ANÁLISE DA IMPLEMENTAÇÃO DA TERAPIA DO RISO COMO MÉTODO AUXILIAR NO PROCESSO DA HOSPITALIZAÇÃO – ESTUDO DOS ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA TERAPIA NA EVOLUÇÃO CLÍNICA Kellyn Kristina Alves Ferreira1 Gleicilaine Aparecida Sena Casseb2 José Juliano Cedaro3 RESUMO: O presente trabalho teve por objetivo estudar os efeitos clínicos do emprego da Terapia do Riso em crianças de 03 a 12 anos de ambos os sexos, acometidas por neoplasias e em tratamento na Ala Oncopediátrica do Hospital de Base Dr. Ary Pinheiro (HBAP) de Porto Velho - RO. O instrumento principal da pesquisa para a coleta de dados foram questionários estruturados e adaptados para as crianças e seus responsáveis a partir da “Escala de Avaliação de Qualidade de Vida (AUQEI - Autoquestionnaire Qualité de Vie Enfant Imagé)” desenvolvido por Manificat e Dazord (1997). Com relação aos resultados encontrados percebeu-se que as crianças apresentam baixa qualidade de vida e que esta não diferiu entre as crianças internadas e as freqüentadoras do Hospital-Dia. No que diz respeito à Terapia do Riso, foi consenso entre pais e a equipe de saúde que a ação dos “Anjos da Enfermagem” (grupo de estudantes que promovem o riso no HBAP) melhora o humor das crianças assim como a auxilia na evolução clínica. Neste contexto, foi ressaltada a necessidade de uma maior atuação e aplicação da Terapia do Riso nos hospitais a fim de atingir e beneficiar o maior número de crianças possível. PALAVRAS-CHAVE: Terapia do Riso; qualidade de vida; crianças com câncer. INTRODUÇÃO A implementação de um serviço hospitalar humanizado traz consigo melhorias ao paciente internado, pois segundo Angerami (1998, 2002) humanizar um ambiente hospitalar significa permitir que emoções possam ser manifestadas, direitos possam ser respeitados e, sobretudo, que a dignidade humana seja celebrada. O processo de humanização implica em várias ações, das quais se espera que sejam organizadas e coordenadas a partir das diretrizes das políticas públicas, com trabalho integrado entre gestores, profissionais e usuários. No entanto, registram-se várias ações isoladas que favorecem a melhoria do ambiente hospitalar, seja o ambiente psíquico, seja o ambiente físico. Estudos sugerem que a sensibilidade comportamental da criança a arranjos ambientais específicos aumenta a probabilidade da alteração do comportamento, permitindo o estabelecimento de repertórios comportamentais diferenciados. Tais repertórios podem ser representados pelo estabelecimento de respostas de adesão ao tratamento, comportamentos 1Bolsista PIBIC/CNPq. 2Orientadora. 3Co-orientador. 2 colaborativos ou participação ativa em processos de tomada de decisão. (SOARES & BOMTEMPO, 2004) As crianças trazem mais claramente o reflexo da influência do meio em seu comportamento. Normalmente elas expressam os seus sentimentos genuinamente, fazendo com que a internação hospitalar na infância seja danosa, pois afasta a criança de sua vida corriqueira, do ambiente doméstico e a impele a confrontar a dor, a limitação física e a passividade -, aflorando sentimentos que vão da culpa ao medo de morrer (MITRE & GOMES, 2004). No processo da hospitalização, mais especificamente quando se trata de crianças, percebe-se que o brincar pode ser benéfico à vida da criança e fundamental para seu crescimento e desenvolvimento harmônico. Segundo MITRE (2000), a criança ao ser hospitalizada pode protestar manifestando medo, apatia ou ainda sentimentos de fuga, culpa e tristeza. Formas reativas diante das ameaças de um ambiente novo, inóspito e muitas vezes que trazem dor e sofrimento. De acordo com estudos realizados por Belizário (1998), 11% das crianças hospitalizadas têm depressão e em outras 20% aparecem sintomas da perturbação. Essas manifestações e sintomas são algumas das expressões clínicas da depressão infantil as quais podem passar despercebidas ou serem confundidas com uma fase de temperamento difícil ou retraído da criança pelo fato de a mesma ter sido retirada bruscamente do seu cotidiano. Reconhecer estes quadros, cuja aparência da criança é modificada pela doença de base e pelo processo da hospitalização é de crucial