Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 22 e 23 de setembro de 2015 A POTENCIALIDADE MUTATIVA DE ENQUADRES CLÍNICOS DESENVOLVIDOS EM INSTITUIÇÕES Marina de Barros Saroba Profa. Dra. Vera Engler Cury Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida [email protected] Programa de Pós Graduação em Psicologia Centro de Ciências da Vida [email protected] Resumo: Este estudo objetivou descrever e analisar processos psicológicos desencadeados em clientes que participaram de diferentes modalidades de atenção psicológica clínica disponibilizados em contextos institucionais a partir de dados de pesquisas desenvolvidas por pesquisadores do Grupo de Pesquisa “Atenção Psicológica Cínica em instituições: prevenção e intervenção.” Buscou efetivar uma reflexão acerca da potencialidade mutativa de enquadres clínicos diferenciados, quando implementados em contextos institucionais. A perspectiva teórica norteadora é a psicologia humanista, mais especificamente a Abordagem Centrada no Cliente, desenvolvida pelo psicólogo norte americano Carl R. Rogers.O método foi qualitativo e o estudo desenvolveu-se com base em uma análise fenomenológica.Tomou-se como foco do estudo o plantão psicológico em diferentes contextos institucionais.Os resultados apontam para uma mudança psicológica na direção da retomada do crescimento e da autonomia pessoal. Palavras-chave: Abordagem Centrada na Pessoa, Práticas Psicológicas Desenvolvidas em Instituições, Prevenção e Intervenção Psicológica. Área do Conhecimento: Ciências Humanas – Psicologia – CNPq. 1. INTRODUÇÃO Rogers[8] enfatiza que para se desenvolver uma relação terapêutica é necessário ter se estabelecido uma relação interpessoal, ou seja, um relacionamento entre o terapeuta e o cliente. Dessa forma, apenas o contato genuíno é capaz de desencadear e manter uma relação terapêutica positiva. O Plantão Psicológico é um exemplo de intervenção que se desenvolve da forma proposta por Rogers: um plantonista disposto a acolher a demanda emocional trazida pelo cliente. Nesse caso, ambos estão presentes de maneira ativa durante o encontro e um ambiente facilitador ao crescimento psicológico pode se desenvolver. O atendimento psicológico, pela Abordagem Centrada no Cliente, baseia-se em três atitudes que, segundo Rogers[8], desempenham em conjunto um papel fundamental, permitindo que o cliente reconheça e identifique seus sentimentos, pense com clareza acerca das questões levadas ao encontro e que possa analisar os problemas de forma ampla. Tais atitudes são: congruência, empatia e aceitação positiva incondicional. Ao se dar conta das atitudes do terapeuta, o cliente é estimulado a assumir de maneira mais ativa a condução do processo em direção a uma tomada de decisão sobre os problemas que o afligem. Rogers[9] afirma que numa relação terapêutica o terapeuta deve ser capaz de comunicar ao cliente ou ao grupo suas atitudes.Desta maneira o cliente sentir-se-á confirmado e aceito em seu modo de ser e poderá caminhar para uma retomada da autonomia pessoal. Quanto mais o terapeuta for capaz de respeitar e aceitar o cliente, mais eficaz será a relação de ajuda psicológica. Ao sentir-se aceito e compreendido, o cliente passa a não se sentir ameaçado ao compartilhar suas experiências e, ao sentir-se acolhido, desencadeia um processo de autoconhecimento e crescimento pessoal. 2. OBJETIVO Apreender, a partir dos resultados de pesquisas já concluídas, elementos significativos do processo psicológico desencadeado em clientes atendidos em diferentes modalidades de atenção psicológica, disponibilizadas em instituições de forma a analisar a potencialidade mutativa destes enquadres clínicos. Assim, objetivou-se, não a comprovação de uma hipótese, mas sim o desencadear de uma reflexão acerca da potencialidade mutativa de enquadres clínicos diferenciados, quando implementados em contextos institucionais. 