofre de Arruda Penteado Junior. Numa linha distinta das concepções escolanovistas, esses autores se preocupam em superar as oposições entre a cultura subjetiva e a cultura objetiva, entre o individual e o social, entre o psicológico e o cultural. De um lado, concebem a educação como atividade do próprio sujeito, a partir de uma tendência interna de desenvolvimento espiritual; de outro, consideram que os indivíduos vivem num mundo sóciocultural, produto do próprio desenvolvimento histórico da sociedade. A educação seria, assim, um processo de subjetivação da cultura, tendo em vista a formação da vida interior, a edificação da personalidade. A pedagogia da cultura quer unir as condições externas da vida real, isto é, o mundo objetivo da cultura, à liberdade individual, cuja fonte é a espiritualidade, a vida interior. O estudo teórico da Pedagogia no Brasil passa por um reavivamento, principalmente a partir das investigações sobre questões educativas baseadas nas contribuições do materialismo histórico e dialético. Tais estudos convergem para a formulação de uma teoria crítico-social da educação, a partir da crítica política e pedagógica das tendências e correntes da educação brasileira. Tendências pedagógicas no Brasil e a Didática Nos últimos anos, diversos estudos têm sido dedicados à história da Didática no Brasil, suas relações com as tendências pedagógicas e à investigação do seu campo de conhecimentos. Os autores, em geral, concordam em classificar as tendências pedagógicas em dois grupos: as de cunho liberal - Pedagogia Tradicional, Pedagogia Renovada e tecnicismo educacional; as de cunho progressista Pedagogia Libertadora e Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos. Certamente existem outras correntes vinculadas a uma ou outra dessas tendências, mas essas são as mais conhecidas. Na Pedagogia Tradicional, a Didática é uma disciplina normativa, 23 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos um conjunto de princípios e regras que regulam o ensino. A atividade de ensinar é centrada no professor que expõe e interpreta a matéria. Às vezes são utilizados meios como a apresentação de objetos, ilustrações, exemplos, mas o meio principal é a palavra, a exposição oral. Supõe-se que ouvindo e fazendo exercícios repetitivos, os alunos "gravam" a matéria para depois reproduzi-Ia, seja através das interrogações do professor, seja através das provas. Para isso, é importante que o aluno "preste atenção", porque ouvindo facilita-se o registro do que se transmite, na memória. O aluno é, assim, um recebedor da matéria e sua tarefa é decorá-Ia. Os objetivos, explícitos ou implícitos, referem-se à formação de um aluno ideal, desvinculado da sua realidade concreta. O professor tende a encaixar os alunos num modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente e futura. A matéria de ensino é tratada isoladamente, isto é, desvinculada dos interesses dos alunos e dos problemas reais da sociedade e da vida. O método é dado pela lógica e seqüência da matéria, é o meio utilizado pelo professor para comunicar a matéria e não dos alunos para aprendê-Ia. É ainda forte a presença dos métodos intuitivos, que foram incorporados ao ensino tradicional. Baseiam-se na apresentação de dados sensíveis, de modo que os alunos possam observá-Ios e formar imagens deles em sua mente. Muitos professores ainda acham que "partir do concreto" é a chave do ensino atualizado. Mas esta idéia já fazia parte da Pedagogia Tradicional porque o "concreto" (mostrar objetos, ilustrações, gravuras etc.) serve apenas para gravar na mente o que é captado pelos sentidos. O material concreto é mostrado, demonstrado, manipulado, mas o aluno não lida mentalmente com ele, não o repensa, não o reelabora com o seu próprio pensamento. A aprendizagem, assim, continua receptiva, automática, não mobilizando a atividade mental do aluno e o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais. A Didática tradicional tem resistido ao tempo, continua prevalecendo na prática escolar. É comum nas nossas escolas atribuir-se ao ensino a tarefa de mera transmissão de conhecimentos, sobrecarregar o aluno de conhecimentos que são decorados sem questionamento, dar somente exercícios repetitivos, impor Profa. Tatiane Lucena externamente a disciplina e usar castigos. Trata-se de uma prática escolar que empobrece até as boas intenções da Pedagogia Tradicional que pretendia, com seus métodos, a transmissão da cultura geral, isto é, das grandes descobertas da humanidade, e a formação do raciocínio, o treino da mente e da vontade. Os conhecimentos ficaram estereotipados, insossos, sem valor educativo vital, desprovidos de significados sociais, inúteis para a formação das capacidades intelectuais e para a compreensão crítica da realidade. O intento de formação mental, de desenvolvimento do raciocínio, ficou reduzido a práticas de memorização. A Pedagogia Renovada inclui várias correntes: a progressivista (que se baseia na teoria educacional de John Dewey), a não-diretiva (principalmente inspirada em Carl Rogers), a ativista-espiritualista (de orientação católica), a culturalista, a piagetiana, a montessoriana e outras. Todas, de alguma forma, estão ligadas ao movimento da pedagogia ativa que surge no final do século XIX como contraposição à Pedagogia Tradicional. Entretanto, segundo estudo feito por Castro (1984), os conhecimentos e a experiência da Didática brasileira pautam-se, em boa parte, no movimento da Escola Nova, inspirado principalmente na corrente progressivista. Destacaremos, aqui, apenas a Didática ativa inspirada nessa corrente e a Didática Moderna de Luís Alves de Mattos, que incluímos na corrente culturalista. A Didática da Escola Nova ou Didática ativa é entendida como "direção da aprendizagem", considerando o aluno como sujeito da aprendizagem. O que o professor tem a fazer é colocar o aluno em condições propícias para que, partindo das suas necessidades e estimulando os seus interesses, possa buscar por si mesmo conhecimentos e experiências. A idéia é a de que o aluno aprende melhor o que faz por si próprio. Não se trata apenas de aprender fazendo, no sentido de trabalho manual, ações de manipulação de objetos. Trata-se de colocar o aluno em situações em que seja mobilizada a sua atividade global e que se manifesta em atividade intelectual, atividade de criação, de expressão verbal, escrita, plástica ou outro tipo. O centro da atividade escolar não é o professor nem a matéria, é o aluno ativo e investigador. O professor 24 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos incentiva, orienta, organiza as situações de aprendizagem, adequando-as às capacidades de características individuais dos alunos. Por isso, a Didática ativa dá grande importância aos métodos e técnicas como o trabalho de grupo, atividades cooperativas, estudo indivieua1, pesquisas, projetos, experimentações etc., bem como aos métodos de retlexão e método científico de descobrir conhecimentos. Tanto na organização das experiências de aprendizagem como na seleção de métodos, importa o processo de aprendizagem e não diretamente o ensino. O melhor método é aquele que atende as exigências psicológicas do aprender. Em síntese, a Didática ativa dá menos atenção aos conhecimentos sistematizados, valorizando mais o processo da aprendizagem e os meios que possibilitam o desenvolvimento das capacidades e habilidades intelectuais dos alunos. Por isso, os adeptos da Escola Nova costumam dizer que o professor não ensina; antes, ajuda o aluno a aprender. Ou seja, a Didática não é a direção do ensino, é a orientação da aprendizagem, uma vez que esta é uma experiência própria do aluno através da pesquisa, da investigação. Esse entendimento da Didática tem muitos aspectos positivos, principalmente quando baseia a atividade escolar na atividade mental dos alunos, no estudo e na pesquisa, visando a formação de um pensamento autônomo. Entretanto, é raro encontrar professores que apliquem inteiramente o que propõe a Didática ativa. Por falta de conhecimento aprofundado das bases teóricas da pedagogia ativa, falta de condições materiais, pelas exigências de cumprimento do programa oficial e outras razões, o que fica são alguns métodos e técnicas. Assim, é muito comum os professores utilizarem procedimentos e técnicas como trabalho de grupo, estudo dirigido, discussões, estudo do meio etc., sem levar em conta seu objetivo principal que é levar o aluno a pensar, a raciocinar cientificamente, a desenvolver sua capacidade de reflexão e a independência de pensamento. Com isso, na hora de comprovar os resultados do ensino e da aprendizagem, pedem matéria decorada, da mesma forma que se faz no ensino tradicional. Em paralelo à Didática da Escola Nova, surge a partir dos anos 50 a Didática Moderna proposta por Luís Alves de Mattos. Seu livro Profa. Tatiane Lucena Sumário de Didática Geral foi largamente utilizado durante muitos anos nos cursos de formação de professores e exerceu considerável influência em muitos manuais de Didática publicados posteriormente. Conforme sugerimos anteriormente, a Didática Moderna é inspirada na pedagogia da cultura, corrente pedagógica de origem alemã. Mattos identifica sua Didática com as seguintes características: o aluno é o fator pessoal decisivo na situação escolar; em função dele giram as atividades escolares, para orientá-Io e incentivá-Io na sua educação e na sua aprendizagem, tendo em vista desenvolver-lhe a inteligência e formar-lhe o caráter e a personalidade. O professor é o incentivador, orientador e controlador da aprendizagem, organizando o ensino em função das reais capacidades dos alunos e do desenvolvimento dos seus hábitos de estudo e reflexão. A matéria é o conteúdo cultural da aprendizagem, o objeto ao qual se aplica o ato de aprender, onde se encontram os valores lógicos e sociais a serem assimilados pelos alunos; está a serviço do aluno para formar as suas estruturas mentais e, por isso, sua seleção, dosagem e apresentação vinculam-se às necessidades e capacidades reais dos alunos. O método representa o conjunto dos procedimentos para assegurar a aprendizagem, isto é, existe em função da aprendizagem, razão pela qual, a par de estar condicionado pela natureza da matéria, relaciona-se com a psicologia do aluno. Esse autor destaca como conceitos básicos da Didática o ensino e a aprendizagem, em estreita relação entre si. O ensino é a atividade direcional sobre o processo de aprendizagem e a aprendizagem é a atividade mental intensiva e propositada do aluno em relação aos dados fornecidos pelos conteúdos culturais. Ele escreve: "A autêntica aprendizagem consiste exatamente nas experiências concretas do trabalho reflexivo sobre os fatos e valores da cultura e da vida, ampliando as possibilidades de compreensão e de interação do educando com seu ambiente e com a sociedade. (...) O autêntico ensino consistirá no planejamento, na orientação e no controle dessas experiências concretas de trabalho reflexivo dos alunos, sobre os dados da matéria ou da vida cultural da humanidade" (1967, pp. 72-73). Definindo a Didática como disciplina normativa, técnica de 25 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos dirigir e orientar eficazmente a aprendizagem das matérias tendo em vista os seus objetivos educativos, Mattos propõe a teoria do Ciclo docente, que é o método didático em ação. O ciclo docente, abrangendo as fases de planejamento, orientação e controle da aprendizagem e suas subfases, é definido como "o conjunto de atividades exercidas, em sucessão ou ciclicamente, pelo professor, para dirigir e orientar o processo de aprendizagem dos seus alunos, levando-o a bom termo. É o método em ação". Quanto ao tecnicismo educacional, embora seja considerada como uma tendência pedagógica, inclui-se, em certo sentido, na Pedagogia Renovada. Desenvolveu-se no Brasil na década de 50, à sombra do progressivismo, ganhando nos anos 60 autonomia quando constituiu-se especificamente como tendência, inspirada na teoria behaviorista da aprendizagem e na abordagem sistêmica do ensino. Esta orientação acabou sendo imposta às escolas pelos organismos oficiais ao longo de boa parte das duas últimas décadas, por ser compatível com a orientação econômica, política e ideológica do regime militar então vigente. Com isso, ainda hoje predomina nos cursos de formação de professores o uso de manuais didáticos de cunho tecnicista, de caráter meramente instrumental. A Didática instrumental está interessada na racionalização do ensino, no uso de meios e técnicas mais eficazes. O sistema de instrução se compõe das seguintes etapas: a) especificação de objetivos instrucionais operacionalizados; b) avaliação prévia dos alunos para estabelecer pré-requisitos para alcançar os objetivos; c) ensino ou organização das experiências de aprendizagem; d) avaliação dos alunos relativa ao que se propôs nos objetivos iniciais. O arranjo mais simplificado dessa seqüência resultou na fórmula: objetivos, conteúdos, estratégias, avaliação. O professor é um administrador e executor do planejamento, o meio de previsão das ações a serem executadas e dos meios necessários para se atingir os objetivos. Boa parte dos livros didáticos em uso nas escolas são elaborados com base na tecnologia da instrução. As tendências de cunho progressista interessadas em propostas pedagógicas voltadas para os interesses da maioria da população foram adquirindo maior solidez e sistematização por volta dos anos Profa. Tatiane Lucena 80. São também denominadas teorias críticas da educação. Não é que não tenham existido antes esforços no sentido de formular propostas de educação popular. Já no começo do século formaram-se movimentos de renovação educacional por iniciativa de militantes socialistas. Muitos dos integrantes do movimento dos pioneiros da Escola Nova tinham real interesse em superar a educação elitista e discriminadora da época. No início dos anos 60 surgiram os movimentos de educação de adultos que geraram idéias pedagógicas e práticas educacionais de educação popular, configurando a tendência que veio a ser denominada de Pedagogia Libertadora. Na segunda metade da década de 70, com a incipiente modificação do quadro político repressivo em decorrência de lutas sociais por maior democratização da sociedade, tomou-se possível a discussão de questões educacionais e escolares numa perspectiva