importância, pois tais fatos envolvem a qualidade de vida subjetiva do paciente, o que segundo Zannotti (1997) se constitui também em um indicador de saúde global. Shin e Johnson (1978) sugerem que a qualidade de vida consiste na posse de recursos imprescindíveis para a satisfação das necessidades e dos desejos individuais, permitindo a participação em atividades que possibilitam o desenvolvimento pessoal, a autorealização e uma comparação satisfatória entre si mesmo e os outros. Há uma tendência de utilizar o humor no tratamento hospitalar como um aliado para o aumento da auto-estima dos pacientes assim como de sua qualidade de vida. Segundo Vale (2006) o riso tem efeito terapêutico facilitador do tratamento analgésico em ambiente hospitalar e por tal razão deve ser promovido entre os enfermos hospitalizados porque isso facilitaria a 3 socialização, novas amizades e autoconhecimento. Assim, percebemos que há uma acentuada produção científica sob a ótica das terapias alternativas ou suplementares, como a do riso. De tal forma, entendemos a necessidade de investigar e divulgar trabalhos no mesmo sentido realizados em Rondônia. Um estudo que vise contribuir para a renovação da terapêutica atualmente empregada nas instituições hospitalares, tendo em vista os possíveis benefícios trazidos pela incorporação deste tipo de Terapia como uma alternativa auxiliar viável aos tratamentos atuais. OBJETIVOS: Verificar os efeitos psicológicos e a receptividade da criança hospitalizada à Terapia do Riso, bem como verificar a qualidade de vida das mesmas. METODOLOGIA: A pesquisa é de cunho qualitativo e quantitativo, fazendo uso do método de abordagem hipotético-dedutivo e de um estudo analítico, de caráter seccional e observacional. Foi realizada no Hospital de Base Dr. Ary Pinheiro, na Ala Oncopediátrica, com crianças da faixa etária de 03 a 12 anos, de ambos os sexos, com o diagnóstico de câncer, cuja perspectiva de duração do tratamento tivesse um intervalo mínimo de dois meses. No intervalo entre fevereiro e junho foram contatadas 15 crianças para a realização dos procedimentos necessários para a pesquisa. Com a autorização do responsável, acessamos os prontuários e colhemos informações com a equipe que acompanha a evolução clínica do paciente, os quais nos passaram o tempo de internação, a existência ou inexistência de complicações clínicas e outras informações, como o temperamento e a forma de reação da criança ao tratamento. Os dados foram coletados por meio de entrevistas não-estruturadas com a Equipe de Saúde e na aplicação de questionários estruturados e adaptados a partir da “Escala de Avaliação de Qualidade de Vida (AUQEI - Autoquestionnaire Qualité de Vie Enfant Imagé)”, desenvolvido por Manificat e Dazord (1997) e padronizado no Brasil por Assumpção Júnior e outros (2000) em uma amostra nacional. Este questionário foi escolhido por se demonstrar útil 4 na avaliação da influência dos cuidados fornecidos e do estado de saúde da criança a ele submetida. As respostas dos questionários são pontuadas de 0 a 3 para posterior análise fatorial. Para análise estatística e confecção dos gráficos e tabelas foram utilizados os softwares STATISTICA (versão 6.0) e a Microsoft Excel (versão 2003), sendo que os valores das amostras pareadas independentes dos grupos teste e seus respectivos controles foram tratados pelo teste t de Students (BERQUÓ, SOUZA & GOTLIEB, 1981). As diferenças com p menor que 0,05 foram consideradas estatisticamente significantes. RESULTADOS A amostra estudada foi constituída de 15 crianças, com média etária de seis anos (DP = 2,97), predominando a faixa de três a seis anos. Quanto ao sexo, a distribuição foi predominantemente masculina (10 ou 66,6% para cada um) e 8 (53,3%) possuíam cor branca. Com relação a freqüentar a escola, 10 crianças (66,6%) freqüentam a escola, e quanto ao regime de tratamento das crianças, 8 (53,3%) encontravam-se internadas (mais de 48 horas hospitalizadas) no momento da entrevista, sendo que as demais freqüentavam o hospital apenas uma vez por semana, em dias pré-determinados para seguimento, através do Hospital-Dia. A distribuição dos diagnósticos foi