3. MÉTODO Este estudo foi desenvolvido como uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória e de inspiração fenomenológica sob a forma de análise teórica dos Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 22 e 23 de setembro de 2015 resultados da implementação do plantão psicológico em diversas instituições. Tais resultados foram desvelados por estudos conduzidos por pesquisadores e alunos do próprio grupo de pesquisa, nos quais o pesquisador exerce o duplo papel de quem exerce a intervenção e é afetado por ela 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO A experiência é um dos termos mais significativos no que se refere a como o ser humano conhece e transforma o mundo que habita. Amatuzzi[1] ao retomar a derivação da palavra experiência esclarece que este vocábulo vem do latim e significa prova, ensaio, tentativa, algo que se adquire empiricamente.Rogers[1] define experiência como tudo aquilo que o organismo passa e que, ao ser por ele percebido, chega à consciência de forma imediata e com significado. Assim, são as experiências que originam e influem sobre os modos de ser das pessoas e as definem enquanto tal. Quanto mais uma pessoa vive e se relaciona com outras, mais complexa torna-se sua experiência e, em decorrência, seus comportamentos e modo de ser vão sendo forjados com base neste conhecimento de si. A experiência também está ligada aos modelos culturais e às estruturas cognitivas individuais. O conceito de experienciação (experiencing em inglês) desenvolvido por Eugene Gendlin, colaborador de Rogers, é um fluxo contínuo que possui seis características: é um processo de sentimento, ocorre no presente imediato, é um referente direto, guia a formação de conceitos, é significativo e é um processo organísmico préconceitual[3]. O processo de experienciação é vital para se compreender como se dá a mudança terapêutica. Para tanto, é necessário incluir um outro conceito, a tendência atualizante, proposta por Rogers[3]. De acordo com ele, ontologicamente o ser humano é dotado de uma força que o impele ao crescimento e a complexidade desde o nascimento. Esta tendência é responsável pelo desencadear do processo de experienciação que possibilita à pessoa desenvolverse psicologicamente de maneira autônoma a partir de seus relacionamentos interpessoais.O indivíduo saudável é aquele capaz de viver de maneira congruente com sua própria experiência, atualizandoa a medida que amadurece e assim pode adaptar-se ao mundo e as diferentes circunstâncias às quais estará sujeito ao longo da vida. O conceito de incongruência aplica-se, por outro lado, a um modo de viver que desconsidera as próprias experiências e aprisiona a pessoa a conceitos rígidos sobre si mesma que a impedem de construir novos significados e crescer psicologicamente.[3] . Messias e Cury[3] corroboram estes conceitos num artigo que objetiva demonstrar a relação entre o nível de experienciação de clientes no início do processo terapêutico com os prognósticos. Sob esta perspectiva, esses autores esclarecem como no contexto da terapia centrada no cliente, desenvolvida por Rogers, desenvolve-se um clima facilitador ao crescimento do cliente, a partir de uma compreensão sobre como sua experiências desdobram-se em significados e símbolos que podem ser subdivididos em vários aspectos: ação, movimento, arte, jogo, corpo, sonho e, até mesmo, pensamentos próprios[3]. O terapeuta, neste caso, tem o papel de compreender empaticamente o que se passa com o cliente, aceitando-o incondicionalmente e relacionando-se com ele de maneira congruente ou autêntica. Assim, a terapia representa uma oportunidade para que o cliente atualize suas experiências e recupere a autonomia pessoal. Refletindo sobre isso no contexto de serviços de saúde pública afogados por longas filas de espera para atendimento psicológico, foi concebido o Plantão Psicológico, caracterizado como uma modalidade de atendimento clínico-psicológico de caráter emergencial aberto à comunidade e sem necessidade de agendamento prévio[4][7]. A palavra plantão, que se originou de platon em francês, refere-se ao soldado ou a pessoa que fica em uma posição fixa de alerta. Atualmente, no contexto dos atendimentos psicológicos no Brasil, refere-se ao profissional que se dispõe a permanecer durante determinado período disponível para atender prontamente quem vier ao serviço com uma demanda emergencial.