de crítica política das instituições sociais do capitalismo. Muitos estudiosos e militantes políticos se interessaram apenas pela crítica e pela denúncia do papel ideológico e discriminador da escola na sociedade capitalista. Outros, no entanto, levando em conta essa crítica, preocuparam-se em formular propostas e desenvolver estudos no sentido de tomar possível uma escola articulada com os interesses concretos do povo. Entre essas tentativas destacam-se a Pedagogia Libertadora e a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos. A primeira retomou as propostas de educação popular dos anos 60, refundindo seus princípios e práticas em função das possibilidades do seu emprego na educação formal escolas públicas, já que inicialmente tinham caráter extra-escolar e voItadas para o atendimento de clientela adulta. A segunda, inspirando-se no materialismo histórico dialético, constituiu-se como movimento pedagógico interessado na educação popular, na valorização da escola pública e do trabalho do professor, no ensino de qualidade para o povo e, especificamente, na acentuação da importância do domínio sólido por parte de professores e alunos dos conteúdos científicos do ensino como condição para a participação efetiva do povo nas lutas sociais (na política, na profissão, no sindicato, nos movimentos sociais e culturais). Trata-se de duas tendências pedagógicas progressistas, propondo uma educação escolar crítica a serviço das transformações 26 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos sociais e econômicas, ou seja, de superação das desigualdades sociais decorrentes das formas sociais capitalistas de organização da sociedade. No entanto, diferem quanto a objetivos imediatos, meios e estratégias de atingir essas metas gerais comuns. A Pedagogia Libertadora não tem uma proposta explícita de Didática e muitos dos seus seguidores, entendendo que toda didática resumir-se-ia ao seu caráter tecnicista, instrumental, meramente prescritivo, até recusam admitir o papel dessa disciplina na formação dos professores. No entanto, há uma didática implícita na orientação do trabalho escolar, pois, de alguma forma, o professor se põe diante de uma classe com a tarefa de orientar a aprendizagem dos alunos. A atividade escolar é centrada na discussão de temas sociais e políticos; poder-se-ia falar de um ensino centrado na realidade social, em que professor e alunos analisam problemas e realidades do meio sócio-econômico e cultural, da comunidade local, com seus recursos e necessidades, tendo em vista a ação coletiva frente a esses problemas e realidades. O trabalho escolar não se assenta, prioritariamente, nos conteúdos de ensino já sistematizados, mas no processo de participação ativa nas discussões e nas ações práticas sobre questões da realidade social imediata. Nesse processo em que se realiza a discussão, os relatos da experiência vivida, a assembléia, a pesquisa participante, o trabalho de grupo etc., vão surgindo temas geradores que podem vir a ser sistematizados para efeito de consolidação de conhecimentos. É uma didática que busca desenvolver o processo educativo como tarefa que se dá no interior dos grupos sociais e por isso o professor é coordenador ou animador das atividades que se organizam sempre pela ação conjunta dele e dos alunos. A Pedagogia Libertadora tem sido empregada com muito êxito em vários setores dos movimentos sociais, como sindicatos, associações de bairro, comunidades religiosas. Parte desse êxito se deve ao fato de ser utilizada entre adultos que vi venciam uma prática política e onde o debate sobre a problemática econômica, social e política pode ser aprofundado com a orientação de intelectuais comprometidos com os interesses populares. Em relação à sua aplicação nas escolas públicas, especialmente no ensino de 1º Profa. Tatiane Lucena grau, os representantes dessa tendência não chegaram a formular uma orientação pedagógico-didática especificamente escolar, compatível com a idade, o desenvolvimento mental e as características de aprendizagem das crianças e jovens. Para a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos a escola pública cumpre a sua função social e política, assegurando a difusão dos conhecimentos sistematizados a todos, como condição para a efetiva participação do povo nas lutas sociais. Não considera suficiente colocar como conteúdo escolar a problemática social cotidiana, pois somente com o domínio dos conhecimentos, habilidades e capacidades mentais podem os alunos organizar, interpretar e reelaborar as suas experiências de vida em função dos interesses de classe. O que importa é que os conhecimentos sistematizados sejam confrontados com as experiências sócio-culturais e a vida concreta dos alunos, como meio de aprendizagem e melhor solidez na assimilação dos conteúdos. Do ponto de vista didático, o ensino consiste na mediação de objetivos-conteúdos-métodos que assegure o encontro formativo entre os alunos e as matérias escolares, que é o fator decisivo da aprendizagem. A Pedagogia Crítico-Social dos conteúdos atribui grande importância à Didática, cujo objeto de estudo é o processo de ensino nas suas relações e ligações com a aprendizagem. As ações de ensinar e aprender formam uma unidade, mas cada uma tem a sua especificidade. A Didática tem como objetivo a direção do processo de ensinar, tendo em vista finalidades sócio-políticas e pedagógicas e as condições e meios formativos; tal direção, entretanto, converge para promover a auto-atividade dos alunos, a aprendizagem. Com isso, a Pedagogia Crítico-Social busca uma síntese superadora de traços significativos da Pedagogia Tradicional e da Escola Nova. Postula para o ensino a tarefa de propiciar aos alunos o desenvolvimento de suas capacidades e habilidades intelectuais, 'mediante a transmissão e assimilação ativa dos conteúdos escolares articulando, no mesmo processo, a aquisição de noções sistematizadas e as qualidades individuais dos alunos que lhes possibilitam a auto-atividade e a busca independente e criativa das noções. Mas trata-se de uma síntese superadora. Com efeito, se a Pe27 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos dagogia define fins e meios da prática educativa a partir dos seus vínculos com a dinâmica da prática social, importa um posicionamento dela face a interesses sociais em jogo no quadro das relações sociais vigentes na sociedade. Os conhecimentos teóricos e práticos da Didática medeiam os vínculos entre o pedagógico e a docência; fazem a ligação entre o "para quê" (opções políticopedagógicas) e o "como" da ação educativa escolar (a prática docente). A Pedagogia Crítico-Social toma o partido dos interesses majoritários da sociedade, atribuindo à instrução e ao ensino o papel de proporcionar aos alunos o domínio de conteúdos científicos, os métodos de estudo e habilidades e hábitos de raciocínio científico, de modo a irem formando a consciência crítica face às realidades sociais e capacitando-se a assumir no conjunto das lutas sociais a sua condição de agentes ativos de transformação da sociedade e de si próprios. Esta corrente pedagógica forma a base teórico-metodológica dos estudos organizados neste livro. A Didática e as tarefas do professor Vimos, nos tópicos anteriores, que a Didática é a disciplina que estuda o processo de ensino tomado em seu conjunto, isto é, os objetivos educativos e os objetivos de ensino, os conteúdos científicos, os métodos e as formas de organização do ensino, as condições e meios que mobilizam o aluno para o estudo ativo e seu desenvolvimento intelectual. Para isso, investiga as leis e princípios gerais do ensino e da aprendizagem, conforme as condições concretas em que se desenvolvem. Os conhecimentos teóricos e metodológicos, assim como o domínio dos modos do fazer docente, propiciam uma orientação mais segura para o trabalho profissional do professor. O trabalho docente, entendido como atividade pedagógica do professor, busca os seguintes objetivos primordiais: assegurar aos alunos o domínio mais seguro e duradouro possível dos conhecimentos científicos; Profa. Tatiane Lucena criar as condições e os meios para que os alunos desenvolvam capacidades e habilidades intelectuais de modo que dominem métodos de estudo e de trabalho intelectual visando a sua autonomia no processo de aprendizagem e independência de pensamento; orientar as tarefas de ensino para objetivos educativos de formação da personalidade, isto é, ajudar os alunos a escolherem um caminho na vida, a terem atitudes e convicções que norteiem suas opções diante dos problemas e situações da vida real. Esses objetivos se ligam uns aos outros, pois o processo de ensino é ao mesmo tempo um processo de educação. A assimilação dos conhecimentos e o domínio de capacidades e habilidades somente ganham sentido se levam os alunos a determinadas atitudes e convicções que orientem a sua atividade na escola e na vida, que é o caráter educativo do ensino. A aquisição de conhecimentos e habilidades implica a educação de traços da personalidade (como caráter, vontade, sentimentos); estes, por sua vez, influenciam na disposição dos alunos para o estudo e para a aquisição dos conhecimentos e desenvolvimento de capacidades. Para que o professor possa atingir efetivamente os objetivos, é necessário que realize um conjunto de operações didáticas coordenadas entre si. São o planejamento, a direção do ensino e da aprendizagem e a avaliação, cada uma delas desdobrada em tarefas ou funções didáticas, mas que convergem para a realização do ensino propriamente dito, ou seja, a direção do ensino e da aprendizagem. Para o planejamento, requer-se do professor: compreensão segura das relações entre a educação escolar e os objetivos sócio-políticos e pedagógicos, ligando-os aos objetivos de ensino das matérias; domínio seguro do conteúdo das matérias que leciona e sua relação com a vida e a prática, bem como dos métodos de investigação próprios da matéria, a fim de poder fazer uma boa seleção e organização do seu conteúdo, partindo das situações concretas da escola e da classe; capacidade de desmembrar a matéria em tópicos ou unidades 28 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos didáticas, a partir da sua estrutura conceitual básica; de selecionar os conteúdos de forma a destacar conceitos e habilidades que formam a espinha dorsal da matéria; conhecimento das características sociais, culturais e individuais dos alunos, bem como o nível de preparo escolar em que se encontram; conhecimento e domínio dos vários métodos de ensino e procedimentos didáticos, a fim de poder escolhê-Ios conforme temas a serem tratados, características dos alunos; conhecimento dos programas oficiais para adequá-Ios às necessidades reais da escola e da turma de alunos; consulta a outros livros didáticos da disciplina e manter-se bem informados sobre a evolução dos conhecimentos específicos da matéria e sobre os acontecimentos políticos, culturais etc. Para a direção do ensino e da aprendizagem requer-se: conhecimento das funções didáticas ou etapas do processo de ensino; conhecimento dos princípios gerais da aprendizagem e saber compatibilizá-Ios com conteúdos e métodos próprios da disciplina; domínio de métodos do ensino, procedimentos, técnicas e recursos auxiliares; habilidade de expressar idéias com clareza, falar de modo acessível à compreensão dos alunos partindo de sua linguagem corrente; habilidade de tomar os conteúdos de ensino significativos, reais, referindo-os aos conhecimentos e experiências que trazem para a aula; saber formular perguntas e problemas que exijam dos alunos pensarem por si mesmos, tirarem conclusões próprias; conhecimento das possibilidades intelectuais dos alunos, seu nível de desenvolvimento, suas condições prévias para o estudo de matéria nova, experiências da vida que trazem; provimento de métodos de estudo e hábitos de trabalho intelectual independente: ensinar o manejo de livro didático, o Profa. Tatiane Lucena uso adequado de cadernos, lápis, régua etc.; ensinar procedimentos para aplicar conhecimentos em tarefas práticas; adoção de uma linha de conduta no relacionamento com os alunos que expresse confiabilidade, coerência, segurança, traços que devem aliar-se à firmeza de atitudes dentro dos limites da prudência e respeito; manifestar interesse sincero pelos alunos nos seus progressos e na superação das suas dificuldades; estimular o interesse pelo estudo, mostrar a importância da escola para a melhoria das condições de vida, para a participação democrática na vida profissional, política e cultural. Para a avaliação requer-se: verificação contínua do atingimento dos objetivos e do rendimento das atividades, seja em relação aos alunos, seja em relação ao trabalho do próprio professor; domínio de meios e instrumentos de avaliação diagnóstica, isto é, colher dados relevantes sobre o rendimento dos alunos, verificar dificuldades, para tomar decisões sobre o andamento do trabalho docente, reformulando-o quando os resultados não são satisfatórios; conhecimento das várias modalidades de elaboração de provas e de outros procedimentos de avaliação de tipo qualitativo. Estes são alguns dos requisitos de que necessita o professor para o desempenho de suas tarefas docentes e que formam o campo de estudo da Didática. Evidentemente, as mesmas expectativas que o professor tem em relação ao desenvolvimento intelectual dos alunos aplicam-se a ele próprio. Não pode exigir que os alunos adquiram um domínio sólido de conhecimentos se ele próprio não domina com segurança a disciplina que ensina; não pode exigir dos alunos o domínio de métodos de estudo, das formas científicas de raciocinar e de hábitos de pensamento independente e criativo, se ele próprio não os detém. Do mesmo modo, se o professor encaminha o processo de ensino para objetivos educativos de formação de traços de personalidade, de aquisição de princípios norteadores da conduta, de tomada de posição frente aos problemas da realidade, também ele 29 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos Profa. Tatiane Lucena precisa desenvolver suas próprias qualidades de personalidade, suas convicções. A dimensão educativa do ensino que, como dissemos, implica que os resultados da assimilação de conhecimentos e habilidades se transformem em princípios e modos de agir frente à realidade, isto é, em convicções, requerem do professor uma compreensão clara do significado social e político do seu trabalho, do papel da escolarização no processo de democratização da sociedade, do caráter político-ideológico de toda educação, bem como das qualidades morais da personalidade para a tarefa de educar. Para além, pois, dos requisitos profissionais específicos, é preciso uma formação teórica e política que resulte em convicções profundas sobre a sociedade e as tarefas da educação. Tal é o objetivo de disciplinas como Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, História da Educação e outras. No seu trabalho cotidiano como profissional e como cidadão, o professor precisa permanentemente desenvolver a capacidade de avaliar os fatos, os acontecimentos, os conteúdos da matéria de um modo mais abrangente, mais globalizante. Trata-se de um exercício de pensamento constante para descobrir as relações sociais reais que estão por detrás dos fatos, dos textos do livro didático, dos discursos, das formas de exercício do poder. É preciso desenvolver o hábito de desconfiar das aparências, desconfiar da normalidade das coisas, porque os fatos, os acontecimentos, a vida do dia-a-dia estão carregados de significados sociais que não são "normais"; neles estão implicados interesses sociais diversos e muitas vezes antagônicos dos grupos e classes sociais. A Didática, assim, oferece uma contribuição indispensável à formação dos professores, sintetizando no seu conteúdo a contribuição de conhecimentos de outras disciplinas que convergem para o esclarecimento dos fatores condicionantes do processo de instrução e ensino, intimamente vinculado com a educação e, ao mesmo tempo, provendo os conhecimentos específicos necessários para o exercício das tarefas docentes. 