variada, sendo que LLA (Leucemia Linfocítica Aguda) correspondente a 73%%, com tempo médio de tratamento de dois anos (DP: 3,54). Os demais diagnósticos são: sarcoma de partes moles, neuroblastoma, LLA recidivada e tumor de Willis, correspondendo 7% cada. Análise da QV das crianças hospitalizadas Os escores totais e parciais sobre a qualidade de vida (QV) das crianças da Ala Oncopediátrica, a partir da aplicação da EQV (escala de qualidade de vida) junto às crianças e mães, são apresentados a seguir. De uma variação possível de zero a 78, os escores médios totais da EQV foram 46,60 (DP=3,40) e 47,60 (DP=3,68), respectivamente, na ótica das crianças e responsáveis, sem diferença estatisticamente significativa entre eles (t-value= -0,76, e p= 0,45, considerando p<0,05). Os fatores família, função e lazer obtiveram, nesta ordem, os maiores valores (10,86 e DP=1,14; 8,40 e DP=1,30; 6,86 e DP=1,08), respectivamente, respeitando-se as variações possíveis. Ao ser considerada a nota de corte 48, verificou-se que a 5 maioria dos índices encontra-se na faixa inferior a 48, para ambos os grupos indicando QV negativa. Analisando-se os escores médios de cada item componente da escala, de forma independente, verificou-se que “longe da família” e “hospitalização” obtiveram os menores valores para crianças e mães (vide questões 8, 14, 20, 23 do gráfico 1); enquanto “aniversário”, “avós” e “férias” alcançaram os maiores valores para as crianças, diferentemente de suas mães. Em relação aos fatores/dimensões não houve diferença estatisticamente significante em nenhum dos itens analisados. Essas informações demonstram que as crianças e pais estão em concordância quanto às informações prestadas. Em ambas as perspectivas há a confirmação de qualidade de vida baixa. O gráfico 1 expõe esta variação, por questão, dos escores obtidos nas perspectivas das crianças e dos pais. Gráfico 1. Média de pontuação em cada questão na perspectiva dos responsáveis e das crianças, Ala Oncopediátrica HBAP, 2009. Com relação ao tipo de hospitalização as médias do escore total de crianças do hospital dia e “internação” foram de 45,14 e 47,87 respectivamente, sendo que a maioria das crianças (73,3%) apresentou escore menor que 48. Contudo, as médias dos escores totais entre estas crianças não diferiram estatisticamente apresentando um t-value = -1,57 e p=0,13 (p<0,05), demonstrando que o escore de qualidade de vida foi igualmente baixo para todas as crianças. Com relação aos “Anjos da Enfermagem” 6 Para a percepção da receptividade das crianças com relação aos “Anjos da Enfermagem foi realizada uma pergunta referente à este grupo a qual, para título de análise, foi pontuada de 0 a 3. De um total máximo de 45 pontos para a soma das respostas de todas as crianças, obtevese uma soma de 37 pontos (DP=1,086), média de 2,47 pontos para cada questão, com variação máxima e mínima de 3 e 2, respectivamente. Isso demonstra que 100% das crianças ficam “felizes” ou “muito felizes” quando recebem a visita dos Anjos da Enfermagem. Esses valores foram corroborados com as pontuações dos responsáveis, não apresentando diferença estatisticamente significativa entre ambos. QV das crianças sob a ótica da Equipe de Saúde Do total de 24 profissionais, 15 colaboraram com a pesquisa (62,5%) respondendo aos questionários semi-estruturados. A maioria destes, 70% afirmou que as atuações dos “Anjos da Enfermagem” causam impacto no comportamento da criança com relação ao tratamento, melhorando o humor, a aceitação aos medicamentos e até mesmo a evolução clínica. DISCUSSÃO O presente trabalho demonstrou que o processo da hospitalização em pacientes oncopediátricos causa um impacto negativo na qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) das crianças portadoras de doença crônica, pelas perspectivas dos pais ou responsáveis, bem como pela perspectiva das próprias crianças. Alguns estudos também observaram um impacto negativo na QVRS de crianças e adolescentes portadores de doença crônica, mais especificamente LLA, quando comparados à população saudável, por meio de instrumentos genéricos (LANDOLT et al, 2006). Pela média dos escores sumários do instrumento