[2]. Tem como características[2] ser um atendimento breve, geralmente uma única sessão, pontual e destinado à pessoas com necessidades imediatas[7]. Cabe lembrar, como ressaltado por Rosenberg[5] que o plantão psicológico não pretende ser um substituto para a psicoterapia tradicional, mas sim representa uma alternativa necessária no contexto dos serviços públicos de saúde. O Plantão Psicológico pode ser oferecido em diversos tipos de instituições, como hospitais psiquiátricos, escolas, universidades, clínicas-escola, delegacias, consultórios, empresas e varas de família[2][7]. Apesar de seu caráter de atendimento Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 22 e 23 de setembro de 2015 clínico-psicológico, o terapeuta tem um grande desafio de estar pronto para atendimentos inusitados a partir de demandas as mais diversas, inclusive a pessoas em momentos de crise. Implica também na necessidade eventual de encaminhamento a outros serviços de saúde e pode funcionar como acolhimento e suporte psicológico durante o período que antecede os atendimentos psicológicos convencionais[2][5]. A ideia do Plantão Psicológico baseia-se no modelo de aconselhamento psicológico desenvolvido por Carl Rogers nos Estados Unidos nas décadas de 50 e 60 do século vinte, que propunha uma inversão na ênfase do atendimento psicológico do problema para o cliente, isto é, centrava-se na modo de ser e nas características de personalidade do cliente e não na resolução de determinados problemas trazidos por ele[7]. O Plantão Psicológico é uma versão atualizada desta forma de atendimento clínico que encontrou solo fértil no Brasil e que se adapta aos contextos onde é implantado, mantendo os norteadores teóricos da Abordagem Centrada no Cliente. Sua prática tem possibilitado o desenvolvimento de pesquisas voltadas para a construção de novas modalidades de atendimento psicológico em instituições[6]. O plantonista, como é chamado o psicólogo que fica de plantão, exerce uma função ativa ao facilitar ao cliente um encontro consigo mesmo que viabiliza uma tomada de decisão sobre como buscar uma solução para os problemas emergenciais que o afligem[4]. Deve procurar inserir-se em uma relação significativa com o cliente, mesmo num atendimento de sessão única [6]. A missão de ouvir, acolher, acompanhar o cliente e o ajudá-lo a encontrar caminhos para seu sofrimento a partir de suas próprias experiências, apóia-se no conceito de tendência atualizante e na potencialidade do ser humano para encontrar respostas às suas próprias indagações[2]. Ao levar em conta esta potencialidade, percebe-se que o cliente é o principal agente transformador, sendo o plantonista apenas um acompanhante desta construção no momento do plantão. Por meio das atitudes do plantonista, portanto, o cliente pode tomar contato com seu próprio self de inúmeras maneiras[6]. O plantão, então, é uma oportunidade de abertura psicológica aos clientes, em que estes reveem sua maneira de olhar, ser e experienciar o mundo. Nas pesquisas analisadas ao longo deste estudo, constatou-se a importância do Plantão Psicológico para os clientes e para as instituições. Já foi implantando desde os anos setenta em diversos contextos não clínicos, tais como serviços de assistência judiciária, hospitais gerais (para pacientes e funcionários), instituições de longa permanência para idosos, creches, escolas, grupos de reflexão para profissionais da saúde pública entre outros. Os estudos trazem relatos significativos de clientes sobre como terem sido atendidos no plantão psicológico possibilitou reestruturar suas atitudes sobre si mesmos e sobre como enfrentar problemas do cotidiano. Percebe-se que as pessoas procuram o Plantão Psicológico com o objetivo de aliviar ansiedades, angústias e sofrimentos presentes [5][6][7] em relação aos quais sentem-se vulneráveis, mas que na verdade são inerentes ao ser