30 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos MENEGOLLA, Maximiliano; SANT’ANNA, Ilza Martins. Plano de disciplina. In: ______. Por que planejar? Como planejar? 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 64-72. PLANO DE DISCIPLINA Plano de disciplina é um instrumento para sistematizar a ação concreta do professor, a fim de que os objetivos da disciplina sejam atingidos. É a previsão dos conhecimentos e conteúdos que serão desenvolvidos na sala de aula, a definição dos objetivos mais importantes, assim como a seleção dos melhores procedimentos e técnicas de ensino, como também, dos recursos humanos e materiais que serão usados para um melhor ensino e aprendizagem. Além disso, o plano de disciplina propõe a determinação das mais eficazes técnicas e instrumentos de avaliação para verificar o alcance dos objetivos em relação à aprendizagem. A partir da Filosofia educacional da escola, dos objetivos específicos do curso, e dos objetivos da clientela, os professores vão planejar as suas disciplinas para atender estes aspectos fundamentais favorecendo, deste modo, um melhor e mais eficaz ensino. Ao planejar a disciplina, o que o professor realmente faz é planejar o contexto geral da sua disciplina. Mas este contexto deve estar intimamente relacionado a ser uma decorrência lógica dos objetivos dos alunos e da escola. Por isso, deverá expressar uma unidade de idéias, de princípios e de ação. Ao planejar a disciplina e os seus conteúdos, o professor sempre deve ter em mente que os conteúdos são meios para atingir os objetivos, pois eles não são fins. Portanto, a orientação da ação de planejamento e execução deve estar fundamentada nos objetivos e não nos conteúdos. Profa. Tatiane Lucena 1. A importância do plano de disciplina para o professor Como observamos, anteriormente, toda a pessoa pensa o seu agir, isto é, ela tenta planejar a sua vida e as suas atividades particulares e coletivas. Todos pensam no que devem ou no que não devem fazer. Esta realidade não é apenas um hábito, mas uma necessidade, não se restringindo apenas a alguns aspectos da vida da pessoa, mas a todos os setores da vida pessoal e social. Tudo é sonhado, imaginado, pensado, previsto e planejado para ser executado. De modo especial, as atividades educacionais e de ensino exercidas pelos professores, na sala de aula, exigem pedagogicamente um planejamento. Sabemos que para os mais diversos setores da vida humana existem os mais diversos tipos e formas de planejamentos. Devemos considerar que o planejamento do ato de educar e ensinar não é o mesmo, podendo divergir, dados os elementos envolvidos no ato de planejar, como por exemplo a construção de uma casa. Ao planejá-Ia se pensa em pedra, tijolos, areia, espaço, possibilidades materiais e outras coisas possíveis de serem manipuladas. Mas, ao se planejar a educação e o ensino, se deve pensar que os elementos envolvidos vão ser pessoas, indivíduos ou grupos sociais; por isso, a visão do planejamento deve ser diferente. A partir dessa realidade, o professor necessita pensar seriamente e com responsabilidade sobre a sua ação, isto é, planejar com seriedade e consciência a sua ação. Pensar antes de agir é um ato de habilidade e de sabedoria. Pois é de muita importância para o professor planejar, da melhor forma possível, a sua disciplina, em todos os aspectos. O planejamento é importante para o professor porque: - ajuda o professor a definir os objetivos que atendam os reais interesses dos alunos; - possibilita ao professor selecionar e organizar os conteúdos mais significativos para seus alunos; - facilita a organização dos conteúdos de forma lógica, obedecendo a estrutura da disciplina; - ajuda o professor a selecionar os melhores procedimentos e os recursos, para desencadear um ensino mais eficiente, orientando o 31 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos professor no como e com que deve agir; - ajuda o professor a agir com maior segurança na sala de aula; - o professor evita a improvisação, a repetição e a rotina no ensino; - facilita uma melhor integração com as mais diversas experiências de aprendizagem; - facilita a integração e a continuidade do ensino; - ajuda a ter uma visão global de toda a ação docente e discente; - ajuda o professor e os alunos a tomarem decisões de forma cooperativa e participativa. 2. Características de um plano de disciplina 2.1. Objetividade e realismo A objetividade é o que deve caracterizar todo e qualquer plano. Um plano que não seja objetivo e realista se toma inviável, inexeqüível e obscuro, portanto, impraticável, sem validade e aplicabilidade. Objetivo para uma realidade. Ser objetivo é ser realista para uma situação concreta e determinada, é um dado que todo e qualquer plano deve seguir para uma realidade concreta. Tal plano deve expressar com objetividade o que quer atingir, a partir de uma realidade também objetiva e concreta dos alunos, dos professores, da escola e da comunidade. Por exemplo, se a escola atende a uma comunidade periférica, o plano deve ser adequado a esta realidade. Se ele não atender a esta realidade, não é um plano objetivo e realista. Nem sempre, um mesmo plano serve para qualquer situação ou realidade. A clareza deve ser um elemento essencial nos próprios objetivos, na determinação exata dos conteúdos mais importantes e nos modos operacionais. Ela deve se refletir na determinação das técnicas, na determinação objetiva dos recursos e na definição clara e objetiva do processo de avaliação. Profa. Tatiane Lucena 2.2. Funcionalidade Como o plano é um instrumento orientador para o professor e para os alunos, ele deve ser o mais possível funcional, para que possa ser executado com facilidade e objetividade. Todo o plano de ensino, estruturado de forma complexa, até pode ser funcional para o professor, mas deficiente para os alunos. Sendo que os alunos são os principais agentes do plano, este deve ser prático. Se o plano não for funcional para o professor e para os alunos, ele não tem valor didático, tornando-se inútil, podendo dificultar o ensino do professor e a aprendizagem dos alunos. Se o plano é um guia, ele deve ser um guia claro, objetivo e viável para o professor e para os alunos. A fim de que possa ser trabalhado numa realidade e com as condições próprias da mesma. Tal como as condições da escola, do professor e, principalmente, as condições humanas dos alunos. Se o plano não atender às condições existentes ele se toma impraticável e inoperante, porque os seus agentes tomam-se incapazes de trabalhá-Io. 2.3. Simplicidade O plano de ensino, que orienta toda a linha de ação na sala de aula, envolve uma série de elementos, como o professor, os alunos, os conteúdos, as experiências, as atividades, os recursos, o processo de avaliação e assim por diante; por isso, necessariamente, deverá ser claro e simples para ser compreensível e viável, pois sua compreensão facilita a sua execução. É importante, no momento de planejar, tentar evitar toda e qualquer tendência de complexidade ou rebuscamento pedagógico. Porque o plano é um meio para simplificar o agir, tomando-o mais lógico e coerente. Ao se planejar o ensino, devemos nos abster de certos requintes e modismos didáticos, evitando o uso de terminologias complexas e sofisticadas, que só servem para encantar o falso intelectualismo pedagógico de certos professores. Ao planejarmos, devemos partir da nossa realidade escolar, dos 32 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos nossos professores e dos nossos alunos, usando estilos, esquemas e formas simples; evitando-se todos os enfeites e vedetismos, que envolvam processos sistêmicos, às vezes desprovidos de qualquer conteúdo. Neste enfoque, a simplicidade no ato de planejar e executar o plano não está ligada à vulgaridade, ou seja, que tal ato seja simplista, ingênuo e sem conteúdo. A simplicidade não nega a profundidade, a lógica, a coerência, a objetividade, a validade e a utilidade. É bem possível tratar de problemas profundos e sérios de forma objetiva e simples. O plano pode ser claro e simples na sua estrutura, na sua organização, na sua dinamicidade e funcionalidade, mas profundo no seu conteúdo. 2.4. Flexibilidade A flexibilidade é uma característica de fundamental importância para os planos de ensino, tomando-os mais realistas e possíveis de serem adaptados às novas situações não previstas, que possam ocorrer. Todo o plano, que não obedecer ao princípio da flexibilidade, isto é, que não possa ser mudado ou reestruturado, quando necessário, está fadado ao fracasso, podendo se tomar um meio de dominação. Planejar não significa tomar o agir irredutível e imutável. Planejar é prever, e toda a previsão e prospectiva estão sujeitas a erros e imprevistos, daí a importância da flexibilidade para se poder realizar mudanças. Um plano não deve ser rígido, estar acabado e pronto; pois previsão é previsão e não uma determinação que exclua mudanças. Havendo a necessidade de reestruturar um plano, embora esteja sendo agilizado, não só é possível fazê-Ia como deve ser feita a mudança. Toda a vez que se evidenciam possíveis fracassos no ensino, os professores devem ter a coragem de provocar e realizar mudanças Profa. Tatiane Lucena radicais, quando a causa do fracasso residir no plano que está sendo executado. Principalmente se a ação do plano recair sobre pessoas ou grupos sociais, pois as pessoas não podem ser manuseadas como objetos para satisfazerem os planos, é o caso dos professores e dos seus alunos. As pessoas são, de fato, pontos de referência para a elaboração de um plano. Ou seja, o plano deve ser elaborado em função das pessoas, e não o contrário. Com esse procedimento, não há lei ou norma administrativa ou pedagógica que impeça mudanças. Por exemplo, se para uma determinada série estivesse programado um conteúdo X, já previsto no plano curricular, para ser desenvolvido; mas caso fosse observado, neste meio tempo, a partir de uma sondagem ou por meio de outras constatações, que os alunos ainda não estivessem dominando certos conteúdos que deveriam ter aprendido em séries anteriores, o professor deveria, então, mudar o seu plano para retomar os conteúdos de uma ou de séries anteriores, e ensiná-Ios aos alunos. O professor não pode dizer que o conteúdo é tal, porque assim foi planejado, pelo fato de que a determinação do planejamento dos conteúdos reside na realidade dos alunos. 2.5. Utilidade A utilidade, a validade e a profundidade são princípios que dão consistência a toda a estrutura do plano, no que diz respeito ao seu conteúdo e à sua dinâmica. O plano, no seu contexto geral, poderá, de fato, ajudar, ser útil e significativo a todos os que nele vão se envolver? Este é um questionamento que os professores devem fazer. A utilidade de qualquer plano de ensino vai depender da possibilidade de transformação e em que nível se processa esta transformação no aluno. Toda a mudança que não seja significativa e profunda, ela passa a ser destituída de qualquer significado. Um plano para ser útil e significativo, antes de tudo, deve ser constituído de uma seriedade pedagógica, que atenda as reais urgências e necessidades dos alunos. 33 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos Profa. Tatiane Lucena Antes de agilizar o plano, os professores devem se perguntar: são os objetivos propostos e definidos significativos e portadores de sentido? Apresentam consistência de valores humanos? Apresentam princípios norteadores que sejam úteis para a pessoa? Expressam ideais, idéias e princípios válidos para o ser humano, em todas as suas dimensões? São os conteúdos relacionados e estruturados, no plano de ensino, conteúdos com conteúdos significativos? Ou serão meras linguagens, sem seqüência, estrutura e utilidade? Para serem úteis os conteúdos necessitam de organização e integração de conceitos, conhecimentos e experiências em relação aos objetivos e interesses dos alunos. Se faz mister uma análise profunda destes elementos e das suas inter-relações, para que de fato possam facilitar a aprendizagem do aluno e a ação do professor. Tais elementos devem estimular e desencadear novas e profundas aprendizagens. Além das outras características, a utilidade requer um questionamento sério e profundo. Enfim, o que foi planejado só será válido se for algo importante e útil para o aluno, que tenta buscar, na escola, a sua formação integral como pessoa humana. 34 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos ZABALA, Antoni. A avaliação. In: ______. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 195-201. A AVALIAÇÃO Por que se deve avaliar? Esclarecimentos prévios sobre a avaliação Habitualmente, quando se fala de avaliação se pensa, de forma prioritária ou mesmo exclusiva, nos resultados obtidos pelos alunos. Hoje em dia, este continua sendo o principal alvo de qualquer aproximação ao fato avaliador. Os professores, as administrações, os pais e os próprios alunos se referem à avaliação como o instrumento ou processo para avaliar o grau de alcance, de cada menino e menina, em relação a determinados objetivos previstos nos diversos níveis escolares. Basicamente, a avaliação é considerada como um instrumento sancionador e qualificador, em que o sujeito da avaliação é o aluno e somente o aluno, e o objeto da avaliação são as aprendizagens realizadas segundo certos objetivos mínimos para todos. Mesmo assim, já faz muito tempo que, a partir da literatura pedagógica, as declarações de princípios das reformas educacionais empreendidas em diferentes países e grupos de educadores mais inquietos se propõem formas de entender a avaliação que não se limitam à valoração dos resultados obtidos pelos alunos. O processo seguido pelos meninos e meninas, o progresso pessoal, o processo coletivo de ensino / aprendizagem, etc., aparecem como elementos ou dimensões da avaliação. Deste modo, é possível encontrar definições de avaliação bastante diferentes e, em muitos casos, bastante ambíguas, cujos sujeitos e objetos de estudo aparecem de maneira confusa e indeterminada. Em alguns casos o sujeito da avaliação é o aluno, em outros é o grupo/classe, ou inclusive o professor ou professora, ou a equipe docente. Quanto ao objeto da avaliação, às vezes é o processo de aprendizagem seguido pelo aluno Profa. Tatiane Lucena ou os resultados obtidos, enquanto que outras vezes se desloca para a própria intervenção do professor. Para esclarecer o alcance das diferentes definições pode ser útil fazer um quadro de dupla entrada que contenha, por um lado e de modo separado, o processo de ensino/aprendizagem individual que segue cada aluno e, por outro lado e para cada um deles, os possíveis objetos e sujeitos da avaliação. No Quadro 8.1 podemos ver que toda intervenção educativa na aula se articula em torno de alguns processos de ensino / aprendizagem que podem ser analisados desde diferentes pontos de vista. Examinemos, em primeiro lugar, o processo que cada aluno segue. Neste caso pode se distinguir entre a maneira como o menino ou menina está apreendendo e o que faz o professor / a para que aprenda, quer dizer, o processo de ensino. Apesar de que ensino e aprendizagem se encontram estreitamente ligados e fazem parte de uma mesma unidade dentro da aula, podemos distinguir claramente dois processos avaliáveis: como o aluno aprende e como o professor ou professora ensina. Portanto, temos dois sujeitos da avaliação, o que poderíamos denominar uma dupla dimensão, aplicável também ao processo que todo o grupo / classe segue. Quadro 8.1 PROCESSO INDIVIDUAL Sujeito Aluno/a Professor / a ENSINO / APRENDIZAGEM Objeto Processo aprendizagem Processo ensino PROCESSO GRUPAL Sujeito Grupo / classe Equipe docente ENSINO / APRENDIZAGEM Objeto Processo aprendizagem Processo ensino No entanto, as definições mais habituais da avaliação remetem a um todo indiferenciado, que inclui processos individuais e grupais, o aluno ou a aluna e os professores. Este ponto de vista é plenamente justificável, já que os processos que têm lugar na aula são processos globais em que é difícil, e certamente desnecessário, separar 35 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos claramente os diferentes elementos que os compõem. Nossa tradição avaliadora tem se centrado exclusivamente nos resultados obtidos pelos alunos. Assim, é conveniente dar-se conta de que ao falar de avaliação na aula pode se aludir particularmente a algum dos componentes do processo de ensino / aprendizagem, como também a todo o processo em sua globalidade. Talvez a pergunta que nos permita esclarecer em cada momento qual deve ser o objeto e o sujeito da avaliação seja aquela que corresponde aos próprios fins do ensino: por que temos que avaliar? Certamente, a partir da resposta a esta pergunta surgirão outras, por exemplo, o que se tem que avaliar, a quem se tem que avaliar, como se deve avaliar, como temos que comunicar o conhecimento obtido através da avaliação, etc. Neste capítulo, formularemos estas questões e tentaremos encontrar respostas. Posto que se trata de um tema polêmico, que pode ser enfocado de diferentes perspectivas, não pretendemos trazer soluções definitivas mas sim coerentes com os marcos de referência que formos adotando. Quem e o que se deve avaliar? Os sujeitos e os objetos da avaliação Como em outras variáveis do ensino, e como já dissemos reiteradamente em outros itens deste livro, muitos dos problemas de compreensão do que acontece nas escolas não se devem tanto às dificuldades reais. Devem-se mais aos hábitos e costumes acumulados de uma tradição escolar, cuja função básica foi seletiva e propedêutica. Numa concepção do ensino centrado na seleção dos alunos mais preparados para continuar a escolarização até os estudos universitários, é lógico que o sujeito de avaliação seja o aluno e que se considerem objeto da avaliação as aprendizagens alcançadas em relação às necessidades futuras que foram estabelecidas - as universitárias. Desta forma se dá prioridade a uma clara função sancionadora: qualificar e sancionar desde pequenos aqueles que podem triunfar nesta carreira até a universidade. Profa. Tatiane Lucena No entanto, podemos entender que a função social do ensino não consiste apenas em promover e selecionar os "mais aptos" para a universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade. Quando a formação integral é a finalidade principal do ensino e, portanto, seu objetivo é o desenvolvimento de todas as capacidades da pessoa e não apenas as cognitivas, muitos dos pressupostos da avaliação mudam. Em primeiro lugar, e isto é muito importante, os conteúdos de aprendizagem a serem avaliados não serão unicamente conteúdos associados às necessidades do caminho para a universidade. Será necessário, também, levar em consideração os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que promovam as capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção sócia. Uma opção desta natureza implica uma mudança radical na maneira de conceber a avaliação, posto que o ponto de vista já não é seletivo, já não consiste em ir separando os que não podem superar distintos obstáculos, mas em oferecer a cada um dos meninos e meninas a oportunidade de desenvolver, no maior grau possível, todas suas capacidades. O objetivo do ensino não centra sua atenção em certos parâmetros finalistas para todos, mas nas possibilidades pessoais de cada um dos alunos. O problema não está em como conseguir que o máximo de meninos e meninas tenham acesso à universidade, mas em como conseguir desenvolver ao máximo todas as suas capacidades, e entre elas, evidentemente, aquelas necessárias para chegar a serem bons profissionais. Tudo isto, envolve mudanças substanciais nos conteúdos da avaliação e no caráter e na forma das informações que devem se proporcionar sobre o conhecimento= que se tem das aprendizagens realizadas, considerando as capacidades previstas. Por enquanto, digamos unicamente que se trata de informações complexas, que não combinam com um tratamento estritamente quantitativo; se referem a valorações e indicadores personalizados que raramente podem se traduzir em notas e qualificações clássicas. 36 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos Avaliação Formativa: Inicial, Reguladora, Final Integradora A tomada de posição em relação às finalidades do ensino, relacionada a um modelo centrado na formação integral da pessoa, implica mudanças fundamentais, especialmente nos conteúdos e no sentido da avaliação. Além do mais, quando na análise da avaliação introduzimos a concepção construtivista do ensino e a aprendizagem como referencial psicopedagógico, o objeto da avaliação deixa de se centrar exclusivamente nos resultados obtidos e se situa prioritariamente no processo de ensino / aprendizagem, tanto do grupo / classe como de cada um dos alunos. Por outro lado, o sujeito da avaliação não apenas se centra no aluno, como também na equipe que intervém no processo. Como pudemos observar, procedemos de uma tradição educacional prioritariamente uniformizadora, que parte do princípio de que as diferenças entre os alunos das mesmas idades não são motivo suficiente para mudar as formas de ensino, mas que constituem uma evidência que valida a função seletiva do sistema e, portanto, sua capacidade para escolher os melhores. A uniformidade é um valor de qualidade do sistema, já que é o que permite reconhecer e validar os que servem. Quer dizer, são bons alunos aqueles que se adaptam a um ensino igual para todos; não é o ensino quem deve se adaptar às diferenças dos alunos. O conhecimento que temos sobre como se produzem as aprendizagens revela a extraordinária singularidade destes processos, de tal maneira que cada vez é mais difícil estabelecer propostas universais que vão além da constatação destas diferenças e singularidades. O fato de que as experiências vividas constituam o valor básico de qualquer aprendizagem obriga a levar em conta a diversidade dos processos de aprendizagem e, portanto, a necessidade de que os processos de ensino, e especialmente os avaliadores, não apenas os observem, como os tomem como eixo vertebrador (Quadro 8.2). Profa. Tatiane Lucena Quadro 8.2 Função social e aprendizagem Objeto Seletiva e propedêutica, Resultados Uniformizador e transmissor Formação integral At, diversidade construtivo Processo Sujeito Referencial Avaliação Alunos Disciplinas Alunos/ Capacidades professores Informe Sanção Quantitativo Ajuda Descritivo/ interpretativo Sob uma perspectiva uniformizadora e seletiva, o que interessa são determinados resultados em conformidade com certos níveis predeterminados. Quando o ponto de partida é a singularidade de cada aluno, é impossível estabelecer níveis universais. Aceitamos que cada aluno chega à escola com uma bagagem determinada e diferente em relação às experiências vividas, conforme o ambiente sócio-cultural e familiar em que vive, e condicionado por suas características pessoais. Esta diversidade óbvia implica a relativização de duas das invariáveis das propostas uniformizadoras os objetivos e os conteúdos e a forma de ensinar - e a exigência de serem tratadas em função da diversidade dos alunos. Portanto, a primeira necessidade do educador é responder às perguntas: que sabem os alunos em relação ao que quero ensinar? Que experiências tiveram? O que são capazes de aprender? Quais são seus interesses? Quais são seus estilos de aprendizagem? Neste marco a avaliação já não pode ser estática, de análise de resultado, porque se torna um processo. E uma das primeiras fases do processo consiste em conhecer o que cada um dos alunos sabe, sabe fazer e é, e o que pode chegar a saber, saber fazer ou ser, e como aprendê-lo. A avaliação é um processo em que sua primeira fase se denomina avaliação inicial. O conhecimento do que cada aluno sabe, sabe fazer e como é, é o ponto de partida que deve nos permitir, em relação aos objetivos e conteúdos de aprendizagem previstos, estabelecer o tipo de 37 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos atividades e tarefas que têm que favorecer a aprendizagem de cada menino e menina. Assim, pois, nos proporciona referências para definir uma proposta hipotética de intervenção, a organização de uma série de atividades de aprendizagem que, dada nossa experiência e nosso conhecimento pessoais, supomos que possibilitará o progresso dos alunos. Mas não é mais do que uma hipótese de trabalho, já que dificilmente a resposta a nossas propostas será sempre a mesma, nem a que nós esperamos. A complexidade do fato educacional impede dar, como respostas definitivas, soluções que tiveram bom resultado anteriormente. Não apenas 03 alunos são diferentes em cada ocasião, como as experiências educacionais também são diferentes e não se repetem. Isto supõe que, no processo de aplicação, em aula, do plano de intervenção previsto, será necessário adequar às necessidades de cada aluno as diferentes variáveis educativas: as tarefas e as atividades, seu conteúdo, as formas de agrupamento, os tempos, etc. Conforme se desenvolva o plano previsto e conforme a resposta dos meninos e meninas a nossas propostas, haverá que ir introduzindo atividades novas que comportem desafios mais adequados e ajudas mais contingentes. O conhecimento de como cada aluno aprende ao longo do processo de ensino / aprendizagem, para se adaptar às novas necessidades que se colocam, é o que podemos denominar avaliação reguladora. Alguns educadores, e o próprio vocabulário da Reforma, utilizam o termo de avaliação formativa. Pessoalmente, para designar este processo prefiro usar o termo avaliação reguladora, já que explica melhor as características de adaptação e adequação. Ao mesmo tempo, esta opção permite reservar o termo formativo para uma determinada concepção da avaliação em geral, entendida como aquela que tem como propósito a modificação e a melhora contínua do aluno que se avalia; quer dizer, que entende que a finalidade da avaliação é ser um instrumento educativo que informa e faz uma valoração do processo de aprendizagem seguido pelo aluno, com o objetivo de lhe oportunizar, em todo momento, as propostas educacionais mais adequadas. O conjunto de atividades de ensino/aprendizagem realizadas Profa. Tatiane Lucena permitiu que cada aluno atingisse os objetivos previstos num determinado grau. A fim de validar as atividades realizadas, conhecer a situação de cada aluno e poder tomar as medidas educativas pertinentes, haverá que sistematizar o conhecimento do progresso seguido. Isto requer, por um lado, apurar os resultados obtidos - quer dizer, as competências conseguidas em relação aos objetivos previstos - e, por outro, analisar o processo e a progressão que cada aluno seguiu, a fim de continuar sua formação levando em conta a suas características específicas. Seguidamente o conhecimento dos resultados obtidos é designado com o termo avaliação final ou avaliação somativa. Pessoalmente, acho que a utilização conjunta dos dois termos é ambígua e não ajuda a identificar ou diferenciar