foi detectado prejuízo na QV o qual teve sua apresentação global confirmada por ter sido detectado igualmente em todos os construtos (função, família, lazer e autonomia). Esse achado assume grande importância ao se considerar que a população estudada encontra-se em uma condição mórbida de longa duração. Corrobora a isso o fato do câncer ser um fator estressor que atua sobre o paciente e a família em relação a diversas particularidades (KUCZYNSKI, 2002). O impacto negativo na qualidade de vida pode ser justificado pela presença da própria doença ou das limitações impostas pela mesma e que impedem a criança ou adolescente de 7 realizar suas atividades físicas, sociais, escolares e familiares. Tais repercussões podem estar associadas diretamente à necessidade de internação, quimioterapia e aos efeitos colaterais da doença e do tratamento que causam prejuízos na saúde física, mental e no comportamento da criança e implica em alterações nas relações sociais e nas atividades familiares. Mas os efeitos podem persistir ao longo do tempo. Embora a hipótese inicial fosse de um maior prejuízo para os indivíduos internados, o presente estudo não detectou diferença significante entre os pacientes que estavam internados para a quimioterapia e aqueles que freqüentavam o hospital apenas uma vez por semana (Hospital-Dia). Esses resultados devem ser considerados com cautela, pois o número a população de estudo, foi pequena. No decorrer da pesquisa, não foi possível contar com a assiduidade da visita dos “Anjos da Enfermagem”, pois estes se encontravam em capacitação e em período de mudança de integrantes. A partir deste fato foi notória a falta que a ação dos mesmos causa com relação aos sentimentos e expectativas da criança, o que influencia indiretamente no andamento do tratamento das mesmas. Diante deste déficit, este trabalho não só estimulou a maior atuação dos “Anjos da Enfermagem” como incentivou a iniciativa de um grupo de acadêmicos de medicina da UNIR a iniciarem suas atividades relacionadas com o riso no hospital o quanto antes. CONCLUSÃO A hospitalização ocasiona um impacto negativo na QV de crianças e adolescentes portadores de neoplasia, pela perspectiva dos pais ou responsáveis bem como das próprias crianças. O prejuízo não apresentou diferença dentre os fatores e dimensões do questionário não havendo, portanto uma causa em específica para a qual pudesse ser atribuída essa qualidade de vida negativa. Podemos concluir também que a Terapia do Riso no HBAP funciona de modo deficiente, necessitando de maior continuidade e abrangência. Os resultados deste trabalham contribuíram para o incentivo de uma maior atuação dos “Anjos da Enfermagem”, bem como para a atuação de outros grupos na Ala Oncopediátrica do hospital. 8 REFERÊNCIAS ANGERAMI-CAMON, V. (org.) Psicologia hospitalar – teoria e prática. 2ª ed. São Paulo: Pioneira, 2002. SOARES, M. R. Z.; BOMTEMPO, E. A criança hospitalizada: análise de um rograma de atividades preparatórias para o procedimento médico de inalação. (2004) Disponível em: http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/epc/v21n1/v21n1a05.pdf. Acessado em: 21 de maio de 2008. MITRE R. M. A. Brincando para viver: um estudo sobre a relação entre a criança gravemente adoecida e hospitalizada e o brincar. Rio de Janeiro: Instituto Figueira Fernandes, Dissertação (mestrado) FIOCRUZ; 2000. MITRE, R. M. de A., GOMES, R. A promoção do brincar no contexto da hospitalização infantil como ação de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 9 (1): 147-154, 2004. BELIZÁRIO, J. F. & CAMARGO, P. (1998). A Precoce dor das Crianças. Retirado em 4 de Dezembro de 2008, da World Wide Web: http://netserve.estaminas.com.br/sos7777/infantil.htm. SHIN, D. C., JOHNSON D.M., Avowed happiness as an overall assessment of the quality of life. Social Indicators Res. 1978;5:475-492. VALE, N. B. do, Analgesia Adjuvante e Alternativa. Revista Brasileira de Anestesiologia, Vol. 56, Nº 05, Set.-Out., 2006. ZANNOTTI, M., KHOL, F.S., DUPPERÉ, P., MYQUEL, M. Évaluation de la qualité de vie en psychiatrie de l'adolescent: aproches et problèmes posés. Neuropsychiatr Enfance Adolesc 1997;45:115-119.