humano em seu processo de vida. O Plantão busca, então, restaurar um espaço perdido de acolhimento e segurança no qual as pessoas podem retomar o controle sobre suas próprias vidas. Este espaço parece estar cada vez mais ausente nas sociedades urbanas do ocidente e torna-se difícil às pessoas expressarem seu sofrimento e anseios e procurarem se reestruturar individualmente[5]. Quanto ao processo de mudança psicológica em decorrência do Plantão, os estudos apontam que este tipo de atendimento possibilita um momento de encontro, reflexão sobre os questionamentos e problemas trazidos[5]. Assim, as atitudes facilitadoras comunicadas pelo plantonista permitem um encontro genuíno no qual o cliente readquire autonomia e retoma o processo de crescimento, ou seja, o acesso ao seu fluxo experiencial[6]. Para a maioria das pessoas que procuram o Plantão Psicológico, vê-se que se faz necessário apenas um único atendimento, sendo este suficiente. Os participantes, ao serem questionados sobre o que apreenderam ou viveram no plantão psicológico, afirmaram ter sido uma experiência positiva, um espaço de escuta verdadeiro em que foram acolhidos, o que lhes possibilitou alívio para angústias[5]. Afirmaram também compreender que o fato de terem expressado seus sentimentos ao psicólogo não trouxe solução para os problemas e frustrações, mas motivou-os a olhar de maneira diferente e com mais esperança para si mesmos[6]. O Plantão Psicológico, assim, tem sido compreendido por aqueles que dele se beneficiam como espaço privilegiado para entrar em contato com medos, angústias, frustrações e inseguranças, sem temor e num clima de compreensão e aceitação por parte do plantonista[6]. Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 22 e 23 de setembro de 2015 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O plantão psicológico tem sido desenvolvido em diferentes contextos institucionais ao longo das últimas décadas e tem gerado desafios às formas tradicionais de atendimento psicológico. Estes desafios constituem um solo fértil para estudos científicos na área de Psicologia. O Grupo de Pesquisa “Atenção Psicológica Clínica em Instituições: prevenção e intervenção” tem respondido com pesquisas que visam compreender e interpretar o modo como os clientes vivenciam este tipo de atenção psicológica. Os resultados demonstram a importância da existência de enquadres diferenciados de intervenção adequados a novas demandas e apropriados a novos contextos de forma a possibilitar às comunidades atendidas espaços de encontros dialógicos geradores de crescimento psicológico. Acima de tudo, deve-se prever formas de atendimento psicológico que privilegiem a participação efetiva do cliente no processo promovendo sua autonomia pessoal e evitando a dependência crônica aos serviços de saúde. AGRADECIMENTOS A Reitoria da PUC-Campinas pelo apoio financeiro. REFERÊNCIAS [1] Amatuzzi, M.M. (2007). Experiência: um termo chave para a psicologia. Memorandum, vol. 13, p. 08-15. [2] Gomes, M.F.D. (2008). Plantão Psicológico: novas possibilidades em saúde mental. Revista SPAGESP, vol.9, n.1, p. 39-44. [3] Messias, J.C. & Cury, V.E. (2006). Psicoterapia Centrada na Pessoa e o impacto do conceito de experienciação. Psicologia: reflexão e crítica, Porto Alegre, vol.19, n.3, p.355-361. [4] Mozena, H. & Cury, V.E. (2010). Plantão Psicológico em um serviço de assistência judiciária. Memorandum, vol.19, p.65-78. [5] Palmieri, T.H. & Cury, V.E. (2007). Plantão Psicológico em hospital geral: um estudo fenomenológico. Psicologia, Reflexão e Crítica, vol.20, n.3, p.472-479. [6] Perches, T.H.P. & Cury, V.E. (2013). Plantão Psicológico em hospital e o processo de mudança psicológica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol.29, n.3, p.313-320. [7] Rebouças, M.S.S & Dutra, E. (2010). Plantão Psicológico: uma prática clínica da contemporaneidade. Revista da abordagem gestáltica, vol.16, n.1, p.19-28. [8] Rogers, C.R. (1986). Sobre o poder pessoal. São Paulo: Martins Fontes. [9] Rogers, C.R. (2003). Um jeito de ser. São Paulo: EPU.