estas duas necessidades: o conhecimento do resultado obtido e a análise do processo que o aluno seguiu. Prefiro utilizar o termo avaliação final para me referir aos resultados obtidos e aos conhecimentos adquiridos, e reservar o termo avaliação somativa ou integradora para o conhecimento e a avaliação de todo o percurso do aluno. Assim, esta avaliação somativa ou integradora é entendida como um informe global do processo que, a partir do conhecimento inicial (avaliação inicial), manifesta a trajetória seguida pelo aluno, as medidas específicas que foram tomadas, o resultado final de todo o processo e, especialmente, a partir deste conhecimento, as previsões sobre o que é necessário continuar fazendo ou o que é necessário fazer de novo. No Quadro 8.1, no começo deste tópico, situamos os quatro possíveis objetos da avaliação (processo de aprendizagem individual, aprendizagem do grupo, ensino individual e ensino do grupo) e os quatro sujeitos da avaliação (o aluno/a, o grupo/ classe, o professor/a e a equipe docente). Na descrição que fizemos das diferentes fases da avaliação (inicial, reguladora ou formativa, final e integradora), os diferentes objetos e sujeitos se confundem, já que não fica muito claro, desde o princípio, qual é a intencionalidade da avaliação. Por que avaliar? O aperfeiçoamento da prática educativa é o objetivo básico de todo educador. E se entende este 38 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos Profa. Tatiane Lucena aperfeiçoamento como meio para que todos os alunos consigam o maior grau de competências, conforme suas possibilidades reais. O alcance dos objetivos por parte de cada aluno é um alvo que exige conhecer os resultados e os processos de aprendizagem que os alunos seguem. E para melhorar a qualidade do ensino é preciso conhecer e poder avaliar a intervenção pedagógica dos professores, de forma que a ação avaliadora observe simultaneamente os processos individuais e os grupais. Referimo-nos tanto aos processos de aprendizagem como aos de ensino, já que, desde uma perspectiva profissional o conhecimento de como os meninos e meninas aprendem é, em primeiro lugar, um meio para ajudá-Ias em seu crescimento e, em segundo lugar, é o instrumento que tem que nos permitir melhorar nossa atuação na aula. ESQUEMA DE AVALIAÇÃO FORMATIVA Avaliação inicial, planejamento, adequação do plano (avaliação reguladora), avaliação final, avaliação integradora. A partir de uma opção que contempla como finalidade fundamental do ensino a formação integral da pessoa, e conforme uma concepção construtivista, a avaliação sempre tem que ser formativa, de maneira que o processo avaliador, independentemente de seu objeto de estudo, tem que observar as diferentes fases de uma intervenção que deverá ser estratégica. Quer dizer, que permita conhecer qual é a situação de partida, em função de determinados objetivos gerais bem definidos (avaliação inicial); um planejamento da intervenção fundamentado e, ao mesmo tempo, flexível, entendido como uma hipótese de intervenção; uma atuação na aula, em que as atividades e tarefas e os próprios conteúdos de trabalho se adequarão constantemente (avaliação reguladora) às necessidades que vão se apresentando para chegar a determinados resultados (avaliação final) e a uma compreensão e valoração sobre o processo seguido, que permita estabelecer novas propostas de intervenção (avaliação integradora). 39 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos MAHEU, Cristina D’Ávila. Interdisciplinaridade e mediação pedagógica. Disponível em: <http://www.nuppead.unifacs.br/ artigos/Interdisciplinaridade.pdf>. Acesso em: 27. set. 2007. INTERDISCIPLINARIDADE E MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA Antes mesmo do conceito, interdisciplinaridade tem sido uma palavra mal compreendida nos meios acadêmicos. Fala-se muito em interdisciplinaridade, até para se emprestar um significado mais burilado aos projetos em educação, mas a ação pedagógica propriamente interdisciplinar tem sido relegada às praticas multie pluridisciplinares. Em poucas palavras, a multi e a pluridisciplinaridade referem-se à justaposição de duas ou mais disciplinas de um curso, sem que sejam definidos objetivos pedagógicos comuns, portanto, sem que haja interconexão entre as disciplinas. O resultado de práticas dessa natureza tem sido, muitas vezes, desastroso: o esfacelamento de conteúdos, o descontentamento de alunos e professores que perdem o norte da ação, a improvisação e os maus resultados escolares. Podemos mesmo afirmar que a indefinição sobre o termo interdisciplinaridade é precedida pela incompreensão do conceito de disciplina. Com efeito, disciplina vem a ser uma parte desse todo complexo e sincrético a que chamamos conhecimento da realidade. Do ponto de vista epistemológico, disciplina vem a ser: “Domínio estruturado do saber que possui um objeto de estudo próprio, um esquema conceitual, um vocabulário especializado e, ainda, um conjunto de postulados, conceitos, fenômenos particulares, métodos e leis. Conjunto específico de conhecimentos que têm características próprias sob o plano do ensino, da formulação, dos métodos e das matérias”. Profa. Tatiane Lucena A etimologia da palavra é a base substancial para a compreensão do seu significado e, por conseguinte, do seu conceito. Assim, para darmos conta do esclarecimento do conceito (que vem a ser uma abstração do real), recorremos ao significado do signo lingüístico: do latim discere, disciplina quer dizer aprender e, de seu derivado, discipulus, aquele que aprende. Disciplina significa também, no campo da pedagogia, um conjunto de normas de conduta estabelecidas com vistas a manter a ordem e o desenvolvimento normal das atividades numa classe ou numa escola. Todavia, do ponto de vista da ciência, disciplina é um tipo de saber específico e possui um objeto determinado e reconhecido, bem como conhecimentos e saberes relativos a este objeto e métodos próprios. A noção de disciplina científica (diferentemente da disciplina escolar) está ligada, pois, ao conhecimento científico. Constitui-se a partir de uma determinada subdivisão de um domínio específico do conhecimento. A tentativa de estabelecer relações entre as disciplinas é que dá origem ao que chamamos interdisciplinaridade. O saber escolar e, por conseqüência, as disciplinas escolares não se constituem de uma transposição direta do saber científico ou do saber erudito para as matérias escolares. Representam um conhecimento organizado e ordenado didaticamente, classificado por graus de dificuldades e dirigidos a públicos com idades e capacidades cognitivas diferenciadas. Portanto, as finalidades e os objetos das disciplinas escolares são completamente diferentes dos referenciais das disciplinas científicas. A lógica científica é compartilhada pelos dois tipos de disciplina, mas isso não as torna idênticas. A interdisciplinaridade, assim como a disciplinaridade, pode ser, na origem, científica ou, por sua aplicabilidade na prática escolar, pedagógica. Com efeito: “A disciplinaridade e ensino por disciplinas dissociadas se constrói mediante a aplicação dos princípios da delimitação interna, da fixidez no objeto próprio de análise, pela decomposição de problemas em partes separadas e sua ordenação posterior, pelo raciocínio 40 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos lógico formal (Descartes), caracterizado pela regra da exclusão do que é, e do que não é (princípio da certeza). Por conseguinte, constitui numa visão limitada para orientar a compreensão da realidade complexa dos tempos modernos e da atuação em seu contexto” (Luck, 1994 : 49). Inicialmente devemos afirmar que o conceito de interdisciplinaridade só pode ser compreendido no contexto disciplinar. Com efeito, a interdisciplinaridade pressupõe a existência de inter-relações entre duas ou mais disciplinas; interdisciplinaridade significa, portanto, a essência dessa relação. BREVE HISTÓRICO DA INTERDISCIPLINARIDADE A idéia de repartição do saber aparece desde a Antigüidade clássica, quando se separava as humanidades das ciências, separação esta que correspondia à divisão entre o trivium (gramática, retórica e lógica) e o quadrivium (geometria, aritmética, música e astronomia), formando assim as sete artes liberais. A diferenciação dos saberes nos tempos antigos não significava um rompimento; as ciências não eram vistas como fragmentos do saber. Antes, compunham ligações, como no caso da matemática e da música juntas, da filosofia e da física que formavam a “filosofia natural” etc. A separação das disciplinas científicas da filosofia é um fenômeno que se torna agudo sobretudo no séc. XIX, com o advento do positivismo. Como disse Schwartzman (1997): “Com o tempo, no entanto, as diferenças foram-se aprofundando, não só pela quantidade de informação e especialização que cada uma requeria como principalmente pela diferença de estilos cognitivos e modelos intelectuais típicos das “duas culturas” do conhecimento. “De um lado, uma cultura baseada no uso extenso de várias línguas e na familiaridade com tradições literárias extensas e sutis; do outro, o uso do raciocínio abstrato e dedutivo, a organização sistemática das informações, o Profa. Tatiane Lucena uso cada vez maior de instrumentos e a manipulação direta da natureza” (Schwartzman, 1997: 60). A epistemologia positivista (cuja idéia central concedia ao fato observável a autoridade da “verdade científica”) dá lugar às reflexões sobre a fragmentação das ciências. Portanto, as discussões sobre a temática não são nada recentes. De forma mais concreta, entretanto, o movimento interdisciplinar surge na Europa (França e Itália) em idos dos anos 60, mesma época dos movimentos estudantis franceses de cunho marxista, que reivindicavam mudanças estruturais nas instituições escolares. É nessa época, portanto, que as críticas contra um saber oferecido em “migalhas” se fez ecoar. Diz Ivani Fazenda (1995): “Esse posicionamento nasceu como oposição a todo o conhecimento que privilegiava o capitalismo epistemológico de certas ciências, como oposição à alienação da academia às questões da cotidianeidade, às organizações curriculares que evidenciavam a excessiva especialização e a toda e qualquer proposta de conhecimento que incitava o olhar do aluno numa única, restrita e limitada direção, a uma patologia do saber” (Fazenda, 1995: 19). A discussão teórica nesta época sobre o papel humanista da ciência acabou por encaminhar as primeiras discussões sobre a interdisciplinaridade. Gusdorf (1978) inaugura as reflexões sobre o tema a partir da categoria de totalidade, quando apresentou um projeto de pesquisa interdisciplinar à UNESCO em 1961. O autor previa a diminuição da distância teórica entre as ciências humanas no seu projeto. Desde muito tempo, Marx já sustentava a historicidade como fundamento das ciências. Para ele a totalidade seria alcançada através do referencial histórico. A epistemologia construtivista de Piaget busca o desvendamento do processo de construção do conhecimento, fundamentando assim, a unidade das ciências. Para Piaget (1972) a interdisciplinaridade é uma forma de pensar e uma forma de se 41 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos alcançar a transdisciplinaridade (que ultrapassa a integração e reciprocidade entre as ciências e se transpõe para um espaço onde desapareceriam as fronteiras entre as ciências. A década de 70 no Brasil representou o período filosófico de explicitações terminológicas neste campo. Nesse período, Hilton Japiassú se ocupou do ideário interdisciplinar no terreno epistemológico e Ivani Fazenda, no campo da educação. Nesse período Hilton Japiassú publicava um livro, apresentando uma síntese das principais questões interdisciplinares e anuncia os pressupostos de uma metodologia interdisciplinar. Para ele, essa metodologia consistia em tornar possível um projeto interdisciplinar para as ciências humanas, a partir dos recursos disponíveis para este fim. Portanto, ele cuidava das condições de realização de um projeto dessa natureza para as ciências humanas, estudando as relações e inter-relações entre as ciências. Ivani Fazenda desenvolveu sua pesquisa de mestrado a partir dos estudos de Japiassú e de outros estudiosos europeus Nesse estudo buscou conceituar a interdisciplinaridade numa época de reformas educacionais no Brasil (1973). A autora vislumbrou o caos em que estava mergulhada a educação escolar brasileira naquele período, o que se reflete, sobremaneira até os nossos dias. A década de 80 caracterizou-se como um período de discussão sobre a interdisciplinaridade e sua ocupação nas ciências humanas e na educação. Diversas práticas interdisciplinares já se desenvolviam em algumas instituições de ensino. Foi o que registrou Ivani Fazenda em pesquisas realizadas em dois períodos – 1987 a 1989 e entre 1989 a 1991. Suas pesquisas revelaram características interessantes do professor interdisciplinar, como pesquisador, alto grau de comprometimento para com a aprendizagem dos alunos, utilização de novos procedimentos de ensino, etc. No segundo trabalho, buscou desenvolver uma metodologia de trabalho interdisciplinar e seu principal objetivo residia na conscientização do professor como sujeito de sua própria ação. A autora registrou várias práticas pedagógicas de professores desde a pré-escola até o nível superior. Esse memorial de Profa. Tatiane Lucena experiências interdisciplinares, permitiu-lhe a construção de um denso quadro de referência na área. A partir de 1990 instaurou-se o modismo interdisciplinar no Brasil. Muitas práticas intuitivas se fizeram e ainda se fazem presentes, o que impulsiona estudos e pesquisas visando ainda esclarecer a temática. Ivani Fazenda comenta: “O número de projetos educacionais que se intitulam interdisciplinares vem aumentando no Brasil, numa progressão geométrica, seja em instituições públicas ou privadas, em nível de escola ou de sistema de ensino. Surgem da intuição ou da moda, sem lei, sem regras, sem intenções explícitas, apoiando-se numa literatura provisoriamente difundida” (Fazenda, 1995: 34). O problema é quando se nega todo e qualquer caminho pedagógico já percorrido desde décadas em nome de uma prática sem grandes fundamentos. Este é um bom momento para se propiciar tal discussão. INTRA, PLURI, MULTI E INTERDISCIPLINARIDADE Uma prática pedagógica interdisciplinar pode vir a utilizar-se, num primeiro momento, de uma ação intradisciplinar, ou seja, do estabelecimento de relações entre uma matéria (disciplina-mãe, matriz) e demais disciplinas aplicadas. A intradisciplinaridade corresponde, pois, às relações intrínsecas entre a matéria e as disciplinas que derivam da primeira. Assim por exemplo, nas ciências da educação, a História pode ser concebida como matéria (matriz) e a História Universal da Educação e História da Educação Brasileira, como disciplinas derivadas, aplicadas. A intradisciplinaridade vem a ser, portanto, uma etapa a ser desencadeada no processo pedagógico interdisciplinar. Para Japiassu (1976), a diferença entre pluridisciplinaridade e multidisciplinaridade é quase nula. A multidisciplinaridade se resumiria a um conjunto de disciplinas a serem trabalhadas simultaneamente, sem que as relações entre as partes sejam 42 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos explícitas por meio de objetivos pedagógicos claros e bem definidos. A pluridisciplinaridade, para o autor, diz respeito à justaposição de diversas disciplinas “situadas geralmente no mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo a fazer aparecer as relações existentes entre elas; [...] interdisciplinaridade é a axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas e definida no nível hierárquico imediatamente superior, o que introduz noção de finalidade” (Japiassu, 1976, apud Gadotti, 2000 : 224). O conceito de transdisciplinaridade também tem sido extremamente confundido nos meios acadêmicos. Para Gadotti: “Nas ciências da educação, a transdisciplinaridade entendida como a coordenação de todas as disciplinas interdisciplinas do sistema de ensino inovado sobre base de uma axiomática geral, ética, política antropológica” (Gadotti, 2000 : 224). é e a e Isto posto, interdisciplinaridade vem a ser o resultado da articulação entre duas ou mais disciplinas com objetivos pedagógicos comuns, já que as disciplinas não podem ser consideradas como ilhas isoladas num arquipélago perdido. São, nessa perspectiva, a unidade do saber que se realiza na especificidade de cada uma das disciplinas. INTERDISCIPLINARIDADE ESCOLAR E MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA Consideraremos, como tipologia, dois modelos interdisciplinares: o científico e o escolar. O científico refere-se àquela categoria mais geral de ciência e antecede, por definição, a prática puramente escolar. A interdisciplinaridade escolar, compreendida no seu âmago, diz respeito à atualização pedagógica, na sala de aula e na instituição escolar, das articulações, relações de interdependência e complementaridade entre as disciplinas do currículo. Profa. Tatiane Lucena Yves Lenoir (1997) distingue em 3 a tipologia interdisciplinar do ponto de vista escolar: a interdisciplinaridade curricular, a interdisciplinaridade didática e a pedagógica. À interdisciplinaridade curricular corresponderia uma dimensão mais ampla, capaz de açambarcar a interdisciplinaridade didática – onde repousa a idéia de planejamento da organização, da prática e da avaliação educativa – e a interdisciplinaridade pedagógica – caracterizada pela atualização em sala de aula da interdisciplinaridade didática. Por considerarmos excessiva tal tipologia, ainda que esclarecedora, optamos por explicar, no seio da interdisciplinaridade escolar, as interfaces entre a interdisciplinaridade curricular e a pedagógica, detendo-nos, prioritariamente, sobre a segunda abordagem. Para além da mera integração de conhecimentos, a interdisciplinaridade pedagógica supõe a produção de síntese superadoras, sublinhando, assim, a relação dialética entre dimensões antes dicotômicas do conhecimento: teoria/prática; conteúdo/forma; ação/reflexão; homem/sociedade, etc. A construção contínua de sínteses que superem antigas dicotomias, não acontece como um modelo a ser transposto pelo professor no espaço da sala de aula. Antes, opera-se em nível mental, por parte dos alunos, a cada momento em que a aprendizagem se desenvolva significativamente. Assim, a realidade não está fora do sujeito cognoscente, mas faz parte integrante deste. Num imbricamento dialético, sujeito e realidade são elementos que se interinfluenciam. Desse ponto de vista, a interdisciplinaridade é um tipo de abordagem e conduz a uma ordenação específica do processo ensinoaprendizagem, notadamente no plano dos conteúdos e das atividades. Nesse sentido, os professores proporcionam aos alunos uma aprendizagem simultânea dos saberes e dos métodos comuns a várias disciplinas. Assim, a interdisciplinaridade reordena conhecimentos diversos e provoca um conhecimento novo. Segundo Gadotti (2000) em termos metodológicos, a prática pedagógica interdisciplinar implica em: 43 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos a) “integração de conteúdos; b) passar de uma concepção fragmentária para uma concepção unitária do conhecimento; c) superar a dicotomia entre ensino e pesquisa, considerando o estudo e a pesquisa, a partir da contribuição das diversas ciências; d) ensino-aprendizagem centrado numa visão que aprendemos ao longo de toda a vida (educação permanente)”. (Gadotti, 2000 : 222). É importante esclarecer aqui a idéia de “integração de conteúdos”, a fim de dirimir eventuais enganos, tão correntes em práticas pedagógicas cotidianas. Freqüentemente a interdisciplinaridade tem sido confundida com essa idéia de integração. Mas a integração entre os conteúdos de diferentes disciplinas não acontece do exterior para o interior. Antes de tudo, constitui-se como um processo interno, relativamente ao sujeito que aprende, É um processo construtivo, em que o sujeito cognoscente apropria-se dos objetos de conhecimento de modo a perceber as interconexões entre os mesmos, tornando-se assim, capaz de vislumbrar, de compreender a realidade, numa perspectiva de totalidade. Portanto, a relação entre interdisciplinaridade e integração é complementar, mas não significam jamais a mesma coisa. Em síntese, para que se efetive uma mediação pedagógica dentro de prerrogativas interdisciplinares, é necessário antes de mais nada, mudança de postura. Essa mudança implica no abandono de práticas pedagógicas rígidas e referenciadas exclusivamente na figura do magister ou professor-mestre, para tornar possível a caminhada rumo ao trabalho interdisciplinar, fundado essencialmente, no trabalho coletivo. Parafraseando Ivani Fazenda, esta é uma perspectiva que se constrói em parceria. Profa. Tatiane Lucena CONCLUSÃO O mundo não se constitui de fenômenos isolados, mas complementares entre si. O reconhecimento dessa teia de relações, muitas vezes contraditórias e ambíguas, significa, então, um avanço na compreensão dessa realidade complexa. Assim, a transcendência dos limites disciplinares do conhecimento é condição fundamental ao olhar abrangente da interdisciplinaridade. A gênese do saber interdisciplinar repousa na idéia de relação entre as partes de um dado conhecimento. Portanto, se cada matriz curricular, representa um tecido coeso, as disciplinas são as linhas que o tecem. Dito de outro modo, interdisciplinaridade significa: "Relação entre as disciplinas, evidenciada por uma abordagem pedagógica particular. Abordagem de ensino em torno de um tema ou de um projeto que serve ao estudo de algumas ou várias disciplinas integradas [… ]. “Epistemologia: numa perspectiva mais geralmente aceita e mais abstrata, domínio da ciência, com certa relação de unidade, de relações e de ações recíprocas, de interpenetração entre diversas porções do saber nomeadas disciplinas científicas“. A interdisciplinaridade não é uma categoria de conhecimento, mas de ação. Não significa, tampouco, a integração de conteúdos, mas a inter-relação entre as disciplinas, em se considerando seus objetivos e metodologias próprias. Interrelacionar não é integrar, globalizar, perdendo-se de vista a especificidade de cada objeto de conhecimento. Uma ação pedagógica interdisciplinar requer, antes de tudo, uma atitude interdisciplinar. E, no limite, interdisciplinaridade faz-se, antes, entre os indivíduos para, só depois, concretizar-se na inter-relação entre as disciplinas. A interdisciplinaridade busca a ressignificação da idéia de disciplina com seu hipotético objeto formal. Não o nega, mas o fortalece, adquirindo assim uma nova forma de acesso ao real. “Essa nova abordagem é possibilitada ao submetê-la a um tratamento eminentemente pragmático, em que a ação passa a ser o ponto de 44 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos Profa. Tatiane Lucena convergência e partida entre o fazer e o pensar da interdisciplinaridade" Essa atitude visa, então, o fortalecimento da identidade das disciplinas, e depende do seu desenvolvimento efetivo, da sua maturidade em relacionar-se com as demais. Essa posição desmascara a pretensão de supremacia de certas ciências. De onde, a conclusão de que a interdisciplinaridade é uma categoria de ação e agir implica em ter uma intenção, assumir uma atitude, em se considerando as condições de espaço e de tempo. Implica, pois em um projeto coeso, coerente, de revisão sistemática e permanente dos seus postulados. REFERÊNCIAS: COLL, César et al. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ed. Ática, 1998. FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade : história, teoria e pesquisa. São Paulo : Ed. Papirus, 1995, 2a edição. FAZENDA, Ivani (org.). Didática e interdisciplinaridade. São Paulo: Editora Papirus, 1997. GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes médicas, 2000. LENOIR, Yves. Didática e interdisciplinaridade: uma complementaridade necessária e incontornável (tradução de Marly de Oliveira) in FAZENDA, Ivani (org). Didática e Interdisciplinaridade. São Paulo: Editora Papirus, 1997. MATUI, Jiron. Construtivismo. Teoria construtivista sóciohistórica aplicada ao ensino. São Paulo: Ed. Moderna, 1995. SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade, o currículo integrado. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1998. SCHWARTZMAN, Simon. A redescoberta da cultura, in Ensaios de Cultura, São Paulo: EDUSP, 1997. 45 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos AUSUBEL, David Paul. Aprendizagem cognitiva afetiva psicomotora. Disponível em: <www.fulgoris.ubbi.com.br/davidausubel.htm>. Acesso em: 27 set. 2007. APRENDIZAGEM COGNITIVA AFETIVA PSICOMOTORA Jovem garoto judeu de família pobre aprendeu a respeitar a hierarquia da comunidade judaica. E foi através dela com contribuição de Piaget, que construiu seus pensamentos educacionais. Sua formação acadêmica deu-se na Universidade de Nova York. Até 1997, estava vivo, em Ontário, no Canadá. Ausubel é um dos teórico que une a compreensão piagetiana do sujeito do conhecimento com a psicologia da aprendizagem de Rogers. Para ele, o principal no processo de ensino é que a aprendizagem seja significativa. Isto é, o material a ser aprendido precisa fazer algum sentido para o aluno. Isto acontece quando a nova informação “ancora-se” nos conceitos relevantes já existentes na estrutura cognitiva do aprendiz. Neste processo a nova informação interage com uma estrutura de conhecimento específica, que chama de conceito “subsunçor”. Esta é uma palavra que tenta traduzir a inglesa “subsumer”. Quando o material a ser aprendido não consegue ligar-se a algo já conhecido, ocorre o que Ausubel chamou de aprendizagem mecânica (“rote learning”). Ou seja, isto ocorre quando as novas informações são aprendidas sem interagirem com conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva. Assim, a pessoa decora fórmulas, leis, marretas para provas e esquece logo após a avaliação. Para haver aprendizagem significativa é preciso haver duas condições: 1) o aluno precisa ter uma disposição para aprender: se o indivíduo quiser memorizar o material arbitrariamente e literalmente, então a aprendizagem será mecânica; 2) o material a ser aprendido tem que ser potencialmente Profa. Tatiane Lucena 3) significativo, ou seja ele tem que ser logicamente e psicologicamente significativo: o significado lógico depende somente da natureza do material, e o significado psicológico é uma experiência que cada indivíduo tem. Cada aprendiz faz uma filtragem dos materiais que têm significado ou não para si próprio. A Aprendizagem pode ser Cognitiva - armazenamento organizado de informações; Afetiva - sinais internos do indivíduo (prazer, dor, ansiedade); Psicomotora - repostas musculares (treino e prática) Ausubel focaliza principalmente a aprendizagem cognitiva entendendo a aprendizagem = organização e interação do material na estrutura cognitiva (conteúdo total de idéias de um indivíduo e sua organização). Ele preocupa-se com a aprendizagem que ocorre na sala de aula da escola. O fator mais importante de aprendizagem é o que o aluno já sabe. Para que ocorra a aprendizagem, conceitos relevantes e inclusivos devem estar claros e disponíveis na estrutura cognitiva do indivíduo, funcionando como ponto de ancoragem. PROCESSO DE INTERAÇÃO = conceitos mais relevantes e inclusivos interagem com o novo material funcionando como ancoradouro (abrangendo e integrando esse material e modificandose em função dessa ancoragem). e A Aprendizagem Significativa é o conceito central de sua teoria é entendida como: processo através do qual uma nova informação relaciona-se com um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo. Ou seja, a interação da nova informação com uma estrutura cognitiva específica (conceito subsunçor< subsumer) a aprendizagem ocorre quando uma nova informação ancora-se em conceitos ou proposições relevantes preexistentes na estrutura cognitiva do indivíduo. o armazenamento de informações no cérebro é altamente organizado formando uma hierarquia na qual elementos mais específicos de conhecimentos são ligados ( = assimilados) a 46 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos conceitos mais gerais, mais inclusivos. Estrutura cognitiva = estrutura hierárquica de conceitos que são representações de experiências sensoriais do indivíduo A Aprendizagem Mecânica (automática) tem as seguintes características: aprendizagem de novas informações com pouca ou nenhuma associação a conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva a informação é armazenada de maneira arbitrária, não há interação entre a nova informação e aquela já armazenada, fica arbitrariamente distribuído na estrutura cognitiva sem ligar-se a conceitos subsunçores específicos. Aprendizagem significativa pode acontecer por: recepção - o conhecimento é apresentado em sua forma final para o aprendiz descoberta - o conhecimento deve ser descoberto pelo aprendiz. Depois de descoberto, a aprendizagem é significativa se o conteúdo ligar-se a conceitos subsunçores relevantes existentes na estrutura cognitiva. De onde vêm os subsunçores? a aprendizagem mecânica e significativa são processos continuum. Quando um indivíduo adquire informações em uma área completamente nova ocorre a aprendizagem mecânica até que alguns elementos de conhecimento , relevantes a novas informações na mesma área, existam na estrutura cognitiva e possam servir de subsunçores ainda que pouco elaborados. À medida que a aprendizagem vai se tornando significativa os subsunçores se tornam mais elaborados e prontos para ancorar novos conhecimentos. em crianças pequenas, a formação de conceitos acontecem através de um processo conhecido como "formação de conceitos", que envolve generalizações de instâncias específicas. Em idade escolar, a maioria das crianças já têm desenvolvido um conjunto de conceitos que permite a aprendizagem significativa. A partir Profa. Tatiane Lucena daí, os novos conceitos são adquiridos através de assimilação, diferenciação progressiva e reconciliação integrativa de conceitos. Ausubel recomenda o uso de organizadores prévios que sirvam de âncora para a nova aprendizagem e levem ao desenvolvimento de conceitos subsunçores que facilitem a aprendizagem subsequente. Organizadores prévios são materiais introdutórios apresentados antes do material a ser aprendido em si. Sua principal função é de servir de ponte entre o que o aprendiz já sabe e o que ele deve saber a fim de que o material possa ser aprendido de forma significativa. Facilitam a aprendizagem na medida em que funcionam como "pontes cognitivas". Condições de ocorrência da aprendizagem significativa: Segundo Ausubel (1978,p.41), " a essência do processo de aprendizagem significativa é que idéias simbolicamente expressas sejam relacionadas de maneira substantiva ( não literal) e não arbitrária ao que o aprendiz já sabe, ou seja, a algum aspecto de sua estrutura cognitiva especificamente relevante para a aprendizagem dessas idéias. Este aspecto especificamente relevante pode ser, por exemplo, uma imagem , um símbolo, um conceito, uma proposição, já significativo". material a ser aprendido seja relacionável, incorporável à estrutura cognitiva do aprendiz de maneira não arbitrária e não literal. Material potencialmente significativo. o aprendiz deve manifestar disposição para relacionar de maneira substantiva e não arbitrária o novo material, potencialmente significativo, a sua estrutura cognitiva Evidência da aprendizagem significativa Evitar a "simulação da aprendizagem significativa", formulando questões e problemas de uma maneira nova e não familiar, que requeira máxima transformação do conhecimento adquirido. 47 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos Tipos de Aprendizagem Significativa Representacional - os símbolos passam a significar aquilo que seus referentes significam de Conceitos - representam abstrações dos atributos essenciais dos referentes, representam regularidades em eventos ou objetos Proposicional - aprender o significado que está além da soma dos significados das palavras ou conceitos que compõem a proposição Assimilação Segundo a "teoria da assimilação" ou ancoragem provalvelmente tem um efeito facilitador na retenção. Imediatamente após a aprendizagem significativa começa um segundo estágio da assimilação: a assimilação obliteradora.. As novas informações tornam-se espontânea e progressivamente menos dissociáveis de suas idéias- âncora (subsunçores) até que não mais estejam disponíveis, isto é, não mais reproduzíveis como entidades individuais. BIBLIOGRAFIA Profa. Tatiane Lucena PEDUZZI, L. O. Q. Algumas fases ou estágios na resolução de problemas- Sobre a resolução de problemas no ensino da física. Caderno Catarinense de Ensino de Física, Volume 4, Número 3, Pág. 229 a 253, Dez/1997 MOREIRA, Marco Antônio. Guia de estudos individual. In: _________ Ação docente na Universidade. Porto Alegre, Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1985. Pag 116 a 135 MOREIRA, Marco Antônio. Uma Abordagem Cognitivista ao Ensino da Física. Porto Alegre, Ed. da Universidade, UFRGS, 1983 SZTAJN, Paola. Resolução de problemas, formação de conceitos matemáticos e outras janelas que esse abrem. Educação em Revista, Belo Horizonte, edição 20 a 25 de dez/94 a jun/97, pag 109-122, 1997. WATSON, Bruce and Richard KOPNICEK. Teaching for Conceptual Change: Confronting Children's Experience. Phi Delta Kappan, May 1990, pp. 680-684. CACIQUE, A. A construção do conhecimento em ambientes virtuais: uma abordagem sobre ambientes interativos de aprendizagem. Assunto: Tecnologias e suas aplicações como recursos didáticos. Ambientes interativos de aprendizagem. Ensino virtual. Evolução do conhecimento.Telemática no desenvolvimento cognitivo. CARLSON, Patricia A. & LARRALDE, V. Combining Concept Mapping and Adaptive Advice to Teach Reading Comprehension. J. UCS. v. 1 n. 3. CAVALCANTI, R.A. Andragogia: a aprendizagem nos alunos. Assunto: Arte e ciência de orientar os adultos a aprender. Estímulo do autodidatismo, capacidade de autocrítica e de trabalhar em equipe. 48 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos Candau, Vera Maria. A formação de educadores: uma perspectiva multidimensional. In: ______ (Org). Rumo a uma nova didática. 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 49-55. A FORMAÇÃO DE EDUCADORES: UMA PERSPECTIVA MULTIDIMENSIONAL A formação de educadores está passando por um momento de revisão substantiva e de crise em nosso país. Muitos são os motivos que provocaram esta situação. Entre eles podemos citar: o questionamento do próprio papel exercido pela educação na sociedade, a falta de clareza sobre a função do educador e a problemática relativa à redefinição do Curso de Pedagogia e das Licenciaturas em geral. Todos estes fatores não podem ser analisados isoladamente e se condicionam e interpenetram. No que diz respeito à relação educação-sociedade, a reflexão pedagógica e inúmeros dados de pesquisas realizadas nos últimos anos questionaram fortemente a visão tradicional e talvez ainda vigente em vários setores da sociedade, que consideram educação um fator básico de transformação social. Destas análises emerge com clareza o papel conservador e reprodutor do sistema educacional verdadeiro aliado da manutenção da estrutura social, muito mais do que elemento mobilizador de sua transformação. À maior consciência que os educadores tomam deste fato, segue-se para muitos uma sensação de angústia e questionamento da própria razão de ser do engajamento profissional na área educativa, principalmente por parte daqueles convictos da necessidade imperiosa em nosso país de trabalhar por uma sociedade mais justa e autenticamente democrática, qualitativa e estruturalmente diferente do sistema vigente. Esta problemática leva a colocar em questão a formação tradicional dos educadores, concebida fundamentalmente como Profa. Tatiane Lucena desvinculada da situação político-social e cultural do país, visualizando o profissional de educação exclusivamente como um "especialista de conteúdo", um "facilitador da aprendizagem", um "organizador das condições r de ensino-aprendizagem", ou um "técnico da educação". A discussão em torno a estas questões tem se refletido fortemente no questionamento da atual estrutura dos Cursos de Pedagogia, orientada basicamente para a formação de especialistas com acentuado caráter técnico, e dos Cursos de Licenciatura em geral, centrados nas áreas de conteúdo especifico e onde a formação pedagógica é justaposta, havendo um autêntico paralelismo na própria organização curricular dos cursos. Se, além destes problemas, acrescentamos a dissociação entre a formação teórica e a prática educativa, a saturação do mercado de trabalho, a falta de uma formação cultural consistente, entre outros, sem dúvida nos colocamos diante de um quadro que exige uma tomada de posição urgente por parte dos educadores sobre a redefinição do sistema de formação de professores e especialistas em educação. Nesta linha, nos parece de interesse analisar, pelo menos de um modo geral e ainda exploratório, a bibliografia mas significativa publicada entre nós nos últimos anos, sobre a formação de educadores. 1.1 Formação de educadores: perspectivas de análise Nossa hipótese de trabalho é a que é possível agrupar os estudos realizados basicamente em quatro perspectivas. Na primeira situamos aqueles estudos que podem ser considerados como centrados na norma. Partem da legislação vigente e analisam a adequação cuja realidade aos instrumentos legais, sem que estes sejam colocados em questão. Aqui a norma legal é vista como um absoluto. É ela que deve criar a realidade. Todo o esforço deve ser posto em verificar as dificuldades ou os entraves para o efetivo cumprimento do estipulado e propor medidas que superem os 49 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos problemas existentes. Muitos têm sido os estudos que se colocam nesta linha, quer promovidos por autoridades respons6veis por órgãos governamentais, quer realizados como dissertações de mestrado ou mesmo teses de doutorado ou livre-docência. Trata-se de um enfoque em geral meramente descritivo, e, a nosso ver, estéril, por não situar devidamente do ponto de vista histórico-social os instrumentos normativos e não se preocupar em deixar a própria realidade em sua complexidade, interrogar a própria relevância e adequabilidade do normativo. De fato, grande parte da própria história da educação brasileira privilegia o papel da norma, representando esta abordagem um resíduo desta tradição ainda não totalmente superada. O importante é que a lei seja cumprida, que a educação siga fielmente os cânones previstos e o educador é o responsável por esta observância, muitas vezes de caráter puramente formal. Outra categoria de estudos poderia ser denominada de centrada na dimensão técnica do processo de formação de professores e especialistas em educação. Nesta perspectiva a atenção está dirigida primordialmente para a organização e operacionalização dos componentes do processo de ensino-aprendizagem: objetivos, seleção de conteúdo, estratégias de ensino, avaliação, etc. Os estudos analisam a prática educativa existente e propõem experimentos comparando diferentes metodologias e verificando seus efeitos sobre os resultados da aprendizagem. Em geral, são trabalhos de caráter experimental ou que utilizam amplamente métodos de observação e aquisição. Este tipo de pesquisa se desenvolveu de modo acentuado na primeira parte da década de 70, sob influência da psicologia comportamental, da abordagem sistêmica e da tecnologia educacional. As variáveis processuais de educação são privilegiadas e, dentro destas, as que são de natureza técnica. A educação é vista numa perspectiva sistêmica e a interação entre os diferentes componentes do sistema de ensino-aprendizagem é enfatizada tendo por objetivo alcançar sistemas instrucionais altamente eficazes e eficientes. O educador é concebido como um organizador das condições de ensino- Profa. Tatiane Lucena aprendizagem que devem ser rigorosamente planejadas para garantir resultados "ótimos". Conseqüentemente, no que se refere à formação dos educadores, o grande preocupação é a instrumentalização técnica. Ela é vista muitas vezes como um fim em si mesmo e como um elenco de procedimentos a serem dominados. Daí o tecnicismo que reduz o profissional de educação a um mero técnico ou um especialista em "instrumentolidades". A mediação técnica se torna substantiva norteando os fins e valores do processo educacional e não ao contrário. Toda a preocupação se centra nos aspectos operacionais da formação e do processo de ensino-aprendizagem. A terceira perspectiva pode ser denominada de centrada na dimensão humana. Situam-se nela aqueles estudos que enfatizam a relação interpessoal presente em todo processo formativo. Educação supõe comunicação humana, direta ou indireta. Em tal abordagem, este é o foco da atenção: que condições deve realizar esta interrelação humana para que seja facilitadora do processo de aprendizagem? Como promovê-Ia ou criar condições para que se desenvolvam? Trata-se em geral de estudos experimentais, correlacionais, ou que utilizam técnicas de observação, quer sistemática ou assistemática. Esta abordagem também teve um desenvolvimento acentuado na década de 70, sob influência da chamada "terceira força" em psicologia, o movimento conhecido como "psicologia humanista". Aqui também a ênfase é colocada nas variáveis processuais do processo de ensino-aprendizagem, agora privilegiando os componentes relativos à interação humana. A educação é vista fundamentalmente como um processo de crescimento pessoal, interpessoal e grupal, e o educador como um facilitador deste crescimento. O processo de formação tem como principal preocupação a aquisição daquelas atitudes necessárias para a mobilização da dinâmica de "tornar-se pessoa", para liberar a capacidade humana de auto-aprendizagem de forma que seio possível o desenvolvimento pessoal "pleno", tanto intelectual quanto emocional. Esta abordagem tende a ver os problemas relativos à formação 50 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos da pessoa humana numa perspectiva individualista ou, quando muito, atenta à realidade de interação social em nível de pequeno grupo ou grupo primário. Tanto a perspectiva centrada na dimensão técnica quanto a centrada na dimensão humana, ao analisarem a problemática da formação de professores e especialistas em educação enfatizando variáveis de caráter processual, focalizam dimensões internas, sem se preocuparem com a articulação destas dimensões com as características (textuais, sociais, políticas e econômicas), que as condicionam e envolvem. A quarta categoria de estudos tem exatamente como foco principal de suas preocupações a referência ao contexto socioeconômico e político em que se situa toda prática de formação de educadores. Por isso pode ser denominada de centrada no contexto. Esta abordagem adota uma perspectiva crítica em relação às anteriores, exatamente por minimizarem este tipo de análise. Trata-se em geral de estudos de caráter filosófico e sociológico que se têm realizado principalmente a partir da segunda parte da década de 70. Nesta linha, a educação é vista como uma prática social em íntima conexão com o sistema político-econômico vigente. Somente a partir deste pode ser compreendida e analisada. Portanto, o educador deve possuir uma sólida formação em ciências sociais e humanas. Sua prática não é jamais "neutra". Está a serviço da manutenção do "status quo" ou da transformação social. Analisar e propor, a partir das condições concentradas da realidade, uma prática educativa transformadora constitui uma questão fundamental. Questão esta que só pode ser trabalhada na interpenetração de teoria e prática, que devem ser consideradas como uma unidade. Esta dinâmica deve estar presente em todo processo formativo. Só a partir deste tipo de análise é que adquire sentido a preocupação com as dimensões internas do processo educativo. 1.2. Por uma perspectiva multidimensional da formação de educadores Profa. Tatiane Lucena Através da breve apresentação das perspectivas acima mencionadas, deixando de lado aquela centrada na norma que, na nossa opinião, não apresenta nenhuma contribuição à questão em foco, parece-nos que o centro da discussão está situado no modo de conceber o processo educacional e a articulação entre suas diferentes dimensões. Alguns estudos parecem, ao privilegiar determinado tipo de variáveis - de processo ou de contexto - ou alguma dias dimensões técnica, humana ou contextual -, tenderem a um certo reducionismo. O processo educacional e, conseqüentemente, a formação de educadores, é vista quase que exclusivamente como uma dinâmica de interação humana, uma organização sistemática e intencional de diferentes componentes de um sistema ou na linha da conscientização, com características eminentemente político-sociais. A educação é um processo multidimensional. De fato, ela apresenta uma dimensão humana, uma dimensão técnica e uma dimensão político-social. Estas dimensões não podem ser visualizadas como partes que se justapõem, ou que são acrescentadas uma às outras sem guardarem entre si uma articulação dinâmica e coerente. Não se trata de propor um ecletismo ou associar de forma meramente superficial elementos oriundos das diferentes perspectivas. O desafio está exatamente em construir uma visão articulada em que, partindo-se de uma perspectiva de educação como prática social inserida num contexto político-social determinado, no entanto não são deixadas num segundo plano as variáveis processuais. Contexto e processo são vistos em articulação onde a prática educativa quotidiana, traduzida em comportamentos e atitudes concretos relativos aos objetivos propostos, disciplina, avaliação, relação professor-aluno, etc, assume uma perspectiva político-social e esta, por sua vez, não se reduz a uma prática que poderíamos chamar, por não encontrarmos no momento outra expressão melhor, "para-profissional", mas se concretiza no dia-a-dia da prática educativa. A formação de educadores adquire assim uma perspectiva multidimensional. Trabalhar nesta perspectiva e traduzi-Ia em termos de currículos e dinâmica de formação, para nós, o grande desafio do momento. 51 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos MORALES, Pedro. Multidimensionalidade da relação professoraluno. In: ______. A relação professor-aluno: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1998. p. 49-58. MULTIDIMENSIONALIDADE DA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO Aproximemo-nos mais da sala de aula, mas dentro dessa visão global da relação professor-aluno e antes de tratar de situações e momentos mais específicos. Comentaremos dois aspectos mutuamente relacionados (como todos, neste âmbito da relação professor-aluno) e enunciados no título anterior: A relação professor-aluno na sala de aula é complexa e abarca vários aspectos; não se pode reduzi-Ia a uma fria relação didática nem a uma relação humana calorosa. Além disso, embora estejamos enfatizando a relação do professor com os alunos (o professor é o sujeito principal, aquele que de alguma maneira inicia a relação), os alunos também influem no professor que dá a deixa: a relação que o professor inicia influi nos alunos, os quais, por sua vez, influem no professor e reforçam determinado estilo de relação professor-aluno. As influências recíprocas serão analisadas nos capítulos seguintes; agora voltaremos nossa atenção para a multidimensionalidade dessa relação, vista, sobretudo, do lado do professor. 1. Relação a partir da motivação Podemos ver a globalidade da relação professor-aluno mediante um modelo simples relacionado diretamente com a motivação, mas que necessariamente abarca tudo o que acontece na sala de aula. Esse modelo nos ajuda a ver num golpe de vista Profa. Tatiane Lucena toda a relação que se dá na sala de aula, tanto nos níveis externos (facilmente observáveis) como nos internos, como são as emoções e as atitudes, que também terminam se manifestando. A relação do professor com os alunos tem dimensões ou manifestações-tipo diferentes, que podem se reduzir pelo menos a estas duas: O tipo de relação-comunicação mais pessoal: reconhecer êxitos, reforçar a auto confiança dos alunos, manter sempre uma atitude de cordialidade e de respeito ... A orientação apropriada para o estudo e o aprendizado: criar e comunicar uma estrutura que facilite o aprendizado ... (Em suma, o que costumamos entender por uma docência eficaz). Como estamos distinguindo entre relação e docência, é importante voltar a lembrar que a qualidade da relação professoraluno não deve ser confundida com a dimensão mais relacional (ser boa pessoa e amável com os alunos) e que costumamos denominar de relações humanas. Acredito que está clara tanto a distinção entre relação e docência (para entender-nos e falar dos dois aspectos), como sua não distinção. Sem uma boa e eficaz relação didática com os alunos, simplesmente não há uma boa relação professor-aluno. Não vamos à sala de aula para fazer os alunos rirem (o que ocasionalmente vem bem a calhar) tampouco para ser carinhosos, a fim de que eles se sintam bem, e sim para ajudá-Ias em sua tarefa de aprender. Se, em contrapartida, faltar à tarefa didática o componente de relação humana (com os esclarecimentos que queiramos fazer, pois estamos dentro da sala de aula), a qualidade do aprendizado padecerá e até mesmo se deixará de ensinar e aprender coisas importantes. 2. Perspectivas psicológicas e educativas Como introdução a este modelo, podemos lembrar as duas perspectivas, uma mais psicológica e outra mais do tipo 52 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos Profa. Tatiane Lucena educativo, da pesquisa sobre a motivação (dos alunos na sala de aula) e que, entendida de uma maneira mais genérica, pode ser concebida como um indicador claro da relação professor-aluno. 1. A pesquisa em psicologia tem insistido nas influências interpessoais na motivação e estudado constructos como as atribuições (locus de controle interno e externo; onde situamos a culpa ou a origem das conseqüências de nossas ações), a auto-eficácia ou a percepção da própria competência. Este tipo de pesquisa traz informação sobre o perfil das crenças e atitudes dos alunos que permite de alguma maneira prever sua motivação. 2. A pesquisa em educação centrou-se mais nas condutas dos professores que são eficazes em promover a motivação dos alunos. Tem-se sugerido muitas condutas motivadoras2: - Dar orientação. - Mostrar entusiasmo. - Propor alternativas para a escolha dos alunos. - Elogio sincero. - Reforço do êxito. - Estimular a curiosidade. - Estimular o interesse. - Centrar a atenção. - Mostrar a relevância do que se estuda. - Criar um clima de confiança e satisfação. Tanto a pesquisa mais psicológica como a mais centrada na educação trazem perspectivas complementares sobre a relação entre as condutas do professor e a motivação do aluno que podem ser integradas no mesmo modelo. as expressem, e até presumam não tê-Ias. Nós, professores, seremos eficazes na medida em que levarmos em conta essas necessidades. Essas não podem reduzir-se à necessidade de ser aprovado na matéria; é algo mais profundamente humano. Segundo esse pressuposto, a eficácia das condutas do professor deriva-se, por sua vez, da eficácia que tais condutas tenham para satisfazer as necessidades básicas dos alunos (das quais, como observamos, os alunos podem não ter uma consciência clara). As condutas do professor são em boa medida condutas verbais (o que comunica aos alunos e como comunica), mas são também comunicações não-verbais (gestos, sorrisos, olhares) e, é claro, são também condutas em um sentido mais próprio (o que faz e organiza). Em suma, o modo como ele considera sua tarefa como professor se traduz em sua relação global com os alunos na sala de aula: sua própria concepção do que é ser professor se expressa continuamente de múltiplas maneiras, de forma natural e espontânea. 3. Motivação e necessidades dos alunos 4.1. Qualidade das relações interpessoais A idéia básica em que se fundamenta esse modelo é esta: a motivação é interna e floresce, cresce quando os alunos vêem satisfeitas suas necessidades psicológicas. Não é uma má idéia para se levar em conta: os alunos têm necessidades, embora não tenham uma consciência clara delas e não A qualidade das relações interpessoais manifesta-se de muitas maneiras: dedicar tempo à comunicação com os alunos, a manifestar afeto e interesse (expressar que eles importam para nós), a elogiar com sinceridade, a interagir com os alunos com prazer ... O oposto é a rejeição, a distância, a simples ignorância a respeito dos alunos, o de- 4. Ações do professor e necessidades dos alunos É ilustrativo ver num golpe de vista a relação entre o que o professor faz, especificando as distintas dimensões postas em relação (mais ou menos, sem rigidez nos conceitos), e as necessidades dos alunos. As três áreas de atuação do professor (relações interpessoais, estrutura de aprendizado e apoio da autonomia e do desenvolvimento integral do aluno) merecem um comentário adicional. 53 Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos sinteresse ... (mostrado ao menos por omissão). Retomamos aqui as observações de Deiro (1995): é preciso saber criar um ambiente ou uma atmosfera de segurança, de paz, de maneira que os alunos possam sentir que aqui se deve trabalhar, mas o ambiente é bom. Uma matéria pode ser difícil e exigir muita atenção e esforço, mas isso não significa que se deva estar tenso na classe e que se pense na prova em um horizonte de angústia e incerteza. Sem paz interior não se pode aprender nada de modo significativo. Aqui entra, naturalmente, o estilo de relação do professor. Os alunos devem sentir-se livres para errar e aprender com seus erros. O sentir-se livres se traduz aqui por ausência de medo, de angústia... Aprender com os próprios erros é importante para o crescimento pessoal, seja emocional, social ou cognitivo. Esse ambiente de segurança, de paz, de confiança é necessário para aprender e internalizar o que se vai aprendendo. Quando um aluno vê em uma prova um problema simples e começa a se perguntar onde está a armadilha, porque, se é simples, significa que estão querendo enganá-Io..., então algo não vai bem. Não se pode aprender seriamente num clima de insegurança, tensão, medo e desconfiança. Talvez se possa ser aprovado na matéria, mas não aprender. 4.2. Dar estrutura ao aprendizado A estrutura refere-se à quantidade e qualidade de informação que se dá aos alunos em favor da eficácia do aprendizado: manifestar expectativas, responder de maneira consistente, dar informação de ajuda, ajustar-se ao nível dos alunos... O oposto é o caos, a ambigüidade. Dar estrutura é, em suma, proporcionar informação e orientação. E também cuidar da seqüência didática, dos exercícios, do ritmo. É preciso lembrar aqui que a informação é uma fonte de poder. Sobretudo no terreno da avaliação, existe a tentação de manipular a informação como arma de controle, de castigo, de autodefesa... Às vezes pode haver matérias artificialmente difíceis pela falta de informação adequada e de ênfase apropriada sobre o que e como estudar. Profa. Tatiane Lucena A organização requer flexibilidade e capacidade de adaptação. Ser organizado (na preparação das aulas, na organização de tarefas) aparece em muitos estudos como uma característica dos professores mais bem avaliados, mas igualmente se dá com a capacidade de ser flexível, de saber adaptar-se ao que acontece na sala de aula. 4.3. Apoiar a autonomia do aluno Apoiar a autonomia do aluno relaciona-se com a margem de liberdade que lhe é concedida nas atividades de aprendizado, com a ausência de pressão, de prêmios externos. Relaciona-se também com a capacidade do professor de fomentar a motivação interna e criar um clima de paz no trabalho. À autonomia poderíamos acrescentar outros objetivos do domínio afetivo. O ensino dos conhecimentos é um veículo para aprender mais coisas... E coisas mais importantes. É na sala de aula e nas tarefas derivadas da aula que os alunos gastam seu tempo e suas energias. Podem aprender a colaborar, a respeitar-se entre si quando trabalham em grupo ou em projetos cooperativos; podem aprender a apreciar outras culturas, a desenvolver-se bem na sociedade, a comunicar-se de maneira competente; podem aprender a pensar. As oportunidades que a sala de aula convencional nos oferece para exercer uma ação educativa mais nítida, e isto com alunos de qualquer idade, é outro tema de interesse e muito ampliável. Nesse item entra tudo o que se relaciona com a avaliação; muita comunicação significativa se dá em tomo dela. Esse tema merece um capítulo à parte. Em última instância, trata-se de como utilizamos nosso poder, porque o temos, e nossos recursos, que também temos. O principal recurso é, em suma, nós mesmos e os alunos. As três dimensões (qualidade das relações interpessoais, estrutura, autonomia) são conceitualmente independentes; podem-se construir contextos nos 'quais, por exemplo, a estrutura é muito clara, contudo a autonomia do aluno é muito escassa, ou as coisas podem estar muito claras, mas a relação pessoal do professor com os alunos pode ser ruim ou distante e sem interesse. 54